Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3103/08.0TVLSB.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Na última reforma ao Código de Processo Civil (DL. nº 329-A/95, de 12/12) procedeu-se à clarificação do regime de apresentação do articulado superveniente exponenciando como referência atendível e inultrapassável o comportamento da própria parte, fazendo depender a extemporaneidade da superveniência da atitude assumida pela parte que pretende socorrer-se dos novos factos.
II. Consignou-se, assim, no nº 4 do art. 506º do CPC, a rejeição liminar pelo Juiz do articulado superveniente quando a sua apresentação se concretizar fora de tempo por culpa da parte. Ou quando for manifesto que os factos alegados não interessam à decisão da causa.
III. O legislador não esclareceu, aquando da alteração da norma, em que termos deveriam ser entendidas as referidas asserções valorativas. E bem. Caberá, por conseguinte, ao julgador decidir, caso a caso, quando confrontado com os factos ocorridos, altura em que formulará o respectivo juízo sobre a existência de culpa da parte e sobre a natureza dos factos alegados e do respectivo interesse que possam assumir para a decisão da causa.
IV. Entendemos, por isso, que será de recusar o articulado superveniente quando os factos alegados não relevem para a decisão da causa, ou seja, se mostrem desnecessários, despropositados e inúteis.
V. Por sua vez o juízo de tempestividade do articulado superveniente, terá de atender à prova que é feita do conhecimento dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela parte que apresenta tal articulado e não por quaisquer outros factos. E só a culpa desta, aferida pela falta de diligência no sentido de os obter atempadamente, permitirá a rejeição do mesmo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – A… SL, sociedade comercial Espanhola, com sede em Sevilha

Instaurou a presente acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra:

B…, S.A., com sede em Lisboa

Pedindo: a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 480.803,38, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Alegou, para o efeito, e em síntese que:

Dedica-se em especial à cultura de oliveiras, tendo adquirido os prédios rústicos que formam a Herdade … em …, em 2003, com o objectivo de afectação à actividade agrícola de plantação e exploração de olival.
Para o exercício dessa actividade, na primeira colheita da azeitona a realizar na herdade em Out./Dez 2007, a Autora procedeu à aquisição de uma máquina denominada «Maqtec Colossus», em estado novo, que foi transportada desde a Argentina até Lisboa, via marítima, tendo desembarcado em Lisboa no dia 1.11.2007.
A Ré assumiu a responsabilidade pelo desembarque/descarga da referida «Maqtec Colossus», mas por falta de cuidado e com total incúria, no momento da descarga a máquina sofreu uma série de estragos descritos nos autos e discriminados num relatório preliminar elaborado em 8.11.2007, no porto de Lisboa, que foram depois englobados no relatório final de perícia técnica e de orçamento de reparação.
Em virtude dos aludidos estragos, a «Maqtec Colossus» ficou impossibilitada de se mover por si, tendo sido transportada em camião TIR, na noite de 9.11.2007, do porto de Lisboa para a Herdade ….
A Ré reconheceu ser a única e exclusiva causadora dos prejuízos apurados, tendo os custos de reparação da máquina sido cobertos pela seguradora L … S.A, por via do contrato de seguro celebrado com a Autora no âmbito da cobertura de danos desde a descarga no porto, transporte e descarga na herdade.
Devido à reparação efectuada, a máquina ficou imobilizada durante algum tempo, o que originou para a A. prejuízos com o aluguer de máquinas alternativas para colheita da azeitona, a que se viu forçada a recorrer, remoção de tutores e azeitona perdida que ascendem ao montante global de € 480.803,38, e cuja reparação integral é da responsabilidade da Ré.

2. A Ré na sua contestação deduziu o incidente de Intervenção principal provocada da Companhia de Seguros T…, por força do seguro obrigatório de responsabilidade civil das empresas de estiva, ao abrigo do qual foram desde logo suportados os custos de reparação da máquina referida nos autos.
Excepcionando refere que inexiste qualquer responsabilidade contratual por parte da Ré, por falta dos respectivos pressupostos, nem cometeu nenhuma infracção ou se pautou por conduta que possa ser reconduzida à responsabilidade civil.
Impugnou os factos aduzindo que a Ré desde o início que assumiu a sua responsabilidade quanto aos danos sofridos na máquina em causa, pelo que não se compreende o tempo da reparação alegado pela Autora nem os danos que reclama, que não são ressarcíveis.

3. A Interveniente Seguradora veio oferecer a sua contestação, ao abrigo do preceituado no art. 327º, nº 2, do CPC, onde se defende por excepção e impugnação.
Excepcionando alega que a indemnização pedida pela Autora a título de lucros cessantes, mesmo a existirem, não é devida, porque excluída do contrato de seguro celebrado.
Impugnando considera os danos não ocorridos e exagerados, quer quanto às datas, quer quanto aos valores peticionados.

