Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12847/18.7T8SNT.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: QUEBRA DE CORRIMÃO DE VARANDA
QUEDA DE CONDÓMINO
MORTE
RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONDOMÍNIO
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Sumário: I – Fazendo a varanda parte integrante da fracção autónoma respectiva, conforme resulta do título constitutivo da propriedade horizontal, a mesma assume a qualidade parte própria, no que respeita à sua parte interior (incluindo o chão).
II – O gradeamento metálico (corrimão) que a circunda, pertencente à parte exterior da mesma varanda, delimitando-a e destinando-se exclusivamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, revela, nessa mesma medida, objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício constituído no regime de propriedade horizontal, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular.
III – Pelo que, ao invés da parte interior da varanda (chão), enquanto parte privativa e simples prolongamento da fracção (com ela se confundindo indissociavelmente inclusive do ponto de vista material), o equipamento de gradeamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, deve ser qualificado como parte comum do prédio, incumbindo a responsabilidade pela sua manutenção e conservação ao Condomínio em geral.
IV – Tendo a condómina perfeita e absoluta consciência do foco de perigo que existia na sua varanda, isto é, a instabilidade do gradeamento metálico (corrimão), o qual se destina precisamente a resguardar e proteger a integridade física dos respectivos utentes obstando a que viessem a cair, desemparados, para o exterior; tendo-o denunciado numa Assembleia de Condóminos ocorrido em 29 de Agosto de 2015, queixando-se que “o gradeamento da sua varanda estava solto”, e sendo-lhe dito que, segundo o consenso dos condóminos em geral, o dever de zelar individualmente pela segurança daquele espaço passaria a partir daí a pertencer cada um dos proprietários das fracções e que deveria expor por escrito a sua situação particular (referente à instabilidade do dito gradeamento metálico) de forma a ser analisada com a atenção e os cuidados que eram devidos; e sendo ainda a principal interessada em que tal problema se resolvesse com a urgência que a existência de um foco de perigo desta natureza exigia – para sua defesa e de terceiros -, a mesma não desenvolveu, durante sensivelmente um ano, qualquer diligência ou providência nesse sentido.
V – Tal postura de facilitismo por parte desta condómina concorreu significativamente, em termos culposos, para o trágico desfecho de que os autos dão notícia, a que acresce o facto de, a ser premente a reparação do dito gradeamento, sempre a própria condómina, actuando preventivamente, poderia realizar motu proprio as intervenções que tivesse por adequadas, responsabilizando de seguida o Condomínio pelo pagamento do inerente custo, nos termos gerais do artigo 1427º do Código Civil.
VI - Acresce que a sua própria qualidade de condómina, e nessa medida comproprietária das partes comuns do prédio, obrigava-a a manter-se particularmente vigilante e activa quanto à sanação deste vício, sendo certo que se tratava da pessoa que se encontrava em melhores condições para aperceber-se da gravidade da situação e agir prontamente em termos preventivos.
VII – Perante o estado de degradação e a notória ausência de segurança desse gradeamento metálico, era-lhe perfeitamente exigível que evitasse de todo a aproximação a esse espaço – inclusive que não o utilizasse -, e em especial que não se apoiasse nesse gradeamento em estado de conservação tão periclitante, tendo acontecido que – em circunstâncias não concretamente apuradas – veio efectivamente a fazê-lo e a sofrer as consequência trágicas associadas à respectiva cedência ao seu peso e subsequente projecção para o exterior com violenta e desemparada queda no solo que se revelou fatal.
VIII – Todo este conjunto de circunstâncias revelam que a conduta da sinistrada foi relevante para a verificação do evento lesivo, para o mesmo contribuindo culposamente, pelo que deve proceder-se a uma redução adequada, ao abrigo do comando geral consignado no artigo 570º, nº 1, do Código Civil, na indemnização a atribuir aos seus herdeiros, ora demandantes, decorrente da responsabilidade do Condomínio pela manutenção e conservação daquela parte comum.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).

I – RELATÓRIO.
Instauraram A [ VIRGÍNIA …]  e B [ ….VIEIRA ] a presente acção declarativa de condenação contra C [ CONDOMÍNIO DO PRÉDIO ….]  e D  [COMPANHIA DE SEGUROS …..]  
Alegaram essencialmente:
São os únicos e universais herdeiros de E  [ Aura ……] , falecida em 2 de Agosto de 2016.
Entre Julho de 2014 e Agosto de 2016 E foi proprietária da fracção designada pela letra “E”, correspondente ao 1.º andar direito, do prédio sito na Rua 25 de Abril, Praceta .., Bloco ….., Ericeira, no qual habitava.
No dia 2 de Agosto de 2016 faleceu E, em consequência da queda da varanda da sua fracção, cujo gradeamento cedeu, fazendo com que a mesma caísse de uma altura de aproximadamente 5 metros, vindo a embater na via pública.
O referido gradeamento, tendo em atenção a sua localização e função, assume a natureza de parte comum, sendo a sua manutenção, resultante do desgaste, da responsabilidade do condomínio.
Apesar de chamadas de atenção da E ao 1.º Réu, acerca do estado da varanda, o mesmo não só não procedeu à sua reparação, como nada fez para verificar a extensão da anomalia existente e/ou intensidade do potencial perigo.
E sempre que se deslocava à varanda fazia-o com todo o cuidado, sendo que o fatídico acontecimento apenas ocorreu porque a mesma se desequilibrou.
Concluem pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem: - € 192,34 ao Autor B a título de danos patrimoniais, pelo custo com as despesas de funeral; - € 1000 à Autora A, a título de danos patrimoniais, relativamente ao custo de reparação da varanda; - €50 000 aos Autores pelo dano não patrimonial decorrente da perda do direito à vida da sua mãe, E; - € 12500 a cada um dos autores pelos danos não patrimoniais sofridos com a morte da sua mãe; - € 35000 pelo dano decorrente do sofrimento da própria vítima, a qual teve a perfeita percepção da iminência da morte.
Devidamente citadas, vieram as Rés contestar.
Alegou o 1.º Réu:
Aquando da última reparação das varandas do prédio, em 2013, ficou acordado entre todos os condóminos que, a partir de então, a manutenção das varandas passaria a ser da responsabilidade de cada fracção, facto esse do qual foi dado conhecimento à falecida E na Assembleia de Condóminos de 29 de Agosto de 2015, sendo que a mesma se conformou com tal esclarecimento, não tendo apresentado qualquer outra reclamação escrita ou oral à administração do condomínio.
Atento o silêncio da E, o 1.º Réu convenceu-se que a mesma havia procedido à reparação do gradeamento, pelo que se o mesmo não foi reparado tal se deveu a inércia da E que nem reparou nem realizou qualquer outra diligência junto da Administração no sentido da resolução da situação, criando a convicção de que a situação se encontrava resolvida.
Até ao dia de hoje os Autores não procederam à reparação /reposição do gradeamento, nem contactaram a Administração para o efeito, criando desta forma um risco acrescido para a segurança de quem utiliza a fracção.
Impugna ainda os danos invocados pelos Autores.
Alegou a 2.ª ré:
A falecida E conhecia a situação de risco de queda da varanda do prédio e, ainda assim, abeirou-se da grade, colocando-se numa situação de perigo para si e para terceiros, devendo por isso também suportar as consequências da sua incúria.
Em todo o caso alega a 2.ª Ré que sempre se verifica uma causa de exclusão da sua responsabilidade, nos termos do art. 3.º, das condições gerais da apólice.
Os valores indemnizatórios peticionados pecam por exagero, tendo em atenção, nomeadamente, o distanciamento e falta de apoio dos Autores à sua mãe.
Terminam assim requerendo a improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido.
Procedeu-se ao saneamento dos autos.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, condenando os Réus C e D. no pagamento:
a) aos Autores da quantia de € 38 000 (trinta e oito mil euros) a título de dano morte e de € 8 000,00 (oito mil euros), a cada um, a título de danos não patrimoniais,
b) ao Autor B da quantia de € 192,34 (cento e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente do sinistro;
c) à Autora A da quantia de € 405,90 (quatrocentos e cinco euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente, indemnização essa pela qual respondem ambas as Rés, sendo a 2.ª Ré apenas até ao limite de € 9000,00 (cobertura do seguro, deduzidos os 10% da franquia) (cfr. fls. 127 a 137).
Apresentaram os RR. recurso desta decisão, os quais foram admitidos como de apelação.
Juntas as competentes alegações, formulou o Réu C as seguintes conclusões:
1. A douta sentença sub judice julgou a acção, intentada por A e B, parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condenou o aqui Recorrente no pagamento da quantia de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) a título do dano morte aos AA., e, a cada um dos AA., a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) a título de danos não patrimoniais; além disso condenou o aqui Recorrente a pagar €192,34 (cento e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos) ao A. B, e a pagar €405,90 (quatrocentos e cinco euros e noventa cêntimos) à A. A, a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente.
