Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10552/2006-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
MOTIVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- Os contratos de trabalho temporário (CTT) e os contratos de utilização de trabalho temporário (CUTT) são regidos pelo mesmo diploma legal (DL nº 358/89 de 17/10), a cada um deles correspondendo um regime específico, embora com alguns pontos de contacto
II- Quer nos CUTT, quer nos CTT há necessidade de indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário (arts. 11º-1-b) e 19º-1-b) do DL nº 358/89). Porém, as consequências de uma omissão de justificação ou de cumprimento defeituoso de tal obrigação são diversas.
III- Estando em causa nos autos o não cumprimento da obrigação de correcta motivação de CTT celebrado entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, a consequência é a existência de um contrato de trabalho sem termo entre ambos e não entre o trabalhador e a empresa utilizadora.
IV- O nº 6 do art. 11º do DL nº 358/89, (introduzido pela Lei nº 146/99 de 1/9) está expressamente prevista no âmbito dos CUTT, mas não tem correspondência no caso dos CTT e, mesmo que se entendesse que essa norma podia ser aplicável aos CTT, tal sempre implicaria que a empresa de trabalho temporário alegasse e provasse que a motivação expressa no CTT foi aquela que a empresa utilizadora estrita e efectivamente deu.
V- Isto porque o utilizador pode ter dado outra ou mais detalhada motivação à empresa de trabalho temporário, designadamente a que constou do CUTT, e esta não a ter consignado no CTT, onde o utilizador não tem qualquer intervenção.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: I- J…, intentou no 1º Juízo do Trabalho de Sintra a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, CONTRA,
S…– EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, LDA.

II- Pediu que:

- Seja declarada nula a estipulação do termo no contrato de trabalho, e considerado este como contrato por tempo indeterminado;

- Seja declarado ilícito o despedimento do autor;

- Seja a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 618,98, correspondente à indemnização por antiguidade, acrescida das remunerações que se vencerem desde os trinta dias que antecederam a propositura da acção até à sentença;

- Seja a R. condenada a pagar a quantia de € 847,96, por férias vencidas em 2002.01.01 e não gozadas e respectivo subsidio, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

III- Alegou, em síntese, que:

- No dia 2001.04.17 A. e R. celebraram por escrito um contrato de trabalho temporária, pelo qual o A. se obrigava a prestar trabalho subordinado, a termo certo, com inicio em 2091.04.17 e termo em 2001.05.16, com a categoria de ajudante de motorista;

- O trabalho era prestado à empresa utilizadora "C…, CRL," nas instalações desta, em Lisboa, auferindo o A. o salário mensal de € 423,98, para um horário de 40 horas semanais;

- Foi consignado no contrato elaborado pela R. e posteriormente renovado sucessivamente e por idênticos períodos que a celebração de mesmo tinha como fundamento ou motivo a "Necessidade decorrente da vacatura de postos de trabalho quando já decorra processo de recrutamento para e seu preenchimento";

- Tal contrato deverá ser considerado conto contrato por tempo indeterminado, pois não foram mencionados em concreto os factos e circunstancias que integram o motivo invocado;

- A Ré comunicou-lhe, por carta catada de 2002.04.01 "que de acordo com o art. 46 n.º 1 do DL 64-A/89 o contrato a termo certo celebrado com esta empresa não será renovado, pelo que caducará no dia 16 de Abril de 2002", o que configura um despedimento ilícito, por não ter havido justa causa, nem ter sido precedido de processo disciplinar;

- Não gozou as férias vencidas em 1/1/02 (1 mês), nem recebeu o respectivo subsídio;

- Aquando da rescisão apenas lhe foi pago parte da remuneração de férias e subsídios de férias e de Natal.

IV- A ré foi citada e, realizada Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, veio a contestar após notificação para o efeito, dizendo, no essencial, que:

- Foram cumpridas todas as formalidades do contrato de trabalho temporário, constando do mesmo os motivos justificativos da sua celebração;

- A pretensão do gozo de férias não colhe porque não foi ultrapassada a duração de 12 meses;

- A ré pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período de duração do contrato;

- Não houve qualquer despedimento e a ré nada deve.

