Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1948/07.7PBAMD-A.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O requerimento para abertura da instrução equivalerá em tudo a uma acusação, condicionando e limitando, nos mesmos termos que a acusação formal, seja pública, seja particular, a actividade de investigação do juiz e a própria decisão final, instrutória. É que, tal como acontece na acusação, também, no caso, o requerimento de abertura da instrução tem em vista delimitar o thema probandum da actividade desta fase processual.
II- A instrução, nos termos em que a lei vigente a regula, tem natureza judicial e não de actividade investigatória, destinando-se à comprovação judicial da decisão tomada pelo Ministério Público de deduzir, ou não, acusação (art. 286º, nº 1 do Cód. Proc. Penal) e não a constituir um complemento da investigação prévia à fase de julgamento, como já aconteceu no passado.
III- O objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, dito de uma forma simplista, os factos narrados como integrantes da conduta ilícita do agente têm de “caber” nos elementos objectivos e nos elementos subjectivos do tipo legal em causa (do respectivo preceito legal).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I. RELATÓRIO.
No âmbito do inquérito que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (e posteriormente no 1º. Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa) foi, findo o inquérito, proferido pelo Ministério Público o despacho de fls. 268 a 276, que decidiu pelo arquivamento dos autos relativamente aos factos constantes da queixa apresentada por A… contra B…, por entender que não existiam indícios suficientes, relativamente aos ilícitos de dano e ofensa à integridade física e, por carecer de legitimidade para proceder quanto ao crime de injúria também denunciado. Deduziu ainda nesse despacho, o Mº.Pº, acusação contra o A…, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada p.p. pelo artigo 143-1, 145-1 a) e nº. 2 com referência ao artº 132-2 h), todos do C.Penal e também pela prática de onze crimes de detenção de arma proibida p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3º nº. 2 h); al. l); al.n) e p) e nº. 7 a) e 86-1 c) e d) da Lei 5/2006 de 23/2/2006.
***
Não se conformando com o despacho de arquivamento proferido nos autos o arguido veio pelo requerimento de fls. 284 a 298, requerer a abertura de instrução. Neste requerimento levanta algumas questões que intitulou de “questões prévias” e solicita a sua constituição como assistente, a qual foi admitida no despacho datado de 10/11/2009- fls. 336.
Para melhor compreensão do despacho que veio a recair sobre aquele requerimento, vamos transcrever o próprio requerimento de abertura de instrução formulado pelo (à data do mesmo) arguido:
“1- QUESTÕES PRÉVIAS
A) Da violação dos prazos máximos de Inquérito e da preterição de formalidades legais essenciais.
1. O ora requerente foi constituído arguido e nessa qualidade interrogado no dia 5 de Março de 2008, na PSP — Esquadra de Investigação Criminal — sita na Reboleira, Amadora e submetido a Interrogatório, como Arguido, sem assistência de defensor (e sem embargo o disposto nos Art.°s 61.º, n.° 1, als. e) e f) e 62.°, do CPP ex vi Art.° 32.°, n.° 2, da CRP), tendo, não obstante, prestado declarações e sido fixada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (vd. fls. 26 a 29 dos presentes autos).
2. Por carta simples com PD, datada de 29 de Setembro de 2008, foi o requerente notificado de uma Comunicação relativa ao processo supra identificado, informando-o que “foi proferido pelo Sr. Magistrado titular despacho que: 1. Nos termos do disposto no art. 276.°, n.° 4, do CPP, declarou ultrapassado o prazo de duração máxima do inquérito; 2. Julgou necessário para conclusão do inquérito o prazo de 90 dias” (Comunicação que se junta como Doc. n.° 1).
3. Em 19 de Maio de 2008, fez, o ora requerente, apresentação de Queixa- Crime, nos Serviços do DIAP de Lisboa, contra B…, queixoso nos autos do Processo com o NUIP 1948/07.7PBLSB, pela prática dos crimes nela denunciados e previstos e punidos nos Art.°s 214.º, n.° 1, al. a) — ex vi Art.° 212.° —, 181.°, 145.°, n.° 1, al. a) e n.° 2 — ex vi Art.° 143.° —, e 153.º, todos do Código Penal (cfr os termos da queixa-crime formulada pelo requerente, in Doc. n.° 2 e cujos factos e respectiva imputação penal se dão aqui por integralmente reproduzidos), tendo, na mesma, declarado, nos termos do Art.° 246.°, n.° 4, do CPP, a sua intenção de — se e quando para tanto fosse notificado —, requerer a Constituição de Assistente, bem como apresentar o respectivo pedido de indemnização civil, pelos danos patrimoniais e morais causados pelas condutas e acções ilícitas do denunciado e que foram, pelo queixoso, suportados, assim que fosse devidamente notificado para o apresentar em juízo, para o devido ressarcimento.
4. Em 24 de Outubro de 2008, o ora requerente recebe nova comunicação, por carta simples com PD, informando-o da apensação do inquérito n.° 2815/08.2TDLSB-6.04 aos autos do inquérito n.° 1948/07.7PBAMD-10.02, em que são denunciantes e denunciados o ora requerente e B… (cfr. Doc. n.° 3).
5. Desde essa data, 24 de Outubro de 2008, em que os referenciados processos foram apensados, até à data do Douto Despacho de Arquivamento Parcial e de dedução de Acusação, proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público em 29 de Junho de 2009 e que é notificado ao ora requerente e seu defensor em carta registada datada de 2 de Julho de 2009, decorreram mais de oito meses.
Ora e em síntese,
6. O Despacho de Acusação da Digna Magistrada do Ministério Público é proferido decorridos todos os prazos máximos previstos nos n.°s 1 e 3, do Art.° 276.°, do CPP, mesmo se contados após a prorrogação do prazo de inquérito referenciada em 2., supra, sem que ao ora requerente tivesse sido comunicada qualquer vicissitude ou incidente que fundamentasse tal delonga para que o inquérito fosse dado por concluído, em observância do disposto no n.° 4 do mesmo Art° 276.°, ex vi Art.° 89.°, n.°s 1 e 2 ou 6 do Art.° 89.°, também do CPP.
7. Ao ora requerente não foi, nunca foi, feita a notificação a que alude o Art.° 246.°, n.° 4, in fine, do CPP, pelo que, na falta de tal advertência e formalidade legal impreterível, não pode, naturalmente, como ofendido, ficar prejudicado no exercício do seu mais que legítimo direito de queixa e de que esta prossiga.
8. Pelo exposto e brevitatis causa, invoca-se a nulidade prevista no Art.° 120.º, n.° 2, al. d), com a consequente nulidade da acusação, determinando-se o Arquivamento do procedimento criminal contra o ora requerente, por extinção.
REQUERENDO, desde já, ser confirmado, pelo Douto Tribunal, o pedido de constituição, em tempo (cfr. Art.° 68.°, n.° 3, al. a), do CPP), por ter legitimidade (nos termos do Art.° 68.°, n.° 1, ai. b), do CPP) e estar devidamente representado por Advogado (Art.° 70.°, n.° 1, do CPP), formulado pelo ora requerente, para intervir nos autos na qualidade de Assistente, quanto aos factos que determinaram o seu Direito (e o exercício) de Queixa tempestivamente formulado e que desencadearam o procedimento criminal do NUIPC 2815/08.2TDLSB, incorporado nos presentes autos.
B) Do Arquivamento Parcial decidido pela Digna Magistrada do M.P.
B.1) Relativamente ao crime de injúria.
9. Como foi alegado em 7., supra, ao ora requerente não foi, nunca foi, feita a notificação a que alude o Art.° 246.°, n.° 4, in fine, do CPP, pelo que, na falta de tal advertência e formalidade legal impreterível, não pode, naturalmente, como ofendido, ficar prejudicado no exercício do seu mais que legítimo direito de queixa e de que esta prossiga.
Donde e desde já,
10. Não pode ser determinado pelo Ministério Público o arquivamento dos autos, nesta parte, por inobservância de formalidade legal essencial e impreterível, determinada no Art.° 246.°, n.° 4, do CPP,
Pelo que
Se Requer Abertura de Instrução, visando a comprovação judicial, por este Douto e competente Tribunal, da decisão do M.P. em arquivar o inquérito, nesta parte, atentos os elementos alegados e carreados como prova na Queixa-Crime apresentada pelo ora requerente, inquirindo-se as testemunhas por este arroladas quanto aos factos — o chorrilho de palavras injuriosas por que o denunciado ofendeu gravemente o denunciante, ora requerente, com intuito humilhante e traumatizante com que, consequentemente, ofendeu a sua honra, cometendo o ilícito p. e p. pelo Art° 181.°, do Cpenal.