2. Para tanto, considerou provados, com relevo para o presente recurso, os seguintes factos: a. “A fração autónoma E correspondente ao 1º andar direito do prédio sito na Rua 25 de Abril, Praceta , Bloco .., n.º1, descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra – freguesia da Ericeira, sob o n.º2117/19941104- E, encontrava-se inscrita a favor de E por aquisição em partilha” – ponto 2 dos factos provados; b. “O 1.º Réu é o condomínio constituído em regime de propriedade horizontal onde se situa a fracção referida em 2.” – ponto 3 dos factos provados; c. “Em Assembleia de Condóminos ocorrida em 29 de agosto e 2015, a E informou o 1.º Réu de que o gradeamento metálico da sua fração necessitava de reparação por estar solto.” – ponto 9 dos factos provados; d. “Em momento e em circunstâncias igualmente não concretamente apuradas –mas anteriores à aquisição da fracção pela E – foi falado entre os condóminos que, a partir de então, a manutenção das varandas passaria a ser da responsabilidade de cada fracção.” – ponto 18 dos factos provados; e. “Facto esse que foi referido à E aquando da interpelação que a mesma fez na Assembleia de Condóminos de 29 de agosto de 2015.” – ponto 19 dos factos provados; f. “Após essa Assembleia Geral a E não fez chegar à Administração do condomínio qualquer reclamação escrita, telefónica ou pessoal.” – ponto 20 dos factos provados; e, g. “No dia 2 de agosto de 2016 faleceu E, em consequência de uma queda da varanda da sua referida fracção.”.
3. Constituía objecto do litígio, conforme resulta do Despacho Saneador proferido a fls. …, a determinação da classificação da varanda como parte comum ou própria da fracção autónoma, importando em função dessa classificação determinar sobre quem recaía a obrigação da sua reparação. Para o caso de se concluir que era uma parte comum e a responsabilidade recaía sobre o condomínio, aferir os danos patrimoniais e não patrimoniais e sua quantificação.
4. Decidiu o Tribunal a quo que a varanda e seu gradeamento eram partes comuns do edifício, porquanto «Entre as partes comuns, de natureza obrigatória, destaca-se “o solo, bem como os alicerces, colunas pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio”, atento o estipulado pelo artigo 1421.º, n.º1, a), do CC. Na verdade, o gradeamento de uma varanda, na propriedade horizontal é propriedade dos condóminos … Trata-se de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de elemento estético da fachada do imóvel que, no interesse colectivo, exerce em relação a toda a construção.».
5. Acrescentando “por outro lado, não se encontrando o gradeamento especificado como privativo, no título constitutivo da propriedade horizontal, todas as coisas que não estejam afectas ao uso exclusivo de um deles, devem ainda as mesmas ser consideradas, presumivelmente, como partes comuns e, portanto, compropriedade de todos os condóminos, com possibilidade de afastamento dessa presunção, nos termos do estipulado pelo artigo 1421.º, n.º2, e), do CC.”;
6. Prosseguindo “Quer isto dizer que deixam de ser comuns aquelas coisas que estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos, bastando, para o efeito, a fim de afastar a presunção de comunhão, uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respectivo título da propriedade horizontal.”; e,
7. Concluindo “Revertendo ao caso em exame, constata-se, todos os elementos fazem parte integrante da fachada do prédio, assente nas paredes exteriores do prédio, razão pela qual não podemos falar de uma afectação material, no sentido da utilização exclusiva do gradeamento da varanda pela proprietária. (...) Concluindo: as estruturas metálicas das varandas existentes nas fachadas de um prédio, integram essa mesma fachada sendo por isso parte comum do imóvel (artigo 1421.º n.º1 a) do CC).”.
8. S.m.o., andou mal o Tribunal a quo, porquanto interpretou a norma constante no art.1421.º, n.º1, al. a) do CC, misturando e confundindo duas realidades distintas: a parte estrutural do prédio e a parte estética do prédio.
9.Dispõe o art.1421.º, n.º1, al. a) do CC que “São comuns as seguintes partes do edifício: a) o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;” – negrito e sublinhado nossos.
10. Se consultarmos a definição de “estrutura” obtemos, nomeadamente, “o que permite que uma construção se sustente e se mantenha sólida” – conforme definição constante e disponível no endereço electrónico https://dicionario.priberam.org/.
11. Donde, as partes constituintes da estrutura do prédio são aquelas que lhe são essenciais, sem as quais o mesmo não se sustentaria, por falta de suporte. É por isso que se falam em paredes mestras, por referência àquelas que permitem a sustentação do prédio e não apenas as paredes exteriores.
12. Uma varanda, como ensina o douto Acórdão do STJ, de 15/05/2012, proferido no processo n.º218/2001.C3.S1, onde foi relator o Venerando Juiz Conselheiro Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt, “é um prolongamento, normalmente, em suspensão, da edificação de que faz parte, desprovida de uma base de sustentação que a suporte”.
13. Uma varanda apesar de integrar o prédio, não é essencial à existência e subsistência deste, antes constituindo um arranjo estético do mesmo, algo que, a ser-lhe retirado afectaria o seu aspecto, a sua linha arquitectónica, mas não afectaria a subsistência do mesmo.
14. Ademais, o que estamos a falar no caso sub judice é, não tanto da varanda propriamente dita, mas do gradeamento nela aposto.
15. Esse gradeamento apesar de não ser essencial à existência da varanda, nem do prédio, é um acessório que lhe é aposto por motivos de segurança, mas também estéticos e arquitectónicos, não estruturais.
16. Aliás, é o próprio Tribunal a quo que avança a possibilidade do gradeamento ser considerado parte privativa se constar do título constitutivo de propriedade horizontal especificado como tal, e se estiver afecto ao uso exclusivo de um dos condóminos, o que resulta, desde logo, da leitura, a contrario, do art.1422.º, n.º2, al. e) do CC.
17. Aqui chegados, e por força da argumentação tecida pelo douto Tribunal a quo, impõe-se apurar a concreta composição da referida fracção autónoma, juntando-se, para o efeito, nos termos do disposto pelo art.651.º, n.º1, in fine do Cód. Proc. Civil, certidão da escritura de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, outorgada a 4 de Julho de 1984 no Cartório Notarial de Mafra, lavrada de folhas 46 a folhas 48 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º184-A do extinto Cartório Notarial de Mafra (DOC.1).
18. Do título constitutivo de propriedade horizontal consta a individualização e composição de cada uma das fracções autónomas que constituem o prédio, constando, designadamente, no que concerne à Fracção E “Primeiro andar direito, com quatro divisões assoalhadas, cozinha, dois quartos de banho, despensa, casa de entrada, varanda e arrecadação no sótão, com a permilagem de oitenta e dois e o valor de duzentos e quarenta e seis mil escudos.”; e,
19. Estabelecendo, ainda, após individualização de cada uma das fracções autónomas, que “São comuns as restantes partes do prédio, incluindo os elevadores, a entrada e a escada de acesso às referidas fracções (…)”.
20. Termos em que, não sendo a varanda um elemento estrutural que possa recair no âmbito de aplicação do disposto pelo art.1421.º, n.º1, al. a) CC, nem constituindo essa varanda cobertura do piso inferior, a mesma também não pode recair no âmbito de aplicação da al. b) daquele dispositivo legal;
21. Sendo que, a varanda em questão não apenas se integra, por força do título constitutivo da propriedade horizontal, na fracção autónoma designada pela letra E, propriedade da falecida E , como era afecta ao seu uso exclusivo, precludindo-se dessa forma a presunção de que poderia ser comum por força do disposto da alínea e) do n.º2 do art.1421.º CC.
22. Resultado, assim, não apenas do título constitutivo da propriedade horizontal, mas também da própria letra da lei (art.1421.º CC) que a varanda em apreço integrava a fração autónoma individualizada pela letra E, propriedade da falecida E, não se tratando de uma parte comum do edifício.
23.Aplicando-se, por maioria de razão todo o supra exposto ao gradeamento da aludida varanda.
24. Ademais, continua o douto Tribunal a quo na sua fundamentação alegando que “o gradeamento de uma varanda, na propriedade horizontal é propriedade dos condóminos. Por essa mesma razão o direito de alterar ou modificar esse gradeamento cabe à comunidade, e não apenas ao proprietário desse andar, a quem está vedada a possibilidade de o alterar a seu belo prazer, sob pena de subverter a fachada do prédio. Trata-se de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de elemento estético da fachada do imóvel que, no interesse colectivo, exerce em relação a toda a construção.”.