4. A Interveniente Seguradora apresentou, ainda, articulado superveniente, alegando, em resumo que:
Não foi parte no contrato de transporte marítimo celebrado entre a A. e a Transportes G…, motivo pelo qual não tinha conhecimento do documento que o titula – o conhecimento de embarque junto com a p.i. pela Autora.
Deste modo, desde a citação que a Interveniente tem tentado conseguir junto da sua segurada – a Ré B…, S.A. – cópia integral do conhecimento de carga que titula o contrato de transporte celebrado, mas apenas em Julho de 2009 obteve a referida cópia.
Por isso, só agora, após análise do referido documento teve conhecimento de factos extintivos do alegado direito da Autora, que desconhecia no momento em que apresentou a sua contestação.
Assim se justificando a apresentação do seu articulado superveniente.
Acresce que na cláusula a que agora teve acesso – a cláusula 6ª do contrato – se estabelece que: “o comerciante obriga-se a não apresentar quaisquer acções ou queixas contra qualquer funcionário, agente ou subcontratado do Transportador que imputem ou tentem imputar a qualquer um deles ou a qualquer navio pertencente a qualquer um deles responsabilidade relacionada com as mercadorias...”
Através desta cláusula o que resulta do contrato celebrado é que o transportador contrata não apenas em seu nome, mas também em nome e representação de todos os terceiros que vierem por si subcontratados a auxiliá-lo durante a execução do contrato de transporte.
O que constitui o caso da Ré “B…SA”, empresa de estiva que opera no terminal de contentores de Santa Apolónia, e que não passa de uma mera sub contratada e auxiliar do transportador G… para a execução das operações de descarga da máquina identificada nos autos.
Assim, pelo contrato de transporte celebrado e titulado pelo conhecimento de carga agora junto, a Ré “B…SA” não pode ser demandada nos presentes autos. E, como tal, também não o poderá ser a ora Interveniente, Companhia de Seguros. Devendo imputar-se a responsabilidade por quaisquer danos causados na mercadoria directamente ao transportador, no caso a G….
Por outro lado, já decorreu o prazo para a propositura da presente acção – que é de um ano após a entrega da mercadoria.
Tendo a mercadoria desembarcado na madrugada do dia 1 para 2 de Novembro de 2007, o prazo expirou no dia 2 de Novembro de 2008.
Mas como a presente acção só foi instaurada no dia 7 de Novembro de 2008, com a citação da Ré “B…SA” em 11/11/2009, caducou o direito de acção.
Conclui, em síntese, no sentido de que a Ré “B…SA” não pode ser directamente demandada pela A. e, por conseguinte, deve ser absolvida do pedido, bem como a Companhia de Seguros T… aqui Interveniente.

5. Na audiência preliminar que teve lugar depois da apresentação do articulado superveniente, em de 14/12/2009 (cf. fls. 381), o Tribunal “a quo” proferiu despacho:
a) A relegar a decisão sobre a admissibilidade ou não do articulado superveniente para depois de ouvir a parte contrária;
b) A convidar a Autora a corrigir o seu articulado inicial.

6. No seguimento do convite formulado, a Autora apresentou articulado de aperfeiçoamento, em que esclarece:
Celebrou com a empresa G…um contrato de transporte da máquina desde a Argentina até Portugal. Com o desembarque, em 1.11.2007, o equipamento sofreu os danos já descritos nos autos, tendo nesse dia a G… dado conhecimento à A. da ocorrência e de que qualquer facto relativo ao desembarque/descarga era da responsabilidade da Ré;
Por esse motivo, e a partir dessa altura, a A. passou a ter como única interlocutora a Ré, que assumiu a sua responsabilidade pelos danos verificados.

A Autora requereu também a não admissibilidade do articulado superveniente por intempestivo.

7. Exarou-se despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida – cf. fls. 721 e segts, do IV Vol.

8. Posteriormente foi proferido despacho pelo Tribunal “a quo” a não admitir o articulado superveniente.
Da não admissão foi interposto recurso de Apelação pela Interveniente Companhia de Seguros T…, requerendo a subida em separado.
Requerimento que foi indeferido, a fls. 740, com o fundamento de que esta decisão apenas pode ser impugnada no recurso da decisão final ou após o trânsito desta nos termos do art. 691º, nºs 3 e 4 do CPC.

9. Realizou-se a audiência de julgamento e proferiu-se a decisão sobre a matéria de facto controvertida.
As partes apresentaram alegações de direito.
Exarada sentença o Tribunal “a quo” julgou a acção totalmente procedente por provada e, por consequência:

A) Condenou a Ré COMPANHIA DE SEGUROS T… a pagar à Autora A…, S.L. a quantia global de € 480.803,38, acrescida de juros de mora às taxas legais enunciadas, de 8% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.
B) Absolveu a Ré “B…SA” do pedido.

