Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2160/15.7T8FNC.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O processo de insolvência suspenso nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas deve ser julgado extinto após trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação aprovado no Processo Especial de Revitalização, ainda que o credor requerente da insolvência não seja afectado por tal plano.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:


Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
O BANCO ..., com os sinais identificativos constantes dos autos, requereu em Juízo a declaração de insolvência de Q... S.A., neles também melhor identificada. Alegou, em tal âmbito, ser credora da Requerida nos termos e condições que apontou no requerimento inicial e que a Demandada se encontra em situação de insolvência.
A Requerida deduziu oposição defendendo-se por excepção e impugnação e concluindo deverem «a) As excepções deduzidas ser julgadas procedentes, por provadas, e os créditos do Requerente ser declarados inexistentes e/ou inexigíveis; ou b) A Requerida ser declarada solvente, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 3..º do CIRE». Tal contestação foi objecto de despacho que determinou o respectivo aperfeiçoamento.
Face a informação da secretaria judicial de 01.06.2015 dando conta do facto de ter sido «requerido a instauração do PER», o Tribunal «a quo» declarou a suspensão da instância invocando, para o fazer, o excerto que se destaca:
A suspensão manter-se-à até ao final daquele procedimento, já que, sendo aprovado o plano tal determinará, nos termos do nº6 do art. 17º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a extinção deste processo especial de insolvência e não sendo aprovado, cessará a causa de suspensão, entendendo-se, nos termos gerais do art. 8º que, a verificar-se ali a situação de insolvência, devem ser estes os autos a prosseguir (ficando pois afastada, pela pré-existência de processo em que foi pedida a declaração de insolvência, a aplicação do nº4 do art. 17º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o processo, já após a apresentação de oposição pela requerida, sido declarado suspenso no dia 01 de Junho de 2015, nos termos do nº 6 do artigo 17º-E do CIRE (uma vez que esta tinha entretanto sido admitida a Processo Especial de Revitalização, pendente no mesmo Tribunal com o nº 2696/15.0T8FNC);
Não consta dos autos requerimento de interposição de recurso dessa decisão.
No processo em que se gerou a impugnação judicial que ora se aprecia, foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:
Estabelece o art. 17º-Eº nº6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa que o tribunal ordena a suspensão da instância nos processos de insolvência pendentes, onde não tenha sido previamente decretada a insolvência, contra o devedor à data da publicação do despacho de nomeação de administrador judicial provisório em processo especial de revitalização do mesmo devedor. Mais se prescreve que os mesmos processos se extinguem logo que aprovado e homologado plano de recuperação.
Aliás a preocupação é evidente e justificada, na medida em que se pretende proteger o devedor de processos de insolvência pendentes aquando do início do PER, os quais se prosseguissem, certamente que conduziriam ao fracasso dos esforços de revitalização do devedor.
Assim, e embora o requerente da insolvência alegue não ter sido abrangido pelo plano de recuperação, o artigo não faz qualquer excepção a este regime.
Pelo que, e em face do exposto, nos termos do disposto no art. 17º-Eº nº 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declaro extinta a instância

É dessa decisão que vem o presente recurso interposto pelo BANCO ..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
1ª – A decisão recorrida, que declarou extinta a instância nos autos de insolvência da Q... S.A. (doravante Q...), requerida pelo Banco ... (doravante B...), fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei (nomeadamente do nº6 do artigo 17º-E do CIRE), sendo uma decisão iníqua e ilegal;
2ª – O B..., com a legitimidade processual que lhe era conferida pelos seus créditos no montante global de 43.236.274,00 €, requereu a declaração de insolvência da Q... no dia 13 de Abril de 2015, tendo o processo, já após a apresentação de oposição pela requerida, sido declarado suspenso no dia 01 de Junho de 2015, nos termos do nº 6 do artigo 17º-E do CIRE (uma vez que esta tinha entretanto sido admitida a Processo Especial de Revitalização, pendente no mesmo Tribunal com o nº 2696/15.0T8FNC);
3ª – O “Plano de Recuperação” apresentado pela Q... no Processo Especial de Revitalização foi votado no dia 13 de Outubro de 2015, tendo sido objecto de homologação judicial por decisão proferida no dia 18 de Março de 2016;
4ª – No dia 23 de Março de 2016 o B... requereu nestes autos de insolvência a cessação da suspensão da instância, com vista à sua regular tramitação e consequente designação de data e hora para a realização da audiência de discussão e julgamento, nos termos do artigo 35º nº1 do CIRE (requerimento que foi objecto de indeferimento, por decisão de que ora se recorre);
5ª – No referido requerimento, o B... sustentou (perante o Tribunal a quo) que a norma prevista no nº 6 in fine do artigo 17º-E do CIRE, que determina a extinção dos processos em que houvesse sido anteriormente requerida a insolvência do devedor, após a aprovação e homologação do plano de recuperação, tem de ser interpretada no sentido de excluir os processos em que seja requerente um credor cujos créditos não foram afectados pelo referido plano;
6ª – Efectivamente, o Tribunal afirma por diversas vezes (na decisão proferida nos autos de Processo Especial de Revitalização) que os créditos do B... não são afectados pelo “plano de recuperação” apresentado pela Q..., dizendo, nomeadamente, que “…ao ponderar o acima referido, o Tribunal concluiu que os créditos decorrentes do contrato de financiamento não são modificados pela parte dispositiva do presente plano de recuperação”, pelo que decidiu “…declarar que os créditos dos credores N... S.A. e pelo BANCO ..., S.A. não conferem direito de voto, nos termos do artigo 212º, n.2, alínea a), do CIRE” e “…que o tratamento diferenciado dos créditos dos credores BANCO ..., S.A. e do N... S.A. [a saber: (i) os créditos não sofrem qualquer alteração em virtude do plano;…”;
7ª – A referida decisão (de homologação do “plano de recuperação”) assentava no pressuposto atrás referido, do qual decorreu ter sido decidido não atribuir direitos de voto ao B... e ao Novo Banco, sem o que o “plano de recuperação” teria inevitavelmente sido considerado rejeitado (tudo conforme exposto nos dois requerimentos juntos aos autos de Processo Especial de Revitalização nos dias 13 e 19 de Outubro de 2015 e a estes autos no dia 23 de Março de 2016);
8ª – No dia 15 de Abril de 2016 o B... reiterou o requerimento apresentado com vista ao prosseguimento dos autos de insolvência, juntando cópia de requerimento da própria Q... no Processo Especial de Revitalização e em que esta afirmava, nomeadamente, que o “plano de recuperação “…não comporta qualquer alteração aos respectivos créditos, prevendo o seu reembolso integral de acordo com as normas contratuais e/ou legais aplicáveis, bem como em conformidade com as eventuais/futuras decisões judiciais relativas aos mesmos” e acrescentando que o B... “…não só não fica, de forma alguma, inibido de promover a cobrança e/ou reembolso dos seus créditos por qualquer outra via legal…” e que, “Naturalmente, ao tomar esta opção, o Devedor fica sujeito ao risco de, fora do âmbito do PER e do Plano de Recuperação aprovado, tais credores bancários promoverem, nos termos legais, a cobrança judicial dos seus créditos, cabendo-lhe, também fora do âmbito do PER e do Plano de Recuperação aprovado, tentar obstar, igualmente nos termos legais, à cobrança desses créditos, designadamente, deduzindo – como a ora Devedora fez – oposição a um eventual pedido de insolvência e/ou eventuais acção declarativas e/ou executivas promovidas por esses Credores.”
9ª – Deve um processo de insolvência suspenso nos termos do artigo 17º-E nº 6 do CIRE ser julgado extinto após homologação do plano de recuperação julgado aprovado no Processo Especial de Revitalização, no caso de o crédito do credor requerente da insolvência não ser afectado pelo referido plano de recuperação? Entendemos, inequivocamente, que não!