25. Tal argumento não pode colher.
26. É que, dispõe o art.1422.º do CC, “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.” – negrito e sublinhado nossos.
27. Note-se que aquela disposição legal impõe limitações ao exercício de direitos por parte dos condóminos, não só relativamente às partes comuns do edifício mas também às próprias fracções autónomas de que são exclusivos proprietários.
28. Se o argumento avançado pelo douto Tribunal a quo fosse válido, teríamos então que, os proprietários das fracções autónomas ao sofrerem limitações aos seus direitos enquanto proprietários das fracções individuais, em prol dos demais, transformariam a sua fracção autónoma em parte comum, por dela não poderem dispor a seu belo prazer. O que, obviamente, não pode colher, por absolutamente absurdo.
29. Dispõe a alínea a) do n.º2 do art.1422.º do CC que “É especialmente vedado aos condóminos: a) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança e linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.” – negrito e sublinhado nossos.
30. Acrescentando o n.º3 desse preceito legal que “as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.”.
31. Donde, ao contrário do preconizado na douta sentença recorrida, as obras na fachada do prédio não têm de ser necessariamente efectuadas pelo Condomínio, podendo as obras na fachada (entendida como conjunto que constitui a linha arquitectónica e o arranjo estético) ser lavadas a cabo por qualquer condómino, desde que devidamente autorizado pela assembleia.
32. Sendo certo que a al. a) do n.º2 do art.1422.º CC faz expressa menção ao facto dos condóminos individualmente não poderem, através de obras novas ou por falta de reparação, prejudicar a segurança do prédio, além de não poderem modificar a linha arquitectónica e arranjo estético do mesmo.
33. Tal norma, como refere o douto Acórdão do STJ de 12/05/2005, proferido no processo n.º05B1978, onde foi Relator o Venerando Juiz Conselheiro Neves Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt, pretende acautelar o direito de todos os condóminos, enquanto proprietários das suas fracções autónomas e comproprietários das partes comuns do prédio, a que este tenha “um aspecto descomprometido e bem arranjado para o que é de todos, ou de cada um que se possa reflectir no todo, sem quebra de equilíbrio visual exterior da unidade predial.”, pretendendo-se evitar que os condóminos individualmente e a seu belo prazer começassem a fechar “as varandas, passando depois, a estender a roupa à janela, a pôr as gaiolas nas paredes... e por aí fora, até ao nível zero do arranjo estético exterior ou da linha arquitectónica do conjunto - o que seria lesivo dos interesses morais e materiais de quem queira habitar (senhorio ou inquilino), num prédio de andares, com aspecto geral decente e atractivo, como factor até de valorização do conjunto patrimonial!”.
34. Resultando implícito do acórdão supra transcrito, designadamente, que as obras ou a falta de reparação susceptíveis de afectar a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio, não têm necessariamente de ocorrer em partes comuns, como refere o douto Tribunal a quo.
35. Neste sentido, M. Henrique Mesquita ensina que “o que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas” - negrito e sublinhado nossos. - (A propriedade horizontal no Código Civil Português, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII – nºs 1-2-3-4, pág. 79 e segs., pág.84).
36. Reforçando o douto Acórdão do STJ de 12/10/2017, proferido no processo n.º1989/09.0TVPRT.P2.S1, onde foi Relatora a Veneranda Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível em www.dgsi.pt, “Essa interdependência – que carece de ser entendida à luz da função acessória e instrumental que as partes comuns desempenham por relação às fracções autónomas – repercute-se, naturalmente, no regime jurídico aplicável, quer a umas, quer a outras. Assim e por exemplo, no que respeita às fracções autónomas, os respectivos proprietários estão, não só, sujeitos “às limitações impostas aos proprietários (…) de coisas imóveis”, como relembra o nº 1 do artigo 1422º do Código Civil (vejam-se, por exemplo, os artigos 1346º ou 1347º do Código Civil), mas ainda sofrem, no âmbito dos normais poderes de “uso, fruição e disposição” que o artigo 1305º atribui ao proprietário, outras restrições decorrentes da sua inserção no conjunto. É o que resulta, nomeadamente, do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, que proíbe ao condómino que prejudique “a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” com obras realizadas na sua fracção (ressalvada a autorização prevista no nº 3) ou “por falta de reparação” de que a mesma careça, que a destine a “usos ofensivos dos bons costumes” ou lhe dê “uso diverso do fim a que se destina” ou, ainda, que pratique “actos ou actividades que tenham sido proibidas no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição” (cfr. ainda o nº 4).”
37. Atente-se, ainda, que não é qualquer obra ou reparação que é proibida. São apenas aquelas que possam comprometer a segurança, a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício. 38. Assim, por exemplo, se um condómino quiser reparar ou trocar o gradeamento da sua varanda, pode fazê-lo livremente, desde que a obra a realizar não afecte nenhum daqueles três aspectos protegidos. Isto é, se quiser trocar um gradeamento de alumínio por um de inox, por ser mais resistente, pode fazê-lo, desde que o novo gradeamento seja esteticamente idêntico ao pré-existente.
39. Ademais, refira-se que é o próprio art.1422.º, n.º2, al. a) CC que impõe a realização, a condóminos individualmente, de obras de reparação que coloquem em causa a segurança, a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício.
40.De todo o supra exposto resulta, por um lado, que a varanda e seu gradeamento, objecto dos presentes autos integram a fração autónoma individualizada pela letra E do prédio sito na Rua 25 de Abril, Praceta .., Bloco …., n.º1, na vila e freguesia de Ericeira, concelho de Mafra, não sendo uma parte comum do aludido prédio;
41. Enquanto parte integrante da fracção autónoma propriedade da falecida E, encontrava-se a manutenção e conservação desse espaço a cargo da sua legítima proprietária;
42. A quem, inclusivamente, estava vedada a possibilidade de omitir a reparação do mesmo, porquanto tal situação colocaria em causa a segurança do prédio (o que veio a verificar-se com a queda sofrida por E), como uma vez caído o gradeamento, verificou-se uma situação de alteração estética do edifício por falta de reparação do seu legítimo proprietário (vedada nos termos do disposto pelo art.1422.º, n.º2, al. a) do CC).
43. Termos em que, deveria o aqui Recorrente ter sido absolvido dos pedidos formulados pelos AA. Caso assim não se entenda, o que se concebe à cautela, mas sem conceder:
44.Caso se considerasse que a varanda é uma parte comum do edifício, sempre se verifica, in casu, que a mesma se encontrava afecta ao uso exclusivo da proprietária da fracção …, E, sem que qualquer outro condómino ali pudesse aceder, ou da mesma retirasse qualquer benefício enquanto comproprietário das partes comuns (o que aconteceria, por exemplo, se se tratasse de um terraço de cobertura, porquanto o mesmo serviria de telhado das demais fracções).
45. Dispõe o art.1424.º CC, que versa sobre a forma de comparticipação dos condóminos nas despesas e encargos de conservação e fruição das partes comuns, que “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.” – n.º3.
46. Termos em que, sempre caberia à falecida condómina custear a reparação/conservação do referido gradeamento.
47. Acresce que, ainda que fosse responsabilidade do Condomínio Recorrente a reparação do aludido gradeamento, o que se admite sem conceder, sempre se teria de considerar que a omissão de tal reparação por do aqui Recorrente foi agravada por um comportamento omissivo e algo negligente por parte de E, e de seus filhos, que, praticamente um ano volvido entre a interpelação efectuada na Assembleia de Condóminos, não só não diligenciaram pela reparação do gradeamento em prol da segurança de quem utilizava a varanda, como sequer apresentaram qualquer reclamação junto da Administração do condomínio Recorrente, com vista a que aquela reparação tivesse lugar.
48.Tal facto, ainda que revestindo a modalidade de mera culpa, contribuiu para o desfecho que a situação veio a ter, com a queda e consequente morte de E, devendo ser considerada a existência de culpa do lesado nos termos do disposto pelo art.570.º do CC, e, por via disso, ser a indemnização em que o aqui Recorrente foi condenado ser excluída ou, pelo menos, reduzida.
Termos em que se requer a V. Exas. seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue a acção improcedente por se tratar a varanda que deu origem queda que provocou a morte de E, parte integrante da fração autónoma da titularidade desta; sendo, por via disso, o aqui Recorrente absolvido de todos os pedidos formulados pelos AA.. Caso assim não se entenda, sempre deverá ser a mencionada varanda como sendo do uso exclusivo da fracção propriedade da falecida E, recaindo sobre esta a obrigação de custear a sua manutenção/conservação, absolvendo-se o aqui Recorrente do dano patrimonial peticionado pela A. A, relativo ao custo da reparação da varanda; e, Bem assim, sempre deverá ser considerado algum grau de culpa do lesado no dano sofrido, porquanto, com a sua conduta omissiva contribuiu para que o gradeamento não fosse reparado, e por via disso ser excluída ou reduzida a indemnização devida.