B.2) Relativamente aos crimes de dano e de ofensa à integridade física.
11. Não foram, de todo, realizadas todas as necessárias diligências de inquérito, nem o M.P. cuidou, como alega, de recolher “indícios suficientes da sua prática por parte do arguido B…”.
12. Não chega afirmar que “o arguido negou os factos”, O arguido B…não é — nunca seria — “bom juiz em causa própria”!
13. À testemunha C… a questão a colocar nunca seria se ela “havia presenciado os factos”. De facto, não os presenciou. O seu arrolamento como testemunha pelo ora requerente prende-se com a sua qualidade de “dona” da firma “E…, Lda.”, que vendeu ao ora requerente “1 vidro aramado 67x30” (cfr. Doc. n.° 4, Factura n.° 8149, emitida por esta vidraceira, que se junta aos autos), para substituir o vidro que ao perseguir o ora requerente, mal o viu a franquear a porta exterior da sua residência, o arguido B… partiu ao desferir um pontapé na mesma, apesar de aramado, tal a força empregue nesse pontapé. Esse mesmo vidro aramado foi presente à testemunha, que o viu, partido, para proceder ao fornecimento de um novo vidro ao ora requerente, que teve que o adquirir, por € 8,00 — factualidade que serve de prova material e tangível do dano perpetrado pelo arguido B…, a aferir por este Douto Tribunal, já que M.P. não o fez, com a diligência que lhe era devida.
14. À testemunha D…, trabalhador ao serviço do estabelecimento “M… Café”, que presenciou os factos que, dentro destas instalações, revelaram a atitude agressiva e provocatória do arguido B…, não só insultando e injuriando o ora requerente, à frente de vizinhos, conhecidos e outros, passando, de imediato a agredi-lo, agarrando-lhe o braço com uma mão (como, “em síntese”, o M.P. apurou na recolha de declarações, sem mais questionar esta testemunha) e, com a outra mão levando-a ao pescoço do ora requerente, com o claro propósito de o estrangular, colocando em risco a sua vida, agredindo a sua integridade física, cometendo o crime p. e p. no Art.° 145.º, n.° 1, al. a) e nº 2, ex vi Artº 143 º, do CPenal, como o Douto Tribunal podera confirmar, já que o M.P. não o fez, com a diligência que lhe era devida.
15. Da inquirição da testemunha E…, resultou, para o M P, tambem “em sintese”, que “viu um individuo a apedrejar a porta de um prédio, cujo vidro resistiu por ser aramado”. Ou seja, inquiriu a testemunha, que confirmou ter visto um indivíduo a apedrejar — mas não cuidou de confirmar, junto desta testemunha, quem seria tal indivíduo, porque estaria a apedrejar, quem e o que estaria a ser alvo do apedrejamento... como não procurou determinar os factos, o M.P. não só não cuidou de investigar e colher prova suficiente e cabal, como se quedou por uma mera e inconsequente conjectura para o processo, quando na realidade, se tivesse promovido, diligentemente, uma mais cuidada investigação dos factos, teria facilmente concluído que os factos presenciados por esta testemunha (pela testemunha, também arrolada e identificada pelo ora requerente, de seu nome F… — que ou não foi inquirida como deveria, pelo M.P., ou o M.P. não fez reproduzir para os presentes autos as suas declarações...) comprovam, à saciedade, que o arguido B… não só cometeu um crime de ameaça, previsto e punido pelo Art.° 153.º, do CPenal, como um crime de ofensa à integridade física do ora requerente, ao se ter tornado alvo do arremesso, pelo arguido, de várias e volumosas pedras da calçada, que poderiam, inclusivamente, colocar em risco a vida do ora requerente.
Donde,
16. São mais que suficientes e manifestos os elementos (indícios) “que logicamente relacionados e conjugados, formam um conjunto persuasivo, na pessoa que os examina, sobre a existência do facto punível, de quem foi o seu autor e da sua culpabilidade”, ou ainda mais precisamente e acompanhando a lógica (mas não as conclusões do M.P.) “quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a condenação do acusado (...)“.
17.E, se o M.P. conclui que “não foi reunida prova que sustente a prática pelo arguido dos crimes que lhe foram imputados”, tal se deve a uma manifesta insuficiência do Inquérito por si conduzido quanto aos factos ilícitos, culposos e puníveis de que foi agente o arguido B…, competindo, agora, ao Douto Tribunal, valorar todos os ilícitos penais acima indicados numa análise e escrutínio mais profundo e rigoroso, para comprovação indiciaria das suspeitas já levantadas contra o arguido B…, termo em que se requerem as seguintes:
B.3) Diligências Probatórias
18.Devem ainda ser tomadas declarações ao ora requerente e ofendido, então, denunciante, sobre toda a matéria constante da presente instrução que deverá esclarecer, além de outras questões que se mostrem pertinentes para o esclarecimento indiciário dos factos, designadamente as seguintes:
a) Que factos, circunstâncias, ofensas e danos ocorreram no dia 25 de Novembro de 2007?
b) Que razões levaram o ora requerente a se dirigir e em que modos ao arguido B… no dia 26 de Novembro de 2007, no estabelecimento “M… Café”?
c) Qual foi a reacção do arguido B…? Que expressões foram por este utilizadas e dirigidas ao ora requerente? Que zonas do corpo do ora requerente foram agarradas pelo arguido? Que percepção fez o ora requerente de tais actos?
d) O que se passou de seguida? Porque razão o ora requerente sentiu necessidade de se defender?
e) O que se passou no exterior do estabelecimento “M… Café”?
f) Que tipo e que quantidades de pedras trazia o arguido nas mãos quando perseguia o ora requerente?
g) Que meio de reacção adoptou para defesa da sua própria integridade física, da integridade física da sua companheira e da sua filha e dos (e quais dos) seus bens, ameaçados pela conduta do arguido B…?
h) O que se passou a seguir?
i) Que presenciou os factos e que factos?
19. Deve ser pedido depoimento ao arguido, B…, sobre toda a matéria alegada, e especialmente:
a) Porque e com que propósitos, no dia 26 de Novembro de 2007, perseguiu o ora requerente e que razões determinaram a sua conduta ao desferir um pontapé no vidro aramado da porta exterior da residência do ora requerente?
b) Porque insultou, agarrou e agrediu o ora requerente no estabelecimento “M… Café” no dia 26 de Novembro de 2007?
c) Porque razão, de seguida, perseguiu o ora requerente munido de pedras? Com que objectivos?
d) O que se passou a seguir e nas semanas seguintes aos factos?
20. Requer-se uma nova inquirição das testemunhas, arroladas e melhor identificadas a final:
a) D…, relativamente à factualidade ocorrida no interior do estabelecimento “M… Café”, mormente a articulada no n.° 14, supra.
b) F…, sobre a factualidade ocorrida na via pública confinante ao estabelecimento “M… Café”, mormente a articulada no n.° 15, supra.
c) E…, sobre a factualidade ocorrida na via pública confinante ao estabelecimento “M… Café”, mormente a articulada no n.° 15, supra.
d) C…, relativamente à matéria vertida para o n.° 13, supra.
Pelo exposto, reitera requer, no que concerne ao Despacho de Arquivamento Parcial proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público:
i) Que seja declarada a Abertura de Instrução, por considerar ser manifesta a insuficiência do inquérito realizado, por existirem mais que suficientes elementos indiciadores da ocorrência dos factos criminalmente puníveis imputados ao arguido B…, que determinam a sua pronúncia, por existir uma possibilidade razoável de lhe poder vir a ser aplicada, em julgamento, pena ou medida de segurança, nos termos do disposto no Art. 283.°, n.° 2, do CPP;
ii) Que sejam efectuadas as diligências probatórias indicadas em B.3);
iii) Que, a final, o arguido B… seja pronunciado pela prática dos crimes previstos e punidos nos Art.°s 214.°, n.° 1, al. a) — ex vi Art° 212.° —, 181.°, 145.°, n.° 1, al. a) e n.° 2 — ex viArt.° 143.° —, e 153.°, todos do Código Penal;
iv) A sua constituição como assistente nos autos, para o que pede seja liquidado o devido imposto de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao denunciante em sede de inquérito; e, ainda,
v) Por, como lesado, não ter sido informado — como devia, por força do disposto nos n.°s 1 e 2 do Art.° 75.° do CPP — da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, reiterar o seu propósito de o fazer, tal como previsto no Art. 77.°, n.° 2 ex vi Art.° 75 n.° 2, do CPP, no Requerimento que em III infra, se articula.