V- O processo seguiu os seus termos e, a final, foi proferido saneador-sentença que julgou a acção nos seguintes termos: "DECISÃO:

Pelo exposto, e tendo em atenção as disposições legais citadas, decido:

1.) Declarar nula a estipulação do termo nos contratos de trabalho temporário celebrados entre A. e R. por não terem sido indicados concretamente os motivos da contratação, considerando tais contratos como celebrados por tempo indeterminado;

2.) Declarar ilícito o despedimento do A. por inexistência de justa causa, ou precedência de processo de disciplinar;

3.) Condenar a R. a pagar ao A. as seguintes quantas:

- € 6.061,72, acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde 2002.10.31 até 2003.04.30, e à taxa de 4% desde 2003.05.01 até integral e efectivo pagamento;

- € 618,16, por indemnização por antiguidade, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença até integral pagamento;

- € 2.109,91, por férias e subsídio de férias vencidas em 2002.01.01 e 2003.01.01 e férias e subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2003, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença até integral e efectivo pagamento;

- € 207,00, por subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado em 2003, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença até integral e efectivo pagamento."

Dessa sentença recorreu a ré (fols. 73 a 79) apresentando as seguintes conclusões:

(…)

VI- O autor não contra-alegou, justificando o Ministério Público a ausência das mesmas (fols. 84).

Correram os Vistos legais.

VII- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada e que aqui se acolhe é a seguinte:

1- A Ré é uma empresa de trabalho temporário, dedicando-se à cedência a terceiras, da utilização de trabalhadores que, para tal fim, admite e remunera;

2- No dia 2001.04.17, A. e R. celebraram por escrito um contrato de trabalho temporário, pelo qual o A. se obrigava a prestar trabalho subordinado, a termo certo, com início em 2001.04.17 e termo em 2001.05.16, com a categoria de ajudante de motorista;

3- O trabalho era prestado à empresa utilizadora "C…, CRL", nas instalações desta, em Lisboa, auferindo o salário mensal de € 423,98, para um horário de 40 horas semanais;

4- Foi consignado no contrato elaborado pela R. e posteriormente renovado sucessivamente e por idênticos períodos que a celebração do mesmo tinha como fundamento ou motivo a "Necessidade decorrente da vacatura de postos de trabalho quando já decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento;

5- No dia 2001.11.17, A. e R. celebraram por escrito um contrato de trabalho temporário, pelo qual o A. se obrigava a prestar trabalho subordinado, a termo certo, com inicio em 2001.11.17 e termo em 2001.12.16, com a categoria de ajudante de motorista;

6- O trabalho era prestado à empresa utilizadora "C…, CRL", nas instalações desta, em Lisboa, auferindo o A. o salário mensal de € 423,98, para um horário de 40 horas semanais;

7- Foi consignado no contrato elaborado pela R., posteriormente renovado sucessivamente e por idênticos períodos que a celebração do mesmo tinha como fundamento ou motivo a "Acréscimo temporário ou excepcional de actividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção";

8- A Ré comunicou ao Autor, por carta datada de 2002.04.01, que de acordo com o art. 46 n.° 1 do DL 64-A/89 contrato a termo certo celebrado com esta empresa não será renovado, pelo que caducará no dia 16 de Abril de 2002";

9- O A. não gozou as férias vencidas em 2002.01.01, nem recebeu o respectivo subsídio;

10- A A. pagou ao A. a parte proporcional da remuneração de férias e subsídios de férias e de Natal, correspondente ao trabalho prestado no ano da cessação;

11- Durante a vigência do contrato e aquando da rescisão a R. pagou ao A. a quantia de € 653,48 a título de "compensação prec. de Emprego".

VIII- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação (como é o caso), este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas.

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão fundamental a apreciar prende-se com a possibilidade de responsabilização da empresa utilizadora pela deficiente indicação da motivação da celebração contratual, por parte da empresa de trabalho temporário, constante do contrato de trabalho temporário.

IX- Decidindo.

