Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
258/09.0TNLSB-D.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: EXECUÇÃO
SENTENÇA COMO TÍTULO EXECUTIVO
JUROS DE MORA
CIVIS OU COMERCIAIS
INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Perante um acórdão em cujo dispositivo se condena a Ré a pagar quantia “acrescida de juros calculados à taxa legal”, surge a dúvida sobre se os juros são os civis ou comerciais.
II. A discussão sobre se estavam, ou não, reunidos os requisitos de direito substantivo para o devedor ser condenado a pagar juros de mora à taxa comercial tem a sede própria na ação declarativa.
III. Para resolver a dúvida referida em I, em primeiro lugar, há que interpretar o acórdão a partir da sua fundamentação e antecedentes lógicos daí emergentes que culminem no dispositivo, considerando-se também o teor deste.
IV. Inexistindo elementos que permitam estribar uma conclusão sólida com a metodologia referida em III, haverá que recorrer, em segunda linha, ao disposto no Artigo 236º, nº1, do Código Civil, sendo que, na prática judiciária e em regra, a referência a juros de mora à taxa legal tem o significado de juros à taxa civil.
V. Mesmo que assim não fosse aplicando a regra emergente do Artigo 237º do Código Civil, também alcançamos o mesmo resultado, qual seja o de que a taxa de juros é a civil por ser esta a solução que assegura maior equilíbrio das prestações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AA, exequente nos autos apensos, a qual transmitiu os seus ativos e passivos à ‘DD, SA.’ (conforme resulta do Aviso nº 1516/2010, publicado no DR, 2ª Série, nº 15, de 22/01/2010) , instaurou  execução  contra ‘HH – Companhia de Seguros, SA.’ e contra ‘Petróleos de Portugal – BB, SA.’, visando obter desta última executada o pagamento do quantitativo de €55.749,42, correspondente ao valor dos juros que a executada não pagou e que foi condenada por sentença transitada em julgado a fazê-lo.
A executada opôs-se à execução e à penhora, alegando, em síntese, que efetuou o pagamento dos juros legais devidos de 4%, considerando não ter de efetuar o pagamento de juros à taxa legal comercial, inexistindo título executivo para tal petitório.
Concluiu formulando os seguintes pedidos:
«i. Se declare a inexistência de título executivo e a extinção da ação nos termos do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º, n.º 1, ambos do CPC, com a consequente absolvição da Embargante da instância, ordenando-se o imediato levantamento das penhoras de saldos bancárias realizadas pelo Sr. Agente de Execução; e,
ii. Se declare a ilegalidade das penhorados realizadas pelo Sr. Agente de Execução e, ordenado o imediato levantamento das penhoras registadas nos depósitos bancários da Embargante melhor identificados nas verbas 3 e 4 do Auto de Penhora de 09.10.2023.»
A exequente contestou, alegando serem devidos juros comerciais, pois que está em causa um contrato comercial de compra e venda de combustível entre sociedades que exercem atividade mercantil.
Foi proferido despacho saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo os presentes embargos improcedentes, devendo a execução prosseguir para pagamento da quantia exequenda, a qual respeita aos juros de mora comerciais ainda em dívida.»
 *
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Embargante, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente os embargos de executado interpostos pela Recorrente, considerando que “a interpretação a efetuar quanto ao tipo de juros é a de que o Acórdão dado à execução se refere aos juros legais comerciais, pois estão em causa empresas que exercem atividade comercial e foi no âmbito do exercício dessa atividade que houve lugar ao pagamento da indemnização e a condenação ao pagamento de juros de mora legais, que tanto podem ser juros civis como comerciais”.
2. A ação executiva visa a realização efetiva, por meios coercivos, do direito violado, e tem por suporte um título pelo qual se determinam o fim e os limites da execução, pelo que é manifesto não se poder utilizar um título executivo para realizar coativamente outra obrigação, que não seja aquela que o título comprova ou documenta.