II - A ACUSAÇÃO.
A) DAS RAZÕES DE FACTO DE DISCORDÂNCIA RELATIVAMENTE À ACUSAÇÃO.
21. O ora requerente, arguido nos autos do NUIPC 1948/07.7PBLSB, foi notificado da dedução da Douta ACUSAÇÃO por Nota com a data de 2 de Julho de 2009, pelo que, sem embargo e sem prescindir do alegado em “1 — Questões Prévias”, vem, à cautela, apresentar tempestivo Requerimento de Abertura da Instrução, nos termos do Art.° 287.º, n.° 1, do CPP, relativamente aos factos pelos quais a Digna Magistrada do Ministério Público a formula, por não se conformar com o teor da mesma.
22. Vem o ora requerente acusado, como arguido, na parte trazida para análise do presente Despacho, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos dos Art.°s 143.°, n.° 1, 145.º, n.° 1, al. a) e n.° 2, com referência ao Art.° 132.º, n.° 2, al. h), todos do Código Penal e de 11 (onze) crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.°s 3 n.° 2, als. h), i), n) e p) e n.° 7, al. a), e 86.°, n.° 1 , als. c) e d) da Lei n.° 5/2006, de 23.02.2006, na versão em vigor à data da prática dos factos.
23. No entanto, foi com surpresa e estupefacção que recebeu a douta acusação pública, não se conformando com a mesma.
24. O requerente, ora arguido, é uma pessoa tímida, dotada de grande sensibilidade, de trato pacífico, de boa educação, recato e sensatez, que sempre conduziu a sua vida no mais estrito respeito pelos seus concidadãos, nunca tendo sido julgado ou preso por qualquer dos factos por que ora vem indiciado.
25. É um homem de família, que com a sua companheira, cria 1 filha menor e cuida da sua Mãe, já idosa, desde que o seu Pai faleceu.
26. Reside desde que nasceu na morada indicada nos autos, sendo conhecido, estimado e respeitado, por todos quantos consigo privam.
27. Para além dos seus, se algo o arguido preza e tem como património valioso, é precisamente a sua honra e consideração.
28. O arguido pretende demonstrar que nenhum dos factos por que vem indiciado mais não configura do que uma legítima defesa quer da sua pessoa, quer dos que lhes são próximos — sua Mãe, companheira e filha — quer de bens seus, cuja integridade viu ameaçada pela acção — esta sim, deliberada e consciente —, dolosa, por parte do ora denunciante e apresentado como “ofendido”, B…, pois não praticou os factos que lhe são imputados, nos termos em que a Douta acusação os formula.
29. Imputar a alguém a prática de factos ilícitos tem que ter subjacente uma actividade investigatória que inculque nesse sentido, e embora se baste com a existência de “indícios suficientes” para deduzir acusação, esses têm que existir, têm que ser percepcionados em toda a sua globalidade e com uma fundamentação que não redunde numa eventual injustiça ou dúvida razoável.
Senão vejamos, por partes:
A. 1) Dos Factos ocorridos no dia 26 de Novembro de 2007, pelas 22H45, no interior do café denominado “M… Café”, sito na Av. …, na Mina — Amadora.
30. É verdade que o ora arguido encetou uma troca de palavras com o denunciante B… — mas em modos cordatos, para o questionar se era sua intenção pagar o vidro da porta de entrada que havia partido na véspera.
31. Já não é verdade, como se infere da Douta acusação, que “acto contínuo, o arguido abeirou-se do ofendido B… e desferiu-lhe vários murros no rosto” — o que se passou, de facto, foi bem diverso: ao se ter abeirado do denunciante B…, com o simples intuito referenciado em 30., acima, este, com atitude agressiva e provocatória, insultou e injuriou o ora arguido, à frente de vizinhos, conhecidos e outros, metendo mão ao pescoço deste, com o claro propósito de o estrangular.
32. Também não é verdade que o ora arguido tenha desferido “vários murros no rosto” do denunciante B… — o ora arguido, surpreendido pela desproporção da acção daquele, apenas conseguiu reagir desferindo-lhe um único soco, apenas e só para o afastar e impedir a prossecução do seu acto, defendendo-se da agressão, que colocava em forte risco a sua integridade física e, quiçá, a sua própria vida, permitindo a intervenção dos demais presentes no “M… Café”, que a tudo assistiram e puderam impedir que o denunciado prosseguisse os seus intuitos, separando-os.
33. Não deixa de se estranhar que o denunciante B… — como se lê a fls. 271. na Douta acusação — após o arguido” ter abandonado o local, o tenha seguido. Para quê? Porquê? Com que intuito? A seguir se verá...
34. É que o aqui denunciante B… perseguiu, de facto o ora arguido, quando este, na convicção que teria terminado a agressão, sai do “M… Café” e se dirigia, pacificamente, para a sua residência.
35. Porém, uma vez mais, volta a ser surpreendido pela conduta desproporcionadamente agressiva do B…,
36. Que vê sair, em corrida, do “M… Café” dirigindo-se a uma obra em curso na via fronteira a este estabelecimento, onde recolhe várias pedras da calçada.
37. E, vendo o B… correndo, de novo, agora, na direcção do ora arguido, com o intuito de as arremessar na sua direcção,
38. Este, perseguido por aquele, vê-se obrigado a correr, para se refugiar na sua residência.
Porém,
39. Por saber que o B… se mantinha nas imediações e receando, o ora arguido, não apenas pela sua integridade física, mas também pela integridade física da sua companheira e da sua filha, bem como pelo seu património — já que o B… poderia partir (como já o tinha feito no dia anterior) quer os vidros da sua casa, quer danificando a sua viatura, estacionada perto —,
40. Ao ora arguido não restava outra alternativa que não a de legitimamente se defender, a si, aos seus e aos seus bens.
Daí que,
41. O ora arguido, de entre várias armas de coleccionismo, para a prática de “paintball” e para sua defesa pessoal, por temer que o B… levasse à prática as suas intenções ofensivas dos bens jurídicos ameaçados,
42. Muniu-se, de facto, de uma das referidas armas, para, legitimamente, se defender perante a ameaça iminente de ver contra si arremessadas as várias pedras que o B… lhe apontava.
43. Para tanto, cuidou de começar por avisar o B… que, se este lhe atirasse uma pedra, ele se viria forçado a utilizar a sua arma para, legitimamente, se proteger de uma agressão iminente por parte do B….
44. Como tal não demoveu o B… dos seus intentos, ao ora arguido não restou outra alternativa que disparar a sua arma, num único disparo, apontando para o chão,
45. Com o cuidado para o não atingir e com o único e claro intuito de repelir a agressão com que o denunciado colocava em risco a vida, a integridade física e/ou o património do queixoso, com o arremesso das várias e volumosas pedras da calçada.
46. Meio de autoprotecção que se revelou necessário e suficiente, posto que o B… largou as ditas pedras e se colocou em fuga, correndo pela rua.
Mais,
47. Foi tal o cuidado do ora arguido que a arma que utilizou era, como se descreve na própria Douta acusação, “uma arma de alarme (...), com munições de salva”.
48. Acresce que o disparo foi efectuado a vários metros de distância (entre 6 e 10 metros) e de uma munição de salva que não pode, pelas suas próprias características, “atingir” mesmo que “de raspão” fosse, o corpo (in casu, a perna, esquerda ou direita) do B…, nem provocar “quatro” (sublinha-se “ — num único disparo? — cfr. se lê em Auto de Exame e Avaliação de Objecto, a fis. 44 dos autos), orifícios nas calças do B… — que poderiam, outrossim, ter sido provocados pelos vidros partidos pelo pontapé desferido pelo B…, no dia anterior, na porta exterior da residência do ora arguido (vidros que são, igualmente, “perfurantes”...).
Ora,
49. Como também resulta da própria Acusação, “não foi possível apurar”, nem “dores e lesões”, nem que “consequências” poderiam resultar de tal disparo. Nem o poderiam ser, tratando-se, como se trata, de uma arma de alarme com munições de salva, para mais a tal distância.
50. Em síntese, como se demonstrou, o arguido não molestou fisicamente o denunciante B…, mais do que o adequado, proporcional e necessário propósito de se defender, legitimamente, das agressões que este lhe perpetrou ou manifestou intenção de consumar.
A.2) Dos resultados na busca realizada à residência do arguido realizada no dia 8 de Maio de 2008.
