Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | SUSANA SANTOS SILVA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÃO INILIDÍVEL NEXO DE CAUSALIDADE INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC): I - O art.º 186º, n.º 1 do CIRE fixa uma noção geral de insolvência culposa, declarando, genericamente, que a insolvência é culposa “quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”, estabelecendo nos seus nºs 2 e 3 um conjunto de presunções que assumem caráter taxativo. II - Para auxiliar a tarefa probatória, o CIRE veio consagrar o denominado duplo sistema de presunções legais, sendo que o nº 2 da referida norma contém um elenco de presunções juris et de jure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente; por seu turno, no nº 3 consagra-se um conjunto de presunções juris tantum de culpa grave desses administradores. III - No concernente às presunções do primeiro tipo - juris et de jure - a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a inobservância dos comportamentos tipicamente descritos nas diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento. IV - Tendo o Tribunal a quo jugado verificado o preenchimento da presunção ínsita nas alíneas d) e h) do n.º2 do art. 186º, resultaria da presunção inilidível ou presunção jure et de jure, a desnecessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento. V – Ao transferir valores da conta da devedora para a sua conta pessoal, o apelante levou a efeito ato de disposição do qual resultou a diminuição do ativo da devedora, com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência, e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência, integrando, assim, a previsão da alínea d) do n.º2 do art.º 186º do CIRE. VI –A presunção inilidível prevista no artigo 186.º, n.º 2, alínea h) do CIRE pressupõem que, no caso, se comprove a existência de irregularidades na organização da contabilidade, que prejudiquem de forma significativa a compreensão da situação patrimonial da insolvente. VII - O concreto montante indemnizatório determina-se por via da medida da contribuição do devedor da indemnização para a verificação dos danos patrimoniais em causa, apurando os prejuízos sofridos por causa e em consequência da conduta que determinou a qualificação da insolvência. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I. Relatório Por sentença proferida em 07.08.2024, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade “AA” Unipessoal Lda., tendo-se concluído na própria sentença, pela insuficiência do património da devedora para a satisfação das custas do processo e dívidas previsíveis da massa insolvente, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 39º do CIRE. No prazo previsto no art.º 39º, n.º 2, al. a), do CIRE, não foi requerido que a sentença fosse complementada com as restantes menções do art.º 36º do CIRE. Por decisão de 8/04/2025 (ref. n.º 156944541), foi proferido despacho com o seguinte teor: «1 – Declaro findo, o presente processo em que foi declarada a insolvência de “AA” Unipessoal Lda, NIPC (…), com sede (…)// 2 – A Devedora não fica privada dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência – art.º 39º, n.º 7, al. a), do CIRE;// 3 – Qualquer legitimado pode instaurar a todo o tempo novo processo de insolvência, mas o prosseguimento dos autos depende de que seja depositado à ordem do tribunal o montante que o juiz entenda razoavelmente necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente – art.º 39º, n.º 7, al. d), do CIRE.» O Sr. Administrador da Insolvência no cumprimento do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 191º do CIRE, veio solicitar a abertura do incidente de qualificação de Insolvência, bem como solicitar que a insolvência da “AA” Lda. seja qualificada como culposa, sendo afetada por tal qualificação o Sr. “B”, sócio-gerente da empresa. Suportou tal conclusão alegando que o gerente de facto e de direito da requerida fez uma utilização indevida dos meios financeiros da devedora, fez desaparecer, todo o património desta, dispondo dos bens da devedora, e não cumpriu o seu dever de requerer a declaração de insolvência. Por despacho de 7.10.2024 foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, nos seguintes termos: «(…) porquanto no caso concreto vieram a ser apresentadas alegações por escrito pela requerente nos termos e prazo previstos no art.º 191º e 188º, n.º 1, do CIRE, não sendo a pretensão de qualificação da insolvência como culposa manifestamente improcedente, cumpre declarar aberto o incidente respetivo. Pelo exposto: a) Declaro aberto o incidente de qualificação nos presentes autos de insolvência em que foi declara a insolvência de “AA” Unipessoal Lda, NIPC (…), com sede (…);(…)» O Ministério Público apresentou parecer, concordando com o parecer do Sr. Administrador de Insolvência, no sentido de qualificar a insolvência de “AA”, Unipessoal Lda. como culposa. Notificada a devedora insolvente e pessoalmente citado o seu gerente, veio este deduzir oposição ao incidente, alegando, em síntese, que: A sociedade viu a sua quebra de faturação no período do Covid, tentando manter-se no cenário nacional como uma sociedade comercial saudável financeiramente, o que de todo não conseguiu, e tentou lutar para não chegar onde chegou.// Em alguns anos o sócio gerente já tinha injetado mais de 100 mil euros na sociedade comercial// Houve uma quebra de contrato com o maior fornecedor da empresa// o sócio-gerente pagou todos os fornecedores e os seus colaboradores, restando unicamente a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social// assume as retiradas, para fazer face aos pagamentos a fornecedores, colaboradores e outras despesas da sociedade, restando ainda uma dívida Fiscal e da segurança social, em que o próprio já assumiu tanto pessoalmente, como a espera da reversão para fazer o seu pagamento// a única dívida, e a dívida maior que restou é o Estado, não tem qualquer fornecedor em dívida, não ficou em dívida com ninguém, o sócio gerente, até retirou valores de outras sociedades para fazer face as despesas dessa sociedade.// O sócio gerente da empresa, sempre primou pelo zelo do seu nome, e da sua sociedade comercial.// Nunca absteve a qualquer tipo de pagamento, acordo, seja ele o que pudesse fazer, para manter a boa saúde financeira do seu negócio.// Ao injetar valores na empresa fez da sua própria conta para a conta da empresa, pensou que ao contrário senso seria a mesma coisa.// O que é certo, é que o mesmo conseguiu fazer todos os pagamentos particulares, deixando por último o Estado. Não foi deduzida qualquer oposição pela requerida insolvente. Com data de 15.02.2025, foi proferido despacho saneador que certificou a validade e regularidade da instância, fixou o valor do incidente, definiu o objeto do litígio, enunciou os temas da prova e apreciou os requerimentos probatórios. Realizou-se audiência de julgamento, na sequência da qual, em 3.04.2025, foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor: Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 189º, n.ºs 1, 2 e 4, do CIRE, o tribunal qualifica como culposa a insolvência de “AA” Unipessoal Lda. e em consequência: «a) Declara afetado pela qualificação da insolvência “B”;// b) Declaro “B” inibido para administrar patrimónios de terceiros pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;// c) Declara “B” inibido, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;// d) Determina a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.