Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
320/14.7GCMTJ.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: PROCESSO PENAL
SUSPEITO
ARGUIDO
CONVERSAS INFORMAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I- Não existem conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o suspeito decide, por sua iniciativa, de forma volutária e sem actuação criticável das forças policiais, fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC, estando estes a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação;

II- As forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser constituídos arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, desde que não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova.

III-Face ao ordenamento português, o simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido.Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.

IV-Por isso a proibição de “conversas informais” só deve abranger afirmações posteriores à constituição de arguido e nunca antes da sua constituição pois ai nem existem propriamente “conversas informais”, mas sim afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. E este é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha.

V-Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.

VI- Logo a constituição formal de arguido constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade da reprodução em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em actos mencionados na lei, considerando-se sem carácter probatório todas as demais provas que foram recolhidas informalmente, em conversas ou em actos sem previsão ou legitimação legal.

VII-As afirmações produzidas nesta fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem “declarações” strictu sensu para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, dada a sua conformidade com o comando legal prescrito no art. 249º do CPP, não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência.

(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO
No processo 320/14.7GCMTJ, da Comarca de Lisboa, Montijo-Instância Local-Secção criminal-J1, a arguida A..., devidamente identificada nos autos, foi condenada pela prática dos seguintes crimes:
(…)
a) CONDENO a arguida A..., pela prática em co autoria material e na forma consumada, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, p.p. pelo artº 108º, nº 1, com referência aos artigos 1º, 3 3º todos do DL 422/89 de 2 de Dezembro, alterado pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, nas penas compósitas, por cada crime, de setenta dias de multa, á razão diária de €6,00 (seis euros) e na pena de (3) três meses de prisão;
b)Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do artº 77º nºs 1 e 2 do C.P., condeno a arguida A..., na pena única de 110 dias de multa, à razão de €6,00 (seis euros) e na pena única de cinco meses de prisão.
c) Considerando a personalidade do agente, a ilicitude apurada nos crimes cometidos, o tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça das penas, satisfazem os fins das penas, pelo que nos termos do artº 50ºdo C.P., determina a suspensão da execução da pena pelo período de um ano.
(…)
Inconformado com tal decisão, interpôs a arguida, supra identificada, o presente recurso (extraindo-se das suas motivações as seguintes conclusões):

CONCLUSÕES:
1.Os pontos 2 a 10 da matéria de facto encontram fundamento nos exames periciais. Os respectivos relatórios, para além da apreciação e percepção de factos de natureza técnica, contêm juízos de valor, apreciações genéricas, analogias e conclusões que não traduzem dedução técnico-cientifica acerca do objecto da perícia, mas apenas o conhecimento genérico dos peritos relativos a outras situações idênticas. Por falta de código os peritos não viram os jogos, mas nomearam-nos e descreveram-nos por recurso a situações que dizem análogas:

2.A sentença no tocante à decisão de facto dos pontos 2 a 10, desrespeitou as regras sobre o valor da prova vinculada na medida em que qualificou como prova pericial meras opiniões e conhecimentos empíricos dos peritos, dando como provados factos desconformes à prova produzida, quanto ao funcionamento dos jogos, o qual os peritos não puderam, directamente constatar das máquinas apreendidas em 27/06/2014, por carência de códigos. Foram por isso dados como provados factos desconformes com a prova pericial, o que resulta do texto da sentença. Há nesta parte um erro notório da apreciação da prova- artº 410º nº 2, al. c), C.P.P.

3.A prova de matéria de direito (ponto 1: exploração ou propriedade de estabelecimento comercial) assenta unicamente, na reprodução em audiência, pelo agente apreensor de declarações que diz ter recebido da arguida. Está em causa o cumprimento das normas dos artigos 59º, 249º, nº 1, 250º nº 8, 357º nº 7 do CPP. O teor do ponto 1, quanto à exploração do estabelecimento, é desconforme com a prova produzida. Artº 410º, nº2 al. c) do CPP;

4. A arguida é primária. Não há necessidade de prevenção. A pena é de 5 meses. Deveria ter sido aplicada a norma do artigo 44º, nº 1, do CP, sendo a prisão substituída por multa, em conformidade com a prática habitual e reiterada, dos tribunais em crime de idêntica natureza.

Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências.

O recurso foi admitido através de despacho de folhas 136.
O MºPº respondeu á motivação do recurso apresentado pela arguida pela forma constante de folhas 140 até 154, pugnando a final que seja julgado improcedente o recurso interposto pela arguida.
Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, insiste na manutenção integral da decisão recorrida, acolhendo na íntegra a resposta apresentada pelo MºPº junto da primeira instância, tendo-se debruçado maioritariamente sobre as questões levantadas no presente recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
A arguida silenciou.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.
Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões:
-Erro notório da apreciação da prova, e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artº 410º nº 2 al. c) e a) do CPP, em dois segmentos, a saber, foram dados como provados factos desconformes com a prova pericial sob os números 2 a 10, o que resulta do texto da sentença, tendo sido desrespeitada as regras sobre a prova vinculada, e no ponto 1: exploração ou propriedade de estabelecimento comercial, assenta unicamente, na reprodução em audiência, pelo agente apreensor de declarações que diz ter recebido da arguida. Está em causa o cumprimento das normas dos artigos 59º,249º, nº 1,; 250º nº 8; 357º nº 7 do CPP, pelo que o teor do ponto 1, quanto à exploração do estabelecimento, é desconforme com a prova produzida;
- Ser a pena aplicada excessiva e desproporcional, pois a arguida é primária. A pena é de 5 meses e deveria ter sido aplicada a norma do artigo 44º, nº 1, do CP, sendo a prisão substituída por multa, em conformidade com a pratica habitual e reiterada, dos tribunais em crime de idêntica natureza.(/note-se que existe lapso de escrita, pois a arguida certamente se quereria referir ao artº 43º nº 1, aliás como decorre das suas alegações do recurso)