3. Como demonstrado, da Sentença Condenatória que a Recorrida apresenta como título executivo, não resulta a existência da obrigação exequenda peticionada: pagamento dos juros de mora à taxa comercial, pelo que a ação executiva não pode prosseguir tendo em conta a inexistência de um título executivo que legitime a pretensão da Recorrida.
4. Na prática judiciária, “a expressão «juros legais» ou «juros à taxa legal» pretende significar, em regra, os juros calculados à taxa comum ou normal, dita de «juros civis», por oposição aos «juros comerciais» cuja taxa particular é mais elevada como forma de incentivo à atividade comercial”.
5. Para que assim não seja, é fundamental que existam elementos suficientes que indiquem a intenção da parte na aplicação da taxa de juro comercial.
6. Ora, na precedente ação declarativa (mormente nos articulados apresentados pela Recorrida) e no pedido aí formulado não decorre que fosse pretensão da Recorrida o pagamento dos juros de mora previstos no artigo 102.º do CCSC, limitando-se a Recorrida a pedir a condenação das Co-Executadas no pagamento de juros à taxa legal quando formulou o seu pedido, descurando totalmente a referência aos juros que pretendia ver considerados em sede de sentença.
7. Inexiste, ainda, na petição inicial qualquer indício de que a Recorrida pretendia referir-se a juros à taxa aplicável no domínio do direito comercial, por força de um qualquer incumprimento contratual, máxime de uma qualquer transação comercial.
8. Note-se que, não basta na causa de pedir alegar que se é uma sociedade comercial, para daí decorrer que a taxa de juros a aplicar seria a prevista na Portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 102.º do CCSC, pois é necessário que no pedido formulado pelo credor resulte a expressa menção da pretensão da condenação de pagamento de juros de mora como comerciais, o que a Recorrida não fez.
9. Por sua vez, e analisada a sentença que constitui título executivo, também se constata que a única menção feita na fundamentação da decisão é a de que às quantias atribuídas a título de indemnização “acrescem juros à taxa legal”, fórmula que se repete no dispositivo da sentença.
10. Acresce que, nunca foi debatido na 1.ª instância ou no Tribunal da Relação a questão da natureza civil ou comercial dos juros de mora legais (como se impunha), a qual não pode agora ser discutida em sede de execução, como pretende a Recorrida.
11. Não tendo sido discutida a natureza dos juros moratórios, nem pedido na ação o pagamento de juros de mora comerciais, deve entender-se que o que foi pedido e foi acolhido na decisão final do pleito foram os juros legais, leia-se os juros previstos no artigo 559.º do CC pelo que esta ação executiva não pode proceder.
12. Assim, a simples referência a juros “à taxa legal” contida na parte dispositiva da sentença que serve de título executivo, deve ser interpretada no sentido de o título executivo se limitar aos juros de mora civis - os quais foram pagos a 20.11.2020, como a própria Recorrida reconhece –, pelo que nenhum outro valor é devido a esse título.
13. Ora, não existindo título executivo nos termos expostos pela Recorrida, deve a Recorrente ser absolvida da instância e ser ordenado o imediato levantamento das penhoras de saldos bancários realizadas pelo Agente de Execução.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, deverá ser revogada a Sentença Recorrida.»
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir é a de saber se o título executivo abarca os juros comerciais ou se se reporta apenas aos juros civis.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
a) O título executivo é constituído por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, além do mais, condenou a ‘BB, SA.’ no pagamento da quantia de €150.000,00, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
b) A exequente, Autora nos autos principais - ‘AA’ - é uma companhia de seguros.
c) A BB, é uma empresa que, entre outras, comercializa petróleo bruto e seus derivados.
d) A sociedade ‘JJ é uma empresa que se dedica à atividade piscatória e é a proprietária da embarcação de pesca costeira ‘Mar Salgado’.
e) A ‘JJ celebrou com a AA (atual DD) um contrato de seguro do ramo marítimo.