51. Tendo tal busca ocorrido cerca de seis meses após a data dos factos circunstanciados supra, estranho é (ou não?!) que o ora arguido ainda mantivesse as armas apreendidas na sua residência...
52. Facto é que essas armas (ou réplicas) ainda lá se encontravam — pela simples razão que o arguido as guardava, ou por se tratar de uma mera recordação (caso da arma referenciada em 1., de fls. 272, da Douta acusação) do seu falecido Pai, que lha havia oferecido anos atrás (e que o ora arguido nunca utilizou), ou por se tratarem de objectos de colecção, que o ora arguido adquiriu, há cerca de doze anos, para a prática de “paintball” ou para “ir aos pardais com um grupo de amigos do ora arguido, em estabelecimentos abertos ao público, mormente no Centro Comercial Babilónia.
53. “Pistolas de alarme” (como é o caso da referenciada em 2., a fls. 273, ou da referenciada em 8., de fls. 274, dos autos, com o “cano interior obstruído”, absolutamente inofensivas e usadas, quando e se necessário, para “alarme”), “espingardas” e “pistolas” de “pressão de ar” (como é o caso de das referenciadas em 3. e 5., a fls. 273, ou em 6., de fls. 274, dos autos, utilizadas por quem ainda “vai aos pardais” e sem revestir qualquer grau de perigosidade, dado o fim a que se destinam e a sua utilização), réplicas, em plástico (como a referenciada em 4., de fls. 273, dos autos, que o arguido adquiriu no dia em que se inscreveu no “Club…”, de que é sócio n.° 0000 — cfr. Doc. n.° 5, de que ora se junta fotocópia e se dá por reproduzida — para a prática da modalidade desportiva e de entretenimento de “Paintball”), cápsulas vazias, munições de salva ou outras (como a referenciada em 7., de fls. 274, dos autos, de “pólvora seca”, “tapada” e “sem ponta”, sem qualquer préstimo) e, ainda os mencionados “aerossóis” (em 9. e 10., de fls. 274 e 275, dos autos —‘ para defesa pessoal da sua companheira, por esta trabalhar, várias vezes até à 1 hora da madrugada, no hipermercado “Jumbo” em Carnaxide e que o arguido, receando que ela fosse vítima da mais um dos múltiplos assaltos que ocorrem nas imediações de tal estabelecimento àquelas horas, adquiriu na Feira de Massamá, um deles praticamente vazio e só para “assustar os meliantes”.
54. “Armas” e “munições” que, em síntese e como se demonstrou, o arguido, de todo, desconhecia “não serem permitidas”, pois adquiridas em estabelecimentos abertos ao público e em venda livre, detidas na sua residência, para simples e inocente coleccionismo ou prática lúdico - desportiva, sem qualquer intenção criminosa, uma boa parte antes ficando em exposição, fixados em paredes, à mercê da poeira, como se confirma pela visualização das imagens juntas in Doc. n.° 6, que ora se junta.
B) O DIREITO
55. Vem o arguido acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nos termos dos Art.°s 143.º, n.° 1, 145.º, n.° 1, al. a) e n.° 2, com referência ao Art.° 132.º, n.° 2, al. h), todos do Código Penal e de onze crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.°s 3 n.° 2, als. h), 1), n) e p) e n.° 7, al. a), e 86.°, n.° 1 , als. c) e d) da Lei n.° 5/2006, de 23.02.2006, na versão em vigor à data da prática dos factos.
56. No que à acusação da prática, pelo ora arguido, do crime de ofensa à integridade física concerne ficou por demais demonstrada a existência de uma evidente causa de exclusão da ilicitude: a Legítima Defesa, prevista no Art.° 32.° ex viArt.° 31.°, n.°s 1 e 2, al. a), do Código Penal.
57. Causa que afasta a ilicitude do facto típico, justificando-o perante a ordem jurídico-penal, concluindo-se pela inexistência de responsabilidade criminal.
Com efeito,
58. O ora arguido limitou-se a exercer um direito constitucionalmente consagrado de auto-defesa dos seus interesses, supra fundamentado em termos factuais objectivos, perante uma agressão, actual e ilícita, de que foi vítima.
59. O agressor, B…, violou a paz jurídica e ameaçou bens determinados. O defendente, A…, limitou-se a proteger o direito objectivo e os seus interesses, persuadido, em termos também objectivos, na convicção de que o Direito não deve nem pode ceder perante o ilícito e, subjectivamente, no reconhecimento aos cidadãos de um animus defendendi — como se costuma dizer na Doutrina portuguesa — quando, como, in casu, ao A… não foi possível o recurso à força pública e, por isso, se circunscreveu a empregar o meio menos gravoso à sua disposição, para que menos dano causasse ao agressor, B…, em condições de razoável indiferença para si, defendente, com uma reacção adequada com vista a parar a agressão e a rechaçar o contra-ataque que se sucedeu.
60. A lesão infligida ao agressor, B…, foi a menor possível — tal como se extrai da Douta acusação ao reconhecer terem “consequências (que) não foi possível apurar”!
61. Ademais, a legítima defesa não depende do conceito de consumação, mas sim da utilidade da defesa no contexto da agressão — e o meio de reacção foi o adequado às circunstâncias, tendo posto um fim à conduta ilícita, culposa e punível do B…, sem consequências de relevo para a integridade física de ambos.
C) DOS ACTOS DE INSTRUÇÃO QUE O REQUERENTE JULGA NECESSÁRIOS
O ora arguido, A…, ao requer a abertura da instrução relativamente aos factos e ao direito aos mesmos aplicável, pretende a efectivação das seguintes diligências de prova que não foram realizadas e/ou consideradas em sede de inquérito, além de outras que V. Ex.a, MM.° Juiz de Instrução Criminal, doutamente reputar de necessárias:
A) Prova Testemunhal
Requer a inquirição das seguintes testemunhas, relativamente à matéria articulada nos números 30. a 50., deste requerimento:
1) D…, solteiro, residente na Av…., n.° ..,, Amadora.
2) E…, residente na Rua …, n…., Cacém.
3) F…, residente na Rua …, n.°…, Amadora.
B) Prova por acareação
Nos termos do disposto no Art.° 146.º, n.° 1 do CPP, se requer a acareação entre o arguido e denunciante, A…, e o denunciante e arguido B…, face às contradições existentes, e por se afigurar imprescindível à descoberta da verdade material.
C) Prova Pericial
Nos termos do preceituado no Art.° 151.º e ss, do CPP, se requer a prestação de prova pericial, por pessoa de honorabilidade e reconhecida competência na matéria relativa aos números 31., 36., 37., 47. a 49. e 51. a 54., a designar pelo Douto Tribunal.
III. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
(por não estar em causa não se transcreve)……
Termos em que, a final, nos melhores de direito e
com o sempre Douto suprimento de V. Ex.ª:
1. Deve o ora requerente ser despronunciado do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos dos Art.°s 143.º, n.° 1, 145.º, n.° 1, al. a) e n.° 2, com referência ao Art.° 132.º nº. 2, al. h), todos do Código Penal e de 11 (onze) crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.°s 3.°, n.° 2, als. h), l), n) e p) e n.° 7, al. a), e 86.°, n.° 1 , als. c) e d) da Lei n.° 5/2006, de 23.02.2006, na versão em vigor à data da prática dos factos.
2. Deve o arguido B… ser pronunciado pelos crimes p. e p. nos termos dos Art.°s 214.º n.° 1, al. a) — ex viArt.° 212.° —, 181.°, 145.°, n.° 1, al. a) e n.° 2 — ex vi Art° 143.° —, e 153.°, todos do Código Penal.
3. Deve o ora demandante ser ressarcido pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 808,00, demandado a B…, no Pedido de Indemnização Cível.”
***
Sobre este requerimento recaiu o despacho judicial que vai agora ser transcrito:

“Nos presentes autos veio A… requerer a sua constituição como assistente.
Não foi deduzida oposição.
Compulsados os autos e tendo em conta que o (a) requerente está em tempo, tem legitimidade, tem advogado nos autos e procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida admito(a) a mesmo(a) a intervir nos autos como assistente (cf. art°s 68° n°1 al.a) e 3, 70º e 519° n°1 do Código Processo Penal).
Notifique.
Nos presentes autos o Ministério Público, proferiu despacho de arquivamento relativamente aos factos imputados ao arguido B….
O Assistente A…, por discordar do despacho de arquivamento proferido, veio requerer a sua constituição como Assistente e ao abrigo dos disposto no art° 287° n°1 al. b) do CPP, requerer a abertura da instrução, conforme consta do teor do requerimento que faz fls. 284 e seguintes, pedindo a pronuncia do arguido B…, pela prática dos ilícitos que aí refere, que aqui nessa parte se dá por reproduzido.