Vejamos então:
A sentença sob censura tem o seguinte teor, e tão-só nos segmentos que aqui nos interessam:
II – Fundamentação:
Factos Provados
Resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 27/06/2014, a arguida A..., colocou no estabelecimento comercial denominado XXX.. em Samouco, Alcochete, por si explorado e do qual era responsável, duas máquinas electrónicas, destinadas a serem exploradas pela arguida e utilizadas pelos clientes do seu estabelecimento comercial.
2. As supra mencionadas máquinas electrónicas, após a introdução pela arguida de um determinado código, permitia aos seus utilizadores, clientes do estabelecimento comercial explorado pela arguida, a prática de jogos de fortuna ou azar, designadamente três jogos de “video-poker”, denominados de “Jolly Card”, “Multigame” e “Newgame” e um jogo de “vídeo-rolos”, denominado “Hallowen”.
3. O objectivo dos jogos usualmente designados de “vídeo-rolos”, concretamente o denominado “HALLOWEEN”, é a obtenção de sequências premiadas, as quais se encontram descritas num menu específico, acedido através de um toque numa determinada tecla do teclado.
4. Assim, introduzindo-se uma determinada quantia monetária na máquina em causa, a que corresponderia um determinado número “créditos”, acciona-se o mencionado jogo através do teclado, o que colocaria em movimento cinco rolos de figuras, os quais param posteriormente e progressivamente um a um, de modo aleatório.
5. Dependendo da quantidade de linhas, com o limite de cinco, em que o jogador aposta e com os números um, cinco, nove, quinze e vinte, assim as chances de ganho serão maiores ou menores para o jogador, dado que só serão consideradas as combinações de figuras, que surgirem debaixo das linhas em que o jogador apostou.
6. Se a combinação de figuras que sair ao jogador, corresponder a alguma das diversas sequências de figuras que constam na Tabela de Prémios, o jogador ganha os créditos respectivos, caso contrário, nada ganha.
7. Os jogos de “video poker”, concretamente os denominados “Jolly Card”, “Multigame” e “Newgame”, embora com diferentes cenários gráficos, baseiam-se numa tabela de sequências premiadas que surgem no próprio cenário de jogo.
8. Para tal, aparecem no écran, de modo aleatório, cinco cartas dispostas em linha, sendo que o jogador poderá posteriormente decidir jogar com todas as cartas que lhe surgiram de modo aleatório, ou seleccionar algumas delas para serem substituídas por outras, apenas por uma vez, em cada jogada.
9. Posteriormente, se o conjunto de cartas assim escolhidas pelo jogador, coincidir com alguma das sequências premiadas e constantes na tabela supra mencionada, este ganhará o prémio correspondente, caso contrário, o jogo termina.
10. Caso o jogador tenha uma das sequências premiadas, poderá optar por obter o prémio correspondente, ou decidir dobrar esse mesmo prémio, sendo esta a etapa final do jogo em causa.
11. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 01/10/2014, a arguida A..., colocou novamente no estabelecimento comercial denominado XXX.. em Samouco, Alcochete, por si explorado e do qual era responsável, uma outra máquina electrónica, destinada a ser explorada pela arguida e utilizada pelos clientes do seu estabelecimento comercial.
12. A referida máquina possui na parte frontal um painel protegido por vidro acrílico e a inscrição “COLORAMA”, composta por diversos “leds” (pequenas lâmpadas), sendo que oito destes “leds” se encontram identificadas com a numeração 1 (um), 50 (cinquenta), 2 (dois), 100 (cem), 5 (cinco), 20 (vinte), 200 (duzentos) e 10 (dez) e do lado direito, com duas janelas digitais, que contabiliza os créditos provenientes das moedas introduzidas e a elas correspondentes e os prémios ganhos.
13. Na parede lateral direita localiza-se o dispositivo de introdução e devolução de moedas, de cinquenta cêntimos e um euro, assim, após a introdução de uma moeda, automaticamente, os “leds” da parte frontal iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório, terminando a jogada no momento em que apenas um deles permanece aceso.
14. Caso o “led” que permanecer iluminado corresponda a um dos oito, identificados com os números 1 (um), 50 (cinquenta), 2 (dois), 100 (cem), 5 (cinco), 20 (vinte), 200 (duzentos) e 10 (dez), o jogador terá direito aos créditos a ele correspondentes, os quais são registados e acumulados aos créditos já existentes, no mostrador central.
15. Caso o “led” que permanecer iluminado não esteja identificado com qualquer número, o jogador nada ganha.
16. Os mencionados jogos, habilitavam os seus utilizadores a apostarem uma determinada quantia em dinheiro, que introduziam na máquina electrónica e a ganharem prémios também em dinheiro, consoante a sua sorte ou azar.
17. A arguida estava perfeitamente ciente que as máquinas electrónicas em causa desenvolviam “jogo de fortuna ou azar”, bem sabendo em que condições a sua exploração era autorizada.
18. Sabia assim a arguida, que a exploração deste tipo de equipamento, era proibida fora dos casinos e das áreas autorizadas, não desconhecendo ainda a mesma, que não era concessionária de qualquer sala de jogo, nem estava autorizado a explorar este tipo de jogo.
19. Contudo, não se inibiu a arguida mesmo assim, de proceder à respectiva exposição e exploração das mencionadas máquinas no estabelecimento comercial do qual era responsável, visando com isso a obtenção de lucros.
20. A arguida agiu do modo descrito, de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
21. A arguida não tem antecedentes criminais.
22. A arguida como comerciante do ramo de café aufere cerca de €800,00.
23. A arguida reside sozinha, despende cerca de € 300,00 de amortização mensal do empréstimo para aquisição de habitação própria e cerca de € 500,00 em consumos de água, luz, gás e alimentação.
24. A arguida tem o 4.º ano de escolaridade.


Factos não provados
Não resultaram quaisquer factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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Motivação da Matéria de Facto
Nos termos do art. 205º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97º, n.º 4 e 374º, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125º do Código de Processo Penal). A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art. 127º do Código de Processo Penal).
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo indicados, apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado “ 13ª Ed., 2002, pág. 341, com citações de A. dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).
Os factos provados resultaram da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento tendo em conta os parâmetros referidos.

A livre apreciação da prova pressupõe a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
“Apenas a fundamentação racional e lógica, que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível, afastando as conclusões que sejam susceptíveis de se revelar como arbitrárias, ou em formulação semântica marcada, meramente impressionistas” (cfr. Marques Ferreira, ‘Jornadas de Direito Processual Penal’, ed. CEJ, pág. 226).

A audiência de julgamento decorreu com o registo dos depoimentos e esclarecimentos nela prestados – no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nos Tribunais.
Tal circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controle do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, também nesta fase do processo, dispensar o relato detalhado dos depoimentos e esclarecimentos prestados.

A arguida exerceu o seu direito ao silêncio, silêncio esse que não a poderá desfavorecer e, bem assim também não a poderá em abstracto favorecer apenas porque não quis prestar declarações quanto aos factos da acusação, mas tão só quanto às suas condições sócio económicas.

À livre convicção do julgador foram subtraídos os relatórios periciais juntos aos autos quanto ao modo de funcionamento das máquinas, especificidades e análise das mesmas, atento o disposto no art.º 163.º n.º1 do Código de Processo Penal, relatórios esses juntos a fls. 37 a 43 do processo principal e fls. 12 a 15 dos autos apensos (nº 137/14.9ECLSB).
Documentalmente atendeu-se aos Autos de Apreensão – fls. 6 e fls. 5 e 6 (do processo nº 137/14.9ECLSB, incorporado aos presentes).