// e) Condeno “B” a indemnizar os credores da sociedade no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença.» Inconformados com a decisão proferida, veio o requerido “B” interpor recurso de apelação (conforme esclarecimento prestado no requerimento sob a ref. n.º (…), na sequência do despacho de 19/05/2025 – ref. n.º (…), devendo nas alegações e conclusões apresentadas, todas as referências à sociedade, ser lidas como sendo relativas a “B”), que finaliza com as seguintes conclusões que se reproduzem: A - A situação de insolvência não foi agravada por comportamentos posteriores ao processo de insolvência nº (…), situação de insolvência que se manteve ininterrupta desde a data da declaração de insolvência anterior até à data da declaração nos presentes autos. B - A matéria de facto provada não resulta estabelecido o nexo de causalidade entre as condutas da Recorrente e a criação ou agravamento da situação de insolvência da Recorrente, o que é determinante para a qualificação da insolvência. C - As condutas da Recorrente e do seu gerente não são subsumíveis ao artº 186º do CIRE. D - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 11º, 186º/1-2a)-d)-e)-f), 187º e 188º/1 CIRE, 3º/3, 608º/2 e 615º/1d) CPC e 328º, 349º e 350º CCiv.. E - A douta sentença “a quo” omite totalmente a legal fundamentação do seu decisório de inibição do Recorrente “B” para administrar patrimónios de terceiros durante um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, de inibição do mesmo Recorrente para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. F - A douta sentença recorrida deve ser revogada vista a nulidade resultante da falta de fundamentação e substituída por outra que declare a falta de nexo de causalidade entre os factos e insolvência da Recorrente, não sendo as condutas da Recorrentes subsumíveis no artº 186º do CIRE pelo que a insolvência deve ser qualificada como fortuita. G - Como está à vista de toda a gente, o gerente da sociedade, nada fez que agravasse a situação da mesma, nem actuou dolosamente, até porque, tendo a sociedade apenas dois credores (Autoridade Tributária e Aduaneira e Instituto Segurança Social), não se alcança como o gerente da sociedade tenha tido alguma conduta omissiva ou dolosa, uma vez que as dívidas da sociedade reverteram para ele próprio, que as está a pagar do seu bolso. H - Nenhuma entidade, nem o estado ficaram prejudicados com a conduta do gerente da empresa, que confiando no seu contabilista, se viu enredado numa dívida brutal que reverteu para ele próprio. Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente seja revogada a sentença recorrida, no sentido de não qualificar como culposa a insolvência de “BB” Unipessoal Lda., mas antes considerá-la como fortuita. O Ministério Publico apresentou contra-alegações (ref. n.º ---) terminando com as seguintes conclusões que, igualmente, se reproduzem: 1 - O Tribunal, ponderando os factos provados e gravidade dos mesmos, qualificou como culposa a insolvência de “AA” Unipessoal Lda, (nos termos do preceituado no artigo 189º nºs 1, 2 al. d), h) e 4 do CIRE) tendo declarado afetado pela qualificação da insolvência “B”, bem como a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de dois anos e seis meses. 2 - Determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente. 3 - Condenou ainda “B” a indemnizar os credores da sociedade no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença. 4 -Em face da fundamentação da sentença recorrida, de acordo com o disposto no artigo 607º do CPC, merece concordância o enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal, com a ressalva decorrente do preceituado no artigo 191º nº1 al. c) do CIRE. O recurso foi admitido, após o que os autos subiram a este Tribunal da Relação. Constatada a existência de uma questão prévia a toda a tramitação do recurso (falta de pagamento da taxa de justiça devida), por decisão da relatora de 7/07/2025, nos termos do disposto no nº1 do art. 642º do CPC, determinou-se a notificação do recorrente para, em 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta, correspondente a 3 Ucs, acrescido de multa de igual montante (3 UCs), sob a cominação prevista no nº2 do mesmo preceito, a qual veio a ser paga conforme DUC junto sob a ref. n.º ---. Foram colhidos os vistos legais. II. Objeto do Recurso: Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial (cf. (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 124), pelo presente recurso apenas cumpre apreciar se: I. A sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação (art. 615º, n.º1, al. b) do CPC). II. Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa. III. Do montante indemnizatório, fixado na sentença recorrida. III. Fundamentação De Facto A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra e bem assim a que foi dada na sentença recorrida nos termos que seguem infra: 1) “AA” Unipessoal, Lda, NIPC (…), com sede (…), foi declarada insolvente, por sentença proferida em 07.08.2024, na sequência de pedido para o efeito apresentado pela própria em 24.07.2024; 2) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 100.000,00 (cem mil euros), consistindo o seu objecto em telecomunicações, instalação de produtos e serviços de telecomunicações e informática, comércio de veículos automóveis ligeiros, peças e acessórios auto, atividades de turismo, animação, aluguer de automóveis (rent a car), transporte rodoviário de passageiros de veículos automóveis ligeiros e outro tipo de transporte terrestre e passageiros, que será efectuado em veículos até nove lugares incluindo o condutor. Atividades mudanças, reparação, manutenção de veículos automóveis. Lavagens e limpezas de auto, e limpezas em geral, importação, exportação, compra, venda e revenda de todos os produtos relacionados com as atividades em questão. Actividades essas que vem desenvolvendo desde o seu início (art.º 24º/c) CIRE). 3) É seu único sócio “B”, sócio gerente, detentor de quota, com o valor nominal de € 100.000,00 (cem mil euros) correspondente a 100% do capital. 4) De acordo com os balancetes no final do ano de 2021, “B” era credor da Devedora no montante de 188.531,14€. 5) No final do ano de 2022 a Devedora era credora do seu sócio gerente no montante de 120.000,00€. 6) Consta do balancete analítico de Dezembro de 2023, que a empresa “AA”, Unipessoal Lda. é credora de “B” no montante total de 369.282,46€. 7) “B”, enquanto sócio gerente da Insolvente, resolveu eliminar todas as dívidas a fornecedores e particulares, transferindo valores da conta da sociedade comercial, para a sua conta pessoal, pagando as dívidas em questões. Factos Não Provados a) A insolvência da Devedora decorreu da crise económica decorrente da pandemia e da quebra de contrato com uma grande empresa. Ao abrigo do disposto nos arts. 662º, n.º 1, 663º, n.º 2 e 607º, n.º 3, do CPC aditam-se ainda os seguintes factos, resultantes dos documentos juntos aos presentes autos e bem assim juntos aos autos principais, com relevância para a decisão da causa: - da contas 22, 23, 24, 26, 27, 62, 63 e 72 do balancete analítico de 2023 consta, além do mais o seguinte: Conta 22 - “Fornecedores”/VALORES MENSAIS – Débitos 102.748,63/ créditos 98.325,95// VALORES ACUMULADOS/Débitos 292.295,18€/créditos 292.295,18€/ Saldo – nada assinalado. Conta 23 - “Pessoal”/VALORES MENSAIS – /Débitos 41.242,60€/créditos 41.042,60€/ Saldo – nada assinalado. Conta 24 - “Estado e Outros Entes Públicos” // VALORES ACUMULADOS/Débitos 504.382,86€/créditos 529.421,74€/ Saldo credor – 25.038,88. Conta 2611 (“B”) – “Accionista/sócios – VALORES ACUMULADOS – Débitos 169.282,46/Saldo devedor – 169.282,46 Conta 2784 (“B”) – “Outras contas a receber”/VALORES MENSAIS – Débitos 80.000,00// VALORES ACUMULADOS/Débitos 200,000,00/ Saldo devedor –200.000,00. Conta 62 - “Fornecimentos e Serviços externos”/VALORES MENSAIS – Débitos 148.238,17// VALORES ACUMULADOS/Débitos 563.442,84€/ Saldo devedor – 563.442,84. Conta 63 – “Gastos com pessoal” / VALORES MENSAIS – Débitos 10.023,75// VALORES ACUMULADOS – Débitos 57.345,75//Saldo devedor - – 57.345,75. Conta 72 – “Prestações de serviços// Valores mensais”- Créditos 42.383,00// VALORES ACUMULADOS – créditos 615.672,97/Saldo credor 615.672,97. “Conforme ‘print’ de 16.07.2024 extraído da área da insolvente na plataforma informática da AT junto com o pedido de apresentação à insolvência consta que o crédito da ATA junto da sociedade devedora ascende à quantia de 149.361,73€. “Conforme ‘print’ de 16.07.2024 extraído da área da insolvente na plataforma informática ‘Segurança Social Direta’ junto com o pedido de apresentação à insolvência consta que o crédito da Segurança Social junto da sociedade devedora ascende à quantia de 22.058,46€. * Fundamentação de Direito O dispositivo da sentença recorrida, sob o ponto d) contém a seguinte disposição: “d) Determina a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.” Nas contra alegações diz o Ministério Publico que, nos termos do previsto no artigo 191º nº1 al. c) do CIRE, não deverá constar na sentença a menção do artigo 189º nº 2, al. d) do CIRE, porquanto por despacho judicial proferido em 7/10/2024, foi determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência com caráter limitado, nos termos do disposto nos artigos 191º e 188º do CIRE, na sequência do requerimento do Sr. Administrador da Insolvência de 27/09/2024 e da sentença de declaração da insolvência proferida em 7/08/2024, não tendo sido requerido o complemento da mesma (cfr. artigo 39º nºs 1 e 3 do CIRE). Com efeito, e como resulta do relatório supra, por sentença proferida em 07.08.2024, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade “AA” Unipessoal Lda., tendo-se concluído na própria sentença, pela insuficiência do património da devedora para a satisfação das custas do processo e dívidas previsíveis da massa insolvente, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 39º do CIRE. No prazo previsto no art.º 39º, n.º 2, al. a), do CIRE, não foi requerido que a sentença fosse complementada com as restantes menções do art.º 36º do CIRE. Em 8/04/2025 (ref. n.º ---) foi proferida decisão com o seguinte teor: «1 – Declaro findo, o presente processo em que foi declarada a insolvência de “AA” Unipessoal Lda, NIPC (…), com sede (…)// 2 – A Devedora não fica privada dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência – art.º 39º, n.º 7, al. a), do CIRE;// 3 – Qualquer legitimado pode instaurar a todo o tempo novo processo de insolvência, mas o prosseguimento dos autos depende de que seja depositado à ordem do tribunal o montante que o juiz entenda razoavelmente necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente – art.º 39º, n.º 7, al. d), do CIRE.» O Sr. Administrador da Insolvência no cumprimento do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 191º do CIRE, veio solicitar a abertura do incidente de qualificação de Insolvência, bem como solicitar que a insolvência da “AA”, Unipessoal Lda. seja qualificada como culposa, sendo afetada por tal qualificação o Sr. “B”, sócio-gerente da empresa. Por despacho de 7.10.2024 foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, nos seguintes termos: «(…) porquanto no caso concreto vieram a ser apresentadas alegações por escrito pela requerente nos termos e prazo previstos no art.º 191º e 188º, n.º 1, do CIRE, não sendo a pretensão de qualificação da insolvência como culposa manifestamente improcedente, cumpre declarar aberto o incidente respetivo. Pelo exposto: a) Declaro aberto o incidente de qualificação nos presentes autos de insolvência em que foi declara a insolvência de “AA” Unipessoal Lda, NIPC (…), com sede (…);(…)» Ou seja, o presente incidente assume, nos termos do disposto no art.º 191º do CIRE caráter limitado. De acordo com o n.º 1 do artigo 39.º, concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto e na sentença de declaração de insolvência apenas ordena o cumprimento das alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado. Verificando-se a situação prevista no n.º 1 do artigo 39.º qualquer interessado pode requerer que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36.º, o mesmo é dizer qualquer interessado pode requerer que o processo de insolvência prossiga de acordo com o modelo comum previsto para a insolvência com carácter pleno, o que, no caso dos autos, não se verificou. Nos termos do n.º 1 do artigo 191.º o incidente limitado de qualificação de insolvência aplica-se nos casos previstos no n.º 1 do artigo 39.º e n.º 5 do artigo 232.º, isto é, pode este incidente ter caráter limitado, o que acontece sempre que o Juiz concluir que há insuficiência da massa insolvente, ou seja, que o valor do património ativo (bens e direitos) do insolvente não é presumivelmente suficiente para satisfazer as custas do processo de insolvência e as demais dívidas da massa insolvente. O regime do incidente limitado de qualificação de insolvência é moldado sobre o do incidente pleno (art. 188º e 189º do CIRE), mas comporta aspetos específicos que dele se afastam. Assim, dispõe a parte final do corpo do n.º1 do art.º 191º do CIRE, constando as adaptações que devem ser feitas aos arts. 188º e 189º das alíneas do n.º1 e do n.º2. (apud Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa Anotado, 3ª edição, pág. 700). A alínea do n.º1 do art.º 191º comtempla o conteúdo da sentença estabelecido para o incidente pleno nas alíneas do n.º2 do art.º 189º, sendo as especificidades em relação ao regime ali consagrado não ter a sentença que dispor sobre a matéria da alínea d): «perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.» Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Ob. Cit., pág. 701, a justificação deste regime particular reside, como é manifesto, na insuficiência da massa insolvente e no consequente encerramento do processo. Não obstante, na sentença recorrida, sob o ponto d) determinou-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente. Nas conclusões de recurso, que, como se disse, delimitam o seu objeto, nada foi suscitado pelo apelante, de maneira que, em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, de modo que, constituindo tal decisão manifesto erro de direito, a este Tribunal está vedado o seu conhecimento. Sem embargo, e pese embora, ser manifesto o erro na aplicação do normativo prescrito no art.º 189º, n.º1, al. d) do CIRE por força do disposto no art.191º, n.º1, al. c) em causa, facto é que aquela determinação, no caso dos autos, conclui-se ser inócua porquanto se refere aos créditos reconhecidos no processo, os quais, são inexistentes, em face do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto no art.º 39º do CIRE. * I. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação. Por sua vez, defende o requerido/recorrente que a douta sentença omite totalmente a legal fundamentação do seu decisório da inibição do recorrente para administrar patrimónios de terceiros durante um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, da inibição do mesmo recorrente para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e bem assim quanto à sua condenação no montante dos créditos que não vierem a ser satisfeitos no âmbito deste processo insolvencial até às forças do seu património, segundo o critério aritmético da diferença entre o resultado da liquidação (entendido como sendo o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa bem como da remuneração variável do Sr. AI) e o valor dos créditos que obtenham pagamento, o que a ser como defende, integraria a nulidade da sentença prevista no art.º 615º, n.º1, al. b) do CPC que ocorre quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. O Tribunal recorrido não se pronunciou quanto às invocadas nulidades, como o impõe o artigo 617.º, n.º 1, do CPC. Não obstante, considera-se não ser indispensável mandar baixar o processo para esse efeito (como previsto no n.º 5 do referido preceito), razão pela qual das mesmas se conhecerá desde já. Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz, b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e) condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Como se disse, invoca o recorrente a nulidade prevista na al. b), nos termos da qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É consensual na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2024, processo n.º 754/19.0T8VNG-C.P1, relatora Manuela Machado, disponível em dgsi.pt). Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. Conforme mencionado supra, a al. b), do nº 1, do art.º 615.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art.º 607.º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Está, assim, em causa o disposto no art.º 154.º do CPC, o qual dispõem que: «1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. //«2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade». Este dever de fundamentação resulta de imperativo constitucional, tendo em atenção o art.º 205.º, n.º 1 da CRP que estabelece que: «1. As decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/11/2020, processo n.º 1307/20.6T8VNF-A.G1, relator Jorge Teixeira: “Este dever de fundamentação cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.” Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Ob Cit., Vol. 1.º, pág. 329) dizem que: «Hoje, o preceito constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente (art.º 152º, n.º 4) não carece, por sua natureza, de ser fundamentado (já assim entendia Anselmo de Castro, Direito Processual Civil cit., III ps. 46-47), outro sendo o caso de toda a decisão, que direta ou indiretamente, interfira no conflito de interesses entre as partes». Por sua vez, refere Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, págs. 688 e 689, para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Também a este propósito Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 221) escreve que «(...) esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 CRP e artigo 158º, n° 1 CPC). O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível». No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 669., afirmando que "... há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2019, proferido no processo 19/14.4T8VVD.G1.S1, se conclui em termos idênticos: “1. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”. Ou seja, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão, quando exista uma falta absoluta de fundamentação, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial. Maria do Rosário Epifânio (in “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., pág. 164), referindo-se à inibição prevista na alínea b), escreve que esta “apresenta uma dupla faceta preventiva e sancionatória: por um lado, destina-se a proteger terceiros que poderiam ver os seus patrimónios prejudicados pela atuação de pessoa que não oferece a confiança necessária; por outro lado, tem um carácter repressivo, pois não se aplica às hipóteses de culpa leve.” E, mais adiante, reportando-se agora à inibição mencionada na alínea c) (in ob. cit., págs. 166/167), diz-nos que os critérios orientadores da decisão não estão previstos na lei, escrevendo, em seguida, que “a doutrina tem entendido que o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência ou o seu agravamento…”. Na jurisprudência tem-se entendido igualmente que os períodos de inibição relativos às pessoas afetadas pela qualificação da insolvência a que se referem as alíneas b) e c) devem ser graduados em função da gravidade do seu comportamento e da sua relevância na verificação da situação de insolvência, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e a moldura abstrata de inibição prevista pelo legislador (neste sentido, por ex., os Acórdãos da Relação de Guimarães de 20/9/2018, proc. 7763/16.0 8VNF-A.G1 e de 25/6/2015, proc. 293/12.0TBVCT-A.G1; o Acórdão da Relação do Porto de 8/3/2019, proc. 2538/15.6T8AVR-D.P1). Deste modo, terá o juiz que se ater à factualidade dada como provada nos autos, para fixar o período de inibição. Feitas estas considerações, no caso em apreço é nosso entendimento que quanto a este segmento decisório não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Quanto a esta questão em particular, na sentença recorrida fez-se constar o seguinte: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, e ao abrigo do disposto no art.º 186º, n.ºs 1 e 2, als. d) e h) do CIRE, a insolvência da sociedade “AA” Unipessoal Lda, é qualificada como culposa, sendo afetado por esta qualificação o seu gerente “B”.// No entanto, e como estamos ante uma sociedade comercial, tendo sido atingida a conclusão de que os seus administradores devem ser abrangidos pela qualificação da insolvência como culposa, há que decretar a inibição da pessoa afetada pela qualificação da insolvência para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos, nos termos previstos no art.º 189º, n.º 2, al. b), do CIRE, que, no caso em apreço, ponderando os factos apurados e a gravidade dos mesmos, se fixa no período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. // No tocante à medida da inibição para o exercício do comércio e ocupação, em geral de cargos sociais, ponderando os factos apurados e a gravidade dos mesmos, o tribunal entende adequado fixar em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses o período de inibição.» Ora, no caso, este segmento da decisão recorrida foi sintética mas perfeitamente entendível, de modo que não se pode dizer que não fosse motivada. Ou seja, neste segmento da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que a Mma. Juiz a quo na ponderação do período de inibição que fixou, ateve-se concretamente à matéria de facto relevante para a decisão, ponderando os factos apurados e a gravidade dos mesmos, subsumindo a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, terminando por fixar o período de inibição em dois anos e seis meses, muito próximo do mínimo legal. Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, caso assim o entendessem. Em conclusão, resulta de tudo exposto que, neste segmento, a decisão proferida contém fundamentos, não enfermando por isso da nulidade prevista no art.º 615º, nº 1, als. b) do CPC, uma vez que dá observância ao dever de fundamentação, quer de facto, quer de direito. Improcede, assim, nesta parte a apelação. Quanto ao mais, v.g., a nulidade decorrente da falta de fundamentação quanto ao disposto no segmento decisório sob o ponto e) do qual consta: “Condeno “B” a indemnizar os credores da sociedade no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença.” Nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados. O n.º 4, por sua vez, determina que ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença. O montante da indemnização devida corresponde ao montante dos prejuízos sofridos, nunca ultrapassando o valor dos créditos não satisfeitos. O concreto montante indemnizatório determina-se por via da medida da contribuição do devedor da indemnização para a verificação dos danos patrimoniais em causa (Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 15702/2022, processo n.º 135/20.3T8SEI-C.C1, relatora Maria Catarina Gonçalves e do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2024, processo n.º 598/20.7T8OLH-A.E1, relatora Isabel de Matos Peixoto Imaginário). Diz-nos Catarina Serra, in O Incidente de Qualificação da Insolvência depois da Lei n.º 9/2022, Julgar, n.º 48, 2022, pág. 29 que a referência legal à força dos patrimónios não implica na ponderação da situação patrimonial dos sujeitos obrigados à indemnização. Não é de atribuir a tal referência mais significado do que o de reiterar o que já resulta do disposto no artigo 601.º do CC, no sentido de que o devedor responde com todo o seu património pelas suas obrigações. (…) A possibilidade de fazer refletir a situação patrimonial ou económica da indemnização está prevista na lei civil mas (…) apenas para o caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa (cfr. artigo 494.º do CC) – o que (…) não acontece aqui. Como se assinala no Acórdão STJ de 22/06/2021, processo n.º 439/15: III - Assim, no caso de indemnização consagrada no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que o afetado alegou e provou em sua “defesa”) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas. IV - E entre as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o fator/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o fator/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização. V - Não perdendo o juiz de vista, na fixação das indemnizações, que a responsabilidade consagrada no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE (sobre as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa) tem uma função/cariz misto, ou seja, sem prejuízo da sua função/cariz ressarcitório, tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória (da pessoa afetada/culpada na insolvência), pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável. VI - Será o caso – em que um gerente (afetado pela qualificação) é (sem desproporção) condenado a indemnizar os credores da devedora/insolvente no montante de todos os créditos reconhecidos não satisfeitos – de quem, em violação grosseira dos deveres gerais de gerente, passa a atividade duma sociedade de construção civil para outra sociedade (com atividade concorrente) de que também é sócio-gerente, deixando a primeira apenas com dívidas (e insolvente).” Termos em que se conclui que “é preciso apurar a diferença entre a situação que existe e a situação que existiria se a conduta ilícita não tivesse tido lugar – apurar, mais precisamente, o dano diferencial (…) Cumpre ao juiz discriminar (…) entre as condutas criadoras e as condutas agravadoras da situação de insolvência. Na prática, o dano causado pelas primeiras é suscetível de se aproximar do montante dos créditos não satisfeitos. Relativamente ao dano causado pelas segundas, esta proximidade nunca se verifica. (cf. Catarina Serra, ob. cit., pág. 31). Da leitura da decisão recorrida, no que concerne à fundamentação de direito decorre à saciedade que é total a ausência de fundamentação que sustente juridicamente o que ali foi decidido quanto ao montante da indemnização em que foi condenado. Isto é, não se encontram indicados os fundamentos de direito em que assenta, pelo que se impõe concluir que a mesma padece do vício de falta de fundamentação que lhe é imputado, nessa medida sendo nula, procedendo, nesta parte e quanto ao segmento decisório constante da alínea e) a nulidade arguida. Nos termos do art.º 615.º n.º 4 do CPC, sendo recorrível a decisão, a nulidade de falta de fundamentação deve ser invocada nesta sede. Como sintetizou Rui Pinto (in Os meios reclamatórios comuns da decisão civil - artigos 613.º a 617.º CPC¸ Revista Julgar Digital, 2020 pág. 39) subindo o recurso, se vier a ser julgada procedente a arguição de nulidade, a decisão será revogada e substituída por decisão expurgada do vício. Essa nova decisão poderá ser proferida pela Relação, ao abrigo do artigo 665.º, mas, nos casos do artigo 662.º, n.º 2, als. c), segunda parte, e d), pode aquela determinar que ela seja proferida pelo tribunal recorrido. Quer isto dizer, portanto, que esta instância recursória deve conhecer do vício e decidir a questão, a menos que entenda que a prova se mostra insuficiente para tanto e deva ser completada pelo Tribunal a quo. Concluindo-se pela verificação da nulidade arguida, o suprimento da mesma pela Relação ao abrigo da regra da substituição importa, ainda assim e primeiramente, avaliar se se verificam ou não preenchidos os pressupostos para a qualificar a insolvência da devedora como culposa, os quais são, igualmente, postos em causa no presente recurso, para, e após, decidir a questão da indemnização ao abrigo do artigo 665.º do CPC, no caso da improcedência dos fundamentos do recurso. II. Na sentença recorrida concluiu-se pela qualificação da insolvência da sociedade “AA” Unipessoal Lda. como culposa com fundamento na verificação da previsão no disposto no art.º 186º, n.ºs 1 e 2, als. d) e h) do CIRE, declarando como afetado por essa qualificação apenas o gerente da insolvente, “B”. No recurso interposto, defende o recorrente que as condutas não são subsumíveis ao art.º 186º do CIRE, não resultando estabelecido da matéria de facto provada o nexo de causalidade entre as condutas do recorrente e a criação ou agravamento da situação de insolvência da devedora, o que é determinante para a qualificação da insolvência (conclusões B e C). O preceito legal convocado para apreciação das questões é o artigo 186º, n.º 2 e n.º 3 e 189º, n.º2, ambos do CIRE, que estabelece o seguinte: art.º 186º - (…) 2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma catividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º. 3 - Presume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial. O incidente de qualificação destina-se a averiguar se a situação insolvencial é mera consequência de acontecimentos fortuitos, ou se, pelo contrário, é consequência de uma atuação culposa do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, quando estes tenham, nos 3 anos anteriores ao início do processo, de forma dolosa ou gravemente negligente, atuado de forma a impossibilitar o cumprimento das obrigações perante os credores ou, pelo menos, praticado factos que agravaram o risco de tal vir a ocorrer. O citado art.º 186º, depois de no seu n.º 1 fixar uma noção geral de insolvência culposa, declarando, genericamente, que a insolvência é culposa “quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” estabelece nos seus nºs 2 e 3 um conjunto de presunções que assumem caráter taxativo. Para auxiliar a tarefa probatória, o CIRE veio consagrar o denominado duplo sistema de presunções legais, sendo que o nº 2 da referida norma contém um elenco de presunções juris et de jure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente; por seu turno, no nº 3 consagra-se um conjunto de presunções juris tantum de culpa grave desses administradores. Como sublinha Carneiro da Frada (in A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Revista da Ordem dos Advogados, consultado in https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/manuel-a-carneiro-da-frada-a-responsabilidade-dos-administradores-na-insolvencia/), a opção por esta técnica legislativa justifica-se pela necessidade de garantir uma maior “eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originaram ou agravaram insolvências”, favorecendo, para além disso, a previsibilidade e a rapidez da apreciação judicial dos comportamentos. No concernente às presunções do primeiro tipo, dizem-nos Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, pág. 680, que uma vez demonstrado o facto nelas enunciado (base da presunção), fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador (isto é, a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a inobservância dos comportamentos tipicamente descritos nas diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento. (sublinhado nosso) No mesmo sentido Maria do Rosário Epifânio, in Ob. Cit., pág. 160, onde afirma que se tratando de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no n.º 2 do art.º 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato. Na jurisprudência cf. o Acórdão desta secção de 13/09/2024, proferido no processo n.º 2024/13.9TYLSB-A.L1, relatora Manuela Espadaneira Lopes, onde se lê que: “I - Contrariamente ao que se verifica relativamente ao tipificado no nº3 do art.186º do CIRE - que apenas consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave -, o apuramento de factualidade integradora do previsto na alínea h) do nº 2 – e nas demais alíneas desse normativo - consubstancia presunção inilidível ou presunção “jure et de jure”, da qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento. II- Naturalmente que esta presunção não determina que o afectado fique impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa, estando dessa forma garantido o direito previsto constitucionalmente a um processo equitativo. (…)”. Já no que diz respeito ao âmbito objetivo das presunções estabelecidas no nº 3 do art.º 186º, consagra-se apenas uma presunção de culpa grave, que não também de presunção do respetivo nexo causal.” Assim sendo, tendo o Tribunal a quo julgado verificado o preenchimentos da presunção ínsita nas alíneas d) e h) do n.º2 do art.º 186º, resultaria da presunção inilidível ou presunção jure et de jure, como se concluiu, a desnecessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento, como defende o apelante. Deste modo, resta averiguar se as condutas apuradas são subsumíveis às presunções estabelecidas nas alíneas d) e h) do n.º2 do art.º 186º como concluiu o Tribunal recorrido. Nos termos do art.º 186º, nºs 1 e 2, al. d), a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, considerando-se sempre culposa a insolvência do devedor quando não seja uma pessoa singular quando os seus administradores de direito ou de facto, tenham disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros. Importa pois concluir, em primeiro lugar, face ao disposto no n.º 1, do artigo 186º, do CIRE, que são requisitos para que a insolvência seja qualificada como culposa: - a existência de facto ou factos reportados à atuação ou omissão, pelo devedor ou pelos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; - a culpa qualificada destes, consubstanciada em dolo ou culpa grave; - a existência de nexo causal entre as referidas atuações e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Quanto ao n.º 2 estabelece o mesmo, como vimos, presunções legais que não admitem prova em contrário de culpa e de causalidade, sem que, todavia, o afetado fique impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa. Vejamos em particular a presunção estabelecida na alínea d). A seu propósito refere-se no Acórdão desta secção de 4/06/2024, processo n.º 1207/2020.0T8SNT-A.L1, Relatora Manuela Espadaneira Lopes, disponível em www.dsi.pt, que: “Para o efeito da alínea d) do nº 2 deste preceito legal, tem-se entendido que os comportamentos ali previstos tanto são aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor – por exemplo venda ou a doação dos bens -, como os que, embora não implicando necessariamente a saída dos bens do património do devedor, retiram-lhe, no entanto, a disponibilidade, colocando-os na disponibilidade de outrem. Exige ainda o legislador que o ato de disposição seja feito em proveito pessoal “dos administradores ou de terceiros”. Por seu turno, também no Acórdão desta secção de 02.10.2023, processo n.º 1941-13.0TYLSB-A.L1, Relatora, Amélia Sofia Rebelo, (aqui segunda adjunta) escreveu-se que: “No contexto destes princípios e finalidade, a qualificativa prevista pela al. d), tal como as previstas pelas als. e), f) e g), assumem uma função de pré-proteção dos credores do devedor em situação de insolvência atual ou iminente, sancionando condutas suscetíveis de em abstrato lesar o património e prejudicar a solvabilidade do devedor, independentemente da verificação do perigo concreto de conduzirem a essa situação. Exige ‘apenas’ que de qualquer um dos atos ali previstos resulte benefício para o administrador que o praticou ou para terceiro especialmente relacionado com o devedor nos termos taxativamente previstos pelo art.º 49º, enquanto manifestação sintomática da violação do específico dever de fidelidade a que o administrador está vinculado na gestão do património que lhe está confiado e, assim, daquele perigo (abstrato) de lesão do património e da solvabilidade do respetivo titular. É por referência a estes princípios – da garantia patrimonial e de tratamento igualitário dos credores sociais - que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o facto qualificador da insolvência previsto pela al. d)”. Concluindo, “disposição” é a forma de exercício de um direito que tem como consequência a sua perda, total ou parcial, absoluta ou relativa” e “ato de disposição“ é um ato que implica a alienação de direitos de um património, ou a sua oneração, tendo como efeito a diminuição deste ou a alteração da sua composição, no que respeita aos seus elementos estáveis. Exige-se ainda o preenchimento da noção de proveito pessoal ou de terceiros (cf. Acórdão desta secção de 26/11/2024, processo n.º 2860/21.2T8VFX-C.L1-1, relatora Fátima Reis Silva). Por outro lado, para o preenchimento do tipo do art.º 186º do CIRE a lei não exige qualquer elemento subjetivo adicional (intenção de prejudicar credores), ao contrário do pugnado pelo apelante (conclusões G e H). Vejamos pois o caso em concreto, tendo-se desde logo como pressuposto que o período relevante em análise para os efeitos do nº 1, do art.º 186º, do CIRE, é o decorrido entre 17.09.2021 e 17.09.2024. Importa apurar, tendo em atenção o supra referido, antes de mais se se verifica, por parte da devedora ou do seu gerente, a disposição de bens da primeira em proveito pessoal ou de terceiros. Na sentença recorrida considerou o Tribunal a quo o preenchimento desta alínea por referência aos factos provados em 4) a 7), tendo-se demonstrado que foi retirado dinheiro da empresa para pagamento a determinados credores, e ainda que houve transferências de valores injustificadas entre a empresa e o seu sócio gerente, concluindo-se que: “o proposto afetado pela qualificação da insolvência dispôs de bens da Insolvente em proveito pessoal ou de terceiros, estando, por conseguinte, preenchida a citada al. d) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE. Cabia ao proposto afectado, o que não fez, demonstrar, quer os valores por si injectados na empresa, quer o destino que lhes foi dado, quer o destino dado aos valores retirados da empresa para que o Tribunal pudesse aferir da bondade da sua atuação. Nada provando, mais não resta do julgar preenchida a alínea d) do nº 2 do artº 186 do CIRE.” Ora, o que releva dos factos provados para a qualificação da insolvência, designadamente dos factos 5) a 7) e dos factos relativos às rubricas da contabilidades reportadas no balancete analítico do ano de 2023, completando a subsunção dos factos provados à alínea d) do nº 2 do art.º 186º é o facto de o recorrente ter disposto da tesouraria da sociedade, transferindo dinheiro da sociedade para a sua conta pessoal. Por outro lado, o que resulta do facto 7, como o próprio reconheceu, é que foram pagas, da sua conta pessoal, as dívidas a fornecedores e particulares – que assim constam como pagas no balancete analítico de 2023 (contas 22, 23, 24) e deixou de fora, os credores do Estado (a AT e a Segurança Social), os quais, beneficiam de privilégio creditório face a créditos de fornecedores que, por regra, são comuns. Ou seja, das rubricas inscritas no balancete analítico de 2023 resulta que as dividas aos credores particulares (fornecedores) foram pagas e que, para além desses pagamentos, o apelante retirou dinheiro da sociedade, como consta inscrito no saldo devedor nas contas 26 e 27, no montante total de 369.282,46€. Significa que esta quantia não existia disponível para apreensão no momento da declaração da insolvência. Ao transferir valores da conta da devedora para a sua conta pessoal, levou a efeito ato de disposição do qual resultou a diminuição do ativo da devedora, com consequente diminuição do valor da massa insolvente constituída com a sua declaração de insolvência, e consequente agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência. Por outro lado, tendo pago, como provado no facto 7), as dividas aos fornecedores particulares, deixando de satisfazer os créditos do Estado (AT e Segurança Social), esta sua conduta, constitui, como se escreveu no Acórdão desta secção de 06/06/22, processo n.º 643/13.2TYLSB-F.L1-1, relatora Amélia Rebelo, “prática de favorecimento a credor em detrimento de todos os demais credores que, assim, ficaram afastados da possibilidade de, através do devido rateio, concorrerem ao “produto” da venda do bem ou bens. Está aqui em causa uma violação do princípio da igualdade. Apenas, como se refere no já citado Acórdão desta secção de 26/11/2024, quando muito claramente o credor “escolhido” não seja beneficiado com o pagamento – como quando o produto da venda de um imóvel é utilizado para ressarcir o crédito hipotecário que recaía sobre o bem em causa, o qual teria sempre prioridade no pagamento – é que esta atividade do devedor de selecionar a quem paga não será censurável à luz da violação do princípio da igualdade dos credores e da al. d) do nº2 do art.º 186º do CIRE. Concluindo, verifica-se, como se concluiu no sentença sob recurso, o preenchimento da alínea d) do n.º2 do art.º 186º do CIRE. * Resta aferir do preenchimento dos pressupostos enunciados na alínea h) do n.º2 do art.º 186º que a sentença recorrida julgou igualmente verificado, nos termos da qual se considera a insolvência culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, considerando-se sempre culposa a insolvência do devedor quando não seja uma pessoa singular quando os seus administradores tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. A sentença recorrida concluiu pela verificação desta circunstância qualificativa por referência à ausência de documentos contabilísticos relativos às entradas e saídas de valores das contas da Insolvente, gerando assim uma manifesta desconformidade nos resultados apresentados, e fazendo com que a contabilidade da Insolvente não traduza a verdade, não permitindo aferir o destino dado a tais verbas, prejudicando, de forma relevante, a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora. Vejamos, se assim é. São três as situações que podem servir de base a esta presunção: i) o incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada; ii) a manutenção de uma contabilidade fictícia ou de uma dupla contabilidade; iii) a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. Atentos ao factos provados, não está em causa o incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada ou a manutenção de uma contabilidade fictícia ou de uma dupla contabilidade. A obrigação de dispor de contabilidade organizada recai, por força do artigo 123.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), sobre as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como sobre as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável. Esta obrigação visa, primacialmente, permitir o apuramento e o controlo do lucro tributável, como decorre daquela norma, conjugada com o artigo 17.º do CIRC, maxime o seu n.º 3. Para esse efeito, a contabilidade deve, para além do mais, refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo a que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes; todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras. Segundo Luís Brito Correia, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/10/2020, proferido no processo n.º 1373/17.T8CHV.G1, relator Heitor Gonçalves, «chama-se contabilidade à compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais” (Direito Comercial, I-257), devendo a sua elaboração ser orientada segundo os princípios de clareza e de verdade, por isso implica o arquivo em pastas próprias, por ordem cronológica, de todos os documentos relativos a actos com expressão patrimonial (v.g. compras e vendas, entradas e saídas de caixa e operações bancárias), de molde a permitir às autoridades públicas a verificação da regularidade tributária e o conhecimento pelos sócios da situação patrimonial da empresa, e servindo também “para verificar a regularidade da actuação do comerciante, nomeadamente em caso de falência, tendo em vista o interesse público” (cfr. obra citada, p. 253)». Em suma, a obrigação de manter contabilidade organizada configura um instrumento destinado a dar a conhecer, de forma completa, rigorosa e fiável, a situação patrimonial e financeira da entidade a que respeita. Logo, nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 14.03.2023, proferido no processo n.