Pretende a apelante que, face à redacção do art. 11º-6 do DL nº 358/89 de 17/10 (redacção dada pela Lei nº 146/99 de 1/9), sendo a entidade utilizadora a única responsável pelos elementos que fornece à empresa de trabalho temporário e uma vez que a sentença recorrida considerou que as motivações ou justificações insertas nos contratos de trabalho temporário são insuficientes, somente a empresa utilizadora poderia ser condenada nos presentes autos, com a consequente absolvição da aqui apelante na qualidade de empresa de trabalho temporário.

Sem razão, porém, como veremos de seguida.

Não é controvertido nos autos e na apelação, e bem, que os contratos juntos aos mesmos e invocados no âmbito da causa de pedir respectiva, são contratos de trabalho temporário (CTT) não sendo contratos de utilização de trabalho temporário (CUTT).

Sendo certo que ambos os contratos (CTT e CUTT) são regidos pelo mesmo diploma legal (DL nº 358/89 de 17/10), a cada um deles corresponde um regime específico, embora com alguns pontos de contacto. Assim, para os CUTT, contratos a celebrar entre empresas de trabalho temporário e os utilizadores do trabalho temporário, são aplicáveis os arts. 9º a 16º do DL nº 358/89. Para os CTT, contratos a celebrar entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, são aplicáveis os arts. 18º a 25º do DL nº 358/89.

Quer nos CUTT, quer nos CTT há necessidade de indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário (arts. 11º-1-b) e 19º-1-b) do DL nº 358/89). Porém, as consequências de uma omissão de justificação ou de cumprimento defeituoso de tal obrigação são diversas, consoante se trate de um CUTT ou de um CTT.

No caso dos CUTT, "considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o utilizador" (art. 11º-4 do DL nº 358/89). No caso dos CTT considera-se celebrado sem termo o contrato havido entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador (art. 19º-2 do DL nº 358/89).

Daqui resulta com bastante clareza que, estando em causa nos autos o não cumprimento da obrigação de correcta motivação dos CTT celebrados entre o autor e a ré, a consequência é a existência de um contrato de trabalho sem termo entre o autor e a ré e não entre o autor e a empresa utilizadora. Neste sentido aliás, o Ac. da Rel. de Lisboa de 19/11/2003 com sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 2763/2003-4.

Esgrima a apelante, porém, com o nº 6 do art. 11º do DL nº 358/89, (introduzido pela Lei nº 146/99 de 1/9) que estabelece que "O utilizador é o único responsável pelos elementos que fornece aquando da sua solicitação à empresa de trabalho temporário, designadamente pela existência da razão que aponta como justificativa para o recurso ao trabalho temporário", para daqui concluir que no caso dos autos a ré/apelante, enquanto empresa de trabalho temporário não poderia ter sido condenada.

Para afastar este entendimento, desde logo ressalta que esta norma está expressamente prevista no âmbito dos CUTT, mas não tem correspondência no caso dos CTT (v. art. 19º do DL nº 358/89).

Mas mesmo que se entendesse que essa norma pudesse ser aplicável aos CTT, por a razão de ser a mesma, tal sempre implicaria que a empresa de trabalho temporário alegasse e provasse que a motivação expressa no CTT foi aquela que a empresa utilizadora estrita e efectivamente deu.

Isto porque o utilizador pode ter dado outra ou mais detalhada motivação à empresa de trabalho temporário, designadamente a que constou do CUTT, e esta não a ter consignado no CTT, onde o utilizador não tem qualquer intervenção.

Por isso, não faz sentido a condenação do utilizador (ou neste caso a absolvição da ré/empresa de trabalho temporário) sem que empresa de trabalho temporário alegue e prove que a motivação que fez consignar no CTT foi rigorosamente aquela o utilizador lhe forneceu.

Ora no caso em apreço, a ré, na sua contestação, nada alegou no sentido da motivação constante dos CTT ser a única que o utilizador lhe forneceu, nem sequer referindo qual a justificação que constou do CUTT.

Consequentemente a ré nunca poderia beneficiar nestes autos, também por esta razão, da aplicabilidade do disposto no art. 11º-6 do DL nº 358/89.

A sentença recorrida não merece, portanto, a censura que a apelante lhe faz.

X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da ré, mantendo-se o decidido quanto a custas em 1ª instância.

Lisboa, 7 de Março de 2007.

Duro Mateus Cardoso
Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas