Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4028/09.7TVLSB-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PENHORA
REDUÇÃO
ISENÇÃO
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: I - Além do recurso do despacho determinativo da penhora, o incidente de oposição à penhora é o único meio ao alcance do executado para fazer valer a impenhorabilidade objectiva de bens que, embora lhe pertencendo, não podiam ser atingidos pela diligência.
II – Porém, as situações justificativas de redução e isenção da penhora previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 824.º do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3, não carecem de ser invocadas em sede de oposição à penhora, podendo resultar não só de decisão oficiosa do juiz, proferida face a elementos que constem nos autos, como de simples requerimento deduzido pelo executado.
III - O requerimento inicialmente apreciado, de redução da penhora para 1/6, não obsta a que o tribunal posteriormente se decida pela isenção total da penhora, maxime com base em novo requerimento do executado.
IV - A isenção impõe-se quando da penhora do vencimento, mesmo em montante inferior a 1/6, resulte um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional, sendo o montante deste a referência para se aferir do «mínimo de subsistência» tendo em atenção o princípio constitucional da dignidade humana prevenido na CRP.
V – Se a executada se conformou com o decretamento da penhora ordenada em 08.11.2007 e com os descontos efectuados, tendo-se limitado a requerer a redução da penhora para 1/6, o que foi deferido por despacho datado de 01.4.2008, que transitou em julgado e só em 24.9.2008 é que a executada veio questionar a penhora da totalidade do seu vencimento, a apreensão das verbas descontadas na retribuição da executada até 24.9.2008 é situação consolidada, acobertada por caso julgado formal, pelo que a executada terá tão só direito à restituição dos descontos operados a partir de 24.9.2008.
(Sumário do Relator - JL)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1. Em 06.5.1996 Soficre, S.A., instaurou nas Varas Cíveis de Lisboa acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra B... e C....
2. A exequente alegou, em síntese, ser portadora de uma livrança subscrita pelos executados, no valor de Esc. 921 174$00, vencida em 12.4.1996, a qual titula um empréstimo concedido pela exequente aos executados; estes não pagaram a livrança, apesar de para tal terem sido interpelados pela exequente.
3. A exequente terminou pedindo que os executados fossem citados para lhe pagarem o capital em dívida, acrescido de juros de mora no valor de Esc. 9 464$00, vencidos até 06.05.1996, mais imposto de selo sobre os juros e ainda juros vincendos até pagamento do devido, ou então a nomearem bens à penhora, sob pena de tal direito ser devolvido à exequente.
4. Os executados foram citados para a execução, não pagaram e nada disseram.
5. Em 31.10.2007 a exequente nomeou à penhora 1/3 do vencimento auferido pela executada B... na sociedade N..., Lda.
6. Por despacho proferido em 08.11.2007 foi ordenada a penhora em 1/3 do aludido vencimento da executada.
7. Em 01.12.2007 a sociedade N... acusou a recepção da notificação e informou o tribunal de que a executada auferia o vencimento mensal ilíquido de € 403,00 e que iria proceder à penhora solicitada.
8. A executada foi notificada da penhora em 28.01.2008.
9. Em 19.02.2008 a executada requereu que o tribunal efectuasse a penhora do seu vencimento em 1/6 e não em 1/3, em virtude de auferir o salário mínimo nacional, pagar € 250,00 de renda de casa, € 22,65 de passe social, ter o marido desempregado e uma filha menor a estudar, ter um filho com 18 anos que no final do mês já não iria ter contrato de trabalho, e ainda ter de suportar despesas de alimentação, luz e água.
10. A exequente nada disse sobre o requerido.
11. Em 01.4.2008 foi proferido despacho em que, atendendo ao requerido e admitindo a veracidade do alegado pela executada, reduziu-se a penhora para 1/6 do vencimento auferido pela executada.
12. A executada foi notificada deste despacho em 07.4.2008.
13. Em 24.9.2008 a executada veio aos autos requerer o levantamento da penhora, por inconstitucionalidade da norma que permite a penhora de uma parcela do salário mínimo nacional e ainda por impenhorabilidade dos subsídios de Natal e de Férias, devendo ser restituídas as quantias penhoradas desde Novembro de 2007.
14. Juntou documentos.
15. Notificada do requerido, a exequente nada disse.
16. Em 09.10.2008 foi proferido despacho em que se indeferiu o requerido, por se entender que o mesmo configurava uma oposição à penhora e esta tinha sido intempestivamente deduzida.
A executada agravou do aludido despacho, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I. A Recorrente aufere mensalmente o salário mínimo nacional.
II. Como os autos ilustram, a penhora efectuada à Recorrente incide sobre o ordenado mínimo nacional, que é actualmente de 426,00 euros.
III. Esta situação subsiste desde o início da penhora em Novembro de 2007, pois, a Recorrente nunca auferiu na sociedade N... (onde presta serviços como empregada contratada), vencimento superior ao ordenado mínimo nacional.
IV. Presentemente, o valor mensal penhorado sobre o vencimento da Recorrente cifra-se em 78,98 euros.
V. Segundo o n.° 1 do artigo 824.° Código de Processo Civil, são impenhoráveis:
a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado.
b) (...).
VI. Por sua vez, o n.° 2 do mesmo diploma legal, estabelece:
"A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional".
VII. Como sabiamente nos ensina o Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, Volume III, Coimbra Editora, ano 2003, página 357,
"A base de cálculo da parte impenhorável das prestações periódicas abrangidas pelo artigo continua a ser a fracção de dois terços, pelo que só o terço restante dessas prestações está sujeito a penhora. Uma vez, porém, determinado o montante impenhorável, há que confrontá-lo com os valores dependentes do salário mínimo nacional à data de cada apreensão, coincidente com a data do vencimento da prestação (arts. 860-1 e 861-1).
Quando os 2/3 excedam o valor de três salários mínimos nacionais, a impenhorabilidade limita-se a este valor, sendo penhorável, juntamente com o terço restante, a parte dos 2/3 que o exceda. Em compensação, quando os 2/3 sejam inferiores ao valor de um salário mínimo nacional, a parte impenhorável do rendimento eleva-se, coincidindo com o valor deste, desde que se verifiquem dois requisitos: o executado não ter outro rendimento; o crédito exequendo não ser de alimentos. O primeiro requisito entronca na própria razão de ser da salvaguarda constituída pelo artigo 824.°: trata-se de garantir a satisfação das necessidades vitais do executado, que, sendo de outro modo garantidas não carecem da mesma protecção; por isso mesmo, é preciso que o outro rendimento existente subsista (= não seja penhorado) e que adicionado ao montante impenhorável, perfaça ou exceda o valor de um salário mínimo nacional".
VIII. Flui do exposto, que a parte impenhorável, i.e., que ficará como o rendimento efectivamente disponível do executado, tem, um limite mínimo e um limite máximo.
IX. O limite mínimo consiste numa garantia de reserva de um montante equivalente a um salário mínimo, nos termos dos artigos n°s 2 e 3 do artigo 824.°. A penhora efectuada não pode ir mais longe do que esse valor.
X. A Recorrente aufere o salário mínimo nacional e não possui património que gere outros rendimentos, pelos que estão preenchidos os pressupostos necessários para a impenhorabilidade do seu salário.
XI. Pelo que o despacho ora recorrido viola os supra mencionados preceitos legais.
XII. Tal violação não foi extemporaneamente alegada pela Recorrente já que a penhora do salário mínimo nacional de executado que não tenha qualquer outra fonte de rendimentos consubstancia uma inconstitucionalidade, a qual é de conhecimento oficioso.
Vejamos:
XIII. É inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1°, 59°, n.°2, alínea a) e 63°, n°s 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 824°, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora de parte do vencimento auferido pela Recorrente, quando este é de valor não superior ao salário mínimo nacional.
XIV. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 62/02 (Diário da República, II Série, de 11 de Março de 2001, que decidiu:
«Julgar inconstitucionais, por violação do principio da Dignidade Humana contido no princípio do Estado de Direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1° e 63°, n°s 1 e 3, da Constituição da República, os artigos 821° n° 1 e 824° n.° 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido».
Também neste acórdão se entendeu que, «conforme resulta dos citados Acórdãos n°s 349/91 e 411/93, o que é relevante, no confronto com os artigos 13° e 62° da Constituição, para concluir pela legitimidade constitucional da impenhorabilidade é a circunstância de a prestação de segurança social em causa não exceder o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna».
XV. Ainda no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 96/2004, de 11 de Fevereiro de 2004, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Volume 58.0, página 471, onde se pode ler: «A qualquer executado - e não apenas àquele que se encontra numa situação de debilidade, incapacidade laboral ou desprotecção e que, por isso, recebe uma regalia social - deve ser assegurado o mínimo necessário a uma subsistência digna. Ora, esse mínimo necessário a uma subsistência digna não pode manifestamente considerar-se assegurado nos casos em que, não tendo o executado outros bens penhoráveis, se admite a penhora de uma parcela do seu salário e, por essa razão, o executado fica privado da disponibilidade de um montante equivalente ao salário mínimo nacional».
XVI. Acórdão, que decidiu:
«Julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do principio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1°, 59°, n° 2, alínea a), e 63°, n°s 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n° 1 e no n.° 2 do artigo 824° do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional»
XVII. Sem mais considerandos por desnecessários, dúvidas nenhumas subsistem, que alínea a) do n.° 1 e no n.° 2 do artigo 824°do Código de Processo Civil são inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas dos artigos 1°, 59°, n.° 2, alínea a), e 63°, n°s 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Assim como o é o despacho ora recorrido por violação dos mesmos preceitos.
XIX. Ora, o Tribunal conhece oficiosamente a inconstitucionalidade, motivo pelo qual não se poderá invocar a extemporaneidade do pedido de levantamento da penhora, já que, tal conhecimento, devido à inconstitucionalidade mencionada poderá ser feito a qualquer tempo.
XX. Sendo que esta em concreto deveria ter sido desde logo apreciada, oficiosamente, pelo Tribunal.
XXI. Acresce ainda que,
XXII. O montante penhorado mensalmente à Recorrente é presentemente de 78,98 euros.
XXIII. Verifica-se, pois, que naquele montante está incluído a penhora sobre os subsídios de Natal e de Férias, pagos em duodécimos pela entidade empregadora conjuntamente com o ordenado mensal da Recorrente, conforme se pode aferir através do recibo do ordenado mensal, junto como documento n.° 1.
XXIV. Pois, só assim se justifica o montante presentemente penhorado e descontado no recibo mensal da Recorrente (€ 78.98).
XXV. Ora, nos termos no disposto do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 496/80, de 20 de Outubro, os subsídios de Natal e de Férias, são impenhoráveis.
XXVI. Assim sendo, como é, a penhora ao incidir sobre os subsídios de Natal e de Férias da Recorrente, viola claramente aquele diploma legal, assim como o despacho ora recorrido.
XXVII. A Recorrente requereu, junto da Segurança Social, em 10 de Novembro de 2008, o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários de advogados - Vide Doc.4.
XXVIII. Efectivamente, não dispõe a Recorrente de quaisquer meios económicos que lhe permitam custear o processo.
XXIX. Assim, e face à apresentação do pedido de apoio judiciário apresentado, está a Recorrente dispensada do pagamento da taxa de justiça pela apresentação das presentes alegações, protestando-se desde já a junção, em momento posterior do comprovativo do despacho da Segurança Social que conferiu o requerido apoio judiciário.
A agravante terminou pedindo que a decisão recorrida seja revogada e consequentemente seja ordenado o levantamento da penhora que incide sobre o ordenado mínimo nacional auferido pela recorrente, desde o seu início e ainda que seja ordenada a entrega (restituição) à executada de todas as quantias penhoradas e descontadas desde Novembro de 2007, incluídas as referentes aos subsídios de Natal e de Férias.
Não houve contra-alegações.
O tribunal a quo sustentou o despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: extemporaneidade do requerimento apresentado pela executada; em caso negativo, fundamento para levantar a penhora, nomeadamente por força de inconstitucionalidade da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.° 1 e no n.° 2 do artigo 824° do Código de Processo Civil, por violação das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a) e 63º nºs 1 e 3 da CRP.
Primeira questão (extemporaneidade do requerimento apresentado pela executada)
O circunstancialismo a levar em consideração é o supra mencionado no relatório sob os n.ºs 1 a 16.
O Direito
A execução a que este recurso respeita foi instaurada em 1996. Assim, em princípio rege-se pelas regras do CPC anteriores às alterações introduzidas em 01.01.1997 pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, com a redacção prevista pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9 (art.º 16.º do Dec.-Lei n.º 329-A/95). Porém, a penhora ora em apreciação foi ordenada após a entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 329-A/95, pelo que é-lhe aplicável o disposto nos artigos 821.º a 832.º e 837.º-A a 836.º-B do CPC, na redacção emergente do Dec.-Lei n.º 329-A/95 (cfr. art.º 26.º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 329-A/95, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9). Não é aplicável a este processo o regime instituído na execução pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3 (artigos 21.º n.º 1 e 23.º do Dec.-Lei n.º 38/2003).
O art.º 821.º n.º 1 do CPC declara que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Por sua vez no art.º 601.º do Código Civil estipula-se que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.
Assim, a regra é a da penhorabilidade dos bens do devedor, havendo que cuidar, porém, das excepções legalmente previstas ou admissíveis.
Entre essas excepções contam-se as previstas na lei do processo, mais precisamente nos artigos 822.º e seguintes do CPC.
Aqui a lei enuncia bens absoluta ou totalmente impenhoráveis (art.º 822.º), bens relativamente impenhoráveis (art.º 823.º) e bens parcialmente penhoráveis (art.º 824.º).
Confrontado com a nomeação à penhora de bens que estejam abrangidos por qualquer uma dessas situações de impenhorabilidade, o juiz deve indeferir a apreensão do bem nomeado, porque lhe cumpre obstar a que se cometa uma ilegalidade (Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 1.º, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pág. 395).
Porém, pode suceder que seja ordenada e/ou efectivada penhora ilegal, por violar as regras de impenhorabilidade mencionadas.
Antes da reforma do processo civil de 1995/1996, por falta de normas específicas suscitavam-se dúvidas sobre a forma de reagir contra penhoras ilegais.
O Professor Alberto dos Reis entendia que (reportamo-nos a situações de ilegalidade objectiva, ou seja, em que os bens apreendidos pertencem ao executado e não a terceiro não sujeito a execução) quando a ilegalidade não era manifesta ou, sendo-o, o juiz não atentara nela, o executado podia requerer o levantamento da penhora por simples requerimento: não haveria necessidade de interpor recurso do despacho que ordenara a penhora, pois o tribunal proferira um despacho de tarifa, de tabela, não se pronunciara sobre a questão da ilegalidade ora suscitada no requerimento (Alberto dos Reis, obra citada, páginas 395 a 397). Porém, quando o despacho que ordenou a penhora estivesse redigido em termos de dever entender-se que a questão fora vista e resolvida pelo juiz, então o único meio de que o executado podia lançar mão era o agravo do despacho.
O Conselheiro Eurico Lopes-Cardoso defendia que, efectuada penhora ilegal, o executado só podia reagir mediante a interposição de agravo do despacho que a ordenara: a generalização da solução propugnada por Alberto dos Reis conduziria, segundo ele, “ao desmoronamento dum sistema que se baseia na estabilidade das decisões judiciais. Sempre que a decisão ilegal se pudesse presumir fruto da desatenção do julgador, poderia ser modificada a simples requerimento das partes. Ora, isso só é permitido para os erros materiais contemplados pelo artigo 667.º” (Manual da acção executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pág. 340).
O Professor Anselmo de Castro propugnava, além do agravo (que tinha o inconveniente de estar dependente da alçada e a limitações ao nível da apresentação de prova – A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª edição, 1977, Coimbra Editora, pág. 329), o recurso ao chamado embargo-requerimento, por aplicação analógica do regime previsto para a penhora de bens na execução contra o herdeiro (art.º 827.º do CPC), tido como adequado para a apreciação de questões de mero direito e nas de facto a provar por documento e a que se seguiria, caso se chegasse a uma situação de non liquet quanto à matéria de facto, oposição por embargos de terceiro, conforme previa o art.º 827.º do CPC (obra citada, páginas 330 e 331). Para os casos de inapreensabilidade que fosse necessário provar por todos os meios, aplicar-se-ia o regime dos embargos de terceiro do executado, previstos na parte final do n.º 2 do art.º 1037.º (na redacção do CPC de 1961 anterior à reforma de 1995/1996) – cfr. obra citada, páginas 335 e 336.
Por sua vez o Professor Castro Mendes, no que respeita à penhora objectivamente ilegal, distinguia entre impenhorabilidade intrínseca e impenhorabilidade extrínseca (a primeira reporta-se às próprias qualidades materiais ou jurídicas de certo bem – um túmulo, um direito de uso e de habitação – a segunda resulta de uma situação jurídica particular em que o bem ou direito se encontra – um prédio pertencente ao Estado – Direito Processual Civil, Acção executiva, edição da AAFDL, 1980, pág. 81 e 82): no caso de ilegalidade da penhora por violação de impenhorabilidade intrínseca, se o juiz se referisse à causa da impenhorabilidade e a considerasse (mal) irrelevante, recorria-se, se coubesse recurso; nada haveria a fazer se não coubesse; se o juiz não se referisse à razão da impenhorabilidade e então parecesse que não conhecia de uma questão de que devia conhecer, a decisão seria nula, e por conseguinte haveria que arguir a nulidade, por recurso ou reclamação, consoante coubesse ou não recurso (obra citada, páginas 116 e 117). Se a ilegalidade da penhora proviesse de violação duma impenhorabilidade objectiva extrínseca, caberia como meio de reacção os embargos de terceiro, à luz do disposto na parte final do n.º 2 do (antigo) artigo 1037.º do CPC (solução também defendida por Anselmo de Castro, conforme exposto supra). Castro Mendes defendia também a aplicação analógica do regime do protesto imediato efectuado no próprio acto de penhora, previsto no art.º 832.º do CPC para a ilegalidade subjectiva, às situações de ilegalidade objectiva manifesta (obra citada, pág. 119).
Perante este panorama, entendeu por bem o legislador intervir, em termos cujo sentido foi assim expresso no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12:
Institui-se, por um lado – na perspectiva de tutela dos interesses legítimos do sujeito passivo da execução -, uma forma específica de oposição incidental do executado à penhora ilegalmente efectuada, pondo termo ao actual sistema que, não prevendo, em termos genéricos, tal possibilidade, vem suscitando sérias dúvidas na doutrina sobre qual a forma adequada de reagir contra uma penhora ilegal, fora das hipóteses em que o próprio executado é qualificado como terceiro, para efeitos de dedução dos respectivos embargos. Assim, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência – quer por inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda -, pode este opor-se ao acto e requerer o seu levantamento, suscitando quaisquer questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que ordenou a penhora (já que, se o foram, é manifesto que deverá necessariamente recorrer de tal despacho, de modo a obstar que sobre ele passe a recair a força de caso julgado formal)”.
Assim, foi introduzido no CPC o art.º 863.º-A, que dispõe o seguinte:
Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora e requerer o seu levantamento, suscitando questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que a ordenou e que obstem:
a) À admissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou à extensão com que ela foi realizada;
b) À imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) À sua incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
A oposição à penhora constitui um incidente da execução e o respectivo requerimento deve ser apresentado no prazo de 10 dias, contados da data em que deva considerar-se o executado notificado da realização do acto da penhora (n.ºs 1 e 2 do art.º 863.º-B do CPC).
É assim através do incidente supra referido que o executado pode atacar a apreensão de bens que, seja à luz do direito substantivo, seja à luz do direito adjectivo, não podem ser alvo de penhora. Além do recurso do despacho determinativo da penhora, o incidente de oposição à penhora passou a constituir o único meio ao alcance do executado para fazer valer a impenhorabilidade objectiva de bens que, embora lhe pertencendo, não podiam ser atingidos pela diligência (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 3º, 2003, Coimbra Editora, pág. 485 e A acção executiva à luz do código revisto, 2.ª edição, 1997, Coimbra Editora, pág. 222 e 223).
Constata-se que a executada, após ser notificada da penhora, não reagiu contra a mesma, seja por oposição, seja por agravo. Limitou-se a requerer a sua redução para 1/6, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 824.º do CPC.
Assim, ficou precludida a apreciação da questão da impenhorabilidade do vencimento da executada (art.º 145.º n.º 3 do CPC; cfr. acórdão do STJ, de 04.11.2003, processo 03A129, acórdão da Relação do Porto, de 9.6.2005, processo 0533348, acórdão da Relação de Évora, 5.7.2007, processo 1491/07-2, todos publicados na internet, dgsi-itij).
Diz a executada que a apreciação da inconstitucionalidade de normas é de conhecimento oficioso, pelo que o seu requerimento não é extemporâneo.
Vejamos.
É certo que o tribunal não está limitado ao alegado pelas partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664º do CPC). Aqui compreende-se a fiscalização da conformidade das regras de direito ordinário com a Constituição. Porém, a aplicação do direito visa a resolução de questões que se põem no processo. Questões essas cuja apreciação está subordinada a regras quanto ao tempo e ao modo. Sendo que, ultrapassado que esteja o momento da determinação da efectivação da penhora, a questão da impenhorabilidade objectiva de bens só será apreciada pelo juiz no âmbito do (tempestivo) incidente de oposição à penhora, ou então pelo tribunal ad quem, no caso de tempestiva interposição de recurso do despacho que ordenou a penhora. No caso concreto, a invocação da inconstitucionalidade da norma em causa, para sustentar a impenhorabilidade do salário da executada, deveria ter sido suscitada em oposição à execução ou em agravo do despacho determinativo da penhora. Não o tendo sido, o despacho que ordenou a aludida penhora, e depois aquele que reduziu a penhora de 1/3 para 1/6, transitaram em julgado, fazendo caso julgado formal – art.º 672.º do CPC (cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Évora, de 5.7.2007, processo 1491/07-2 e acórdão da Relação de Lisboa, de 1.9.2006, processo 6103/2006-7).
Haverá, contudo, que atentar nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 824.º do CPC.
O referido artigo tem a seguinte redacção (anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3, que a agravante invoca na conclusão VI das suas alegações mas que não é aplicável a estes autos):
Bens parcialmente penhoráveis
1. Não podem ser penhorados:
a) Dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado;
b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.
2. A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.
3. Pode, o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o n.º 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar.”
A previsão contida no n.º 2 do artigo já existia na lei anterior (art.º 823.º n.º 4, segunda parte).
A previsão do n.º 3 constitui uma novidade. O preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95 (em que não se tem em conta o advérbio “excepcionalmente”, que foi introduzido no texto legal pelo Dec.-Lei nº 180/96) refere-se-lhe, realçando que assim “são atribuídos ao juiz amplos poderes para, em concreto, determinar a parte penhorável das quantias e pensões de índole social percebidas à real situação económica do executado e seu agregado familiar, podendo mesmo determinar a isenção total de penhora quando o considere justificado.
As excepcionais redução ou isenção total da penhora previstas neste artigo não carecem de ser invocadas em sede de oposição à penhora. Tal é inculcado pela sua inserção sistemática, fora da subsecção atinente à oposição à penhora (subsecção VI), assim como pelo seu fundamento, que não consiste necessariamente na ilegalidade da penhora mas na adequação dos seus limites, com base na apreciação em concreto da situação económica do executado. As ditas redução ou isenção podem, pois, resultar não só de decisão oficiosa do juiz, proferida face a elementos que constem nos autos, como de simples requerimento deduzido pelo executado (cfr., neste sentido, Lebre de Freitas, embora já à luz da redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, in A acção executiva depois da reforma, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 279; acórdãos da Relação do Porto, 17.9.2007, 0753848, Coimbra, 30.9.2008, 210/04.1TBVGS.C1, Lisboa, 29.9.2009, 35860/05.OYYLSB-A.L1.7, todos na internet, dgsi-itij).
Ora, a agravante não deduziu formalmente um incidente de oposição à penhora: apresentou um requerimento nos autos, no qual pede que seja ordenado o levantamento da penhora de uma parcela do seu vencimento correspondente ao salário mínimo nacional, ou seja, a totalidade do seu vencimento, alegando que aufere tão só o salário mínimo nacional e tem encargos que excedem esse montante. É certo que como argumentação jurídica para a sua pretensão, a executada invocou a inconstitucionalidade do artigo 824.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 180/96), por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de Direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a) e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, na medida em que permite a penhora de parte do vencimento auferido pela executada, quando este é de valor não superior ao salário mínimo nacional. Ou seja, apresentou argumentação que denunciaria a ocorrência de penhora ilegal, o que constituiria fundamento para oposição à penhora – que seria intempestiva. Mas o certo é que os factos alegados pela executada apontam para uma situação enquadrável no n.º 3 do art.º 824.º do CPC, ou seja, fundamentadora, em abstracto, da isenção de penhora do salário da executada, atendendo à natureza da dívida exequenda e às necessidades do seu agregado familiar.
Ora, a apreciação dessa situação não está sujeita a qualquer prazo e pode ser feita na sequência de simples requerimento. Por outro lado, o requerimento inicialmente apreciado, de redução da penhora para 1/6, não obsta a que o tribunal posteriormente se decida pela isenção total da penhora, maxime com base em novo requerimento do executado: não só estão em causa pretensões diferentes, como a isenção de penhora pode assentar numa nova avaliação da sua situação económica pelo próprio executado, que com o evoluir da situação chega à conclusão de que afinal os seus rendimentos, reduzidos pela penhora, não lhe permitem garantir um mínimo de subsistência digno para si e o seu agregado familiar.
Concluímos, pois, não assistir razão ao tribunal a quo, quando indeferiu o requerimento sub judice por alegadamente constituir extemporânea oposição à penhora.
Segunda questão (levantamento/isenção da penhora)
Uma vez que nada obsta, há que conhecer, em cumprimento do disposto no art.º 753.º do CPC (na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8 – art.º 11.º do Dec.Lei n.º 303/2007), do pedido formulado pela agravante no requerimento objecto do despacho recorrido.
Além do já supra descrito no relatório, com base nos documentos juntos aos autos e por força da falta de contestação do teor do requerimento por parte da exequente (artigos 302º, 303.º n.º 3, 466.º n.º 1, 484.º e 485.º do CPC), dá-se como assente a seguinte
Matéria de Facto
1. O título executivo da presente execução é uma livrança subscrita pelos executados, no valor de Esc. 921 174$00, vencida em 12.4.1996, a qual titula um empréstimo concedido pela exequente aos executados.
2. A executada está separada de facto do executado, seu marido, há mais de dois anos.
3. A executada tem a seu cargo e vive com a filha do casal, D..., de 13 anos de idade.
4. O executado C... está desempregado.
5. O executado não contribui com qualquer quantia, a título de alimentos, à filha D....
6. Em 2008 a executada auferia, como empregada da empresa N..., Lda, o vencimento mensal ilíquido de € 426,00.
7. Sobre aquele valor é efectuado mensalmente o desconto de 11% para a segurança social, ou seja, € 46,86.
8. A executada não recebe qualquer subsídio nem tem qualquer outro rendimento.
9. A executada paga actualmente € 250,00 de renda de casa.
10. A executada suporta, com despesas escolares da filha (livros, almoço, lanche, etc), € 100,00 mensais.
11. A executada é auxiliada economicamente por familiares e amigos.
12. A executada está ao serviço da N... desde 01.6.2007 e sempre auferiu como vencimento mensal o “salário mínimo nacional”.
13. A N... paga mensalmente à executada quantia proporcional a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, no valor, em 2008, de € 35,49 cada parcela.
14. Em 2008, na sequência do despacho que fixou a penhora em 1/6 do vencimento da executada, a N... passou a descontar no salário da executada a quantia de € 78,98.
O Direito
O factualismo provado demonstra que a executada tem como rendimento tão só o salário mínimo nacional (fixado em € 426,00 para o ano de 2008, pelo Dec.-Lei n.º 397/2007, de 31.12), o qual não chega para suportar as despesas com o seu sustento (alojamento, alimentação e vestuário) e o da sua filha. Por outro lado, nada se provou quanto à dívida exequenda (que é uma obrigação cambiária) que determine uma especial protecção do interesse da exequente. Assim, estão reunidas as condições para a executada beneficiar da isenção de penhora prevista no n.º 3 do art.º 824.º do CPC. Acresce que, conforme se tem ponderado abundantemente nos tribunais portugueses, na sequência da jurisprudência constitucional que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição (acórdão n.º 177/2002, de 23.4.2002, publicado no D.R., I série-A, de 2.7.2002, pág. 5158 e seg.), a isenção impõe-se quando da penhora do vencimento, mesmo em montante inferior a 1/6, resulte um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional, sendo o montante deste a referência para se aferir do «mínimo de subsistência» tendo em atenção o princípio constitucional da dignidade humana prevenido na CRP (cfr., v.g., acórdãos da Relação de Lisboa, de 21.5.2006, processo 1075-A/2001L1-2, de 02.11.2006, processo 8768/2006-6, de 23.5.2006, processo 1579/2006-1 e acórdão da Relação de Coimbra, de 14.2.2006, processo 3550/05, todos na internet, dgsi-itij).
Salário mínimo nacional que foi expressamente incluído no art.º 824.º do CPC, por força das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3, como limite mínimo a considerar na impenhorabilidade das prestações previstas no n.º 1 desse artigo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos (n.º 2 do art.º 824.º), ressalvada a possibilidade de, a requerimento do exequente, esse limite ser afastado nas condições excepcionais previstas no n.º 5 do mesmo artigo.
Assim, o vencimento que a executada aufere ao serviço da N..., Lda, deve ser isento de penhora.
Tal decisão torna irrelevante o alegado pela executada quanto à impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal (conclusão XXV da alegação de recurso). Diga-se, contudo, que a norma aí aludida (artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 496/80, de 20 de Outubro) é inaplicável neste processo, pois reporta-se ao subsídio de férias e de Natal auferidos na função pública e de todo o modo sempre esbarraria com o disposto no art.º 12º do Dec.-Lei n.º 329-A/95, segundo o qual “não são invocáveis em processo civil as disposições constantes de legislação especial que estabeleçam a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante, em colisão com o disposto no art.º 824.º do Código de Processo Civil.”
Resta apreciar a pretensão da executada/agravante, de que lhe sejam restituídas as quantias correspondentes a todos os descontos que foram efectuados nos autos ao abrigo da penhora decretada.
Aqui, a executada não tem razão. Com efeito, a executada conformou-se com o decretamento da penhora ordenada em 08.11.2007 e com os descontos efectuados, tendo-se limitado a requerer a redução da penhora para 1/6, o que foi deferido por despacho datado de 01.4.2008, que transitou em julgado. Só em 24.9.2008 é que a executada/agravante veio questionar a penhora da totalidade do seu vencimento, nos termos já analisados. Assim, a apreensão das verbas descontadas na retribuição da executada até 24.9.2008 é situação consolidada, acobertada por caso julgado formal (neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 1.9.2006, processo 6103/2006-7 e acórdão da Relação de Évora, de 5.7.2007, 1491/07-2, internet, dgsi-itij).
A executada/agravante terá tão só direito à restituição dos descontos operados a partir de 24.9.2008.
DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento parcial ao agravo e consequentemente:
a) Revoga-se o despacho recorrido;
b) Ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 824.º do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9., isenta-se de penhora a retribuição auferida pela executada ao serviço de N..., Lda;
c) Determina-se a restituição à executada das quantias descontadas após 24.9.2008 na retribuição referida em b) ao abrigo da aludida penhora.
A agravante suportará as custas do agravo na proporção de 1/10, sem prejuízo do apoio judiciário que eventualmente lhe venha a ser concedido, sendo certo que a agravada goza da isenção prevista no art.º 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ.
Lisboa, 03.12.2009
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot