Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7115/20.7T8LSB-A.L1-8
Relator: CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
RECONVENÇÃO APERFEIÇOADA
ADMISSÃO
FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO
ADMISSÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O despacho que tem por efeito a admissão/rejeição, ainda que apenas relativamente a parte ou segmento, de articulado de aperfeiçoamento eventualmente violador dos limites previstos no despacho que convidou ao aperfeiçoamento e no art. 590 nº6 do CPC encontra-se abrangido pela previsão contida no art 644 nº2 al d) do CPC.
II. A completa ausência de fundamentação de uma decisão, ainda que implícita, conduz à respetiva nulidade nos termos previstos no art.615 nº1 al b) do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
1.
A [ …..,LDA. ] , melhor identificada nos autos, veio, intentar ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM contra P, também melhor identificada nos autos, peticionando que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €33.317,70 (trinta e três mil, trezentos e dezassete euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou em síntese ter realizado para a Ré uma obra (construção de uma piscina) e esta não lhe ter pago o preço integral da obra, sendo que os serviços executados e faturados que se encontram por liquidar estão titulados pela Fatura n.º …, emitida em 20.11.2019 e vencida em 25.11.2019, no montante de€ 32.963,68 (trinta e dois mil, novecentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), valor ao qual acrescem juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
2. A Ré P apresentou contestação, na qual, para além da sua defesa, deduziu reconvenção contra a Autora, pedindo a sua condenação e a da interveniente principal S, cujo chamamento requereu, no pagamento da quantia de € 89.280,00, a título de ressarcimento de valores que terá que despender por forma a garantir a segurança da zona da obra que ficou inacabada.
3. A Autora apresentou réplica, na qual conclui no sentido de que deverá ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Autora no pagamento de uma qualquer indemnização, a título de responsabilidade civil contratual, decidindo-se, a final, como requerido em sede de Petição Inicial, com as legais consequências.
4. Em 09.11.2020 foi proferido despacho que fixou o valor da causa em € 122.597,70, e julgou verificada a exceção dilatória da incompetência relativa, declarando o Juízo Local Cível de Lisboa incompetente em razão do valor, e em consequência, determinando a remessa dos autos para os Juízos Centrais.
5. Em 25.10.2021 foi proferido despacho que considerou pertinente o chamamento de S como interveniente principal passiva nos presentes autos, e determinou a respetiva citação nos termos previstos no art.º 319º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
6. S, Ré/Chamada apresentou contestação na qual pugnou pela procedência da exceção invocada, sendo a Chamada absolvida da presente instância e, sempre e em qualquer caso, serem julgados totalmente improcedentes, por não provados, os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré e esta condenada ser como litigante de má-fé, com todas as legais consequências.
7. Em 09.01.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Req. de 08/07/2020:
Por decorrer de lapso no envio e não avolumar desnecessariamente os autos, desentranhe o teor de fls. 67 a 106, devendo apenas permanecer nos autos de papel a procuração (constante de fls. 107).
*
Convite ao aperfeiçoamento da reconvenção:
Verifica-se que a Ré deduz reconvenção contra a Autora e contra a chamada, cuja intervenção já foi decidida entretanto, limitando-se no respectivo petitório a requerer se julgue “procedente o pedido reconvencional e o pedido deduzido contra a interveniente principal provocada, devendo para o efeito ser admitida a intervenção principal provocada de S”.
É pacífico que o pedido reconvencional traduzindo uma contra-acção do réu está sujeito ao crivo do disposto no art. 186º nº 2 do C.P.C., devendo os pedidos reconvencionais ser devidamente individualizados em caso de cumulação, para mais quando se dirigem contra duas partes distintas.
Assim, considerando que nos artigos 398º e 399º da contestação a Ré deduz pretensões contra a Autora e contra Interveniente Principal S, aparentemente em solidariedade, o que deve ser esclarecido e justificado, assim como existem pretensões que apenas se parecem dirigir contra uma delas (v.g os pedidos constantes dos arts. 409º, 422º e 427º da contestação parecem apenas ter como destinatária a chamada S e já não a Ré), não sendo clara a razão pela qual a Ré reclama da Interveniente o valor €7.5000,00 no art. 427º (acaso trata-se de metade do valor de €15.000,00 referido nos arts. 424º e 425º? Então a responsabilidade é solidária ou parciária? Porquê?), e se o valor de €6.400,00 referido no art. 409º da contestação está incluindo na quantia de €23.500,00 referida no art. 415º, deve a Ré aperfeiçoar a reconvenção prestando os aludidos esclarecimentos, e discriminar de forma clara no petitório reconvencional, sem ser por remissão, os pedidos reconvencionais que deduz em face do que expõe nos artigos 356º a 427º da contestação, individualizando-os por alíneas e esclarecendo contra quem dirige cada um dos pedidos reconvencionais, lembrando que a chamada apenas intervém nos autos para efeitos de assegurar a legitimidade passiva quanto ao pedido reconvencional, portanto, ao lado da Autora na instância reconvencional.
Prazo: 10 dias.
Conclua decorrido o prazo de contraditório relativamente ao aperfeiçoamento.”
8. Por requerimento de 31.01.2023, ora dado por reproduzido, a Ré P apresentou “reconvenção aperfeiçoada”, concluindo que deve:
 a) Declarar-se a extinção do contrato de empreitada celebrado entre a A. E Chamada, por um lado, e a R. por outro, a 15 de Outubro de 2019;
b) Condenar-se a A. e a Chamada solidariamente no pagamento da quantia de 84 525,60 €, a título de danos patrimoniais nos termos sobreditos, nomeadamente valor para conclusão da obra e reparação dos defeitos;
c) Condenar-se a A. e a Chamada solidariamente no pagamento dos valores que se apurarem em liquidação de sentença relativos a materiais não aplicados e obras por realizar;
d) Condenar-se a A. e a Chamada solidariamente a restituírem à R. a quantia de 8 617,90 €, a título de valor entregue em excesso para a execução da empreitada;
e) Condenar-se a A. e a Chamada solidariamente a pagarem à R. a quantia de 10 000,00€ a título de compensação por danos de carácter não patrimonial;
f) Condenar-se a A. e a Chamada solidariamente no pagamento de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento, bem como das custas e outros encargos processuais.
9. Por requerimento de 09.02.2023 a Autora respondeu ao articulado de 31.01.2023, concluindo que:”Deverá ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Autora no pagamento de uma qualquer indemnização, a título de responsabilidade civil contratual, decidindo-se, a final, como requerido em sede de Petição Inicial, com as legais consequências.”
10. Por requerimento de 13.02.2023 a interveniente S respondeu ao articulado de 31.01.2023, pugnando, entre o mais, que deverá “Ser julgada como inadmissível a Reconvenção agora apresentada pela Ré, por a mesma extravasar o âmbito do convite ao aperfeiçoamento que foi feito por este Tribunal e, assim, por manifesta violação do disposto no número 6 do artigo 590.º do Código de Processo Civil.
11. Em 02.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“A.: A, Lda.
R.: P
Interveniente Principal: S
Em face do teor dos articulados, da estrita observância do processo equitativo, na vertente do exercício do princípio do contraditório, ponderando a circunstância da marcação de Audiência Prévia se traduzir num acto que apenas irá protelar o regular andamento dos autos sem benefício para a justa composição do litígio, e, por último, que os direitos dos sujeitos processuais intervenientes não ficam, por isso, diminuídos, dispensa-se a realização da Audiência Prévia.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que totalmente o invalidem.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas, patrocinadas (cf. fls. 61, 107 e 497, de modo respectivo), e têm interesse em agir.
Não existem outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra ou deva conhecer-se nesta sede e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Vistos os arts. 592.º, 593.º, 595.º e 596.º, todos do Código de Processo Civil, e analisados os autos, emerge:
Objecto do litígio:
O contrato de empreitada firmado em 2019, com vista à construção de uma piscina, numa propriedade da R., e a exacta função que, no mesmo, desempenhou a Interveniente.