O militar da GNR F.., fez o reporte da diligência de apreensão que realizou no estabelecimento da arguida, confirmando a presença das máquinas, ligadas em 27.06.2014, sendo que a arguida se assumiu como a proprietária do estabelecimento.

Os inspectores da ASAE, M…, prestaram depoimentos isentos e sinceros, procederam à fiscalização do café na segunda ocasião, referindo sem dúvida a presença das duas máquinas ligadas, acessíveis aos clientes, uma delas no balcão.

A testemunha D… prestou um depoimento completamente credível, imbuído de espontaneidade, referindo que foi a própria que em 27.06.2014 chamou a GNR, explicando que naquele café sempre houve jogo ilícito sendo qe por vezes á a própria arguida que incentiva ao jogo, e que a mesma fornecia os códigos (que lhe eram dados semanalmente).

Quanto aos antecedentes criminais da arguida, o Tribunal fundou a sua convicção no certificado de registo criminal junto a fls. 103.
Quanto às condições sócio-económicas da arguida, o tribunal valorou as suas próprias declarações.

O tribunal teve ainda à sua disposição, examinou e conjugou com a prova oral produzida, os fotogramas e os autos de apreensão cujo teor foi confirmado pelas testemunhas.

Na nossa lei penal, não se estabelecendo requisitos especiais sobre a apreciação das provas indirectas ou indiciárias, o seu verdadeiro fundamento encontra-se sempre na convicção do julgador que, sendo embora pessoal, possa ser motivada e objectivável, ou seja, reflectida em pluralidade de elementos indiciários, joeirando-se os casos de pluralidade aparente dos casos de real pluralidade, concordantes entre si e que afastem, para além de toda a duvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam os indícios probatórios, isto é, importando que tais indícios sejam inequívocos.
À luz de regras de experiência comum e de juízos de normalidade, que a arguida não podia ignorar, como efectivamente, não ignorava que tais máquinas de jogo dependia, exclusivamente, da sorte ou azar do jogador, que permitia prémios com expressão pecuniária, distribuídos de forma totalmente aleatória a quem os utilizasse, tendo a seu cargo a exploração das referidas máquinas no seu estabelecimento à disposição do público em geral, visando, por conseguinte, a obtenção de um lucro ilícito, por não lhe ser permitida a exploração de tais máquinas, naquele local, o que bem sabia.

No essencial a confirmação da materialidade dos factos dados como assentes teve ainda a virtude de permitir ao Tribunal compreender a que latitude a vontade da arguida determinou a sua conduta, face às antevistas circunstâncias externas que a rodeavam quanto a seus supostos antagonistas e que, certamente, não deixaram de condicionar essa sua vontade, nomeadamente quanto à proximidade de datas da apreensão de máquinas de jogo sendo consecutivamente postas no estabelecimento novas máquinas, sendo que a arguida, mesmo que tenha tido dúvida quanto à licitude das mesmas aquando da primeira intervenção policial em Junho, no acto subsequente tal não era verosímil.
Finalmente, atento tudo o que ficou dito, e acrescido do que não se pode explicar por palavras, os elementos que sempre se tem em conta na valorização judiciária dos depoimentos, e que se prende com as garantias da sua imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a sua verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências e as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio cultural, a linguagem gestual, a interpretação dos olhares, das pausas dos depoentes, tudo foi atendido e ponderado, em ordem a aceitar um sentido e uma versão dos factos (a da acusação), e não outra.

***
Motivação de Direito
Face à matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta da arguida, no sentido de determinar qual a tutela jurisdicional que ao caso cumpre dar.
A arguida vem acusada da prática, em autoria material e em concurso efectivo de dois crimes de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.ºs 1.º, 3.º n.º1, 4.º al g), 108.º n.º1 e 2 do DL n.º 422/89 de 2 de Dezembro na redacção dada pelo DL n.º 10/95 de 19 de Janeiro.
Dispõe o artigo 1º do supra mencionado diploma que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo o resultado é contingente pois assenta exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Por sua vez, preceitua o artigo 3º, n.º 1, que “A exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanentes ou temporários, criadas por Decreto-Lei ou, fora daqueles, em casos excepcionados nos artigos 6º a 8º”.
Quanto ao bem jurídico tutelado: o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por sociedades anónimas a quem o Governo adjudica a respectiva concessão, confinando-se a sua exploração e prática a casinos em zonas de jogo ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos arts. 6.º a 8.º - cfr. arts. 9.º e 3.º, do DL n.º422/89 . No crime em questão, está em causa a tutela das áreas concessionadas para o jogo e, no caso concreto das máquinas, estão em causa os casinos existentes nas zonas de jogo ou outros estabelecimentos hoteleiros ou complementares, autorizados, ou seja, o direito de explorar jogos de fortuna ou azar reservado ao Estado.
O Estado ao encaminhar a prática desta exploração para instituições dotadas de disciplina preventiva de segurança pública e onde são conferidas garantias de seriedade e isenção a todos os jogadores, tem também por fim impedir a proliferação de actividades marginais à economia legal, designadamente, o jogo clandestino e reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de significativa reprovação social, do ponto de vista ético, atendendo aos males e prejuízos que daí decorrem, como seja o acréscimo de burlas, usuras e fraudes e bem assim a perturbação da vida familiar dos jogadores ditos “viciados”. Assim sendo, o interesse jurídico tutelado é também de ordem pública.