f) A pedido do armador, a ‘JJ solicitou à BB o fornecimento de gasóleo corado, e esta aceitou fornecer-lhe.
g) O abastecimento da embarcação ‘Mar Salgado’, por indicação de um funcionário da BB teve lugar no cais do posto de abastecimento, explorado pela BB, na doca dos pescadores, no porto de Setúbal.
h) A BB não garantiu as condições necessárias para que a embarcação ‘Mar Salgado’ pudesse efetuar o abastecimento de combustível e posteriormente sair do cais, em segurança, tendo contribuído para o afundamento do arrastão.
i) A BB celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil com a HH e esta foi interveniente principal nos autos principais.
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Nos termos do Artigo 663º, nº 2, conjugado com o Artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, adita-se o seguinte facto provado:
j) Em cumprimento da decisão judicial [acórdão deste Tribunal da Relação de 18.2.2020 e subsequente acórdão em conferência a 14.7.2020], a 20.11.2020, a Embargante e a Coexecutada Companhia de Seguros HH, S.A. (“Coexecutada HH”) procederam ao pagamento do montante total de € 653.035,59, correspondendo € 449.528,50 a capital e € 203.507,09 a juros de mora (artigo 4º da petição não impugnado na contestação).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O título executivo subjacente à execução é o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que o dispositivo adotado foi este: «b. Improcedente o recurso interposto pela Ré BB, mantendo-se a condenação da mesma a pagar à Autora a quantia de €150.000, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.»
Dissentem as partes sobre a interpretação suscitada pelo segmento “juros calculados à taxa legal desde a citação”, se se trata dos juros civis ou dos juros comerciais.
No que tange à interpretação de uma sentença (doutrina aplicável também à interpretação de um acórdão), constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça que:
<> II. Sendo a sentença um ato jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objetivação  da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, ou seja, tem de ser interpretada  com o sentido  que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
III. Para alcançarmos o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respetiva elaboração.
IV. O pedido, a causa de pedir e os fundamentos de facto e de direito da sentença são importantes meios auxiliares da sua interpretação, na medida em que permitem retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2021, Rosa Tching, 726/15);
<> A sentença objeto de liquidação deve ser interpretada de acordo com as regras de interpretação dos negócios jurídicos (art.º 236 e segs do CC), recorrendo-se, para o efeito, não apenas ao seu dispositivo, mas também à sua fundamentação (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.9.2023, António Magalhães, 336/11);
<> As regras da interpretação dos negócios jurídicos são aplicáveis à interpretação das sentenças enquanto atos jurídicos. Daí que uma sentença judicial (por via do estatuído no citado artº 295º) deve ser interpretada à luz do artº 236º, ambos do Código Civil (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2021, Fernando Baptista, 970/18).
Ainda em sede de enquadramento geral e no que tange especificamente à questão objeto deste recurso, a mesma já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça noutros casos similares nestes termos:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2007, Oliveira Vasconcelos, 3609/07:
A autora pediu a condenação da ré em juros de mora “à taxa máxima legal”; a taxa legal tanto é a relativa a juros civis como a relativa a juros comerciais.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.9.2016, Orlando Afonso, 1665/06:
A obrigação de pagamento de juros comerciais respeita à natureza do ato: ato comercial ou não. A circunstância de o pedido ou da causa de pedir assentar em normas do CC não se mostra decisiva para a qualificação da natureza da dívida destinada a reparar os danos causados pela mora (art.º 804.º do CC), não sendo esse o critério para qualificar uma obrigação de pagamento de juros como civil ou comercial. / A circunstância das autoras terem utilizado na formulação do pedido as expressões “acrescida de juros legais de mora” ou “acrescida de juros legais”, não leva a considerar, por via das regras de interpretação, que apenas visaram os juros civis. É que, nos termos do art.º 559.º do CC e do art.º 102.º, § 3, do CCom, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.9.2022, Aguiar Pereira, 11/21:
I – A expressão “juros de mora à taxa legal” – ou equivalente – constante do dispositivo de uma sentença condenatória que serve de título executivo, em si mesma, nada esclarece sobre se ao montante da condenação acrescem juros de mora calculados à taxa anual aplicável à generalidade das obrigações civis ou juros de mora calculados à taxa anual aplicável em relação aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais;
II – Nessa situação, sendo a sentença um ato jurídico a que são aplicáveis as regras reguladoras dos negócios jurídicos sobre a interpretação da declaração negocial, os limites do título executivo (artigo 10.º n.º 5 do Código de Processo Civil) devem ser encontrados com recurso às regras sobre a interpretação da declaração;
III – Quando a parte decisória da sentença condenatória seja suscetível de mais do que uma interpretação, o correto sentido e alcance da decisão deve ser encontrado à luz da análise do percurso argumentativo expresso na sentença a partir da exposição dos factos integrantes da causa de pedir que tenham resultado provados e, em especial, do pedido formulado, já que é forçoso que haja uma correspondência entre o pedido e a pronúncia da sentença condenatória.