Resulta do disposto no n°2 do art° 287° do CPP, que o requerimento de abertura de instrução, não está sujeito a formalidades especiais, mas que deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos, que através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art°283°. n°3 al.s b) e c) do CPP.
Resulta do art° 283° n°3 do CPP que “ a acusação contém, sob pena de nulidade:...b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua pratica, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; . . .c) a indicação das disposições legais aplicáveis;...”.
Dispõe o art° 309° do CPP que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento de abertura da instrução.
O processo penal rege-se pelos princípios do acusatório e do contraditório.
Dos preceitos legais supra referidos e tendo em conta os princípios mencionados resulta que o requerimento de abertura da instrução, quando requerida pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público, deve conter todos os elementos de uma acusação, descrevendo os factos que consubstanciem o ilícito, cuja pratica imputa ao arguido e identificando este.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva em “Do processo Penal Preliminar”, fls. 254, o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento) ou à acusação decididos pelo Ministério Público), acusação que vai, “dada a divergência com a posição assumida pelo M° P°, necessariamente ser sujeita a comprovação judicial”.
Sobre a mesma questão veja-se ainda José de Souto Moura in “Jornadas de Direito Processual Penal — O Novo Código de Processo Penal”, ed. Almedina, 1988, pag. 120 “se o assistente requerer a instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos, é que o assistente gostaria de ver acusados.
Aquilo que não está na acusação e que no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto, O juiz de instrução “não prossegue “ uma investigação nem se limitará a apreciar o arquivamento do M°P°, a partir da matéria indiciária do inquérito, O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão”.
Resulta do exposto que é o requerimento de abertura da instrução que vai delimitar o objecto da fase de instrução, sendo que o arguido tem de estar identificado e conhecer todos os factos que em concreto lhe são imputados para que se possa defender, bem como a indicação do ilícito pelo qual se pretende a sua pronuncia.
O requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, na sequência de um despacho de arquivamento do Ministério Público, é mais que uma forma de impugnar o despacho de arquivamento do Ministério Público (o qual existe a reclamação hierárquica uma vez que consubstancia, uma verdadeira acusação.
Sem a descrição de factos concretos que consubstanciem uma conduta penalmente punível, a identificação do seu agente e a indicação do ilícito pelo qual se pretende ver aquele pronunciado a instrução não tem objecto, ou seja não pode haver instrução.
Sem instrução, o debate e a decisão instrutória constituem uma impossibilidade jurídica e os actos instrutórios actos inúteis, sendo que ainda que fossem apurados factos concretos se tal viesse a constar da decisão instrutória esta seria nula, por violação do disposto no art° 309° supra referidos.
No requerimento apresentado pelo assistente são referidas razões de discordância do despacho de arquivamento do Ministério Público, pedindo-se a pronúncia do arguido. Não obstante e pese embora as razões referidas, não são no requerimento de abertura da instrução, na parte referida, descritos factos que constituam uma acusação, nos moldes referidos, que integrem o ilícito pelo qual se pretende a pronuncia do arguido.
Efectivamente o assistente como se disse, aduz razões que a fazem discordar do despacho de arquivamento proferido nos autos pelo Ministério Público, refere factos, mas não procede à descrição de factos concretos, que sejam susceptíveis de preencher a tipicidade objectiva e subjectiva dos ilícitos que imputa ao arguido. O requerimento apresentado pelo assistente, na parte objecto de apreciação no presente despacho, não se encontra elaborado em conformidade com as normas legais supra referidas, pelo que não pode tal peça processual servir de base a um despacho de pronúncia.
Ainda que no decurso da instrução fossem apurados factos concretos, que integrassem a tipicidade objectiva e subjectiva dos ilícitos referidos, a decisão instrutória que viesse a ser proferida seria nula, em obediência ao referido no art° 309° do CPP.
Assim sendo e face à falta de objecto é inadmissível a instrução requerida, pelo assistente, no que concerne ao pedido de pronuncia do arguido B…, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no n°3 do art° 287° do CPP, rejeito nessa parte o requerimento de abertura da instrução formulado nos autos.
Fixo em 2UC a taxa de Justiça devida, pelo Assistente.
Notifique.
III
Declaro aberta a instrução, requerida por A…, enquanto arguido, por se mostrar requerida em tempo, por quem tem legitimidade e se mostrar paga a taxa de justiça devida.”
***
É desta decisão de rejeição do requerimento para abertura da instrução que recorre o assistente e arguido, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem.
“D - CONCLUSÕES.
1. O Douto Despacho do Tribunal a quo rejeitou o Requerimento de Abertura da Instrução formulado nos autos pelo Assistente, ora e aqui Recorrente, alegando o incumprimento, por este, do disposto no n. 3 do Art.º 287. do CPP. Ora, in casu, Requerimento de Abertura de instrução sub judicio foi apresentado em tempo, no prazo estipulado pelo n. 1 do Art. 287.º, o Juiz é competente, por força do disposto no Art. 17.º e a instrução é legalmente admissível, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, tal como preceituado no Art. 286.º para comprovação judicial, por este foro, da decisão proferida pelo MP de arquivar o inquérito.
2. Mais alega o Douto Despacho do Tribunal a quo que o Requerimento de Abertura da instrução não se encontra elaborado em conformidade com as normas legais prescritas nos Art. 287.º, n. 2 e 283.º.nº. 3, als. b) e c), do CPP. Ora, o Assistente, aqui Recorrente, no seu Requerimento de Abertura de Instrução não só identifica, claramente, o arguido, B…, como descreve detalhadamente os factos, tempo, modo, lugar e motivação, que consubstanciam os ilícitos por este praticados, como o opera, formalmente, numa acusação nos mesmíssimos termos por que a queixa-crime havia sido formulada, aliás, reproduzida e integrada (como Doc. n.-° 2), no próprio Requerimento de Abertura da Instrução, e, como já sublinhado, cujos (também juntos) “termos (...) e cujos factos e respectiva imputação penal se dão aqui por integralmente reproduzidos”, não comportando qualquer alteração dos descritos no mesmo Requerimento. Tinha, deste modo, o Tribunal a quo todas as condições para promover a Instrução, abrir um debate pleno e proferir a competente decisão instrutória, porquanto para além dos factos concretos, perfeitamente identificados, são relevados, também os que preenchem a tipicidade objectiva e subjectiva dos ilícitos que imputa ao arguido B…, para o pronunciar pela “prática dos crimes nela denunciados e previstos e punidos nos Art. 214.-°, n. 1, al. a) — ex vi Art.212.-°—, 181.-°, 145.-°, n. al. a) e n.º2- ex viArt. 143. e 153º, todos do Código Penal”.
3. Para mais, é o próprio Tribunal a quo a reconhecer que o Assistente (ora e aqui Recorrente) “aduz razões”, “refere factos”, por que este discorda do despacho de arquivamento do MP. Não obstante, por não cuidar de analisar todo o conteúdo do seu Requerimento, obnubila que este alberga não só uma exaustiva descrição de todos os factos concretos que preenchem a tipicidade objectiva e subjectiva dos ilícitos que imputa ao arguido B…, como cuida, expressa e claramente de os reiterar, também os remetendo para a narração que deles havia feito na queixa-crime por si apresentada e em linha com o que recomenda, maioritariamente, a citada doutrina e jurisprudência.
4. A Instrução é exequível e o Juiz de Instrução tem uma delimitação objectiva do campo factual, tem identificado o agente que praticou os factos concretos que consubstanciam a sua conduta penalmente punível e tem a indicação dos ilícitos pelos quais o Assistente, ora e aqui Recorrente, pretende ver o Arguido B… pronunciado. Ora, o Tribunal a quo, tem (mas, por inexplicadas e infundamentadas razões, não reconheceu) objecto para a Instrução, podia responder (mas não respondeu) à pretensão do Assistente, ora e aqui Recorrente, para que houvesse (e porque não houve) Instrução.
5. Para mais, o Douto Despacho do Tribunal a quo — sem embargo ser do conhecimento oficioso do Tribunal de Instrução Criminal —, não se pronuncia, mormente em matéria: Da violação dos prazos máximos de Inquérito; Da preterição de formalidades essenciais pelo MP no decurso do Inquérito; Da insuficiência do Inquérito; Das diligências probatórias a cargo do Tribunal a quo e por este indeferidas; Do apuramento, em sede de Instrução, dos requisitos objectivos e do elemento subjectivo que consubstanciam a exclusão da ilicitude, por presente a legítima defesa por que se pautou toda a conduta do ora Recorrente; Da comprovação judicial dos elementos probatórios que fundamentam o pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente, ora e aqui Recorrente.