Temas da prova:
I. As condições que rodearam a outorga do contrato de empreitada.
II. O concreto papel da Interveniente nas negociações e no desenvolvimento contratual.
III. O prazo definido para a construção inicial e as razões dos atrasos.
IV. Os pagamentos acordados e efectuados, e os seus prazos.
V. As alterações ao plano inicial e as despesas novas, autónomas e/ou extra.
VI. O abandono da obra pela A.
VII. Os danos causados à R. com o abandono da obra.
VIII. O valor que a R. vai ter que despender por causa das obras deficientemente ou não realizadas.
IX. Os valores monetários da R., em posse da Interveniente e/ou da N,Lda.
 Notifique-se – para dedução de reclamação e/ou para alteração dos róis de testemunhas oportunamente apresentados, a fls. 12, 482 e 508, respectivamente (cf. arts. 593.º, n.º 3, e 598.º, n.º 1).
Convida-se a A. a rectificar o seu rol de testemunhas, em vista da actual qualidade processual da sua 1.ª «testemunha».
Atenda-se ao preceituado pelo art. 507.º, n.º 2, e sendo caso, ao art. 598.º, n.ºs 2 e 3, ambos do citado diploma legal.
 Em atenção aos pedidos – da acção e reconvencional –, para a descoberta da verdade material, determina-se se efective prova pericial; nada objectando as partes, a perícia é singular (também considerando o período temporal que têm demorado as perícias colegiais) – arts. 410.º, 411.º, e 467.º.
Após as partes documentarem o pagamento do preparo que se revelar adequado (arts. 3.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, todos do Regulamento das Custas Processuais):
– indique a Secção quem possa desempenhar aquela função, com habilitação para o
efeito e constante da lista oficial oportunamente facultada;
– cumpra-se o preceituado elo art. 467.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
Em momento processual ulterior definir-se-á o seu objecto e demais condições (arts. 474.º e ss. deste diploma legal).
Inscreva-se em livro próprio.”
12. Em 23.10.2023 a interveniente S intentou recurso de apelação do despacho saneador, formulando alegações nas quais constam as seguintes conclusões:
“IV. CONCLUSÕES
I. O presente recurso é interposto do Despacho Saneador, proferido a 2 de outubro de 2023 e que admitiu a resposta da Ré ao despacho de 9 de janeiro de 2023 e que a convidou a aperfeiçoar a Reconvenção deduzida com a Contestação, em 9 de julho de 2020.
II. Andou mal o Tribunal a quo em ter admitido a Reconvenção aperfeiçoada.
III. O Tribunal a quo limitou-se a admitir a Reconvenção aperfeiçoada, não fundamentando minimamente o racional por trás da admissão do referido articulado, não obstante a Ré/Chamada, na sua resposta, ter arguido a inadmissibilidade da Reconvenção aperfeiçoada.
IV. O recurso de apelação é admissível nos termos do disposto na alínea d), do número 2 artigo 644.º do Código de Processo Civil.
V. No despacho proferido em 9 de janeiro de 2023, em que convidou a Ré P a aperfeiçoar a Reconvenção o Tribunal a quo delimitou – como lhe competia – o âmbito do aperfeiçoamento a que convidou a Ré.
VI. A Ré P foi convidada a esclarecer: o que resultava dos artigos 398º e 399º da contestação; as pretensões constantes dos artigos 409.º, 422.º e 427.º da contestação; e discriminar de forma clara, os pedidos reconvencionais que deduz em face do que expõe nos artigos 356.º a 427.º da contestação, individualizando-os por alíneas e esclarecendo contra quem dirige cada um dos pedidos reconvencionais.
VII. Na Reconvenção “aperfeiçoada” apresentada pela Ré em 31 de janeiro de 2023, o âmbito do convite formulado pelo Tribunal a quo foi muito largamente ultrapassado.
VIII. A Ré P apresentou, sob capa de aperfeiçoamento da reconvenção, uma nova reconvenção, sem a mínima correspondência com a reconvenção original de 9 de julho de 2020.
IX. A Reconvenção “aperfeiçoada” contém factos novos não alegados na reconvenção original, uma causa de pedir nova e um novo pedido onde, para além do acréscimo do montante peticionado a título de danos patrimoniais, são incluídos danos não patrimoniais que não haviam sequer sido peticionados na reconvenção originalmente deduzida.
X. Na Reconvenção original a Ré P peticionava à Ré/Chamada o montante de €31.000,00.
XI. Na sua Reconvenção “aperfeiçoada” a Ré P vem peticionar, à Ré/Chamada, o pagamento solidário de €103.143,50.
XII. O “aperfeiçoamento” da Reconvenção apresentado pela Ré P, em 31 de janeiro de 2023, não é admissível à luz da lei e dos princípios basilares do direito processual civil português.
XIII. O aperfeiçoamento apenas pode ter por objeto o suprimento de pequenas omissões ou imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto original.
XIV. O princípio da estabilidade da instância impede que, sob a aparência de aperfeiçoamento, seja, na verdade, submetido um novo articulado sem qualquer correspondência com o articulado a aperfeiçoar.
XV. No Despacho Saneador, o Tribunal a quo deveria ter rejeitado a Reconvenção “aperfeiçoada” por a mesma extravasar os limites legais ao aperfeiçoamento dos articulados.
XVI. Ao admitir a Reconvenção “aperfeiçoada”, o Tribunal a quo violou expressamente o disposto nos artigos 260.º e 265.º (ex vi 590.º, n.º 6) todos do Código de Processo Civil.
Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que rejeite a Reconvenção aperfeiçoada apresentada pela Ré P em 31 de janeiro de 2023, por a mesma violar o disposto nos artigos 260.º e 265.º (ex vi 590.º, n.º 6) todos do Código de Processo Civil.
Assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA!
13. A ré P apresentou contra-alegações, nas quais formula conclusões com o seguinte conteúdo:
“O artigo 644.º do CPC distingue as decisões que admitem recurso imediato, elencando, designadamente, as decisões intercalares que admitem apelação autónoma e relegando a impugnação das demais para momento ulterior;
A al. d), do n.º 2, prevê o recurso “Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”;
Não está em causa, no despacho recorrido, a admissão ou a rejeição de qualquer articulado, mas sim a apreciação do respetivo teor, no caso, a apreciação da admissibilidade da reconvenção deduzida;
Aliás, tal entendimento decorre, igualmente, da própria alegação da recorrente, que considera excessivo o campo de abrangência da reconvenção.
Por outro lado, a lei não prevê a prolação de despacho liminar quanto à admissibilidade da reconvenção.
Pelo que, em regra, a verificação dos requisitos legalmente impostos, é apreciada no âmbito do despacho saneador, podendo conduzir à absolvição da Instancia reconvencional, caso os respectivos pressupostos não se tenham por verificados, o que não é o caso;
Concluindo-se, in casu, necessariamente, que o despacho em apreciação não admite apelação autónoma;
Sob a designação de “erro na interpretação jurídica”, vem ainda recorrente alegar que o âmbito do convite formulado pelo Tribunal a quo para aperfeiçoamento da reconvenção, “foi (muito) largamente ultrapassado”, porquanto a R. mudou de mandatário;
Não lhe assiste, porém, qualquer razão, considerando a abrangência do convite ao aperfeiçoamento da reconvenção, “de forma clara no petitório reconvencional, sem ser por remissão”, como claramente o despacho determina;
Pelo que, reitera-se, tudo o alegado na reconvenção, mais não é que o desenvolvimento e esclarecimento do antes peticionado de forma eventualmente menos clara e concisa, o que se procurou alcançar em resposta ao repto do tribunal, nomeadamente: Enunciaram-se de forma discriminada e detalhada as anomalias existes na construção, por referência aos relatórios já existentes nos autos, da NE e da SP, nas várias partes das obra (piscina, casa das máquinas, tanque de compensação, acessos, muros, zona envolvente da piscina e remoção de terras, etc.); Identificaram-se, de igual modo, os trabalhos cuja execução não foi sequer realizada; Identificaram-se pormenorizadamente as soluções construtivas, e de reparação;  Esclareceu-se o âmbito de acção e responsabilidade da chamada, nomeadamente num ponto único (V.), para que dúvidas não subsistissem neste particular, nomeadamente quanto à sua evidente responsabilidade solidária;
Procurou-se, pois, cumprir da forma mais acertada possível, com o determinado no douto despacho, nomeadamente, quanto à solidariedade do pedido (128.º a 167.º da reconvenção aperfeiçoada);
Quanto às pretensões constantes dos artigos 409.º, 422.º e 427.º da contestação (valores a restituir – 66.º a 127.º);
E quanto a “discriminar de forma clara no petitório reconvencional, sem ser por remissão, os pedidos reconvencionais que deduz em face do que expõe nos artigos 356º a 427º da contestação”, ocupou-se a recorrente na matéria constante de 1.º a 65.º da reconvenção aperfeiçoada;
Discriminaram-se, ainda, pormenorizadamente os danos e os custos com a respectiva reparação, por referência , ainda, aos relatórios e documentos nos autos.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas.:
a. Deve ser rejeitado liminarmente o recurso interposto, por inadmissibilidade legal, nos termos sobreditos;
Sem conceder,
a. Quando assim se não entenda, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida nos termos em que foi proferida. “
14.   Por despacho de 27.11.2023 foi admitido o recurso ordinário, de apelação, interposto por S, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, nos moldes combinados dos arts. 627.º, 629.º, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, al. d), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
15.   Já neste Tribunal da Relação foi em 12.02.2024 proferido o seguinte despacho:
“Nas alegações de recurso é invocada a falta de fundamentação da admissão do articulado correspondente à reconvenção aperfeiçoada (cf conclusão nº III), sem que se qualifique tal omissão como nulidade do despacho recorrido.
Embora o Tribunal não esteja vinculado às alegações das partes no que tange à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art 5º nº3 do CPC-, entende-se, ao abrigo do art 3º nº3 do mesmo CPC, com o fito de evitar eventuais decisões surpresa, facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem, querendo, sobre a eventual qualificação da apontada omissão de fundamentação como nulidade do despacho recorrido e respetivas consequências.
Para tal pronúncia, concede-se às partes o prazo de dez dias.
Notifique.”
16. Na sequência de tal despacho, veio a recorrente pronunciar-se no sentido de que, através do despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu a admissão do articulado apresentado pela Recorrida, i.e. a Reconvenção “aperfeiçoada”, não fundamentando, porém, tal admissão; feriu, assim, de nulidade por omissão de fundamentação, o despacho recorrido, nos termos da alínea b) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pelo que, deverá o despacho recorrido ser declarado nulo por este doutro Tribunal ad quem, substituindo-se este ao Tribunal a quo, apreciando o mérito do recurso apresentado.
*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO:
Nas contra-alegações de recurso, a Ré pugna pela inadmissibilidade do recurso, considerando que o despacho recorrido não admite apelação autónoma, por nele não estar em causa a admissão ou a rejeição de qualquer articulado, mas sim a apreciação do respetivo teor, no caso, a apreciação da admissibilidade da reconvenção deduzida.
O recurso foi apresentado pela recorrente e admitido pelo Tribunal a quo ao abrigo do art. 644 nº2 al d) do CPC.
Resulta desse preceito legal caber recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Em comentário ao art. 644º do CPC, e especificamente a propósito desta alínea do nº2, refere António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7º ed. Atualizada, Almedina, pags. 251 e 252, que “o preceito abarca qualquer decisão que tenha por efeito a admissão de algum articulado que se integre na definição que consta do art 147º(v.g. contestação cuja tempestividade foi posta em causa pelo autor  ou articulado superveniente cuja admissibilidade foi questionada, nos termos do art 588 º, nº4, 2ª parte), quer determine  a sua rejeição por qualquer motivo formal, como ocorre com apetição no caso previsto no art. 552º nº10, com a contestação, em face do art. 570º nº6, ou quando seja apresentada fora do prazo legal, com a réplica fora dos casos em que é admissível (art. 584 nº1) ou com o articulado superveniente apresentado fora das condições legais (art. 588 nº4, 1º parte).”
E acrescenta: “As mesmas razões que justificam a admissibilidade de apelação em casos de admissão ou rejeição de algum articulado são de aplicar quando a decisão se reportar apenas a um segmento do articulado, como ocorre quando a réplica exceda o âmbito permitido pelo art. 584 nº1 (para contraditar a reconvenção ou nas ações de simples apreciação negativa).”
Ou seja, o preceito reporta-se aos despachos que tenham por efeito a admissão ou rejeição, no todo ou em parte, de um articulado.
O que importa é que estejam em causa os pressupostos de admissibilidade formal do articulado (por exemplo, a tempestividade ou as condições legais para a sua apresentação) e não a pretensão nele formulada.
No caso dos autos, a recorrente insurge-se contra a admissão da Reconvenção “aperfeiçoada” apresentada pela Ré em 31 de janeiro de 2023 na sequência do despacho de 09.01.2023 (que convidou a Ré a aperfeiçoar a reconvenção deduzida na contestação), por entender ter sido largamente ultrapassado o âmbito do convite formulado pelo Tribunal a quo, considerando que, sob capa de aperfeiçoamento da reconvenção, a Ré apresentou uma nova reconvenção, sem a mínima correspondência com a reconvenção original de 9 de julho de 2020.
Trata-se de uma questão relativa à admissibilidade formal do articulado de aperfeiçoamento, prendendo-se com a eventual violação dos limites permitidos pelo despacho de aperfeiçoamento e também dos limites impostos pelo art. 265.º aplicável ex vi do art. 590º nº6 do CPC.
A situação invocada pela recorrente é, pois, equiparada àquela em que a réplica excede o âmbito permitido por lei, em ambos os casos estando em causa os limites legais impostos para a apresentação dos articulados (num caso, para o articulado de réplica, os imites previstos no art. 584 nº1 do CPC,  e no outro caso, para o articulado de aperfeiçoamento, os limites previstos nos arts 265º e 590 nº6 ambos do CPC). Para além de, no caso do articulado de aperfeiçoamento, estarem também em causa os próprios limites definidos no despacho que convidou ao aperfeiçoamento.
Recorde-se que o despacho de admissão/rejeição, ainda que apenas relativamente a parte ou segmento, de articulado de réplica que exceda o âmbito permitido pelo art. 584 nº1 do CPC é expressamente indicado por António Abrantes Geraldes, na obra e excerto já aludidos, como exemplo de despacho abrangido pela previsão do art. 644 nº2 al d) do CPC.
E, portanto, atento o seu paralelismo com o despacho que tem por efeito a admissão/rejeição, ainda que apenas relativamente a parte ou segmento, de articulado de aperfeiçoamento eventualmente violador dos limites previstos no despacho que convidou ao aperfeiçoamento e no art. 590 nº6 do CPC, também este último despacho estará abrangido pela previsão contida no art. 644 nº2 al d) do CPC.
Ao contrário do defendido pela Ré/recorrida P, a questão em análise não versa sobre a admissão da reconvenção, mas antes sobre a admissão do respetivo articulado de aperfeiçoamento; a reconvenção foi deduzida na contestação e não no articulado de 31.01.2023, e, portanto, ainda que este articulado viesse a ser integralmente rejeitado, subsistiria a reconvenção deduzida na contestação.
Pelo exposto, improcede a arguição da inadmissibilidade do recurso.
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III. OBJETO DO RECURSO
No caso em análise, considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, e à luz do despacho datado de 12.02.2024, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
Se a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação;
Se o articulado de aperfeiçoamento da reconvenção ultrapassa o o âmbito do convite formulado pelo Tribunal a quo e viola o disposto nos artigos 260.º e 265.º (ex vi 590.º, n.º 6) todos do Código de Processo Civil.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que constam no relatório.
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V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Está em causa neste recurso, antes de mais, aferir se a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação.
Efetivamente, a recorrente invoca que o Tribunal a quo se limitou a admitir a Reconvenção aperfeiçoada, não fundamentando minimamente o racional por trás da admissão do referido articulado, não obstante a Ré/Chamada, na sua resposta, ter arguido a inadmissibilidade da Reconvenção aperfeiçoada.
Considera que o tribunal feriu, assim, de nulidade por omissão de fundamentação, o despacho recorrido, nos termos da alínea b) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pelo que, deverá o despacho recorrido ser declarado nulo por este doutro Tribunal ad quem, substituindo-se este ao Tribunal a quo, apreciando o mérito do recurso apresentado.
Vejamos.
Está em causa despacho saneador no qual se decidiu não existirem outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra ou deva conhecer-se nesta sede e que obstem à apreciação do mérito da causa.
De tal despacho decorre, pois, a confirmação da regularidade de todo o processado anterior, o que necessariamente inclui os articulados antecedentes, designadamente o de 31.01.2023 (articulado de resposta ao convite de aperfeiçoamento da reconvenção), o qual foi assim implicitamente admitido, uma vez que o Tribunal, não obstante a interveniente ter anteriormente defendido a respetiva inadmissibilidade, não o rejeitou.
Acresce que na subsequente fixação dos temas da prova o tribunal não estabeleceu quaisquer discriminações relativamente aos danos e quantias correspondentes à causa de pedir do pedido reconvencional (cf temas VII e ss), do que decorre a integral admissão de toda a alegação relativa ao pedido reconvencional, incluindo a contida no articulado de aperfeiçoamento implicitamente admitido.
Utilizando as palavras de António Santos Abrantes Geraldes, conforme referido supra, tal despacho teve, pois, por efeito a admissão do articulado.
Todavia, o Tribunal não fundamentou minimamente tal decisão implícita de admissão do articulado.
Nos termos do art 615 nº1 al. b) CPC, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tal norma aplica-se também aos despachos ex vi do disposto no art 613 nº3 do CPC.
Tem sido comummente entendido pela jurisprudência que só a absoluta falta de fundamentação (e não a fundamentação alegadamente insuficiente, deficiente ou medíocre) origina a nulidade da sentença.
Assim, tal nulidade apenas ocorre nos casos em que se constate a ausência de qualquer fundamentação de facto ou de direito.
É exatamente isso que se verifica na situação em análise, na medida em que o Tribunal a quo não fundamenta em absoluto a admissão implícita do articulado de aperfeiçoamento da reconvenção.
A decisão implícita não dispensa a sua fundamentação.
Tal como se refere no Ac do STJ de 07.09.2020 proferido no Proc. 2774/17.0T8STR.E1.S1: “Não se verifica nulidade da decisão por omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa tenha ficado implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada” (ponto I do sumario); “Impõe-se ao juiz na decisão que profere indicar a razão que lhe serve de fundamento, não lhe cabendo, porém, apreciar todos os argumentos invocados pelas partes” (ponto II do sumário);  “Apenas a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício, uma fundamentação deficiente” (ponto III do sumario).
Em suma: A completa ausência de fundamentação de uma decisão, ainda que implícita, conduz à respetiva nulidade nos termos previstos no art.615 nº1 al b) do CPC.
Razão pela qual não pode subsistir a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo, proferir nova decisão, desta feita fundamentada, sobre a admissibilidade do articulado de aperfeiçoamento da reconvenção apresentado nos autos, já que, por não se tratar de decisão que ponha termo ao processo, não tem in casu aplicação a norma prevista no art 665 nº1 do CPC.
Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento por este Tribunal ad quem da outra questão suscitada nas conclusões da apelação.
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VI. DECISÃO:
Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ªsecção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão de recorrida (decisão de admissão implícita do articulado de aperfeiçoamento da contestação), determinando que o Tribunal a quo profira nova decisão, devidamente fundamentada, sobre a admissibilidade do articulado de aperfeiçoamento da reconvenção apresentado nos autos.
Custas pela recorrida (reconvinte)- art. 527 nº2 do CPC.
Notifique.
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Carla Matos
Amélia Puna Loupo
Maria Carlos Calheiros