IV – Não resultando da análise da petição inicial qualquer referência concretizadora dos juros de mora e não tendo a autora formulado pedido de condenação no pagamento de juros contabilizados à taxa de juros específicos relativos aos créditos das empresas comerciais, não pode o dispositivo da sentença condenatória que aprecie tal pedido ser interpretado no sentido de lhe reconhecer o direito a receber juros de mora calculados de acordo com a taxa especificamente prevista para tais créditos.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2022, José Rainho, 11/21, Sumários:
Se a autora, pese embora poder ser uma empresa comercial, se limitou a pedir “juros legais” e se a sentença se limitou a condenar em “juros à taxa legal”, os juros que podem ser objeto de execução, por vinculação ao princípio de que o título define os limites da ação executiva, são os que decorrem da aplicação do art.º 559.º do CC, e não os juros comerciais que decorrem dos §§ 3.º e 4.º do art.º 102.º do CCom.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2023, Ferreira Gomes, 814/13, Sumários:
I - Instaurada execução tendo por base sentença condenatória em juros de mora, a dúvida sobre saber se o exequente pode exigir juros à taxa dos juros comerciais deve ser decidida em sede de interpretação da sentença.
II - A discussão sobre o tipo de juros - civis ou comerciais - que complementam o crédito de capital, deve ter lugar na ação declarativa e não na execução, ou sequer na respetiva execução.
III - A mera referência, na sentença condenatória, a juros de mora à taxa legal, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil (art.º 559.º, n.º 1, do CC), devendo, por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado.
Na jurisprudência dos Tribunais da Relação, relevam os seguintes acórdãos:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.4.2023, Luís Lameiras, 3389/08:
I – Instaurada execução, tendo por base uma sentença condenatória, a dúvida sobre saber se a condenação nela contida é a do pagamento em taxa de juro civil ou em taxa de juro comercial tem de ser resolvida em sede de interpretação do sentido da mesma;
II – A discussão de fundo sobre se, com respeito a certo crédito, as normas jurídicas de direito substantivo concedem ao credor uma ou outra de tais taxas, não tem lugar próprio na ação executiva; e nem sequer na respetiva oposição, cuja vocação funcional é também outra;
III – Na busca do sentido dos atos enunciativos, como é o caso das decisões judiciais, devem ter-se como orientação as regras estabelecidas para a interpretação das declarações negociais, completadas ainda por aquelas que são previstas para a interpretação das leis (artigos 236º, nº 1, 238º, nº 1 e 9º, nºs 2 e 3, do Código Civil);
IV – A mera referência, na sentença condenatória, a juros de mora à taxa legal, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil (artigo 559º, nº 1, do Código Civil); e deve por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado; principalmente quando na ação declarativa o credor nunca expressamente evidenciou aí visar peticionar a taxa de juros comerciais (artigo 102º, § 3º, do Código Comercial).