10ª – Perante a situação sub judice, a interpretação simplista e literal da norma contida na parte final da referida disposição levou o Tribunal a quo a uma incorrecta e ilegal aplicação da lei;
11ª – Conforme resulta da decisão que considerou aprovado e homologado o “Plano de Recuperação”, este foi votado favoravelmente por apenas 10,95 % dos créditos totais (12.494.261,28 € vs. 114.078.531,06 €), não sendo conferidos direitos de voto a 88,08% dos créditos, dos quais mais de 81% vencidos (Bancos, Autoridade Tributária e Segurança Social), credores a que, consequentemente, não foi dada a oportunidade de naquele processo se pronunciarem sobre o destino da empresa;
12ª – Considerando o teor da decisão homologatória proferida no Processo Especial de Revitalização, só pode aqui entender-se que o crédito do B... não é afectado de qualquer forma pelo “Plano de Recuperação”, afirmando-se expressamente que a posição jurídica do B... se mantém inalterada face ao momento anterior à existência do Processo Especial de Revitalização (traduzindo a sua verdadeira inexistência no que diz respeito às relações creditícias entre a Q... e o B...);
13ª – “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” (artigo 9º nº1 do Código Civil, destaque do ora subscritor);
14ª – A norma contida no artigo 17º-E do CIRE nº6 in fine traduz-se na previsão da inutilidade superveniente da lide relativamente a processos de insolvência em que, por via das alterações produzidas nos créditos sobre a devedora com a homologação do respectivo plano de recuperação aprovado em Processo Especial de Revitalização (nos termos do artigo 217º nº1 do CIRE, ex vi artigo 17º-E nºs 5 e 6 do CIRE), se tornaram, efectivamente, inúteis e insusceptíveis de ser julgados procedentes;
15ª – A contrario, se o plano de recuperação não afecta os fundamentos do pedido de insolvência (caso em que o crédito do credor requerente, não alterado pelo plano, é o principal fundamento), a declaração da sua extinção seria um acto contrário à lei, uma vez que mesmo que a decisão homologatória do “Plano de Recuperação” venha a ser confirmada e a transitar em julgado, o facto de não ter quaisquer efeitos sobre os créditos do B... permitir-lhe-ia requerer de imediato a declaração de insolvência da Q..., impondo-se, portanto, fazer prosseguir os presentes autos em obediência ao princípio da economia processual;
16ª – Não é sequer totalmente irrelevante que prossigam estes autos ou seja apresentado novo pedido de insolvência, na medida em que o CIRE prevê diversos prazos cuja caducidade depende da data do início do processo de insolvência em que esta vem a ser declarada;
17ª – “Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do art. 9º do Código Civil, a regra não é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir, mas, ao invés, a de que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham.” (excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.2006, proferido nos autos nº 8768/2006.6, in www.dgsi.pt);
18ª - O Tribunal a quo decidiu sustentado apenas na letra da lei (em contravenção do artigo 9º nº1 do Código Civil), limitando-se a afirmar, apesar dos argumentos que lhe foram apresentados, que “…o artigo não faz qualquer excepção a este regime.” (o regime do nº6 do artigo 17º-E do CIRE)
19ª – “A interpretação socorre-se de vários meios: em primeiro lugar busca reconstituir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo. Na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.” (Francesco Ferrara, in “Interpretação e Aplicação das Leis, 3ª Edição, 1978, páginas 127 e seguintes e 138 e seguintes, citado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão proferido em 22 de Maio de 2013, processo 1185/09.6TBLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, destaques do ora subscritor)
20ª – A norma aqui erradamente aplicada pelo Tribunal a quo não vale por si, não é um fim em si mesma, antes existe com vista à prossecução de um objectivo que a transcende, e que aqui não tem aplicação;
21ª – “Como é reconhecido, o brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, invocado no recurso, não tem valor absoluto, como se verifica, designadamente, no caso de existir fundamento para a interpretação restritiva.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 1430/15.9T8STR.E1.S1, de 10 de Dezembro de 2015, in www.dgsi.pt, destaques do ora subscritor, aresto que o Supremo Tribunal de Justiça teve necessidade de interpretar restritivamente normas contidas no CIRE e relativas ao PER, com vista à aplicação da justiça)
22ª – Quem entenda que alguns dos credores estão excluídos de participar na aprovação do plano de recuperação é forçado, necessariamente, a interpretar restritivamente a regra do n.º 6 do art. 17º-E do CIRE;
23ª – A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9º do Código Civil e, consequentemente, os artigos 8º, 17º-E nº6, 35º nº1 e 212º nº2 a), todos do CIRE (este último na medida em que a decisão recorrida atribui efeitos jurídicos a um facto que, nos termos desta norma, os não tem);
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que declarou extinta a instância, sendo substituída por outra que declare cessada a suspensão da instância e ordene ao Tribunal a quo a marcação da audiência de discussão e julgamento a que se refere o artigo 35º do CIRE.