Juntas as competentes alegações, formulou a Ré Seguradora as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida errou na interpretação do artº 1421º, nº1 alª a) Cód. Civil pois neste constam as partes do edifício que são comuns por constituírem a estrutura, ou seja, o conjunto das peças de uma construção que suportam essencialmente os esforços inerentes a essa construção;
2. O gradeamento da varanda em causa não é essencial à sustentação do edifício, antes faz parte do arranjo estético do mesmo, permitindo melhorar a qualidade de vida do condómino;
3. A varanda em causa não se presume comum, porque está afectada ao uso exclusivo de um condómino, integrando-se na fracção então da falecida Mãe dos AA. e a eles pertence cf. art.º 1421.º, n.º 2, al. e) Código Civil, disposição violado na sentença recorrida;
4. Logo, as despesas com a sua manutenção são por conta dos AA. e então da sua falecida Mãe que era a responsável pela boa condição do apartamento e tinha a obrigação de evitar que a sua má condição provocasse danos, quer a ela própria, quer a terceiros;
5. Resultando, assim, não apenas do título constitutivo da propriedade horizontal, mas também da própria letra da lei (art.1421.º CC) que a varanda em apreço integrava a fracção autónoma individualizada pela letra E, propriedade da falecida E, não se tratando de uma parte comum do edifício. Contudo sem prescindir,
6. Atenta a matéria provada nos pontos 9, 18 a 23 da douta sentença recorrida a Falecida Mãe dos AA. expôs-se conscientemente a uma situação de perigo para si e para terceiros, pelo que deve suportar também as consequências da sua incúria;
7. Assim não entendendo, a douta sentença violou, entre outros, o disposto nos artºs 483º, 570º nºs 1 e 2, 572º todos do Cód. Civil;
8. Os valores atribuídos na douta sentença recorrida também são exagerados face à matéria aprovada, nomeadamente ao desprezo manifestado pelos AA. pela segurança dos utentes da fracção que, mesmo depois da morte de sua Mãe, continuaram a arrendá-la, sem quaisquer obras ou limitações ao acesso à varanda;
9. O valor atribuído de danos não patrimoniais de 8.000 € para cada um dos AA., é exagerado, dadas as razões de distanciamento e falta de apoio dos AA. para com a falecida que podiam e deviam tê-la ajudado a realizar a obra de fixação do gradeamento da varanda;
10. O valor atribuído para a perda do direito à vida também, salvo melhor opinião, deve ser reduzido, dada a idade e culpa da falecida, além da evidente falta de meios dos condóminos idosos, vivendo de pequeníssimas reformas, atento o disposto nos artºs 494º, 496º, 562º, 563º, 570º, do Cód. Civil que se mostram violados
Não houve contra-alegações.
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado, em 1ª instância, que:
1.Os Autores são herdeiros da E, falecida a 2 de Agosto de 2016.
2.A fracção autónoma “E” correspondente ao 1.º andar direito do prédio sito na Rua 25 de Abril, Praceta …., Bloco ….., n.º 1, descrita na Conservatória de Registo Predial de Mafra – freguesia da Ericeira, sob o n.º 2117/19941104-E, encontrava-se inscrita a favor de E por aquisição em partilha.
3.Entre 18 de Julho de 2014 e 2 de Agosto de 2016 E habitou a fracção autónoma referida em 2.
4.O 1.º Réu é o condomínio constituído no prédio constituído em regime de propriedade horizontal onde se situa a fracção referida em 2.
5.A 2.ª ré é uma companhia de Seguros para a qual, à data da morte de E, estava transferida a responsabilidade civil do 1.º Réu através da apólice de seguro n.º 203812542.
6.No dia 2 de Agosto de 2016 faleceu E, em consequência de uma queda da varanda da sua referida fracção.
7.Em circunstâncias não concretamente apuradas, a E, estando na varanda, apoiou-se no gradeamento metálico da varanda o qual cedeu, tendo a mesma caído de uma altura de cerca de 5 metros e embatido no chão da via pública.
8. A Autora sofreu lesões na cabeça (partes moles, ossos da cabeça (abóboda e base) meninges e encéfalo) e tórax (esterno, clavícula, cartilagens e costelas direita e esquerdas, pulmão esquerdo e pleura visceral as quais foram a causa da sua morte.
9.Em assembleia de condóminos ocorrida em 29 de Agosto de 2015, a E informou o 1.º Réu de que o gradeamento metálico da sua fracção necessitava de reparação por estar solto.
10. À data do óbito a E tinha 69 anos de idade.
11. B suportou o custo do funeral, no valor de € 1.459,00, tendo sido reembolsado pela Segurança Social que comparticipou o mesmo em € 1257,66;
12. O valor da reparação da varanda importou em € 405,90, os quais foram suportados pela Autora A.
13. Ao cair da varanda a E teve a percepção de que poderia morrer.
14. Após a queda, e apesar de se encontrar em paragem cardio-respiratória, a vítima foi sujeita a manobras de suporte básico e avançado de vida, sem qualquer sucesso.
15. A E era uma pessoa muito dedicada aos seus filhos.
16. Entre os Autores e a sua mãe existia amor e carinho.
17.Os Autores sofreram um grande desgosto e choque com a morte da sua mãe.
18. Em momento e em circunstâncias igualmente não concretamente apuradas – mas anteriores à aquisição da fracção pela E – foi falado entre os condóminos que, a partir de então, a manutenção das varandas passaria a ser da responsabilidade de cada fracção.
19. Facto esse que foi referido à E aquando da interpelação que a mesma fez na Assembleia de Condóminos de 29 de Agosto de 2015.
20. Após essa Assembleia Geral a E não fez chegar à Administração do condomínio qualquer reclamação escrita, telefónica ou pessoal.
21. Após o acidente que vitimou a E até à propositura da presente acção os herdeiros da mesma não repuseram/repararam a varanda, nem contactaram a Administração para o efeito.
22. Tendo a mesma varanda se mantido sem gradeamento, não obstante a sua utilização por terceiros.
23. O gradeamento da varanda do 1.º direito estava em estado de degradação, o que era do conhecimento quer da E quer dos restantes condóminos e administração do condomínio.
Provou-se ainda, pela junção do documento de fls. 157/verso a 158 – admitido por este tribunal – que:
A varanda em causa era parte integrante da fracção autónoma “E”, - sua parte privativa - segundo o título constitutivo da propriedade horizontal respectivo.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Responsabilidade pela conservação do gradeamento metálico (corrimão) da varanda que cedeu em edifício constituído no regime de propriedade horizontal. Tratamento da questão em sede de Assembleia de Condóminos.
2 – Análise da questão da contribuição culposa da vítima para a eclosão do evento lesivo (artigo 570, nº 1, do Código Civil).
3 – Quantificação das indemnizações devidas, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Passemos à sua análise:
1 – Responsabilidade pela conservação do gradeamento metálico (corrimão) da varanda do edifício constituído no regime de propriedade horizontal. Tratamento da questão em sede de Assembleia de Condóminos.
A questão jurídica essencial que cumpre apreciar e conhecer prende-se com o apuramento e definição da responsabilidade civil pela manutenção e conservação do gradeamento metálico (corrimão) que circunda exteriormente a varanda do 1º andar direito, fracção “E”, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, no qual residia a falecida condómina E, a qual veio a falecer depois de se ter apoiado no mesmo e ter sido projectada para o exterior em consequência de este, por não ter suportado esse apoio (como era suposto), haver cedido.
Provou-se essencialmente nos autos:
No dia 2 de Agosto de 2016 a condómina E, encontrando-se na sua varando, apoiou-se no gradeamento metálico (corrimão) que circunda a mesma.
Perante a força assim exercida sobre o mesmo, parte desse gradeamento cedeu.
Em consequência, E, perdendo subitamente a base de apoio e caiu, fazendo-o de uma altura de cerca de 5 (cinco) metros, embatendo com violência no solo.
Em virtude das lesões sofridas com esse embate E veio a falecer.
Apreciando:
É insofismável que o relatado evento lesivo teve como origem, directa e causal, a instabilidade, falta de solidez e consistência na fixação do gradeamento metálico (corrimão) ao chão da varanda e às paredes exteriores do prédio, por ausência da devida manutenção e conservação, sendo naturalmente suposto que – se devidamente conservado - esse equipamento se mantivesse firme e resistente, evitando a queda de qualquer utente que aí se encontrasse.