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.12.2020, Aristides Almeida, 128/17:
I - A dúvida sobre se determinada condenação no pagamento de «juros à taxa legal» se refere aos juros civis ou aos juros comerciais é uma questão de interpretação da decisão judicial.
II - Na prática judiciária, em regra, a referência a juros de mora à taxa legal tem o significado de juros à taxa civil e assim deve ser interpretada a decisão, sobretudo se na petição inicial o credor não usou expressões que indiciassem que o seu pedido era de juros à taxa comercial e esse aspeto nunca foi suscitado, abordado ou apreciado ao longo do processo.
III - Não cabe no objeto da execução nem dos respetivos embargos de executado discutir e decidir se na ação declarativa estavam reunidos os requisitos para o devedor ser condenando a pagar juros de mora à taxa comercial.
Feito este enquadramento geral, há que reverter ao caso em apreço.
Conforme é referido pertinentemente pela jurisprudência citada, a discussão sobre se estavam, ou não, reunidos os requisitos de direito substantivo para o devedor ser condenado a pagar juros de mora à taxa comercial tem a sede própria na ação declarativa. É na ação declarativa que devem ser discutidos e definidos os direitos de crédito das partes. Em sede de ação executiva, poderá ocorrer liminarmente uma atividade instrutória quando ocorra o condicionalismo previsto no Artigo 715º (obrigação condicional ou dependente de prestação) ou de liquidação da obrigação (Artigo 716º), realidades totalmente díspares da definição da exigibilidade, ou não, de juros comerciais.
Nesta precisa medida, o cerne da discussão nesta apelação é saber se o dispositivo do acórdão deve ser interpretado como englobando juros comerciais, não sendo objeto desta apelação curar de saber se havia razões de direito substantivo (atenta a factualidade provada no acórdão) para o dispositivo da sentença contemplar a condenação a título de juros comerciais. Cremos que este último caminho foi o seguido, essencialmente, pela decisão impugnada.
No esforço de exegese do dispositivo do acórdão em causa ressalta a falta de elementos que permitam estribar uma interpretação sólida e atendível. Com efeito, nos articulados a questão dos juros comerciais não foi objeto de discussão atento os termos textuais utilizados na formulação do pedido, os quais foram espelhados literalmente no dispositivo da sentença bem como do subsequente acórdão. No acórdão em causa, não houve qualquer análise e discussão sobre se os juros devidos eram apenas os civis ou se, pelo contrário, eram devidos juros comerciais. A única discussão que foi enunciada foi sobre o momento a partir do qual eram devidos os juros (“A apelante subordinada (Autora) pugna pela condenação da interveniente HH a pagar juros desde a citação da Ré BB e não apenas desde a citação da interveniente (conclusão XXIV). / A interveniente HH celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ré BB, sendo que o obrigado a indemnizar é a segurada, cujo risco é coberto pela obrigação de indemnizar terceiros por parte da seguradora – cf. Artigo 137º da Lei do Contrato de Seguro. Tratando-se de responsabilidade civil por facto ilícito, a devedora (Ré BB) constitui-se em mora desde a citação, nos termos da segunda parte do nº3 do Artigo 805º do Código Civil.”).
Note-se que, conforme foi evidenciado no AUJ nº 9/2015, no que tange à formulação do pedido de condenação em juros, estamos no âmbito da disponibilidade da relação material controvertida, usando as palavras do AUJ: «Será de acrescentar que esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, sendo ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, tem subjacentes também a disponibilidade da relação material e os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes e da autorresponsabilidade destas.» Ou seja, da mesma forma que um autor pode não formular de todo o pedido de condenação do réu em juros, pode também peticionar os juros civis (taxa legal mais baixa) em vez de juros comerciais, admitindo que tenha direito a estes. A omissão do pedido de condenação em juros comerciais pode implicitamente demonstrar essa disposição da relação material controvertida como, diversamente e em alternativa, evidenciar um menor cuidado na formulação do pedido e no enquadramento substantivo do mesmo.