O artigo 4.º n.º1 al g) do diploma em análise estipula que “Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar (...) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”.
Por seu turno, o artigo 108º n.º 1 e 2 estatui que “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”, “Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.”
São, pois, elementos constitutivos do crime de exploração ilícita de jogo:
a) A exploração de jogo de fortuna ou azar;
b) efectuada por qualquer forma;
c) fora dos locais legalmente autorizados;
d) revestindo dolo em qualquer das suas modalidades.
O Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Julho de 1999, Processo 9910385, in www.dgsi.pt “O que distingue o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins é o facto de, no primeiro o jogador poder auferir uma vantagem de valor indeterminado, em função da “aposta”, que pode multiplicar, de uma única vez, por forma a que entra num certo “risco”, auferindo uma vantagem em proporção não controlável por si (…)”.
Decidiu, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 19.10.1999, in CJ, 1999, Tomo IV, pág. 296, que “Uma máquina electrónica que, como prémios, atribua apenas pontos que permitirão somente aumentar a duração do tempo da sua utilização, deve ser considerada como de jogo de fortuna ou azar”
No mesmo sentido, vai o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.05.1995, CJ 1995, Tomo III, pág. 259, que decidiu: “É ilícita a exploração de jogos cujo resultado dependa exclusivamente do acaso, mesmo que desse resultado não advenha qualquer vantagem ou desvantagem económica para o jogador (...)”.
Face à definição supra exposta de jogos de fortuna ou azar, importa considerar preenchido o primeiro dos elementos objectivos do tipo legal de crime pois, no caso dos autos resultou provado, quanto à forma de funcionamento, que a máquina apreendida desenvolvia uma modalidade de jogo cujos resultados da pontuação dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte, preenchendo assim o disposto nos citados art.ºs 1.º e 4.º n.º1 al g).
O segundo elemento objectivo prende-se com o conceito de exploração que pode definir-se, em termos gerais, como o desenvolvimento de uma actividade comercial em que se visa a obtenção de lucro. Assim, sempre que as máquinas se encontram em estabelecimentos acessíveis ao público e em condições de funcionamento está preenchido este conceito. No que respeita à expressão “por qualquer forma” utilizada pelo legislador, significa ela que é totalmente irrelevante o modo como, concretamente, é processada a exploração, pois para que se considere preenchido tal elemento basta a verificação de qualquer conduta adequada a proporcionar o acesso às máquinas pelo público.
No que concerne ao último dos elementos objectivos do tipo de crime de jogo ilícito: “fora dos locais legalmente autorizados”, importa considerar o que acima se referiu quanto aos locais onde podem ser explorados e praticados jogos de fortuna ou azar, dependendo a concessão de prévia autorização do membro do Governo a quem caiba a tutela do sector do turismo. Ora, não sendo o estabelecimento comercial, onde a máquina de vídeo-jogo foi encontrada, uma zona de jogo autorizada, por não lhe ter sido adjudicada a respectiva concessão mediante contrato administrativo, conforme impõe o art.º 9º e 3.º n.º1 do DL 422/89 de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro, fácil se torna concluir que este elemento objectivo do tipo de crime em causa nos autos se mostra preenchido.
Não é necessário para a consumação do crime em causa que a máquina em questão estivesse em funcionamento efectivo e a ser utilizada por alguma outra pessoa que jogasse o jogo de fortuna ou azar. Basta, pois, que a máquina com capacidade de desenvolver o jogo ilícito esteja em condições de funcionamento, colocada em local público, para que se considere preenchido o tipo legal respectivo, por assim se criar uma situação em que é possível a lesão do bem jurídico tutelado
Quanto ao tipo subjectivo, este ilícito criminal apenas comporta a actuação dolosa, seja a título de dolo directo, necessário ou eventual, o qual deve reportar-se a cada um dos elementos do tipo objectivo de ilícito
Considerando o acima exposto, julgamos que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime imputado à arguida, pois o seu comportamento integra os elementos essenciais do crime de exploração ilícita de jogo (em quatro ocasiões, preenchendo o tipo por quatro vezes em concurso efectivo) e sob a forma de dolo directo (art.14.º,n.º1 do Código Penal), pelo que, tendo actuado ilícita e culposamente, deverá a mesma ser condenada pelos crimes de que vem acusada.
Por outro lado, não se vislumbra configurada qualquer situação de exclusão da ilicitude ou da culpa.

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Determinação da medida concreta da pena
Qualificados juridicamente os factos, há que determinar qual a pena que em concreto deve ser aplicada à arguida.
O crime em apreço é punível com pena de prisão de 1 mês a 2 anos e com pena de multa, no mínimo, de 10 dias e, no máximo, de 200 dias.
Trata-se, assim, de um ilícito penal cujo cometimento é púnico com uma pena compósita, porquanto, ambas as penas se aplicam de forma cumulativa e não alternativamente.
No que concerne à sua medida concreta, cumpre ter presente o disposto nos artigos 40.º, n.ºs1 e 2 e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, os quais indicam as linhas mestras da escolha da medida da pena.
Comecemos, pois, pela determinação dos dias de prisão, para o que urge lançar mão dos critérios de determinação da medida concreta da pena previstos no art.º 71.º do Código Penal.
Conjugando os critérios plasmados no art.º 71.º do Código Penal com a facticidade provada, consideramos que: o grau de ilicitude é elevado face à proximidade da data dos factos entre si, a culpa situa-se a um nível baixo face à inexistência de antecedentes criminais e o dolo foi directo.
Tudo ponderado, fixo à arguida três meses de prisão por cada crime.

O crime ora em causa ainda é punido, cumulativamente, com pena de multa até 200 dias.
A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos nos art.ºs 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção –, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º, n.º 2, alíneas a) a f), do Código Penal).
Dispõe o art.º 47.º, do Código Penal, que:
“1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.
2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.
No referente à determinação da medida concreta da pena de multa, importa também ponderar, que, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.06.2004 (com texto integral disponível in www.dgsi.pt, Processo n.º 04P1266), “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável (…).
Em direito penal, a pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é, implica sacrifício.”.
Socorrendo-nos, uma vez mais, dos critérios vertidos no art.º 71.º do Código Penal e da matéria de facto provada a que supra aludimos, à ausência de antecedentes criminais, fixamos a pena de multa em 70 dias, à taxa diária de € 6,00 por cada crime praticado.
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Atentos os crimes imputados e preenchidos pela arguida, dir-se-á que estamos perante um concurso efectivo, verdadeiro ou puro, em que a ilicitude de um dos tipos legais não abrange a ilicitude contida no outro, pelo que as normas concorrem paralelamente na aplicação concreta.
Ora, esta aplicação concreta, tem lugar na nossa lei, através do sistema do cúmulo jurídico, consagrado no artigo 77.º do Código Penal.
De acordo com este preceito legal, dever-se-á proceder à fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso. Posteriormente, somam-se as penas parcelares e obtém-se o limite superior da moldura abstracta aplicável, dentro dos limites absolutos agora expressamente previstos no n.º 2. O limite mínimo é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas.
Encontrada desta forma a moldura abstracta, a pena única é determinada, nos termos da última parte do n.º 1, isto é, considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, assim se respeitando o essencial da pena unitária.
Assim, somadas as penas parcelares de prisão temos que o limite máximo é de seis meses e o limite mínimo é de três meses, pelo que, operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal e considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente, reputamos ajustada a pena única cinco meses.
Por outro lado, somadas as penas parcelares de multa, temos que o limite máximo é de 140 dias e o limite mínimo é de 70 dias de multa, pelo que, operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal e considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente, reputamos ajustada a pena única de 110 dias de multa à taxa diária supra referida de € 6,00 (seis euros).

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Quanto à pena de prisão, consideramos que não se vislumbra qualquer tipo de necessidade de fazer com que a arguida cumpra a aludida pena de prisão, uma vez que a mesma se encontra social e familiarmente inserida, não possuindo um passado de total inimizade para com o Direito.
Face à data da prática dos factos leva-nos a concluir que não existe um sério risco de a mesma voltar a ter o mesmo tipo de comportamento.
Atendendo às circunstâncias do crime, à data dos factos consideramos que se poderá neste momento fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro da mesma, conforme já acima expusemos, entendendo-se que a simples ameaça da pena é suficiente para realizar as finalidades da punição pelo que será suspensa na sua execução (cfr. art.º 50.º nº 1 e 5 do Código Penal).

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Destino do objecto apreendido:
Estatui o artigo 116º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro que: “O material e utensílios de jogo serão apreendidos quando sejam cometidos crimes previstos nesta secção e destruídos, a mandado do tribunal, pela entidade apreensora, que lavrara o competente auto de destruição.”
Não obstante, o preceito referido prever apenas a destruição dos objectos apreendidos nos casos em que sejam cometidos os crimes previstos nesse Decreto-Lei, tal preceito deve ser conjugado com o disposto no art. 109º do Código Penal que, no seu n.º 1, preceitua o seguinte: “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”, acrescentando o n.º 2 que “O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.”
Ora, in casu, as máquinas apreendidas foram-no no âmbito da prática do crime previsto no art.º 108º, pela arguida, utilizadas com a finalidade de explorar jogos de fortuna ou azar, e que, conforme resulta do disposto no art.º 115º, o seu próprio fabrico constitui crime.
Face ao supra exposto, declaro perdidas a favor do Estado as máquinas de jogo apreendidas bem como os montantes monetários nelas compreendidos, porque fruto da actividade ilícita.
Mais ordeno a destruição das referidas máquinas.

III- Decisão
Pelo exposto julgo a acusação procedente por provada, e, em consequência,
a) Condeno a arguida A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, com referência aos artigos 1.º 3 3.º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, nas penas compósitas, por cada crime, de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), e na pena de 3 (três) meses de prisão.
b) Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do art.º 77.º nºs 1 e 2 do Código Penal, condeno o arguido A..., na pena única de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros) e na pena única de cinco meses de prisão.
c) Considerando a personalidade do agente, a ilicitude apurada nos crimes cometidos, o Tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da pena, satisfazem os fins das penas, pelo que nos termos do art.º 50.º do Código Penal, determina a suspensão da execução da pena pelo período de um ano.
(…)
Conhecendo, dir-se-á desde já:
-Invoca a arguida no seu recurso em dois segmentos o erro notório da apreciação da prova, vicio esse que é de conhecimento oficioso e constante do artº 410º nº2 al) c) do CPP.
A este respeito dir-se-á:
O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Ou seja, este vício verifica-se ou ocorre quando de um facto provado se tira um facto logicamente inaceitável, ou quando se dá como provado algo que é ou está errado, ou ainda quando usando um processo racional e lógico se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das reras da experiência comum.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “legis artis” (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp. 61 e seguintes)/ou quando o tribunal se afasta dos depoimentos, opiniões e relatórios dos peritos.
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.
Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”.
É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).
De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.
O que a arguida pretenderia eventualmente arguir/esgrimir, e face ao disposto no artº 163º nº 1 e 2 do CPP, seria o juízo técnico emitido pelos peritos e constantes dos relatórios, o qual não foi posto em causa pelo Tribunal que dele não divergiu. Ora não tendo sido também impugnada a matéria de facto nos termos legais, não ocorre aqui, e sob qualquer prisma o vicio apontado/ violação de prova vinculada/, tanto mais que o relatório pericial de folhas 36 até 43 até bem explicito é por terem sido examinados os discos rígidos do material apreendido na impossibilidade de aceder aos códigos de acesso
Ora face ao que atrás se expendeu, verificamos não existir tal vício face ao alegado pela arguida e tal de modo óbvio.
Alega também a arguida nas conclusões do seu recurso, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), o qual ocorrerá sempre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».
Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão, que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.
Pelo que se conclui não existir na sentença recorrida qualquer insuficiência da matéria de facto que foi dada como provada para a decisão de direito que foi proferida em concreto.

Assim suporta a arguida a existência de tal vício na discordância da prova dos factos contidos no nº 1 da sentença, por estes se terem baseado tão só nas declarações do agente apreensor de declarações.
Mas o alegado não corresponde a tal, antes se movendo no seguinte tema que passaremos infra a referir.
Tal alegação/ conclusão não corresponde totalmente ao sucedido de facto, na sentença e na fundamentação de facto (e relativamente a ele), pois ali se refere que preponderante foi o depoimento da testemunha D… que prestou um depoimento completamente credível, imbuído de espontaneidade, referindo que foi a própria que em 27.06.2014 chamou a GNR, explicando que naquele café sempre houve jogo ilícito sendo que por vezes a própria arguida que incentiva ao jogo, e que a mesma fornecia os códigos (que lhe eram dados semanalmente), para além do mais a arguida assinou o auto de apreensão das máquinas de jogo/ vide fls. 6. Mas também indubitavelmente ali se refere a propósito desta questão e também na fundamentação de facto, que “ o militar da GNR F…, fez o reporte da diligência de apreensão que realizou no estabelecimento da arguida, confirmando a presença de máquinas, ligadas em 27.06.2014, sendo que a arguida se assumiu como a proprietária do estabelecimento”.
Não obstante jurisprudência algo imprecisa quanto à delimitação conceptual das situações de facto (conceito de “depoimento indirecto” quando o agente de autoridade percepcionou directamente factos, ou de “conversa informal” com “arguido”, quando ainda não há constituição como arguido), pensamos que uma adequada delimitação das situações de facto e de direito é a sufragada pelo STJ no acórdão de 15-02-2007 (Proc. 06P4593, sendo relator o Cons. Maia Costa):
I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito”.

Assim, entende-se não haver conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o arguido decide – por sua iniciativa e sem actuação criticável das forças policiais – fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC.
Não só as forças policiais estão a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação, como a agora arguida fez afirmações (a “conversa informal” exige bilateralidade, comunicação mútua).

Ao invés, no caso presente a “comunicação” reduziu-se à eventual verbalização voluntária pela arguida de um facto, ou seja e concretamente de explorar o estabelecimento em causa, antes de ter a qualidade de arguida.
Ou seja, as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser constituídos arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, que a tal resultado conduz o excesso, o radicalismo, na análise destas situações e na fase inicial do processo. Esta situação teórico-processual é de fronteira e de difícil solução em muitos casos, mas no caso concreto ela não assume tal dificuldade e é, aliás, evidente numa análise calma da situação de facto e seus significados normativos.
E é de fronteira quando ainda não é arguido mas já pode ser suspeito, ainda não foi constituído arguido, podendo considerar-que que há motivo para tal.
O caso dos autos não é de fronteira, pois que a arguida, antes de o ser e de haver motivos para o ser, faz uma afirmação que em rigor não denuncia a prática eventual de um crime.
Só após a sua afirmação surge a possibilidade – que pode não ser imediata, por necessidade de obter mais indícios – de constituição de arguida (tanto que esta só foi constituída arguida mais de um mês depois da apreensão das máquinas de jogo).
Atendendo ao disposto no artigo 58º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Constituição de arguido”, norma que é o cerne da nossa questão concreta (e não a questão do “depoimento indirecto” ou das “conversas informais”):
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada.
2 - A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º que por essa razão passam a caber-lhe.
3 - …
5 - A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova.
6 - A não validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária não prejudica as provas anteriormente obtidas.
E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova. Tratar-se-ia de clara proibição de prova se tal tivesse ocorrido.
Mas tal, não foi que ocorreu nos autos, pois de outro modo claramente cairíamos no âmbito da proibição de prova.
Mas, dizemos também que esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido (antes de o ser) se não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição.

Como se fundamenta no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 Julho 2001:
“Convém realçar que a não constituição de alguém como arguido nos casos a que se refere o citado artigo 58°, nomeadamente, a violação ou omissão das formalidades aí previstas "implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela" (n.° 4).
Naturalmente que o argumento interpretativo a contrario sensu é falível mas aqui inevitável.
Face ao ordenamento português e no caso concreto parece-nos indubitável que simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido.
Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida.
Por isso que a questão não se centra – como faz alguma jurisprudência – em saber se a proibição de “conversas informais” deve abranger afirmações anteriores ou posteriores à constituição de arguido.
Que são proibidas após a constituição como arguido, é óbvio.
Que nunca são antes da constituição como arguido também nos parece evidente, já que aí nem existem “conversas informais”, mas sim afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. E o suspeito ou nem isso é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha.
Excepto se a má-fé policial tiver ilegalmente atrasado essa constituição. Por isso que o artigo 58º tenha um nº 5, que comina com a nulidade probatória uma conduta policial que conduza a um resultado não querido pelo legislador.
Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.
Numa situação de facto duvidosa em que as forças policiais não constituem logo como arguido – que o pode ser verbalmente – um suspeito da prática de um crime é de reconhecer ao suspeito o direito ao silêncio (e seus benefícios em audiência – não admissão de depoimentos policiais)? Ou seja, podemos resolver a questão através da extensão de direitos do arguido ao suspeito? Ou fazer retrotrair a condição de arguido a momento anterior independentemente de uma situação de nulidade (fora, portanto, da operatividade do nº 5 do artigo 58)?
Ou estaremos limitados – o que parece o mais adequado – à clara delimitação da situação de facto, até em função da relevância do momento de constituição como arguido?
O direito francês resolve o problema suscitado por estas questões de fronteira através da figura da “témoin assisté”, reconhecendo a estes direitos análogos aos do arguido – Code de Prócedure Pénale, artigos 113-2 a 113-8 (48º Edition, 2007, Dalloz), principalmente o artigo 113-4, 1º §. [13].
O caso concreto permite-nos fugir à questão, muito embora se opine – sem relevo para os autos – que o sistema processual penal português é claro na distinção de figuras e efeitos e que a resolução das questões de fronteira passa pela clara delimitação da situação de facto e pela análise rigorosa da actuação policial, sendo a dúvida de facto resolvida a favor do arguido.
No caso presente, em que sequer se indicia deficiente conduta policial (muito menos má-fé na sua actuação), mas uma verbalização – se existente, obviamente - voluntária da arguida, após a constatação de máquinas de jogo num café/ não permitidas, não estamos perante uma situação de fronteira.
Seguimos assim o caminho da jurisprudência, minoritária, diga-se que distingue, porém, entre conversas informais ocorridas na fase anterior à constituição de arguido, caso em que as mesmas seriam admissíveis, e conversas informais ocorridas em momento posterior àquela constituição, caso em que seriam inadmissíveis- vide entre outros os cfr. Ac. STJ de 15 de Fevereiro de 2007, proc.º n.º 06P45593, rel. Maia Costa e Ac. da Rel. de Guimarães de 25-9-2009, proc.º n.º 736/08GAEPS, rel. Carlos Barreira, ambos e AC TRE de 4.06.2013, AC TRP de 17.06.2015 in www.dgsi.pt.
Seria sempre uma nulidade da prova / métodos proibidos de prova de acordo com o artº 126º do C.P.P.
Na verdade, a constituição formal de arguido constitui a “linha de fronteira” da admissibilidade da reprodução em audiência de julgamento das ditas “conversas informais”, sendo que a partir daquele momento as declarações só têm valor de prova quando prestadas em actos mencionados na lei, considerando-se sem carácter probatório todas as demais provas que foram recolhidas informalmente, em conversas ou em actos sem previsão ou legitimação legal. Alguma jurisprudência entende que as ditas conversas informais provenientes dos suspeitos poderão ser consideradas numa fase informal, a das medidas cautelares de polícia, quando ainda não existe inquérito nem arguido constituído, nos termos dos arts. 55º, n.º 2; 248º, n.º 1 e 249º, n.º 1, al. b), todos do CPP.
Todavia, não podem aquelas ser consideradas e reproduzidas na audiência de julgamento, a partir do momento da constituição de arguido, ou seja, quando já foi instaurado inquérito, na justa medida em que a partir deste momento as declarações do arguido só poderão ser valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes as provas recolhidas informalmente.
Com efeito, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-01-2011, considera que o art. 356.º, n.º 7 do CPP não impede que o agente relate em audiência de julgamento as diligências investigatórias que efetuou e as providências cautelares que tomou relativamente aos meios de prova, pois os OPC que tiverem notícia de um crime devem transmiti-la ao Ministério Público no mais curto prazo, que não poderá exceder 10 dias (cfr. art. 248º, n.º 1 do CPP), mas compete-lhes, ainda assim, para assegurar os meios de prova, mesmo antes de receberem ordem da Autoridade Judiciária competente para procederem a investigações, praticar os atos necessários e urgentes (cfr. art. 249º, n.º 1 do CPP). O pré-inquérito consiste na fase preliminar da investigação, em que ainda não foi formalmente aberto um inquérito, não existindo ainda arguidos constituídos, mas em que a prova recolhida é essencial para a investigação futura do crime e nessa medida deverá ser preservada.
Segundo o Acórdão em análise, a recolha de prova, constante do art. 55º, n.º 2 do CPP, não está abrangida pela proibição estipulada no n.º 7 do art. 356º do CPP.
As afirmações produzidas nesta fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela, suspeito ou potencial testemunha do crime, não traduzem “declarações” strictu sensu para efeitos processuais, já que não existe, ainda, verdadeiramente um processo penal a correr os seus termos. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, dada a sua conformidade com o comando legal prescrito no art. 249º do CPP, não sendo, por isso, proibido o seu relato em audiência.
No seguimento desta posição expendida, o Acórdão do STJ, de 12-12-2013, decidiu que o depoimento prestado por OPC (como testemunha) relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que procedeu, pode e deve, ser valorado e constituir um meio de prova válido e relevante, porque, se a diligência em causa visa uma melhor compreensão das concretas condições de lugar e modo, a eventual contribuição informativa do arguido efetuada livremente, constitui parte de um todo que assume independência em relação às declarações que prestou no processo. De outro modo, não seria admitido o testemunho do OPC que esclarece a forma como a declaração do arguido foi indispensável na descoberta do corpo no caso de homicídio ou na localização da droga no caso do tráfico, etc.
( Vide entre outros os AC. do STJ, proc. n.º 04P902, de 22-04-2004; Ac. do STJ, proc. n.º 06P4593, de 15-02-2007; Ac. Do STJ, proc. n.º 886/07.8PSLSB.L1.S1, de 03-03-2010; Ac. da Relação de Coimbra, proc. n.º370/08.2TACVL.C1, de 30-03-2011; Ac. da Relação de Lisboa, proc. n.º 35/07.2PJAMD.L1-5, de 24-01-2012, para além dos já atrás referidos) vide aqui, e citando supra, “O novo paradigma da transmissibilidade das declarações processuais prestadas pelo arguido nas fases preliminares do processo“, de Andreia Teixeira Tavares, in http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/2202/4/md_andreia_tavares_dissertacao.pdf .
Nestes termos e sem necessidade de maiores considerandos falecem os dois precedentes segmentos do recurso apresentado pela arguida.

DA MEDIDA DA PENA
A arguida aduz em sede recursal que o tribunal a quo não aplicou o artº 44º nº 1 do CPP, devendo ser a prisão substituída por multa em conformidade com a prática habitual e reiterada, dos tribunais em crimes de idêntica natureza.
Revisitanto a sentença revidenda, deparamos de facto, e desde logo de forma exponencial que não foi dado cumprimento ao disposto no artº 43 º 1º do Código penal e no mais que adiante se referirá.
De facto a arguida foi condenada em duas penas de 3 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico numa pena única de 5 meses de prisão ( que depois foi suspensa na sua execução) como acima se deixou já referido.
Ora e transcrevendo o sumário do Código penal e das alterações sofridas, ali se refere: (…)” Assim, na sequência de recomendações do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão, com particular destaque para o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa.
Longe de se romper com a nossa tradição, as alterações ora introduzidas pretendem dinamizar o recurso à vasta panóplia de medidas alternativas consagradas, dotando os mecanismos já consagrados de maior eficácia e eliminando algumas limitações intrínsecas, de modo a ultrapassar as resistências que se têm verificado no âmbito da sua aplicação.
A pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.” Na mesma linha, o artigo 43.º sublinha que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Aos magistrados judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido.
Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.
Não raro, a suspensão da execução da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, em detrimento de outras medidas, designadamente da pena de multa, gerando-se a ideia de uma "quase absolvição", ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça penal.
Impõe-se, pois, devolver à pena de multa a efectividade que lhe cabe (…)
“As penas de substituição surgiram no direito penal, em meados do século XIX, como forma de reduzir a aplicação das penas de prisão de curta duração, o que acontecia com demasiada frequência na punição da pequena delinquência.
Como narra Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 3ª reimpressão, p. 327 e seguintes)”, Boneville de Marsangy, em 1864, propôs um vasto programa político-criminal, onde se propunha que se evitasse a aplicação das penas de prisão de curta duração. Tais ideias encontraram grande acolhimento na Alemanha, onde Liszt defendeu que as penas curtas de prisão produziam maiores danos do que aqueles que resultariam de uma completa impunidade.
«A partir daqui, a condenação político-criminal das penas curtas de prisão tomar-se-ia praticamente definitiva e a questão passou, ser a das formas da sua substituição, nomeadamente através dos instrumentos clássicos da suspensão da execução (sursis) e da multa.
Reconhecido ficava que à pena curta de prisão não podia caber a satisfação de qualquer das finalidades que a pena deveria cumprir: nem de prevenção especial - fosse através das ideias da neutralização ou da segurança, descabidas perante a pequena criminalidade que as penas curtas de prisão se destinavam, pela natureza das coisas, a combater, fosse por via das ideias da advertência ou da socialização, cuja consecução a pequena duração da prisão impedia completamente; nem de prevenção geral - fosse sob a forma negativa de intimidação (que, para ser eficaz, teria de ser injusta), fosse sob a forma positiva de integração (que seria inclusivamente prejudicada, pelo facto de se utilizar o mesmo instrumento - a pena de prisão - para a mais grave e a mais leve criminalidade)», vide DIAS, Jorge de Figueiredo, ob. cit., p.p. 328-329 (e Ac. De fixação de jurisprudência STJ de 14.03.2013, in www.dgsi.pt )”
As penas de substituição constituem em Portugal, nos nossos dias, verdadeiras penas autónomas, com um regime em larga medida individualizado.
O tribunal «a quo» começou por escolher a modalidade da pena a aplicar à arguida, tendo escolhido desde logo a pena de três meses prisão para cada um dos crimes (em cúmulo cinco meses de prisão) e, não tendo desde logo e “ ab initio” dado cumprimento ao artº 43 nº 1 do C.P. e depois, decidindo suspender da execução da pena única de prisão (artigo 50º do CP) pelo período de um ano.
Posto isto não afastou assim num primeiro momento, a conversão da pena de prisão em multa, nos termos do art. 43.º do CP, como lhe competia.
Há, pois, divergência quanto à escolha da pena aplicada à arguida.

A arguida discorda desta decisão, achando que deverá tal pena de prisão ser substituída por outra, em última instância, numa pena de multa ( se bem que tenha certamente por lapso indicado mo seu recurso o artº44º nº 1 do CP).

Para a fixação da pena o tribunal recorrido considerou, além do mais, as elevadas exigências de prevenção geral positiva, o elevado grau da ilicitude do facto, o dolo intenso e, em sede de prevenção especial.
Temos por adquirido que a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. Também estatui o art. 70° do Código Penal que "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
No caso dos autos estamos perante uma pena compósita.
Ora, considerando os termos do preceituado no art. 40°, n.º 2, do Código Penal, uma das finalidades da punição é a reintegração do agente na sociedade prevenindo-se a prática de futuros crimes.
O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas [da tutela penal] ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, não sendo só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam a uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade.
São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca maiêutica de mais criminalidade.
Aqui chegados, há que conhecer da nulidade de omissão de pronúncia, avançada pela arguida se bem que imperfeitamente ( ou de forma deficiente, mas perfeitamente “audível” para este Tribunal), exactamente pelo facto de não ter o tribunal recorrido sequer ponderado a possibilidade de substituição da pena única de prisão de 5 meses ( 3meses + 3 meses ) pelas seguinte pena, admissíveis no caso vertente:
- Substituição por pena de multa ( artº 43º nº 1 do CP);e podendo ainda,

· Prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do CP);
· Regime de permanência na habitação (artigo 44º do CP);
· Prisão por dias livres (artigo 45º do CP);
· Regime de semidetenção (artigo 46º do CP).
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações.
Na parte que agora nos importa, o julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou / e multa também neste caso /multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, um tribunal em tese e se as circunstâncias do caso assim pedirem, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.
Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
O artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.
O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (anterior artigo 44.º, agora artigo 43.º do CP), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).
Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.
No entanto, manifestamente, tal operação não foi feita pelo Tribunal “ a quo”, tendo sido completamente olvidada.
No nosso caso, a moldura abstracta da pena dos dois crimes pelos quais a arguida vinha acusada, exploração ilícita de jogo, p.p. , cada um, pelo artº 108º nº 1, com referência ao artº 1º, 3º todos do DL nº 10 /95 de 19 de Janeiro, é de, prisão até 2 (dois) anos e multa até 200 ( duzentos) dias, pena compósita, portanto.
O tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e fixou aquela em três meses para cada um dos crimes e em cúmulo jurídico em cinco meses de prisão (suspensa na sua execução) e nas penas compósitas por cada crime, de setenta dias de multa à razão diária de €6,00, e aqui na pena única de 110 dias de multa à razão de €6,00 diários.
No caso em causa, a sentença recorrida não confunde os dois momentos atrás delineados: o da escolha da pena principal e o da ponderação da aplicação de uma pena de substituição, esquece-os pura e simplesmente.
Foi assim feito o procedimento de determinação da pena:
- determinação da medida abstracta da pena (prisão e multa);
- escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70.º do Código Penal (prisão, no caso);
- fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71.º do Código Penal (3 meses de prisão para cada um dos crimes);
-ponderação da aplicação de uma pena de substituição (não substituição por multa, e não suspensão da execução);
· fixação, finalmente, desta pena, sendo caso disso .

Segundo o entendimento do S.T.J. (AC do Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdão de 21 de Junho de 2007), conclui-se que a sentença proferida pelo tribunal “a quo” incorre na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P, ao nem sequer abordar a questão da pena de multa, ínsita no artº 43º nº 1 do CP face á moldura legal aplicada concretamente aos crimes praticados pela arguida, que esta aliás não põe abertamente em crise (omissão de pronúncia).
O caso subjacente ao Acórdão do STJ prendia-se com a pena de prestação de trabalho de favor da comunidade. Mas o mesmo se dirá relativamente às penas dos artigos, 43 nº 1, 44º, 45º e 46º do CP.
Diríamos que o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.
Ou seja:
Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão inferior a um ano, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa (artigo.43.º, n.º 1 do C.P.), também as penas de suspensão de execução da prisão (art.50.º do CP) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do CP) podem substituir a pena de prisão de 5 meses aplicada à arguida, e antes mesmo disso as penas parcelares, que se fixaram em 3 meses de prisão para cada um dos crimes.
Há ainda que contar, com penas de substituição detentivas, (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do CP), a prisão por dias livres (art.45.º do CP - a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não seja substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do CP), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Considerando-se a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, poderemos considerar a seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, por:
1º - multa (artigo 43º);
2º - suspensão da pena (artigo 50º);
3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - regime de semidetenção (artigo 46º).

Não tendo o tribunal recorrido emitido expressa pronúncia sobre tais penas de substituição (que se admite poder não ser exaustiva, mas emitindo sempre um juízo de afastamento e opção por uma pena, neste segmento), cometeu a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP – nulidade que pode ser conhecida oficiosamente em recurso nos termos do n.º 2 do mesmo artigo e art. 425.º, n.º 4, ambos do mesmo diploma legal.
Na verdade, com a revisão introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, foi aditado ao mencionado preceito o seu actual n.º 2, que, para além de consagrar na lei o entendimento jurisprudencial anterior (expresso no Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 1/94, DR I-A, de 11-02-94) de que as nulidades da sentença enumeradas no n.º 1 desse artigo não têm de ser arguidas necessariamente nos termos estabelecidos na al. a) do n.º 3 do art. 120.º do CPP, podendo sê-lo em motivação de recurso para o tribunal superior, veio impor (com a expressão «ou conhecidas em recurso») o conhecimento de tais nulidades pelo tribunal ad quem, independentemente de arguição (o Acórdão do STJ de 21 de Junho de 2007, alude aos Acórdãos do STJ de 22-03-01, Proc. n.º 353/01 - 5.ª, de 18-10-01, Proc. n.º 3066/01 - 5.ª, de 06-02-02, Proc. n.º 4106/01 - 3.ª, e de 14-05-03, Proc. n.º 518/03 - 3.ª).
Também invocaremos, a favor desta tese, os Acórdãos do STJ de 31/5/2001 (SATJ – 51/97), da Relação de Lisboa de 20/5/2003 (CJ 2003-III-131) e da Relação do Porto de 27/9/2006 (CJ 2006-IV-196), expressando a nossa discordância relativamente à posição avançada por Paulo Pinto de Albuquerque no seu «Comentário…», a página 961 (3ª edição), assente que o termo «conhecidas» aposto no n.º 2 do artigo 379º é elucidativo, só podendo significar que tais nulidade de sentença são oficiosamente cognoscíveis, tendo um regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais.
Entende-se, pois, que pela anulação parcial da sentença, por força da omissão de pronúncia supra mencionada, estará o tribunal de 1.ª instância nas melhores condições para sanar a sua omissão.
Os autos devem, assim, baixar à 1ª instância para que se proceda à elaboração de nova sentença, completando-se a mesma com as menções em falta, não sendo, naturalmente, anulado o próprio julgamento.
Na nova sentença se ponderará a possibilidade de substituição das penas concretas de prisão gizadas, bem como a pena resultante do cumulo jurídico, eventualmente, por uma das atrás indicadas, e não conhecidas na fundamentação da sentença proferida pelo tribunal a quo, optando, a final, por uma delas, se for caso disso, ou justificando por que o não faz.

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam as Juízas da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:

1- Anular parcialmente a sentença recorrida na parte relativa à possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada à arguida Ana Isabel Benjamim, pela pena de multa, pela pena de trabalho a favor da comunidade, pelo regime de permanência na habitação, pela prisão por dias livres e pelo regime de semidetenção, para que o tribunal «a quo», de preferência através da mesma Magistrada Judicial, se pronuncie sobre tal questão, se necessário com produção suplementar de prova e respeitando-se o disposto no artº 43º nº 1, n.º 5 do art. 58.º, no n.º 1 do artigo 44º e no n.º 1 do artigo 46º do Código Penal, decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação;
2- Não é devida tributação;
3- Notifique-se e diligências necessárias.

Lisboa, 22 de Junho de 2017 (processado integralmente em computador e revisto integralmente pela juiz desembargadora relatora, artº 94º nº 2 do C.P.P.)



Filipa Costa Lourenço


Margarida Vieira de Almeida