Conforme concretamente se demonstrou em juízo o gradeamento da varanda do 1.º direito, fracção “E”, estava em notório estado de degradação, o que era do conhecimento quer da E, quer dos restantes condóminos e da administração do condomínio.
Vejamos:
Nos termos do artigo 1421º, nº 1, alínea a), do Código Civil:
“São comuns as seguintes partes do edifício:
O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio”.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, páginas 416 a 417:
“Não só o espaço geométrico, porém, constitui objecto do direito de propriedade. Tudo o que se contenha neste espaço e não seja considerado comum (pela lei ou pelo título constitutivo), pertence ao titular da fracção: paredes divisórias que não sejam paredes mestras, revestimento interior destas, revestimento das placas correspondentes ao chão (ladrinhos, tacos de madeira, etc.) e ao tecto de cada fracção autónoma, portas interiores, louças, banheiras e outros materiais dos quartos de banho, bancas de cozinha, etc.
Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nestas existentes e as janelas, com tudo o que integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. Em sentido contrário, poderá dizer-se que, encontrando-se estes elementos implantados em paredes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica. Esta consideração, porém, conforme sublinham alguns autores (cfr., por exemplo, F. Aeby) peca por excesso de lógica, não ponderando devidamente a realidade. Com efeito, os elementos em questão, alguns de natureza muito frágil, estão sujeitos ao uso contínuo por parte dos utentes da fracção em que se integram, dependendo o seu estado, essencialmente, do modo como cada um se sirva dele e os conserve. Há toda a conveniência, por isso, em atribuir-lhes natureza privativa”.
(no mesmo sentido, vide Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, Almedina, Fevereiro 2001, a páginas 60 a 61).
Entendendo que todo o revestimento do edifício é comum, tal como as varandas, vide Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, Principia Editora, Lda., 2ª edição, Fevereiro de 2007, a página 110.
Escreve o citado autor in “A Propriedade Horizontal”, Almedina 2019, a página 46:
“Se se entender (como nos parece que se deve entender) que todo o revestimento dos edifícios é comum, nenhum condómino poderá, sem autorização do conjunto de condóminos, intervir (mesmo que essa intervenção não reentre nas proibições do nº 2 do artigo 1422º) na parte exterior do edifício, mesmo “apenas” para aí colocar equipamento de ar condicionado, placas publicitárias, estendais de roupa, etc... Na doutrina, Jorge Alberto Aragão Seia (ob. cit. a página 72 e Sandra Passinhas (ob. cit., pág. 33) são claros na defesa de que todas as paredes exteriores (ainda que não mestras) são partes comuns.”.
Ora, a figura da varanda entendida como “um prolongamento, normalmente, em suspensão, da edificação de que faz parte, desprovida de uma base de sustentação que a suporte” (vide a noção constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2012 (relator Hélder Roque) e ainda a do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2015 (relator Tomé Ramião), ambos publicados in www.dgsi.pt, revestirá, enquanto parte interior (chão) destinada à sua exclusiva utilização pelo condómino respectivo, a natureza parte própria da fracção autónoma pertencente ao condómino respectivo, e não parte comum objecto da compropriedade de todos os condóminos.
Escreve, sobre esta matéria, Henrique Mesquita, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, Ano XIII, a páginas 112 a 113:
“Sendo comuns as paredes mestras do prédio, e tudo o mais que constitua a estrutura deste (colunas, pilares, placas de cimento, telhado, terraços de cobertura, etc.) o direito de propriedade sobre as fracções autónomas como que fica esvaziado de conteúdo material. O seu objecto é fundamentalmente constituído, como salientam alguns autores, por um espaço geométrico, um volume ou um cubo de ar. Este espaço é erigido pelo legislador à categoria de objecto autónomo de direitos, com todas as consequências que daí resultam, em matéria de, v.g., alienação (mediante negócio jurídico inter vivos ou mortis causa), oneração (com direitos de gozo ou de garantia), penhora, expropriação, etc.”.
E seguidamente, na nota 82, refere o mesmo autor:
“Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nesta existentes e as janelas, com tudo o que as integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam.
Em sentido contrário, poderá dizer-se que, estando estes elementos colocados em partes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica”.
Na situação sub judice, e em conformidade com o documento junto ao processo com as alegações do recorrente Condomínio e admitido por este tribunal superior, a dita varanda fazia efectivamente parte integrante da fracção autónoma de que era titular a falecida E, tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal respectivo, sendo indiscutivelmente parte própria e privativa dessa fracção (cfr. 157 a 158).
Trata-se portanto – a parte interior daquele espaço - de uma parte própria e não comum, como se nos afigura claro, inequívoco e indiscutível.
Todavia, o gradeamento metálico (corrimão) que circunda a varanda, delimitando-a, não fazendo parte da zona interior desta, mas antes da sua parte exterior e destinando-se basicamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, tem, nessa mesma medida, uma objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular.
Se a parte interior da varanda (chão), como parte privativa e simples prolongamento da sua própria fracção (com ela se confundindo indissociavelmente, inclusive do ponto de vista material), serve exclusivamente os interesses do respectivo condómino, já o equipamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, integrando-se de pleno na parte exterior dessa mesma varanda e do próprio edifício tomado enquanto unidade, não tem outra utilização definida e específica que não a de completá-la e circunscrevê-la, no âmbito próprio da respectiva fachada, em cuja visualização global se integra, coerente e harmoniosamente.
Entendemos, por conseguinte, que tal gradeamento metálico – entendido nesta exacta perspectiva, isto é, enquanto elemento da parte exterior da varanda em causa e do prédio constituído em regime de propriedade horizontal - deverá receber a qualificação de parte comum do edifício, cuja responsabilidade pela manutenção e conservação impende sobre o Condomínio em geral e não sobre o condómino respectivo em particular.
Ou seja, trata-se de um equipamento autónomo colocado da parte de fora da varanda – não se destinando propriamente a ser usufruído enquanto tal (isto é, enquanto local de disfrute, lazer ou distracção do condómino), mas a servir simplesmente de apoio protector a quem utilize tal espaço.
Trata-se assim de um simples elemento estrutural de segurança, sem outro significado em termos do seu gozo e fruição por parte do condómino a quem cabe o uso exclusivo da respectiva varanda.
Por esta razão o dever de manutenção e conservação do dito gradeamento metálico não é da responsabilidade dos condóminos que individualmente o utilizam, enquanto proprietários das fracções respectivas, mas do conjunto de todos eles enquanto Condomínio, entidade que ao mesmo deve estar atenta e pelo ele deve cuidar e zelar, uma vez que se integra arquitectónica na estrutura do edifício, comportando problemas de protecção e segurança que são indiscutivelmente comuns, sem descurar, todavia, que é ao condómino da fracção respectiva que incumbe, em especial e compreensivelmente, o acrescido dever de sinalizar e diligenciar pela rápida e pronta superação de qualquer problema urgente que detecte neste espaço de edifício.
Esta qualificação jurídica da parte exterior da varanda como parte comum, da responsabilidade de manutenção e conservação a cargo do condomínio, não tem a ver, propriamente e em rigor, com a obrigação de cada um dos condóminos de respeitar a arquitectura e a estética do edifício, em termos da aparência da respectiva fachada, a qual não recai apenas sobre as partes comuns do prédio, mas que se impõe imperativamente às modificações (ditas inovações – cfr. artigo 1425º do Código Civil) que cada um dos condóminos tente operar nas suas partes privativas.
O artigo 1422º, nº 2, alínea a), do Código Civil, onde se consigna que “É especialmente vedado aos condóminos (...) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”, reporta-se igualmente – ou mesmo em especial - às obras que venham a ser introduzidas nas partes próprias da titularidade exclusiva de cada condómino.
Daí não poder subscrever-se o argumento constante da decisão recorrida no sentido de que “o gradeamento de uma varanda, na propriedade horizontal é propriedade dos condóminos” uma vez que “o direito de alterar ou modificar esse gradeamento cabe à comunidade, e não apenas ao proprietário desse andar, a quem está vedada a possibilidade de o alterar a seu belo prazer, sob pena de subverter a fachada do prédio”, tratando-se “de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de elemento estético da fachada do imóvel que, no interesse colectivo, exerce em relação a toda a construção”.
Tal circunstância trata-se, ao invés, de uma obrigação de natureza geral que impende sobre todos e cada um dos condóminos com referência, precisamente, às suas partes próprias, relativamente às quais existirá, à partida, a possibilidade e a maior facilidade de – por serem da sua titularidade exclusiva – introduzirem as modificações que bem lhes aprouver.