Todavia, admitindo este último cenário, a autora poderia emendar a mão ampliando o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância (cf. Artigo 265º, nº2) porquanto a exigência de juros comerciais poderia corresponder ao desenvolvimento do pedido primitivo.
Ainda neste cenário, a autora – colocada perante o dispositivo do acórdão (“juros calculados à taxa legal desde a citação”) - poderia, ainda, arguir a nulidade do acórdão por ambiguidade que tornava esse segmento decisório ininteligível. Com efeito, «A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2020, Pinto Oliveira, 1886/19). Dito de outra forma e conforme referido na jurisprudência supra, a menção à “taxa legal” é compatível quer com a vertente dos juros civis como dos juros comerciais pelo que, face a essa ambiguidade, é lícito à parte arguir a nulidade decisória daí emergente. Não o tendo feito, nesta ótica, a nulidade encontra-se sanada.
Uma vez que o texto do acórdão não faculta elementos interpretativos atendíveis para fixar o sentido decisório do segmento em causa, há que recorrer, supletivamente, às normas sobre a interpretação dos negócios jurídicos (cf. jurisprudência supra).
Ora, conforme bem se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.12.2020, 128/17, na prática judiciária, em regra, a referência a juros de mora à taxa legal tem o significado de juros à taxa civil e assim deve ser interpretada a decisão, sobretudo se na petição inicial o credor não usou expressões que indiciassem que o seu pedido era de juros à taxa comercial.
Quando não se conhece a vontade real do declarante, como é o caso, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, na posição do real declaratário, atribua à declaração (Artigo 236º, nº1), sendo esse sentido corrente no caso o de juros à taxa civil. A circunstância de as Rés nada terem arguido a propósito da taxa de juros nas suas contestações é consentânea com a circunstância de assim terem interpretado o pedido formulado pela autora.
Por outro lado e mesmo que assim não fosse, em caso de dúvida, se se tratar de negócio oneroso, prevalece o sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações e se se tratar de negócio gratuito o sentido que for menos gravoso para o disponente (Artigo 237º do Código Civil).
 Este artigo consagra uma regra para superação de dúvidas quanto ao significado relevante e não uma regra que permita ao tribunal equilibrar contratos que tenha por desequilibrados – Rui Pinto Duarte, A Interpretação dos Contratos, p. 57. «A intensidade da dúvida há de ser tal que a ambiguidade seja irredutível e inultrapassável, depois de considerados todos os fatores atendíveis e de esgotados todos os outros critérios legais da interpretação, incluindo os que resultam de normas especiais sobre a resolução de dúvidas, quanto ao sentido de declarações negociais»[3] como são os casos dos Artigos 279º e 330º, nº2, do Código Civil. Segundo Heinrich Hörster, o Artigo 237º «vale unicamente para os casos em que a declaração, consultados todos os elementos utilizáveis para a sua interpretação segundo as regras do art.º 236º, ainda apresenta ou comporta dois ou mais sentidos, sendo estes baseados em razões de igual força.»[4]
Aplicando esta regra supletiva, também alcançamos o mesmo resultado, qual seja o de que a taxa de juros é a civil por ser esta a solução que assegura maior equilíbrio das prestações.
Por todo o exposto, entendemos que procede a apelação porquanto o título executivo (acórdão) não abrange os juros comerciais, abrangendo apenas os juros civis, os quais se mostram pagos (cf. supra facto aditado).
Nessa precisa medida, devem ser levantadas as penhoras de depósitos bancários efetuadas em 9.10.2023.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença impugnada, consignando-se que o título executivo apenas abarca os juros civis (já pagos), extinguindo-se a execução e ordenando-se o levantamento das penhoras de contas bancárias efetuadas em 9.10.2023.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 19.3.2024
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Coelho
Diogo Ravara
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Funções, Circunstâncias, Interpretação,  pp. 289-290.
[4] A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, p. 512.