6. Por tudo o que se expõe, impunha-se ao Tribunal a quo a análise de todo o texto do Requerimento de Abertura de Instrução (e de todos os documentos que o integram, porque juntos e integralmente reproduzidos neste) e, consequentemente, uma decisão diversa da recorrida, pois, se a Meritíssima Juiz usasse da experiência comum, teria concluído que era, como foi, o Sr. A…, ora Recorrente, o visado e ofendido, nos seus bens jurídicos, pelo arguido Sr. B….
7. Por assim não ter entendido o Tribunal a quo, e pela fundamentação de facto e de direito apresentada nesta sede, o Douto Despacho recorrido violou ou não promoveu a correcta aplicação das seguintes normas do CPP: Art. 283. n.º 3, als. b) e c), 287. n.º 2, 292. (ex viArt. 146. n. 1 e 151. e ss.), bem como dos Art. 276. n. 1, 3 e 4 (ex vi Art. 89. n. 1 e 2 ou 6 do Art. 89. e Art. 246. n. 4, infine), no que à marcha do Inquérito concerne e, ainda, do Art. 377º (ex vi Art. 483. e ss. do CC), no atinente aos elementos probatórios que fundamentam o pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente, ora e aqui Recorrente.
8. Também violou ou não promoveu a correcta aplicação dos princípios e normas contidas nos Art. 32.° e 33.°, ambos do Código Penal e, bem assim, das garantias fundamentais fundadas nos n. 5 e 7 do Art. 32. da Constituição da República Portuguesa.
Face à matéria, motivações e fundamentos ora alegados e verificada existência — entre outras violações das normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, acima referenciadas —, dos vícios dos Art. 379.º, n. 1, als. b) e c), 410.°, n.° 2, als. a), b) e c), do CPP, deverá o Venerando Tribunal da Relação, salvo o devido respeito por opinião adversa, na impossibilidade de decidir da causa (cfr. Art.º426.° do mesmo Código), determinar o reenvio do processo para nova instrução, por forma a que as normas penais, substantivas e adjectivas aplicáveis, o sejam, e os invocados vícios sejam devidamente sanados, ou caso assim se não entenda, proceder, como alegado supra, à pedida reanálise da subsunção jurídico-criminal dos factos, por verificação da existência da causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa) dos factos por que o ora Recorrente também vem acusado.
1O. Assim se fazendo a costumada e necessária JUSTIÇA!
Pelo que,
Nestes termos e nos demais de Direito deve ser dado provimento
ao presente Recurso e, por via dele, deve a decisão recorrida ser revogada e o Requerimento de Abertura de Instrução do Assistente, ora Recorrente, ser aceite e, consequentemente, realizados os respectivos actos e diligências instrutórias, escrutinadas as provas apresentadas e requeridas, sindicados todos os factos ilícitos praticados pelo arguido B…, bem como as questões de facto e de direito constantes dos requerimentos tempestivamente apresentados e no presente Recurso reproduzidos, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”
***
Entretanto foi proferida decisão instrutória, na qual se conheceu e decidiu sobre as questões suscitadas no requerimento da abertura da instrução, nos termos que seguem por transcrição:
“Decisão Instrutória
Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação, contra A…,pela prática dos ilícitos referidos a fis. 276 dos autos.
O arguido veio, requerer a abertura da instrução, conforme consta do requerimento que faz fls. 284 a 298 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Procedeu-se à inquirição de testemunhas e à realização do debate instrutório com observância das formalidades legais.
CUMPRE DECIDIR:
O Tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa para além das questões prévias e nulidade de que a seguir se conhece.
No requerimento de abertura da instrução o arguido como questão prévia alega ter sido ultrapassado o prazo de duração do inquérito.
O prazo de duração do inquérito é um prazo meramente indicativo, não é um prazo peremptório, pelo que do facto do mesmo ter sido ultrapassado não resultam as consequências mencionadas pelo arguido no requerimento de abertura da instrução.
Efectivamente a situação referida não consubstancia qualquer nulidade com a consequência referida de extinção do procedimento criminal.
Face ao exposto e assim sendo indefiro nesta parte o requerido.
O arguido refere ainda no requerimento de abertura da instrução a omissão por parte do Ministério Público, da realização de diligências essenciais no decurso do inquérito.
Compulsados os autos verifica-se que o Ministério Público procedeu à realização de todas as diligências impostas por lei como obrigatórias bem como às pertinentes e necessárias para o esclarecimento dos factos em investigação.
Face ao exposto julgo não verificada a nulidade arguida, motivo pelo qual e nesta parte se indefere igualmente o requerido pelo arguido.
Conforme resulta do art° 286° do CPP a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento.
No caso dos autos a instrução visa a comprovação judicial de acusar o arguido, ou seja pretende-se que se afira da existência ou não de indícios dos quais resulte a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada ao arguido uma pena, pela pratica do ilícito que lhe é imputado na acusação.
Dispôe o art° 308° n° 1 do CPP que se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos respectivos factos; caso contrário, profere despacho de não-pronuncia.
Resulta por outro lado do art° 283° n° 2 do CPP, para onde remete o art° 308° n° 2 do mesmo diploma legal, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança.
O despacho de não pronuncia deverá ser proferido sempre que, perante o material probatório constante dos autos, não se indicie que o arguido, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, sendo tal probabilidade um pressuposto indispensável da submissão do feito a julgamento — v. G.Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994, 205-.
Para ser proferido despacho de pronúncia embora não seja preciso uma certeza da infracção é necessário que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes, para que logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpa do arguido.
Após analise critica de todos os elementos de prova carreados para os autos e pese embora a posição assumida pelo arguido, no requerimento de abertura da instrução e no decurso desta, considera-se que existe uma possibilidade razoável de lhe vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena pelos factos e ilícitos que lhe são imputados na acusação, sendo que, e fazendo um juízo de prognose é muito mais provável a sua condenação do que a sua absolvição, pela pratica daqueles.
Efectivamente o arguido dá dos factos outra versão. Contudo os factos que constam da acusação encontram-se indiciados nos autos tendo em conta o teor dos documentos que destes constam, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas na fase de inquérito, sendo que tais depoimentos não foram infirmados pelos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase de instrução que se encontram gravados. Sendo de referir que a testemunha F…, referiu que estava na rua, ouviu um disparo, olhou e viu o arguido com uma arma de fogo, tendo referido tais factos com enorme objectividade e isenção. Por sua vez a testemunha E… que disse estar com a anterior testemunha, referiu ver um indivíduo a lançar pedras contra a porta do arguido, seguiu a sua vida e depois ouviu um estrondo e esse individuo passar a correr. Refira-se que este depoimento não mereceu qualquer credibilidade por ser completamente infirmado pelos demais que dos autos constam, bem como pelo depoimento da testemunha F….
Compulsados os autos e pese embora o referido pela defesa não resulta dos autos indiciado que o arguido tenha agido em legitima defesa.
Os motivos que terão levado o arguido à prática dos factos, bem como o comportamento do queixoso no desenrolar dos factos a provar-se em audiência apenas será relevante para determinação da medida da culpa e consequentemente da pena.
Assim sendo tendo em conta os elementos probatórios constantes dos autos e uma vez que se concorda com a qualificação jurídica dos factos feita na acusação, considero que existem indícios suficientes e bastantes para pronunciar o arguido pelos factos e ilícito de que vem acusado — cf. Art° 283° n°2 ex vi art° 308° n°2 do Cód. Proc. Penal-.
Em face do exposto e para ser julgado em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular
PRONUNCIO:
A…, pelos factos e disposições legais referidos na acusação que faz fls. 271 a 277 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para lodos os efeitos legais, nos termos do art° 307° n°1 e 308° n°2 do CPP, na sua redacção actual.
PROVA:
A indicada a fis. 276 dos autos.
MEDIDAS DE COACÇÃO:
TIR.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos aos Juízos Criminais de Lisboa.”
***
Deste despacho não foi interposto recurso ou arguidas nulidades.