O que acontece é que tal gradeamento metálico (corrimão) pertencente à parte exterior da varanda e inerente à configuração física de todo o prédio tomado como uma unidade, bem como à sua imagem visual própria aprovada pelas entidades oficiais competentes, deverá qualificar-se juridicamente como elemento pertinente à própria estrutura do prédio, concretamente à fachada e às suas paredes exteriores.
Logo, constitui, a nosso ver, uma parte comum do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, em termos da responsabilidade pela sua manutenção e conservação, não obstante se encontrar, como é óbvio, totalmente afecto ao uso exclusivo do condómino titular dessa mesma fracção, com exclusão de todos os demais, que nem sequer à mesma têm acesso, uma vez que a parte interior e exterior da varanda são, em si, materialmente indissociáveis.
O que significa que a respectiva obrigação de manutenção e conservação competia ao condomínio Réu e não à condómina E.
(Neste mesmo sentido, vide a seguinte jurisprudência:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1986 (relator Lopes das Neves), cujo sumário é do seguinte teor:
“o condomínio deve contribuir para as despesas de conservação e reparação do prédio, certo é que as varandas, na sua parte exterior, são partes comuns”.
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Março de 2012 (relator Vieira e Cunha), publicado in www.dgsi.pt, onde se referencia as obras realizadas como denominadas “frente das varandas” como partes comuns.
- acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 1985 (relator Calixto Pires), cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
“As varandas, como componentes da fachada do edifício, são comuns. O que da varanda está exclusivamente ao serviço do condómino proprietário da fracção que dá acesso é a sua base, a sua parte interior. Sendo as obras, a reparar nas varandas, consistentes em fendas pronunciadas, resultantes, não do uso normal, mas de deficiència na construção das paredes externas, todos os condóminos devem participar no custo das mesmas, na proporção do valor das suas fracções”.
Em sentido contrário – e amplamente minoritário – vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Abril de 1995 (relator Silva Caldas), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano III, tomo II, páginas 44 a 46).
De notar, inclusivamente, a este respeito que, certamente pelas razões apontadas, o próprio Condomínio demandado assumiu espontânea e abertamente tal natureza comum.
Vide, a este propósito, o artigo 17º, onde se afirmou: “Assim, pese embora o gradeamento integrar as partes comuns do prédio, sempre se dirá que a reparação do mesmo não foi efectuada por exclusiva responsabilidade/inércia da Condómina”
(sublinhado nosso)
No mesmo sentido, a Ré seguradora não alegou em momento algum do seu articulado de contestação que a responsabilidade pela manutenção e conservação do dito gradeamento da varanda fosse exclusivamente da respectiva condómina, por se tratar de uma parte própria da fracção autónoma respectiva.
Esta demandada limitou-se a alegar, essencialmente, para além da limitação da cobertura do seguro, a contribuição culposa da lesada para a eclosão do evento lesivo e a inadequação dos montantes indemnizatórios pedidos por exagerados.
Também na acta da Assembleia de Condóminos realizada em 9 de Agosto de 2015 (cfr. cópia junta a fls. 24/verso a 25) é expressamente referido pela empresa administradora do Condomínio que “já teve lugar intervenções nas fachadas e respectivos gradeamentos”, o que só pode significar, como é evidente, a directa e absoluta assunção da sua responsabilidade própria na manutenção e conservação daqueles locais, considerados implicitamente parte comum do condomínio.
Apenas em sede de recurso – de forma frontalmente contraditória com a postura antes assumida - vieram ambos os Réus suscitar a questão da obrigação da conservação e manutenção do referido gradeamento (corrimão da varanda) competir à condómina proprietária da fracção, pressupondo então (e só então) a natureza de parte própria daquele equipamento, desonerando o Condomínio dessa responsabilidade e incumbência.
De notar que os arestos judiciais que os recorrentes invocam a este propósito em abono da sua tese e que parcialmente transcrevem – designadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2012 (relator Hélder Roque), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho (e não Maio) de 2005 (relator Neves Ribeiro), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 (relatora Ana Paula Boularot), publicado in www.dgsi.pt, que revogou o também citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Abril de 2018 (relator Paulo Amaral), publicado in www.dgsi.pt – não abordaram nem decidiram a matéria crucial que está agora em discussão, mas apenas questões laterais ou conexas que nada comportam de substancial para a decisão da situação sub judice.
Acresce ainda que o facto de constar nessa mesma acta que: “(...) sendo posteriormente à obra, os condóminos (informados de que) individualmente deveriam manter a manutenção dos gradeamentos. Foi solicitado à condómina da fracção “E” que apresente por escrito a situação dos gradeamentos a fim de ser analisada a forma de resolução de responsabilidades”, não releva no sentido de obstar à apontada responsabilização do Condomínio Réu.
Note-se que se trata apenas do registo de uma tomada de posição, de cariz meramente informativo, assumida durante a Assembleia de Condóminos, sem a observância de qualquer formalidade especial, e sem constar sequer da acta a eventual concordância ou discordância da condómina assim informada, pelo que não equivale de modo algum a uma verdadeira deliberação da Assembleia de Condóminos, cuja validade poderia, nessas circunstâncias ser analisada (sendo certo que a imperatividade do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil sempre prejudicaria o efeito desejado pelo administração do Condomínio – sobre este ponto, vide José António França Pitão, in “Condomínio e Propriedade Horizontal”, Editora Quid juris, Ano 2020, páginas 77 a 81).
Cumpre, portanto, concluir pela responsabilidade do Condomínio pela manutenção e conservação do gradeamento metálico da varanda que veio a ceder, ocasionando a queda fatal da condómina E, o que o torna responsável pelos danos causalmente resultantes desse acontecimento trágico, fazendo-o incorrer na obrigação de indemnizar.
Tal responsabilidade fora transferida para a entidade seguradora demandada, a qual responderá nos termos e com os limites constantes da respectiva apólice.
2 – Análise da questão da contribuição culposa da vítima para a eclosão do evento lesivo (artigo 570, nº 1, do Código Civil).
Foi suscitada, no âmbito dos recursos interpostos por ambas as recorrentes, a questão da contribuição culposa da vítima para a eclosão de o evento lesivo que infelizmente a veio a atingir, enquadrável na previsão normativa do artigo 570º, nº 1, do Código Civil.
Refere sobre esta temática o recorrente Condomínio:
“Ainda que fosse responsabilidade do Condomínio Recorrente a reparação do aludido gradeamento, sempre se teria de considerar que a omissão de tal reparação por do aqui Recorrente foi agravada por um comportamento omissivo e algo negligente por parte de E, e de seus filhos, que, praticamente um ano volvido entre a interpelação efectuada na Assembleia de Condóminos, não só não diligenciaram pela reparação do gradeamento em prol da segurança de quem utilizava a varanda, como sequer apresentaram qualquer reclamação junto da Administração do condomínio Recorrente, com vista a que aquela reparação tivesse lugar.
Tal facto, ainda que revestindo a modalidade de mera culpa, contribuiu para o desfecho que a situação veio a ter, com a queda e consequente morte de E, devendo ser considerada a existência de culpa do lesado nos termos do disposto pelo art.570.º do CC, e, por via disso, ser a indemnização em que o aqui Recorrente foi condenado ser excluída ou, pelo menos, reduzida”.
No mesmo sentido, alegou a recorrente seguradora:
“Atenta a matéria provada nos pontos 9, 18 a 23 da douta sentença recorrida a Falecida Mãe dos AA. expôs-se conscientemente a uma situação de perigo para si e para terceiros, pelo que deve suportar também as consequências da sua incúria”
Apreciando:
Dispõe o artigo 570º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Conforme refere Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações. Programa 2010/2011. Apontamentos”, AAFDL 2010/2011, a páginas 170 a 171:
“Atendendo ao disposto no artigo 570º é necessário que:
-exista culpa do lesado, pelo que não se aplica quando se estiver perante uma causa de exclusão, por exemplo, desculpabilidade;
-tenha havido uma omissão de diligência para evitar ou reduzir os danos;
-o lesante prove a culpa do lesado (artigo 572º).”
Escrevem, sobre a questão do nexo causal entre o facto e o dano, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 578:
“ A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada – que Galvão Telles formulou nos seguintes termos : “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” ( ... )
Vaz Serra ( ... ) afirma igualmente : “ Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física, ou de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar. “.
Vide ainda, sobre o mesmo tema, José Carlos Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, páginas 615 e 635 a 640, onde este insigne enfatiza que:
“A figura nebulosa e heterogénea da “assunção do risco“, traduz, essencialmente, a atitude do lesado de se expor conscientemente a um perigo típico ou específico conhecido, sem a isso ser obrigado, mas conservando a esperança de o perigo não se concretizar em dano.
(...) Mesmo que se queira autonomizar a “ assunção “, ( ... ) não se pode esquecer que, na exposição ao perigo, o potencial lesado não se conforma antecipadamente com a possibilidade danosa.
( ... ) Sendo, pois problemática, a defesa de um círculo próprio de relevância da “assunção de risco”, quem sufragar a sua natureza bifronte não poderá esquecer que, na maioria dos casos, a conduta do potencial lesado relevará como forma patente de culpa, em concurso com o facto do lesante, e, portanto, sujeita ao tratamento flexível daquele normativo.
( ... ) A articulação do conhecimento e da exposição consciente ao perigo com a possibilidade-previsibilidade de ocorrer certo dano, ligado adequadamente à conduta e à falta de cuidado no não afastamento do perigo, com prejuízo para os bens do lesado, pode configurar um quadro concursal – pressuposta a responsabilidade do criador do perigo – que nos dirige para o critério fixado no artº 570º, nº 1, e para uma avaliação global da situação danosa.
( ... ) O caso mais interessante ( ... ) é o da entrada não autorizada num espaço não isento de perigosidade. O normal desconhecimento do perigo concreto existente, bem como o facto de o eventual lesado não prever a ocorrência do dano, se coloca obstáculos à afirmação categórica de uma culpa, não parece infirmar, contudo, que se venha a imputar todo o dano ao prejudicado, atento o perigo abstracto envolvido na conduta (com o “ salto no desconhecido “) e a consciência, mesmo que difusa, de uma possibilidade real e não remota de ocorrer algum dano. Essa percepção, que não se confunde com a intuição, e que é mais ou menos intensa, em função dos sinais de alerta existentes, pode, sem grandes dificuldades, vir a traduzir-se num juízo de culpa do lesado, justificado pela factualidade do caso e por uma avaliação mais global da hipótese danosa. É claro que esse juízo de culpa (ou a verificação de uma “ assunção de risco “ culposa) não será duvidoso se o intruso tiver deparado com um aviso indicador do perigo efectivo existente ou se o perigo for notório.
( ... ) Se quisermos traduzir numa síntese impressiva o quadro factual a que não conduz a exclusão da responsabilidade, mas que suscita a aplicação ponderada do artigo 570º, nº 1, há que dizer que lidamos com uma hipótese danosa que deriva da interferência recíproca de duas condutas culposas, ou em que o perigo existente, ultrapassando o grau de aptidão danosa normal ou típica, não encontra uma resposta adequada por parte do eventual lesado, o qual actualiza, sem necessidade, e com a sua atitude imprevidente ou temerária, aquele perigo.
( ... ) Atendendo ao perigo criado, à manifesta desproporção entre o perigo assumido e o interesse procurado e à previsibilidade, não afastada, de vir a ocorrer uma dano, a sedes natural de resolução da hipótese danosa é, sem dúvida, e como o entende a nossa doutrina, a do artº 570º, nº 1, com o efeito relevante de também aqui se colocar a questão da maior ou menor flexibilidade do preceito, da sua “justiça concreta”, maxime no tocante ao tratamento desculpabilizante das culpas leves do lesado“.
Salienta sobre esta mesma temática, Luís Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Volume I, Novembro de 2010, a página 342:
“O regime de culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade civil subjectiva, uma vez que, não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em relação à conduta do lesante, não seria justificado obrigá-lo a indemnizar todos os danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efectuar uma ponderação de ambas as culpas e das consequências que delas resultaram, sendo em função dessa ponderação que se estabelecerá a indemnização. Para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando a mera concausalidade da sua conduta em relação aos danos”.
(vide, ainda, sobre esta temática, Prof. Luís Cunha Gonçalves, in “Tratado de Direito Civil”, Vol. XII, pags. 774 a 779 ; Prof. Vaz Serra, in “Conculpabilidade do Prejudicado”, in BMJ nº 86, pags. 140 a 142).
Pode ler-se, a este propósito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1995, publicado in BMJ nº 443, pags. 366 a 373, com particular acuidade:
“Compreende-se que a concorrência de culpas possa influir na indemnização por imperativos de justiça.
Mas, assim como a culpa do lesante assenta num prévio nexo de causalidade entre o facto e o dano, também a culpa do lesado deve ser causalmente adequada à existência do evento.
Há-de pois ocorrer paralelamente uma concausalidade.
O nexo de causalidade encontra a sua expressão legal no artº 506º, segundo o qual a indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A doutrina dominante encontra expressa a teoria da causalidade adequada, a qual selecciona dentre as várias condições que produzem o resultado danoso aquelas que justificam juridicamente a sua atribuição a determinadas pessoas, segundo um critério objectivo e abstracto de normalidade ou probabilidade para produzir o dano, de harmonia com a experiência da vida.
Dentro desta concepção há uma formulação dita positiva (mais restrita) no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente) ; e uma fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excepcionais (não conhecidas do agente)”.
Conforme se salienta igualmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, publicado in BMJ nº 475, pags. 635 a 648 :
“Pode, assim, afirmar-se que a causa juridicamente relevante será a causa em abstracto adequada ou apropriada à produção desse dano segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante e que pode ainda sem vista, numa formulação negativa, que apenas exclui a condição inadequada, pela sua indiferença ou irrelevância, verificando-se então o efeito por força de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias “.
Sobre o mesmo tema, vide ainda, entre muitos outros:
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2018 (relatora Graça Amaral), publicado in www.dgsi.pt.
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018 (relator Tomé Gomes), publicado in www.dgsi.pt., onde se sublinha que “para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, a conduta ilícita e culposa imputada a este se mostre causal da produção do acidente, à luz da consabida teoria da causalidade adequada, ou seja, que se revele como causa típica desse resultado”.
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018 (relatora Maria da Graça Trigo), publicado in www.dgsi.pt.
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2009 (relator Nuno Cameitra), publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza: “Como observa o Prof. Mário Júlio Almeida Costa, a formulação legal “afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura”. O que significa, ainda segundo este Autor, que “a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos”. Na mesma linha de pensamento, o Prof. Antunes Varela, analisando este preceito legal em anotação a um acórdão do STJ, escreveu o seguinte: “A lei e os autores, aludindo ao facto culposo do lesado como pressuposto da diminuição ou exclusão da indemnização, querem manifestamente afastar os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável. Censura ou reprovação, não por ter havido omissão da diligência imposta para tutela de um interesse alheio. Mas por ter havido negligência, imprevidência, imperícia em prejuízo do próprio, independentemente portanto da violação ou ofensa do direito ou interesse alheios ”. E logo a seguir, pronunciando-se sobre o fundamento técnico-jurídico da solução consagrada neste preceito legal, este mesmo autor ensina que ela se explica à luz de “um critério de justiça, baseado na reprovabilidade ou censurabilidade da conduta de ambos os participantes no facto danoso ou no dano em causa”. O artº 570º, nº 1, manda atender exclusivamente à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências delas resultantes. Contrariamente ao que se afirma na sentença (fls 1172), não é permitido o julgamento segundo a equidade (artº 4º do CC). Na verdade, a solução segundo a equidade é a solução de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, e não com quaisquer injunções, mesmo indirectas, do sistema jurídico; quando decide segundo a equidade o juiz não o faz segundo uma norma (geral e abstracta), mas sim considerando, justamente, aquelas particulares circunstâncias da situação a julgar . No caso presente as coisas não se passam assim. Há uma regra de direito estrito a aplicar. E é de notar que os dois factores têm que ser considerados pelo julgador para decidir, quer se a indemnização deve ou não ser reduzida, quer para fixar o montante da redução, caso seja afirmativa a resposta à primeira questão”.
Na situação sub judice provou-se a este respeito:
Em momento e em circunstâncias não concretamente apuradas (mas anteriores à aquisição da fracção pela E), foi falado entre os condóminos que, a partir de então, a manutenção das varandas do prédio passaria a ser da responsabilidade de cada fracção.
Facto que foi referido à E aquando da interpelação que a mesma fez na Assembleia de Condóminos de 29 de Agosto de 2015.
Após essa Assembleia Geral a E não fez chegar à Administração do condomínio qualquer reclamação escrita, telefónica ou pessoal.
O gradeamento da varanda do 1.º direito estava em estado de degradação, o que era do conhecimento quer da E quer dos restantes condóminos e administração do condomínio.
Vejamos:
É patente e irrecusável que a sinistrada E descurou negligentemente o dever de diligência e a adopção dos cuidados básicos que seriam idóneos a evitar causalmente a produção do evento danoso de que foi vítima.
Desde logo, a falecida E tinha perfeita e absoluta consciência do foco de perigo eminente que existia na sua varanda, isto é, a notória instabilidade do gradeamento metálico, o qual se destinava precisamente a resguardar e proteger a integridade física dos respectivos utentes, obstando a que viessem a cair, desamparados, para o exterior.
Foi a própria que o denunciou na Assembleia de Condóminos ocorrido em 29 de Agosto de 2015, queixando-se de que “o gradeamento da sua varanda estava solto”.
Para além de lhe ter sido dito que, segundo o consenso dos condóminos em geral, o dever de zelar individualmente pela segurança daquele espaço passaria a partir daí a pertencer cada um dos proprietários das fracções – e independentemente da validade de tal comunicação (que peremptoriamente se recusa) -, foi então informada de que deveria expor por escrito a sua situação particular (referente à instabilidade do dito gradeamento metálico) de forma a ser analisada com a atenção e cuidado que eram devidos.
Sendo E a principal interessada em que tal problema se resolvesse com a urgência que a persistência de um foco de perigo desta natureza naturalmente exigia – para sua defesa e de terceiros -, não desenvolveu, estranhamente, qualquer diligência nesse sentido, como seria perfeitamente expectável, sendo certo que entre a dita advertência e o trágico acontecimento referidos nos autos mediou sensivelmente um ano.
Tal incompreensível inércia terá sido mesmo, porventura, susceptível de gerar no Condomínio responsável por essa reparação a normal convicção de que o assunto não teria a gravidade que veio a revelar-se ou que se teria entretanto resolvido, tanto que se trata de um espaço físico apenas acessível à própria Condómina e não a terceiros (que dificilmente se aperceberiam do problema visto apenas do exterior).
Houve, portanto, aqui uma postura de inadmissível e irresponsável facilitismo por parte da condómina, o que concorreu significativamente para o trágico desfecho de que os autos dão notícia.
Acresce que, a ser urgente – como efectivamente era - a reparação do dito gradeamento metálico, sempre a própria condómina, actuando preventivamente, poderia realizar motu proprio as intervenções que tivesse por adequadas, responsabilizando de seguida o Condomínio pelo pagamento do inerente custo, nos termos gerais do artigo 1427º do Código Civil.
Importa, ainda, não olvidar que a sua própria qualidade de condómina, e nessa medida comproprietária das partes comuns do prédio, a obrigavam a manter-se particularmente vigilante e activa quanto à sanação deste vício, sendo certo que se tratava da pessoa que se encontrava em melhores (quiçá únicas) condições para aperceber-se do grau de gravidade da situação e tomar as medidas adequadas a afastar preventivamente aquele foco de perigo.
Finalmente, sabendo E do estado de degradação e a notória ausência de segurança desse gradeamento metálico, era-lhe naturalmente exigível que evitasse de todo a aproximação a esse espaço – inclusive que não o utilizasse -, e em especial que não se apoiasse nesse gradeamento no estado de conservação - tão periclitante – em que se encontrava.
E o certo é que a dita E – em circunstâncias não concretamente apuradas – veio a apoiar-se no gradeamento (corrimão da varanda) em situação de perigo e a sofrer as consequência trágicas associadas à respectiva cedência ao seu peso e subsequente projecção para o exterior com violenta e desemparada queda no solo que se revelou fatal.
Em suma, a conduta negligente e censurável da sinistrada foi especialmente relevante para a verificação do evento lesivo, para o mesmo contribuindo culposamente, sem nenhum tipo de dúvida.
Pelo que, atendendo à sua culpabilidade que concorreu para a verificação do trágico evento que a vitimou, na indemnização a fixar, proceder-se-á à redução que consideraremos adequada, ao abrigo do comando geral consignado no artigo 570º, nº 1, do Código Civil, sendo os valores a fixar no âmbito da presente decisão claramente inferiores aos que seriam se não se verificasse a contribuição culposa para a eclosão do evento que mortalmente a atingiu, segundo os padrões comummente praticados pela jurisprudência.
3 – Quantificação das indemnizações devidas, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Decidiu o tribunal a quo em termos de fixação dos montantes indemnizatórios devidos:
- a quantia de € 38 000 (trinta e oito mil euros) a título de dano morte e de € 8 000,00 (oito mil euros), a cada um dos AA. (filhos da falecida E), a título de danos não patrimoniais, por si sofridos.
- a quantia de € 192,34 (cento e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos) ao Autor B, a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente do sinistro;
- a quantia de € 405,90 (quatrocentos e cinco euros e noventa cêntimos) à Autora A, a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente.
Pela indemnização respondem ambos os Rés, sendo a 2.ª Ré apenas até ao limite de € 9.000,00 (nove mil euros), em conformidade com a cobertura do seguro, deduzidos os 10% da franquia.
Refere o apelante Condomínio relativamente a tal quantificação:
Deverá ser considerado algum grau de culpa do lesado no dano sofrido, porquanto, com a sua conduta omissiva contribuiu para que o gradeamento não fosse reparado, e por via disso ser excluída ou reduzida a indemnização devida.
Invoca a Ré Seguradora sobre a mesma matéria:
A falecida Mãe dos AA. expôs-se conscientemente a uma situação de perigo para si e para terceiros, pelo que deve suportar também as consequências da sua incúria;
Os valores atribuídos na douta sentença recorrida também são exagerados face à matéria aprovada, nomeadamente ao desprezo manifestado pelos AA. pela segurança dos utentes da fracção que, mesmo depois da morte de sua Mãe, continuaram a arrendá-la, sem quaisquer obras ou limitações ao acesso à varanda;
O valor atribuído de danos não patrimoniais de 8.000 € para cada um dos AA., é exagerado, dadas as razões de distanciamento e falta de apoio dos AA. para com a falecida que podiam e deviam tê-la ajudado a realizar a obra de fixação do gradeamento da varanda;
O valor atribuído para a perda do direito à vida também, salvo melhor opinião, deve ser reduzido, dada a idade e culpa da falecida, além da evidente falta de meios dos condóminos idosos, vivendo de pequeníssimas reformas, atento o disposto nos artºs 494º , 496º, 562º, 563º, 570º, do Cód. Civil que se mostram violados
Apreciando:
Relativamente aos valores fixados a título de indemnização por danos patrimoniais - ao Autor B a quantia de € 192,34 (cento e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente do sinistro; à Autora A a quantia de € 405,90 (quatrocentos e cinco euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, na vertente de dano emergente – não se vê qualquer fundamento para a modificação do decidido.
No primeiro caso, trata-se da despesa realizada pelo filho de E com o funeral desta; no segundo, da despesa suportada pela filha da sinistrada com a reparação da varanda da respectiva fracção, cuja responsabilidade pela manutenção e conservação competia, como se viu, ao Condomínio.
No que se reporta ao ressarcimento do denominado dano morte – isto é, a atribuição de um montante pela violação do direito à vida da sinistrada E – nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, que o juiz a quo valorou em € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), entendemos que, face à contribuição culposa da lesada para a eclosão do evento lesivo, nos termos descritos e desenvolvidos supra, e em consonância com o disposto no artigo 570º, nº 1, do Código Civil, dever-se-á reduzir a indemnização para o montante de € 15.000,00 (quinze mil euros).
Relativamente aos danos patrimoniais sofridos pelos AA., filhos da sinistrada E, nos termos do artigos 496º, nº 2, do Código Civil, entende-se, pelos mesmos motivos supra expostos, reduzir para o montante de € 4.000,00 (cinco mil euros) cada.
Assim sendo, o montante indemnizatório total ascenderá a
-relativamente ao A. B, € 11.692,34 (onze mil, seiscentos e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos);
-relativamente à A. A, € 11.905,90 (onze mil, novecentos e cinco euros e noventa cêntimos),
Sendo o total indemnizatório de € 23.598,24 (vinte e três mil, quinhentos e noventa e oito euros e vinte e quatro cêntimos) e respondendo a 2.ª Ré apenas até ao limite de € 9.000,00 (nove mil euros), em função da concreta cobertura do seguro, deduzidos os 10% da franquia.
Procede, desta forma e parcialmente, a presente apelação.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente as apelações interpostas, alterando-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
Condenar o R. C  e  D a pagar ao A. B , a quantia de € 11.692,34 (onze mil, seiscentos e noventa e dois euros e trinta e quatro cêntimos); e à A. A, a quantia de € 11.905,90 (onze mil, novecentos e cinco euros e noventa cêntimos), num total indemnizatório de € 23.598,24 (vinte e três mil, quinhentos e noventa e oito euros e vinte e quatro cêntimos);
Condenar a 2.ª Ré D apenas até ao limite de € 9.000,00 (nove mil euros), resultante do limite da cobertura do seguro, deduzidos os 10% da franquia.
Custas pelos apelantes e apelados na proporção do decaimento.

Lisboa, 27 de Outubro de 2020.
Luís Espírito Santo.
Isabel Salgado.
Conceição Saavedra