Q... S.A., respondeu a tais alegações e, sem apresentar conclusões, pediu que fosse julgado improcedente o recurso.
Face à ausência prolongada da Ex.ma Relatora originária, foi-nos este processo redistribuído e feito concluso em 22.05.2017.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
O processo de insolvência em que foi proferida a decisão impugnada, suspenso nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não deve ser julgado extinto após homologação do plano de recuperação aprovado no Processo Especial de Revitalização por o crédito da Recorrente, Requerente da insolvência não ser afectado por tal plano?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
1 – No dia 13.04.2015 foi autuada a presente acção especial de insolvência nº 2160/15.7T8FNC em que é requerida a declaração de insolvência de “Q... S.A.,”.
2 – Por sentença de homologação de 18/03/2016 proferida no processo especial de revitalização nº 2696/15.0T8FNC, da Instância Central de Comércio, Secção de Comércio-J2, foi homologado o plano de recuperação apresentado pelo devedor “Q... S.A.,”.

Fundamentação de Direito
O processo de insolvência em que foi proferida a decisão impugnada, suspenso nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não deve ser julgado extinto após homologação do plano de recuperação aprovado no Processo Especial de Revitalização por o crédito da Recorrente, Requerente da insolvência não ser afectado por tal plano?
Releva para a avaliação da questão proposta a seguinte norma do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas:
17.º-E
Efeitos
(...)
6 ‐ Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem‐se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º‐C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo‐se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.
Por se tratar de preceito envolvido na remissão feita para o regime do processo especial de revitalização (PER), releva importa também ter presente o seguinte regime normativo:
Artigo 17.º‐C
Requerimento e formalidades
1 ‐ O processo especial de revitalização inicia‐se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
2 ‐ A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 ‐ Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:
a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando‐se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;
b) Remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo.
4 ‐ O despacho a que se refere a alínea a) do número anterior é de imediato notificado ao devedor, sendo‐lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º

O art. 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas contém a noção da finalidade visada pelo legislador ao criar o processo especial de revitalização. Tal objectivo é o de «permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização». Visa-se, pois, assumir uma intervenção assente no consenso dos credores com vista a permitir que a empresa regresse «à vida», ou seja, retome o seu papel no tecido económico. Ao erigir este regime, o apontado legislador mostrou dar preferência ao aproveitamento das estruturas económicas existentes em detrimento da sua liquidação desde que, in extremis, possa ser perspectivado pelos aludidos credores – logo os sujeitos mais interessados na construção de superioridade dos activos sobre os passivos – a existência de valores prevalecentes (plúrimos, desde os organizacionais aos relativos às condições de intervenção e presença em mercados específicos) geradores de esperança no ressurgimento.