***

Efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o Mº Pº (cfr. 404 a 411) em que concluiu:
A - A fundamentação do douto despacho de fls. 336 a 340 não nos merece censura na medida em que se entende que o requerimento de abertura de instrução deve ser rejeitado por não obedecer aos requisitos constantes do artigo 283° n°3 do Código de Processo Pena 1. Invocando-se a propósito o art.°287° do C.P.P. — Dr. Souto Moura, em Jornadas de Direito de Processo Penal — citado na 15ª edição — 2005 do C.P.P. “Se o assistente requerer a abertura de Instrução, sem a mínima limitação do campo factual sobre que há-de versar,a instrução será inexequível, ficando o Juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados. O mesmo se poderá dizer mutatis mutandis, no que concerne á instrução requerida ...
B — Bem interpretou e aplicou a Mmª. Juiz as disposições legais dos art.° 287° n.° 2 e 283° n.° 3 ambos do C.P.P. e art.° 32º da C.R.P., face ao Doutamente Decidido no Acórdão n° 7/2005 do S.T.J.
C — O Assistente não apresentou o requerimento de abertura de instrução em conformidade com os preceitos legais exigíveis, designadamente descrito as condutas de Quem ; Quando ; Como ? Onde ? O quê ? A Quem ? terá ou terão sido realizadas, visando demonstrar a eventual prática de determinado(s) ilícito(s).
D — O douto despacho de fls.336 a 340 não padece de qualquer nulidade ou merece qualquer censura, tendo sido proferido numa correcta aplicação do direito à matéria de facto em causa.
E - Pugna-se pelo decidido dado não terem sido violadas quaisquer normas legais.
F - Pelo que deverá ser confirmado, negando-se em conformidade provimento ao recurso apresentado.
No entanto, Vossas Excelências melhor decidirão e assim será feita,
Justiça.”
***

Foi admitido o recurso (cfr. fls. 412).
Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Srª. Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo (cfr. fls. 411 e 412), dando parecer no sentido da concordância com a resposta apresentada pelo Mº.Pº., no sentido do não provimento do recurso, tendo mencionado diversa jurisprudência coadjuvante da tese defendida.
O assistente respondeu de forma a reiterar as alegações antes já expressas na motivação do recurso interposto, para além da apreciação crítica das motivações apresentadas pelo Mº.Pº.

Prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.º 419º do C.P.Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

II.MOTIVAÇÃO.
Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Antes de mais uma breve nota para as “questões prévias” suscitadas pelo requerente da instrução.
Pronunciou-se o Mmº. Juíz de Instrução na Decisão Instrutória sobre aquelas questões, conforme se vê da decisão supra transcrita.
Deste despacho não foi interposto qualquer recurso, pelo que as questões ali decididas se consideram definitivamente aceites, não cabendo a este Tribunal voltar a pronunciar-se, atento o caso julgado entretanto formado sobre o ali decidido.
O recurso em apreço é apenas o interposto do requerimento que rejeitou a abertura da instrução quanto aos factos relativos à queixa apresentada pelo A… contra o B….
Assim sendo, no caso presente, em conformidade com as conclusões apresentadas, a questão suscitada resume-se a saber se o requerimento de abertura de instrução que apresentou satisfaz ou não, as exigências contidas no artigo 283º/3 alíneas b) e c), aplicável ao caso, por força do artigo 287º/2, ambos do C P Penal.

Vejamos.
Preceitua o normativo legal, sob o título “requerimento para abertura da instrução”- (287-2 do C.P.P.) que: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º,n.º 3, alíneas b) e c).
As alíneas b) e c) do artigo 283.º do mesmo diploma dispõem:
b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada
b) a indicação das disposições legais aplicáveis.
Ora, a instrução quando efectuada a requerimento do assistente, na sequência da abstenção do Mº.Pº de acusar o arguido, tem por finalidade conseguir a submissão deste a julgamento pelos factos que no entender daquele consubstanciam a prática de uma actividade criminosa, susceptível de conduzir à aplicação de uma pena ou medida de segurança. Daí a sua estrutura e semelhança com a peça acusatória.
É o artigo 286º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, que nos diz qual o objecto e finalidade da instrução- a instrução destina-se à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, importando assim apurar se há indícios suficientes de ter sido cometido, pelo arguido, o crime participado, bastando-se com a suficiência e a possibilidade razoável, em juízo de prognose, de, por força deles, ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Em regra, o arguido pretenderá afastar a acusação e o assistente levar a julgamento o arguido, por factos que o Mº.Pº não considerou e, por isso afastou a acusação.
É, assim essencial, porque exigido pelo art. 287º, nº 2 do C.P.P. que tal requerimento contenha a descrição clara, ordenada, à semelhança do que é exigido para a acusação, seja pública, seja particular, de todos os factos susceptíveis de responsabilizar criminalmente algum arguido- ou seja, a factualidade resultante da actividade ou comportamento do arguido que preencha todos os requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal denunciado.
É que o requerimento para abertura de instrução apresentado em caso de arquivamento pelo Ministério Público, equivalerá em tudo a uma acusação, condicionando e limitando, nos mesmos termos que a acusação formal, seja pública, seja particular, a actividade de investigação do juiz e a própria decisão final, instrutória. É que, tal como acontece na acusação, também, no caso, o requerimento de abertura da instrução tem em vista delimitar o thema probandum da actividade desta fase processual.
E, é essa perspectiva que se realça no artigo 303º do C.P.P. quando se reporta o caso da alteração substancial dos factos descritos nesse requerimento, sob pena de nulidade, como claramente resulta do disposto no art. 309º, nº 1 do C.P.P.
Não poderiam considerar-se em hipotético despacho de pronúncia factos que eventualmente resultassem da instrução e que não tivessem sido alegados no requerimento para abertura de instrução apresentado, pois tal implicaria uma alteração substancial que viciaria de nulidade a decisão instrutória, nos termos do art. 309º do C.P.P.
Importa ainda salientar que a instrução, nos termos em que a lei vigente a regula, tem natureza judicial e não de actividade investigatória, destinando-se à comprovação judicial da decisão tomada pelo Ministério Público de deduzir, ou não, acusação (art. 286º, nº 1 do Cód. Proc. Penal) e não a constituir um complemento da investigação prévia à fase de julgamento, como já aconteceu no passado.
Aliás, a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
Para além de inviabilizar a possibilidade de realização da instrução (art. 309º do Cód. Proc. Penal), a deficiência de conteúdo (e não de mera forma) do requerimento apresentado implica a nulidade desse mesmo requerimento, a qual vem prevista no art. 283º, nº 3 do C.P.Penal, para que remete o art. 287º, nº 2 (por não conter a narração de factos que fundamentem a aplicação a um concreto arguido de uma pena ou medida de segurança, como o impõe o art. 283, nº 3, als. b) e c) do Cód. Proc. Penal).
No caso, apenas a apresentação de um requerimento para abertura da instrução do qual constem a enunciação dos factos, o tempo, o lugar, o modo como os agentes procederam para realizar o processo executório permitirá ao Tribunal individualizar e suscitar confrontos pontuais donde possa inferir-se uma conclusão diversa da factualidade descrita e que permita ao juiz de instrução operar a reunião necessária dos requisitos legais exigidos na norma citada.
Cabe aqui citar o que foi escrito no Ac.R.Coimbra de 23/1/2008, relatado pelo Sr.Desembargador Gabriel Catarino: “ Não se encontrando individualizados e arrumados os factos pela ordem e alinhamento que possibilitem esse exercício de joeiramento não será possível ao juiz cumprir este desígnio normativo. Impõe-se, pois, em nosso juízo, que o requerimento para abertura da instrução contenha um alinhamento factual susceptível de sobre ele poder ser produzida prova.”
E, ainda, conforme se disse no ac.R.Lx de 10/1/2007:
Intimamente conectada com esta exigência está o regime de nulidades inserto no artigo 309.º, n.º 1 do CPP ao taxar de nula a decisão instrutória “na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”. Parece-nos que mais uma vez o legislador quis conferir ao requerimento para abertura da instrução uma feição e estrutura similar ao de um requerimento em que o Ministério Público ou o assistente requerem ao tribunal a introdução de um feito que eles reputam de revestir natureza criminosa ou que contem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”.
Ora, no caso concreto, em apreciação, verifica-se uma ausência de factos que permitam enquadrar objectiva e subjectivamente os mesmos no concreto tipo legal de crime, de dano e das ofensas à integridade física. E, desde já se diga que, remeter o Juíz titular da Instrução para o requerimento da queixa, não faz qualquer sentido, como mais adiante explicaremos.
Vejamos agora se as deficiências do requerimento poderiam ter sido corrigidas através de novo requerimento aperfeiçoado.