º 1937/21.9T8CBR-A.C1, relatora Maria Catarina Gonçalves: “o incumprimento dessa obrigação será substancial quando (…) não fornece uma imagem compreensível, completa e fiável da situação financeira da empresa, seja porque os termos em que foi organizada não permitem ou dificultam, de modo relevante, a exacta interpretação e compreensão da situação financeira que que ali se pretendeu retratar, seja porque induz à percepção de uma situação financeira que diverge, em termos substanciais e relevantes, da real situação da empresa”. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 19/10/2021, proferido no processo n.º 421/19.5T8GMR-A.G1.S1, relator Pinto de Almeida. Consequentemente, as três situações previstas na al. h), do n.º 2, do artigo 186.º, do CIRE, pressupõem a demonstração de um «prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor», expressamente mencionado a respeito da última daquelas situações. Da contabilidade da devedora, de acordo com o seu balancete analítico do ano de 2021 consta que o recorrente era credor da devedora no montante de 188.531,14€, mas, já no final do ano seguinte (2022) a devedora surge credora do seu sócio gerente no montante de 120.000,00€ e, no ano seguinte, pelo montante de 369.282,46€ (contas 26 e 27), ou seja, o que se pode concluir é que, como o próprio assumiu, transferiu valores da conta da sociedade comercial, para a sua conta pessoal. Por outro lado, a contabilidade – balancete analítico de 2023 – revela, também, que todas as dividas a fornecedores e particulares, estão pagas e por isso “eliminadas” (como provado em 7). Ou seja, o que a contabilidade da devedora espelha é que as dividas a fornecedores, prestadores de serviço e pessoal se mostram pagas (tal como provado em 7) que, para além desses pagamentos contabilisticamente registados, as dividas ao Estado não estão pagas e, finalmente, que o apelante retirou dinheiro da sociedade, constando esta como credora dele no montante de 369.282,46€ (contas 62 e 63). Em face dos elementos apurados nos autos (e porque nenhuma prova foi produzida sobre a real situação financeira da sociedade) e restando-nos o que a contabilidade transparece, não estamos em condições de afirmar que exista irregularidade substancial na contabilidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. E, assim sendo, não podemos subscrever a afirmação constante da sentença recorrida no sentido de que a contabilidade da Insolvente não traduza a verdade tendo ficado «demonstrado que o proposto afectado não gerou documentos contabilísticos referentes às entradas e saídas de valores das contas da Insolvente, gerando assim uma manifesta desconformidade nos resultados apresentados, e fazendo com que a contabilidade da Insolvente não traduza a verdade, não permitindo aferir o destino dado a tais verbas, prejudicando, de forma relevante, a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora, pela singela razão de que tal não resulta da factualidade apurada nos autos. Por outro lado, apesar da substancial divergência entre o valor das dívidas ao Estado inscritas na contabilidade (cerca de €25.000,00) e o que o próprio recorrente assumiu existir quando apresentou a devedora à insolvência, daí não é possível extrair que as contas de 2023 não refletem a situação existente a 31.12.2023 na medida em que se desconhece se os valores totais das dívidas que em 16.07.2024 constavam inscritos na área da devedora nas plataformas da AT e da SS existiam já em 2023. Em face do exposto, haverá que concluir pelo não preenchimento da presunção inilidível de insolvência culposa, prevista na alínea h) do n.º1, do art. 186º do CIRE. * Da obrigação de indemnizar Como se deixou dito, sob o ponto I, a sentença recorrida, no segmento decisório sob o ponto e) consta o seguinte: “Condeno “B” a indemnizar os credores da sociedade no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença.” tendo-se ali concluído que omitiu a fundamentação de direito, por referência aos factos demonstrados e que motivaram a condenação prevista na alínea e) do n.º2 do art.º 189º do CIRE, determinando a sua nulidade por falta de fundamentação (art.º 615º, n.º1, al. b) do CPC) como se concluiu, cumprindo a este Tribunal, revogar a decisão proferida e substituí-la por decisão expurgada do vício, ao abrigo do artigo 665.º do CPC. Como se exarou-se sob o ponto II resultou demonstrado o nexo de causalidade da conduta culposa do recorrente e o agravamento da situação de insolvência da devedora. Quanto aos danos concretos, não se encontrando liquidados, devendo ter-se por limite máximo o valor de 369.282,46€ (correspondente ao valor do crédito da devedora sobre o recorrente). O apelante foi condenado a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença. Assiste razão ao recorrente quando alega que não foram indicados os critérios a aplicar para a quantificação dos prejuízos a indemnizar. Decorre do n.º 4 do artigo 189.º do CIRE que, não sendo possível a fixação do valor das indemnizações devidas em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, o juiz deve fixar os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença. Na fixação de tais critérios, em ordem a apurar o denominado dano diferencial, cabe considerar o seguinte: - o processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e dívidas da massa insolvente; - a conduta ilícita e culposa do apelante consubstanciou-se na dissipação de bens que constituíam o ativo da insolvente e na afetação desses bens ao pagamento de fornecedores, deixando de pagar os créditos do Estado em violação das garantias de que este (Segurança Social e AT) seria beneficiário, em violação do Princípio da per conditio creditorum, isto é, impedindo que ativos da devedora fossem distribuídos entre os credores de forma proporcional aos seus créditos, respeitando a ordem legal de preferência. - dos autos não resulta que a apontada conduta do apelante tenha sido causa exclusiva da situação de insolvência. Neste enquadramento, afigura-se ser de fixar a indemnização em função do valor dos créditos da insolvente sobre o devedor inscritos na contabilidade nos exercícios de 2022 e 2023 e de cujo destino se desconhece (que integrariam a massa insolvente e viabilizariam a satisfação, ainda que parcial, dos créditos), sem prejuízo de outros, a apurar em sede de liquidação de sentença, até ao montante máximo de 369.282,46€ (trezentos e sessenta e nove mil, duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos). * IV - DECISÃO Perante o exposto, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga o teor da alínea e) do segmento condenatório da decisão recorrida, passando a contemplar a seguinte redação: e) Condenar “B” a indemnizar os credores da Insolvente pelo valor dos danos sofridos até ao máximo de 369.282,46€ (trezentos e sessenta e nove mil, duzentos e oitenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos), a apurar em sede de liquidação de sentença. No mais, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente na proporção de 2/3, do mais estando isento o M.º P.º. Lisboa, 16 de setembro de 2025 Susana Santos Silva Ana Rute Costa Pereira Amélia Sofia Rebelo |