Ao fazê-lo, quis criar uma solução incondicional, de funcionamento permanente e imediato, que funcionasse como última possibilidade ou solução desviante da insolvência, blindada face a factores externos desestabilizadores. Desta última necessidade emergiram como imprescindíveis os regimes de suspensão e extinção das instâncias previstas nos n.ºs 1 e 6 do art. 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Sob um tal contexto que é, insofismavelmente, o do actual Direito constituído, ganha sentido o dito pela Recorrida ao referir que a tese da Recorrente, por afastar a generalidade e abstracção do regime do PER e a imprescindibilidade da sua eficácia imediata, gera um contexto de inaceitável dependência de um juízo ulterior de cada Tribunal em que corra um processo de insolvência, introduzindo provisoriedade, carácter condicional e incerteza no PER decretado.
Estamos muito para além da mera leitura gramatical e semântica da norma interpretanda – que, também ela, aponta, claramente, para a solução proposta. É todo todo o sistema, é a teleologia do regime do processo de revitalização que clama por solução oposta à sustentada no recurso.
A tese da Recorrente permitiria, aliás, o uso de estratégias processuais bloqueadoras caso se considerasse (como faria sentido, atentas as finalidades protegidas pela tese que suporta o recurso) que a intervenção do credor no processo de revitalização sempre teria que ser efectiva – pois só essa acção permitiria a tutela, aí, dos legítimos interesses desse credor que, caso contrário, sempre teria que brandir os seus direitos no processo de insolvência podendo, pois, actuar com total desprezo e desinteresse pelo processado conducente à recuperação.
Tem também razão manifesta a Recorrida quando refere que, ainda que «o plano homologado não abranja os créditos dos credores requerentes da insolvência do devedor, (…) a aprovação e homologação de um plano de recuperação, em momento posterior à dedução de um pedido de insolvência, invalida e/ou altera (de forma substancial) os fundamentos deste pedido, não sendo (nem podendo ser) indiferente para a economia (e mérito) das acções de insolvência que se encontrem pendentes à data da homologação». Ou seja, a própria insolvência, quaisquer que sejam os seus contornos, é objectivamente alterada pelo PER em termos que lhe retiram adequação e susceptibilidade regulatória.
Da mesma forma, é acertada a perspectiva da Recorrida no sentido de que a admissão de um PER envolve um juízo contraditório de um outro Tribunal que, ao deferir o pedido, reconhece a susceptibilidade de recuperação ou, ao menos, um consenso alargado dos sujeitos mais interessados numa avaliação rigorosa e eficaz, sobre essa possibilidade, o que é diametralmente oposto à conclusão pelo estado de insolvência de um outro Tribunal – vd. o n.º 1 do art. 17.º-A acima referido comparando-o com o disposto no art. 3.º do mesmo encadeado normativo.
A outro nível, faz sentido referir que a existência de um PER englobando um grupo legalmente relevante de credores sempre tenderia a tornar manifestamente inexequível o plano de insolvência para os efeitos visados pela tutela conferida pela al. c) do n.º 1 do art. 207.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, gerando incongruência e linhas de tensão internas de difícil gestão e enquadramento.
Não pode deixar-se de apontar, também, apresentar-se como incongruente a postura processual da Recorrente ao aceitar uma das consequências vertidas no n.º 6 do art. 17.º-E do mesmo Código (a suspensão) – ao não ter interposto recurso da decisão que a decretou – e opôr-se à extinção da instância. Na sua tese, para que se suspenderia, então, a instância? Se a insolvência deve sempre prosseguir se o credor Requerente não intervém no PER, por que haveria este de suspender o processo de insolvência? Se não há relação de interferência entre ambas as acções, porquê perder tempo precioso com suspensões legalmente injustificadas e inúteis? A inconstância e colisão lógica e técnica dos comportamentos assumidos nos autos antes patenteiam que nem a Recorrente crê verdadeiramente naquilo que defendeu no recurso.
Não lhe assiste qualquer razão.
A resposta à questão proposta é, pois, no sentido de que o processo de insolvência suspenso nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 17.º-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas deve ser julgado extinto após trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação aprovado no Processo Especial de Revitalização, ainda que o credor requerente da insolvência não seja afectado por tal plano.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 22.06.2017

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)

António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)