O Supremo Tribunal de Justiça veio a tomar posição quanto à questão no Ac. STJ de 7/2005 de fixação de jurisprudência entendendo que «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso em relação à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido», publicado no DR I-A Série, de 4 de Novembro de 2005.
Neste sentido também decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2006, relatado pelo Sr.Desembargador Vieira Lamim:
«I – Na instrução, a estrutura acusatória do processo e o inerente princípio da. Acusação, limitam a liberdade de investigação do juiz ao próprio objecto do processo. II – Por isso, no requerimento de abertura da instrução, o assistente tem de identificar as pessoas que quer ver submetidas a julgamento, não sendo admissível instrução contra incertos e tem de descrever factos concretos que permitam fundamentar a aplicação de uma pena. III – Não é de admitir um requerimento de abertura de instrução dirigido pelo assistente contra os proprietários de todos os estabelecimentos farmacêuticos existentes em determinada comarca, sem os identificar e em que se limita a descrever um procedimento genérico desses estabelecimentos, sem concretizar os actos concretos, com indicação dos seus intervenientes, lugar e tempo em que ocorreram».
Deveria o requerimento do assistente, definir, por um lado, o que constitui facto concreto a provar e, por outro, quais são as provas desse facto concreto - o que interessa para a fundamentação da decisão da matéria de facto e, não o fez.
O recorrente confunde estes conceitos, os factos, as provas e o discurso de alegação, já que é patente no seu requerimento, um relato reiterado de juízo crítico não aos factos mas dirigido à actividade do Mº.Pº durante o inquérito e ao seu despacho de arquivamento, demonstrando não mais que a sua discordância daquele despacho.
Concluindo.
É patente que, o requerimento foi elaborado, sem sequer se atentar na norma invocada na decisão recorrida (artº. 287 do C.P.P.) - a descrição de factos que fundamentam a aplicação de uma pena, ou seja, os factos que se traduzem nos elementos constitutivos, objectivos e subjectivos de qualquer crime e, no caso, do crime de dano alegadamente p.p. pelo artigo 212 e 214-1 do C.P. e do crime de ofensa à integridade física p.p. pelo artigo 143 do C.P. e ainda de ameaças p.p.pelo artigo 153 do C.P. Cabe ainda referir que as apontadas deficiências do requerimento do assistente não podem ser supridas por iniciativa do Tribunal, como parece pretender o recorrente na sua exposição, designadamente mediante decisão que o convidasse a supri-las.
Com efeito, uma decisão que convidasse o requerente a apresentar novo requerimento para abertura de instrução – não deixando de consubstanciar o exercício pelo juiz de instrução de uma faculdade inquisitória e de exercício de acção penal que no actual quadro legal processual penal não lhe assiste (violaria o princípio da estrutura acusatória do consagrada do referido art. 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa).
Quanto a este ponto, é pertinente dirigir a nossa atenção para o que escreveram os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Anotada, pág. 206: a estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais, a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação. Daqui resulta que o juiz de instrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar, directamente ou por convite ao assistente, requerente da abertura da instrução".
Integrando o requerimento de instrução razões de perseguibilidade penal, aquele requerimento contém uma verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação em alternativa, respeitando-se, assim, "formal e materialmente a acusatoriedade do processo", delimitando e condicionando a actividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Processo Penal, 125.
A faculdade de, pelo convite à correcção, o assistente apresentar novo requerimento colidiria com a peremptoriedade do prazo previsto no art. 287º,nº 1 do CPP. Essa dilação de prazo sequente àquele convite pelo juiz de instrução, que não se inscreve no âmbito de comprovação judicial, atribuído à função da instrução, no art. 286º, nº 1, do CPP, atentaria, assim, contra direitos de defesa do arguido, porque o prazo funciona, claramente, em favor do arguido e dos seus direitos de defesa.
Acompanhamos de perto o que se decidiu no TC no seu Ac. nº 27/2001, de 30/1/2001, publicado no DR, II Série, de 23/3/2001: “ A possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se por repetir, de novo um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado é, sem dúvida violador da garantias de defesa do arguido ou acusado",
O convite à correcção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direito fundamentais, em ofensa ao estatuído no art. 18º nº 2 e 3, da CRP, que importa não sancionar.
Também, no Ac. do TC nº 674/99, DR II de 25/2/2000, se realça que “a necessidade de uma narração de factos penalmente censuráveis [pode ser vista] como uma decorrência lógica do princípio da vinculação temática, já que, só deste modo a acusação pode conter os limites fácticos a que fica adstrito o tribunal no decurso do processo (cfr. António Barreiros, Manual de Processo Penal, Universidade Lusíada, 1989, pág. 424). Ou seja, a narração dos factos, que constituem elementos do crime, deve ser suficientemente clara e perceptível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objecto do processo fique claramente definido e fixado. É, assim, imperativo que a acusação e a pronuncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”).
Consagrando este entendimento o tribunal constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287.º e 283,º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido (cfr. Acórdão n.º 389/2005, de 14.07.2005, publicado no DR II série, de 10.10.2005).
Queda, por aquilo que se deixou exposto, ilaqueada a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento, como vem defendendo a jurisprudência, una voce, propendemos para confirmar o acerto da decisão proferida”., (cfr.Ac.R.Coimbra de 23/1/2008).
Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal; substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos enraizaria em si uma função deles indagatória ou investigatória, que poderia ser acoimada de não isenta, imparcial e objectiva, e, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória.
Relevante ainda referir que, estando vedado ao juiz do julgamento direccionar convite ao MºPº para completar o elenco factual acusatório, ante e com apoio nos peremptórios termos do citado art. 311º, nº 3 b), também, nenhuma semelhança apresenta com a petição inicial em de processo cível em termos de merecer correcção, nos termos definidos pelo art. 508º, nº 1 b), do CPC. em nome do princípio da “igualdade de armas”.
É que uma ilimitada investigação levada a cabo pelo juiz de instrução atentaria contra o principio da acusação, pois seria ele a delimitar o objecto do processo contra os peremptórios termos do artº 311º nº 3 b), do CPP, e, levaria o tribunal a substituir-se aos profissionais do foro, mandatários judiciais do assistente, necessariamente por aqueles assistido, nos termos do art. 70º nº1 e 287º, nº 1, al.b), do CPP, suprindo-lhes carências o desempenho técnico – profissional que lhes incumbe, quiçá perdendo o juíz a sua própria imparcialidade.
E, cremos que, é este o sentido maioritário da jurisprudência, senão, vejam-se, os Acs. da Relação de Lisboa, de 9.2.2000 , in CJ , Ano XXV, I, 154, de 11.10.2001, in CJ, Ano XXVI, IV, 142, de 5.12 2002, in CJ, Ano XXVII, 2002, V, 143, do TC nº 27/01, DR, II Série, de 1.3.2003, de 10.10.2002, in CJ, Ano XXVII, IV, 133, de 11.4.2002, in CJ, Ano XXVII, n , 147 e o de 25.11.2004, in CJ, Ano XXIX, V, 134 , na esteira do proferido no Proc. da mesma Relação, nº 7327/04, de 23.11.2004, R.Coimbra de 23-01-2008, de 10-01-2007 e mais recentemente, do T.R. Porto de 20/1/2010.
Em suma, o objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, dito de uma forma simplista, os factos narrados como integrantes da conduta ilícita do agente têm de “caber” nos elementos objectivos e nos elementos subjectivos do tipo legal em causa (do respectivo preceito legal), o que não aconteceu no presente caso, sendo sobretudo patente a falta da forma narrativa dos factos e a omissão dos factos integrantes dos requisitos subjectivos de cada tipo legal, indicado como praticado pelo denunciado.

Em conclusão, não foram cumpridas as exigências legais, quer quanto à narração, quer quanto à indicação das disposições legais aplicáveis, aos seus elementos típicos, pelo que bem andou o Sr.Juíz de Instrução ao rejeitar o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente A….
Nessa conformidade, remetendo-se, quanto ao mais, para os respectivos fundamentos, é de confirmar aquela decisão, declarando-se improcedente o presente recurso.
Decidindo-se pela rejeição do requerimento de abertura da instrução nos termos em que foi objecto do presente recurso, fica prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões suscitadas quanto ao mérito da questão.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo assistente/recorrente por ter decaído no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento das custas (art. 515.º, n.º 1, al. b), C.P.P.), fixando-se em 7 UC a taxa de justiça.
(Processado e revisto pelo relator.)

Lisboa, 27 de Maio de 2010

Maria do Carmo Ferreira
Moisés da Silva