10. Inconformada a Ré Seguradora Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
A) Quanto ao recurso do despacho que não admitiu o articulado superveniente – conclusões a fls. 1043 a 1049 (6 páginas, com “45 conclusões”):
1. O articulado superveniente foi apresentado com base em factos extintivos do direito da Autora de que só teve conhecimento após findarem os prazos processuais de que dispunha para apresentar os seus articulados.
2. É apenas o conhecimento do teor dessas cláusulas (do doc. de fls. 355 e segts.) que a Interveniente alega que é superveniente e é com base neles que apresenta o seu articulado, e não a “existência do contrato de transporte”.
3. O juízo de tempestividade feito pelo Tribunal “a quo” tem de pautar-se pela prova que é feita pela parte que apresenta o articulado
4. É completamente falso que a Recorrente tivesse de conhecer, a partir do doc. nº 6, junto com a p.i., que foi celebrado um contrato de transporte marítimo entre a “GL…” e a Autora.
5. A única coisa que resulta do documento 6 é que a máquina em causa nos autos foi transportada via marítima para Lisboa no âmbito de um contrato em que é expedidor a G…Argentina e é destinatária a G… Portugal – não é feita uma única menção no referido documento à Autora. E não cabe à Recorrente – que é Interveniente – configurar a relação material controvertida em causa, mas sim à Autora.
6. Os próprios factos trazidos à discussão e assentes pelo Tribunal “a quo” nos arts. 18º e 20º da BI são suficientes para permitir essa discussão.
7. Pelo que a Recorrente ofereceu o articulado em tempo e ao não ser admitido violou o Tribunal recorrido o art. 506º do CPC, pelo que tal despacho deverá ser revogado e substituído por outro que admita o articulado superveniente apresentado pela Recorrente, com as consequências legais.

B) Quanto ao recurso sobre a sentença de condenação – conclusões a fls. 1049 a 1073 (24 páginas, com “202 conclusões”).          
B.1. Recurso sobre a Matéria de Facto:
1. O quesito 1º não podia ter sido julgado como provado porque carece de prova documental.
2. Os quesitos 4º, 7º, 8º, 16º, 19º, 21º, 23º a 27º, 30º, 32º, 33º, 36º, 37º, 41º, 61º e 62º foram incorrectamente considerados pelo Tribunal “a quo” como provados, em face da prova testemunhal produzida, estando o quesito 19º em contradição com os quesitos 49º a 52º e com a matéria assente nas alíneas D) e E).
3. Tal matéria deve ser julgada “não provada” com a Recorrente a ser absolvida do pedido.
4. Invoca ainda a nulidade decorrente da falta de fundamentação da matéria de facto

B.2. Relativamente à aplicação do Direito:
1. Defende que não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, e por conseguinte a Recorrente não tem obrigação de indemnizar a Autora.
2. Isto porque não se verifica o nexo de causalidade entre os factos e os danos, pois o atraso na colheita ficou a dever-se a uma falha da A. na planificação da mesma
3. Os danos que a A. reclama por via da presente acção não são perdas ou danos provocados à mercadoria até porque estes já foram reembolsados.
4. Não estão, portanto, abrangidos pela responsabilidade das empresas de estiva, nem nenhum dos prejuízos alegados se poderá considerar dano directo decorrente da actividade de operação portuária.
5. Portanto também não estão cobertos pelo contrato de seguro celebrado, pois a medida da responsabilidade transferida para a Seguradora/Recorrente tem que coincidir com a responsabilidade da empresa de estiva decorrente da lei.
6. De acordo com a apólice do contrato de seguro celebrado entre as partes – art. 5º, al. i) – estão excluídos do âmbito de cobertura do seguro os lucros cessantes.
7. E o Tribunal “a quo” ao condenar a Recorrente no pagamento dos lucros cessante subverteu o conceito jurídico de lucros cessantes e violou a referida cláusula
8. Porquanto a Autora pede o valor em causa a título de lucros cessantes mas o Tribunal diz que sim e chama-lhe danos emergentes.
9. Mas a Autora não reclama o valor da azeitona caída mas sim o que deixou de lucrar coma venda do azeite que extrairia dessa mesma azeitona, o que não deixa dúvidas quanto à natureza desse pedido como lucro cessante. Não se trata, pois, de dano emergente!
10. O Tribunal “a quo” ignora por completo que o valor reclamado, ainda que calculado sobre a quantidade de azeitona que ficou por colher, é o valor do azeite que não se vendeu.
11. E é por não ter logrado vender aquela quantidade de azeite, ao preço do azeite indicado no parecer eu a Autora se considera prejudicada no montante reclamado, cuja natureza é a de lucro cessante.
12. Por tudo o que se deixa dito, conclui-se que não se mostram preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil que fundamentam a obrigação de indemnizar, os prejuízos reclamados não se encontram a coberto do seguro pelo que a condenação da Recorrente na totalidade do pedido carece de fundamento legal, devendo, por isso, ser revogada a sentença recorrida, com a procedência do presente recurso e a absolvição do pedido da Recorrente.


11. Foram apresentadas contra-alegações pela Autora pugnando pela confirmação do decidido, relativamente à matéria de ambas Apelações.
12. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Os Factos:
- Estão provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial de direito espanhol que se dedica à distribuição e comercialização de produtos para a agricultura, exploração de propriedades rústicas, exportação e importação de toda a classe de *redutos para a agricultura e maquinaria agrícola.
2. A "MC…" é um equipamento mecânico de grande porte, nos termos descritos na ficha técnica junta a fls. 34 e 35, que aqui se dá por integralmente reproduzida, destinada à olivicultura e colheita de azeitona.
3. A "MC…" pesa cerca de 20 toneladas, tem 5 metros de altura, 8 metros de largura e 9 metros de comprimento.
4. A "MC…" foi desembarcada no Porto Marítimo de Lisboa, junto à estação ferroviária de Santa Apolónia no dia 1 de Novembro de 2007.

5. No momento da descarga da "MC…", a Ré causou danos nesta máquina:
-O motor do lado da cabine foi danificado ficando com perdas nos tubos dos travões;
-A roda frontal dianteira, respectivos eixos e o cilindro do lado do motor encontravam-se com o varão torcido e totalmente aberto;
-As rodas traseiras encontravam-se desalinhadas e com perdas de óleo do motor hidráulico;
-A válvula do sistema "tartaruga" ficou danificada;
-Os suportes dos cilindros ficaram torcidos;
-A jante dianteira do lado do motor ficou totalmente deformada;
-A estrutura esquerda interior foi danificada.

5. Posteriormente, os danos globais que se verificaram na máquina ficaram elencados no relatório de perícia técnica e de orçamento de reparação, nos termos do documento de fls. 265 a 268, que aqui se dá por integral, isente reproduzido.
6. Em resultado dos danos referidos em 4., a “MC…" ficou impossibilitada de se mover por si.
7. O transporte em camião TIR da "MC…" teve lugar na noite do dia 9 de Novembro de 2007, desde o Porto de Lisboa para a herdade ....

8. Com data de 8 de Novembro de 2007, a Ré emitiu a seguinte declaração escrita:
"(fls...) Assunto: Acidente com máquina de apanha de azeitona "MC.." processo de sinistro DM / RC 07 – 145.
Serve o presente para confirmar a responsabilidade do B…SA nos danos sofridos durante a operação de descarga da máquina acima referida.
Danos visíveis e que impossibilitam a máquina de se movimentar pelos próprios meios:
Roda frontal direita e respectivo eixo muito danificados.
Roda traseira direita com perca de óleo do motor hidráulico.
Estrutura esquerda inferior danificada (...)".
9. A Autora celebrou com a AL… um contrato de seguro para a cobertura de danos na "MC…" durante a descarga (no Porto de Lisboa), transporte para a herdade do … e descarga (na herdade do …), nos termos da apólice junta a fls. 48 a 62 e que aqui se irá por integralmente reproduzida.
10. Os custos da reparação da máquina foram suportados pela seguradora ..., que assumiu o reembolso do pagamento dos mesmos.
11. A "MC…" esteve imobilizada em função dos danos que sofreu e da necessidade de reparação.
12. O equipamento ficou totalmente operacional no dia 10 de Dezembro de 2007.
13. A Autora enviou à Ré duas cartas, nos termos dos documentos juntos a fls. 66 a 69, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
14. A Ré enviou à Autora uma carta datada de 17 de Março de 2008, nos termos do documento junto a fls. 70, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. A Autora enviou à Ré uma carta datada de 22 de Julho de 2008, nos termos do documento junto a fls. 71 a 73, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. A Autora procedeu ao aluguer dos seguintes equipamentos, durante as datas e pelos preços a seguir discriminados:


Equipamento / SociedadeQuantidadeDatasPreço
Segura Servidos y Suministros778.874 Kgs18.12.2007
18.01.2008
31.01.2008C 116.831,09
G., G. y
Co. de Serviços
Agríc los,
52.000Kgs26.12.2007
25.01.2008€ 32.660,00



O…, S.A

31.122007
C 57.900,00
Ra…, SI.31.01.2008€ 3.834,70



17. A Ré B…SA é a entidade privada que procede às operações portuárias no terminal de contentores, nomeadamente às operações de desembarque e descarga.
18. A Ré B…SAs celebrou um contrato de seguro com a Chamada Companhia de Seguros T…S.A, mediante o qual transferiu a responsabilidade civil emergente do exercício da sua actividade de Operador Portuário, nos termos da apólice que se encontra junta aos autos, a fls. 100 a 113, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
19. A Autora acordou com a empresa G… o transporte marítimo da máquina "MC" entre a Argentina e Portugal e depois o transporte terrestre entre o Porto de Lisboa e a Herdade…
20. A Autora adquiriu a designada Herdade do … para a afectar à actividade agrícola de plantação e exploração de olival.
21. A plantação do olival seria realizada, nos termos projectados e conforme veio a ser executado, em 1.234 hectares.
22. Em Janeiro de 2004 a Autora iniciou a plantação de oliveiras na Herdade do …
23. Em Junho de 2004 estavam plantadas na Herdade do … cerca de 351.780 oliveiras, na referida área de cerca de 1234 hectares.
24. As oliveiras plantadas pela Autora na Herdade do … são do tipo "arbequina", variedade que permite colheitas de azeitona logo que estejam decorridos 3 anos após plantação das oliveiras.
25. O ano de 2007 foi o primeiro ano de colheita efectiva de azeitona na Herdade do ….
26. A colheita da azeitona decorre nos meses de Outubro a Dezembro de cada ano.
27. Em 2007, mais de 80% das oliveiras plantadas na Herdade do … estavam em condições de ser objecto de colheita de azeitona, num total de cerca de 281.424 oliveiras.
28. Nas plantações de olival são utilizados os meios mecânicos tradicionais com recurso a vibradores para colheita de azeitona.

29. Atendendo à sua extensão e ao número de oliveiras plantadas, a Herdade do … exige uma tecnologia mais avançada de meios mecânicos para a colheita da azeitona, por causa:
- do elevado número de oliveiras;
- a extensão da área plantada de oliveiras;
- e a quantidade de azeitona a colher.

30. A sociedade argentina denominada "M…" desenvolveu, em parceria com uma entidade Australiana, uma nova tecnologia de meios mecânicos para a colheita de azeitona, a máquina designada "MC….

31. Para além das suas grandes dimensões, a "MC…" distingue-se dos outros meios mecânicos (tradicionais) de colheita de azeitona pelo seguinte:
(i) Colhe numa só passagem mais de 90% das azeitonas da oliveira;
(ii) Permite o trabalho de noite e dia em regime contínuo (24 horas por dia);
(iii)         Permite a colheita de todas as variedades de árvores de silveira,
em qualquer fase da vida das árvores e em todo o tipo de solos;
(iv) Não provoca qualquer tipo de danos nas árvores (oliveiras) e o fruto colhido (azeitona);

32. A Autora iniciou negociações para a aquisição da "MC…" no início do ano de 2007.
33. A Autora pretendia concluir a aquisição da "MC…" para que esta máquina pudesse iniciar a sua utilização na Herdade do … nos meses de Outubro a Dezembro de 2007.
34. A Autora encerrou as negociações com a sociedade vendedora da "MC…" em 23 de Março de 2007, para que a "MC…" pudesse chegar à Herdade do … em Outubro / Novembro de 2007.
35. A Autora não providenciou outros meios mecânicos para a realização da primeira colheita efectiva de azeitona.
36. A "MC…" foi comprada em estado novo.
37. A "MC…" foi transportada, em Setembro de 2007, desde a Argentina até Lisboa, via marítima.
38. A "MC…" deveria, caso não se verificassem os danos referidos em 4), ser transportada para a Herdade do … por camião T1, de modo a que aí chegasse no dia seguinte e iniciasse, nos dias seguintes, a colheita da azeitona.
39. Por causa da imobilização da "MC…" a Autora teve de contratar através do aluguer, de um amplo conjunto de máquinas destinadas a procederem à colheita da azeitona na Herdade do ….
40. Para o efeito, a Autora teve que recorrer ao que estava disponível no mercado ibérico, ou seja em Portugal e Espanha, com o que a Autora teve que alugar equipamentos tradicionais de colheita de azeitona.
41. O aluguer de todos estes equipamentos tradicionais correspondeu ao custo suportado pela Autora de C211.225,79.
42. Apesar do aluguer destes equipamentos tradicionais, não foi possível a Autora proceder à colheita de toda a azeitona produzida no olival da Herdade do …, tendo-se verificado uma perda de colheita de azeitona de 439.263,75 kg, tendo em conta a área afectada (250 ha), o número de oliveiras por hectare (285,7) e o número de árvores no total da área afectada (71.425 = 285,7 x 250 ha).
43. O peso total de azeitona não colhida correspondeu a 439.263,75 kg, resultante do seguinte: 71.425 (número de oliveiras afectadas) x 6,15 kg (médio de azeitonas caídas por planta).
44. Caso a Autora dispusesse da "MC…" teria sido possível proceder à colheita da integralidade da azeitona produzida na primeira colheita efectiva da Herdade do ….
45. A azeitona que não foi colhida correspondeu ao valor de 0219.175,04 (duzentos e dezanove mil cento e setenta e cinco euros e quatro cêntimos).
46. A azeitona "arbequina" tem um período de maturação antecipado relativamente a outras variedades de azeitona.
47. A capacidade diária de colheita ficou diminuída por a "MC.." estar imobilizada.
48. Pelo que a colheita teve que decorrer, em parte, para além do período de aturação, o que levou à consequente prévia queda da azeitona.
49. A azeitona "arbequina", produz um azeite muito valorizado em especial no mercado espanhol, por possuir características organolépticas muito apreciadas e de textura suave.
50. Estas características organolépticas são conseguidas num azeite extraído de azeitonas em estado de maturação ideal, e que se perdem quando as azeitonas estão excessivamente maduras.
51. Se as azeitonas estiverem excessivamente maduras os aromas que valorizam o azeite vão-se diluindo e desaparecendo ao longo da maturação.
52. Cada oliveira que tenha sido recentemente plantada e esteja em fase de crescimento tem um suporte lateral, que se destina a suportar a planta, a evitar a queda da planta em caso de vento e a manter a verticalidade da planta no seu desenvolvimento.
53. Este suporte lateral corresponde a uma estaca de madeira que é enterrada no solo, junto à oliveira, e que se constitui como uma guia para que a oliveira tenha um devido crescimento, devidamente apoiada e que sirva de amparo, em especial aos ventos e intempéries.
54. Estes suportes laterais são designados de "tutores" e terão que se manter junto das oliveiras até 6 anos após a plantação, ou seja até ao terceiro ano após a primeira colheita (6 anos após a plantação).
55. A data da primeira colheita efectiva, em Outubro / Dezembro de 2007, todas as oliveiras da Herdade do … tinham "tutores", que se teriam de manter até 2009.
56. A "MC…" é um equipamento que está devidamente preparado para estas primeiras colheitas das oliveiras, de molde a que as árvores possam ser abanadas sem danificar os "tutores" e sem que estes danifiquem as oliveiras.

57. Nas oliveiras recém – plantadas, os equipamentos tradicionais comportam um risco:
(i)         de danificar os "tutores", em virtude do grau de vibração que é imposto sobre cada oliveira;
(ii)        e de os "tutores" danificarem as oliveiras.

58. Este risco era maior na colheita de 2007 por as oliveiras ainda estarem na fase inicial de crescimento e de solidificação das suas raízes e tronco e, consequentemente, a pressão a ser exercida sobre os "tutores" ser maior.
59. Ao utilizar os equipamentos tradicionais para a colheita de oliveira, a Autora teve que proceder à remoção de 155.584 "tutores" de tantas outras oliveiras da herdade ....
60. A Autora adjudicou a uma empresa especializada a remoção, antes da colheita, destes 155.584 novos "tutores".
61. Com a remoção dos "tutores" a Autora suportou o custo de €50.402,55 (cinquenta mil e quatrocentos e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos).
62. A realizar-se a vibração com os "tutores" nas oliveiras não só aquela vibração não seria eficaz como promoveria, no acto de vibração, a destruição do tronco da oliveira.
63. Após desmontagem das rodas e posicionamento da máquina sobre a zona verificou-se que a sua altura – 5,10 metros – era muito superior à permitida.
64. Deste modo, a máquina teve de ficar imobilizada no cais sobre a zona a aguardar a chegada de outra zona mais baixa que permitisse a execução do transporte contratado.
65. Apenas na sexta – feira, dia 9 de Novembro de 2007, cerca das 20,00 horas a máquina ficou em condições de ser transportada sobre uma outra zona mais baixa.
66. Tendo ainda havido necessidade de desmontar todo o equipamento no topo da máquina de modo a que a sua altura se situasse dentro dos limites que permitissem o transporte.
67. No dia 14 de Novembro de 2007, a empresa de peritagem contratada pela Ré deslocou-se à Herdade para uma vistoria mais rigorosa à máquina.
68. Nessa mesma data, foi indicado ao perito como prazo de execução da reparação da máquina até à sua colocação em funcionamento, cerca de 30 dias.
69. Os "tutores" são fundamentais na sustentação da árvore apenas na altura do plantio.
70. Depois de se iniciar a produção da azeitona – normalmente no quarto ano após o plantio – os "tutores" deixam de ter utilidade e têm de ser retirados.


III – O Direito:

1. A Seguradora Recorrente interpôs dois recursos de Apelação:
- O primeiro, do despacho judicial proferido pelo Tribunal “a quo” que não lhe admitiu o articulado superveniente que pretendia juntar;
- O segundo, da sentença exarada nos autos na qual foi a Recorrente condenada na totalidade do pedido, ou seja, a pagar à Autora a quantia global de € 480.803,38, acrescida de juros de mora às taxas legais enunciadas, contabilizados desde a data da citação até integral pagamento.

A decisão que for proferida no primeiro recurso poderá ter repercussões no segundo – com conhecimento ou não desta matéria – consoante seja ou não julgado procedente.
Isto porque, a procedência, com a consequente admissibilidade do articulado superveniente apresentado pela Recorrente, que foi rejeitado pelo Tribunal “a quo”, imporá o aditamento dos respectivos factos necessários para a decisão da causa à base instrutória, com as respectivas consequências legais.
Nomeadamente, exigirá a produção de prova testemunhal apenas nessa parte e naquela que se demonstrar indispensável para julgamento e decisão dos presentes autos. Mantendo-se o demais nos precisos termos do art. 712º, nº 4, 2ª parte, do CPC.

Impõe-se, assim, o julgamento da primeira Apelação.
Destarte, está em causa, em sede recursória, saber se o articulado superveniente apresentado pela Seguradora/Recorrente deve ser ou não admitido.

Decidindo.

2. Nos termos do nº 1 do art. 506º do CPC os factos constitutivos, modificativos ou extintivos podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Por articulados supervenientes entende-se não só os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos fixados no nº 3 do art. 506º do CPC, mas também aqueles que, ainda que anteriores, a parte só deles teve conhecimento em data posterior.
É este o princípio que se mostra plasmado nos nºs 1 a 3 do art. 506º do CPC, e também aquele que constitui a pedra de toque inerente à natureza jurídica do próprio articulado superveniente.
Resulta, assim, desta norma, que os articulados supervenientes podem ser oferecidos na audiência preliminar, se houver lugar a esta, e quando os factos que dele são objecto tenham ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento – cf. alínea a), do nº 3, do art. 506º do CPC.

3. Mas o Juiz pode rejeitá-los, em despacho liminar, quando:
a) Forem apresentados fora de tempo – mas por culpa da parte;
b) Ou for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa.
Pressupostos não cumulativos.

Esta redacção foi introduzida pela última reforma do Código de Processo Civil – Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro – cujo objectivo se centrou, nesta parte, na clarificação do regime de apresentação do articulado superveniente exponenciando como referência atendível e inultrapassável o comportamento da própria parte, fazendo depender a extemporaneidade da superveniência na atitude assumida pela parte que se pretende socorrer dos novos factos. Quando a apresentação se concretize fora de tempo por culpa da parte.
Sendo, pois, de rejeitar o articulado quando a sua apresentação esteja fora de tempo por culpa da própria parte.

Esclarecendo o sentido da alteração introduzida pela citada reforma, pode ler-se no preâmbulo do diploma que se estabeleceram neste preceito como balizas relevantes para trazer ao processo os factos supervenientes, o termo da audiência preliminar, como momento temporal anterior à data designada para o julgamento, prazo que se considera suficiente para possibilitar o pleno exercício do contraditório, sem o risco de tal poder determinar o adiamento de audiência.
  
4. Sobre esta matéria, nomeadamente sobre o prazo em que a parte deve apresentar este novo articulado com a alegação de factos supervenientes, era frequente a crítica, no domínio da anterior redacção da norma, de que o prazo de 10 dias, então consagrado, era limitador do direito da parte, porquanto precludia a possibilidade de apresentação da defesa sempre que esta se visse impossibilitada de deduzir, dentro do referido prazo, em articulado posterior, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do seu direito.
Daí ter vingado, com a reforma do Decreto-Lei nº 329-A/95, uma alteração do regime, através do alargamento desses prazos nos termos que se fixaram nas alíneas a) a c), do nº 3, do art. 506º, do CPC.
Tendo inclusivamente Lebre de Freitas preconizado, em nome da “atenuação do rígido princípio da preclusão” a admissão dos articulados supervenientes sem dependência de prazo certo, desde que tal não perturbasse o normal e célere andamento do processo. [1]
E essa superveniência pode acontecer quando, como é sabido, já depois de decorrido o prazo para apresentação do último articulado, o Réu seja confrontado ou tome conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente.
Neste caso, porque anteriores, embora só mais tarde chegados ao conhecimento das partes, a superveniência factual é subjectiva.
O mesmo é dizer que esse conhecimento só se verificou depois de findar o prazo de apresentação dos articulados pertinentes. [2]
Sendo a superveniência subjectiva, deve também ser alegada pela parte a data ou o momento em que tomou conhecimento do facto: o nº 2 da norma em análise estatui a necessidade de provar a superveniência e a prova pressupõe a alegação. [3]
E a sua rejeição liminar pelo Juiz depende da verificação de um dos seguintes requisitos:
- Quando, por culpa da parte, o articulado for apresentado fora de tempo;
- Ou quando for manifesto que os factos alegados não interessam à decisão da causa. 

Porém, o legislador não esclareceu, aquando da alteração da norma, em que termos deveriam ser entendidas as referidas asserções valorativas.
E bem. Pois caberá ao julgador, caso a caso, quando confrontado com os factos ocorridos formular o juízo sobre a existência de culpa da parte e sobre a natureza dos factos alegados e do respectivo interesse que possam assumir para a decisão da causa.
Destarte, entendemos que os articulados supervenientes serão de recusar quando os factos alegados não relevem para a decisão da causa, se mostrem desnecessários, despropositados e inúteis, ou quando a parte os apresentar fora de tempo por não ter diligenciado no sentido de os obter atempadamente.

5. Posto isto, e relativamente ao caso sub judice, a questão que se coloca em concreto é a de saber se:
- O articulado superveniente foi apresentado fora de tempo, mas “por culpa da parte”.
Porquanto, conforme se viu, só nesta circunstância pode ser denegada a admissão de tal articulado.
E foi com base em tal fundamento que o Tribunal “a quo” decidiu pela não admissão do articulado superveniente, tendo então considerado que a Ré Seguradora “não logrou provar que só tomou conhecimento dos factos referidos nos arts. 1º e 21º do articulado com a entrega da cópia integral do referido conhecimento de embarque” – cf. despacho de fls. 433, do 3º Vol.
Podendo ler-se ainda que: “contudo, o teor das cláusulas do referido contrato de transporte, e por conseguinte, os invocados factos extintivos do direito da Autora daí decorrentes (arts. 15º a 19º e 29º e segts do articulado superveniente) apensa relevam na medida em que a Interveniente Seguradora tivesse alegado em tempo que a Autora celebrou com a referida GL… um contrato de transporte marítimo (art. 1º do articulado superveniente) e que a Ré B…SA foi subcontratada pela referida G L… para as operações de descarga da máquina (art. 21º do articulado superveniente), o que não sucedeu – cf. articulado de contestação da companhia de Seguros – sendo que necessariamente tinha de ter conhecimento desses factos desde a data da citação… e não podia ignorar quando apresentou o articulado de contestação, pois que com a citação tem de diligenciar por obter a contextualização da intervenção da parte, sua segurada, nos factos alegados na petição inicial”.

Constata-se, pois, que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” não pôs em causa um dos citados pressupostos: a falta de relevância para a boa decisão da causa. da matéria alegada pela Recorrente.
Ou seja: não a considerou como desnecessária e inútil no despacho liminar, ou como impertinente ou despropositada. Mas tão só fora de tempo.
E fora de tempo por culpa da parte, da Interveniente Seguradora.

Entendimento que não podemos sufragar no contexto em que a apresentação do articulado superveniente ocorreu e em face de todo o circunstancialismo que os autos retractam, gerador, em si mesmo, de alguns equívocos.

6. Com efeito, essa equivocidade é visível logo de início com a p.i. apresentada pelo Autor. Com a causa de pedir mal formulada, os fundamentos difusos, a merecer a intervenção do Tribunal “a quo” convidando a parte a aperfeiçoá-la.
Convite que foi aceite e deu origem aos esclarecimentos apresentados.
Esse incidente marcou o início do processo, a que se seguiu uma intervenção principal da Seguradora, requerida pela Ré, e a apresentação de um articulado por aquela.
A Seguradora/Recorrente não aparece a figurar no lado passivo da relação material controvertida, na qualidade de Ré, logo de início quando foi apresentada a p.i. pela Autora e delineados os contornos da acção por esta. Mas só depois da solicitação nesse sentido formulada pela Ré “B…SA”. Portanto, em momento processual posterior.
Tendo a Recorrente alegado, no seu articulado superveniente, que só naquela data conseguiu obter cópia integral do conhecimento de carga que titula o contrato de transporte celebrado, essencial para a sua defesa de acordo com a sua versão, pelas razões aduzidas a fls. 346 e arts. 5º e segts de fls. 686, do 4º Vol.
Nada se tendo provado em contrário.

Por outro lado, constata-se do processado o seguinte:
- A fls. 348, veio a Interveniente Seguradora apresentar o articulado superveniente, com data de entrada de 11/12/2009, já depois, é certo, da sua contestação.
Mas numa fase em que ainda não tinha sido realizada a audiência preliminar.
- Em data posterior, a fls. 381, e na audiência preliminar, o Tribunal “a quo” remeteu a decisão liminar quanto a esse articulado superveniente para depois da parte contrária se pronunciar.
- Nessa mesma diligência convidou a Autora a esclarecer a sua petição inicial, nos termos que constam de fls. 382, nomeadamente para “concretização dos termos do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, tanto mais que a Autora vem invocar na presente acção, como fundamento dos pedidos de indemnização que formula, a responsabilidade contratual da Ré”, já que no art. 32º da p.i. “limita-se a alegar que era da responsabilidade da Ré proceder ao desembarque/descarga da “MC…” alegação essa que tem um cariz conclusivo e de direito”.

Ora, se a p.i. ainda não definira, nem concretizara devidamente os termos do aludido contrato e o fundamento dos pedidos de indemnização que formulara, a ponto de a A. ter mais 10 dias, a convite do Tribunal, para suprir as insuficiências detectadas e corrigir a petição inicial, evidentemente que após a junção aos autos da p.i. corrigida, se seguiria novo período para a parte contrária se pronunciar, em obediência ao princípio do contraditório estabelecido no art. 3º, nº 3, do CPC.
Altura em que a Ré poderia igualmente esclarecer o que entendesse sobre tal matéria, impugnando ou contradizendo os factos alegados pela Autora; mutatis mutandis relativamente à Interveniente Seguradora.

Quer isto dizer que, por um lado, temos o Tribunal “a quo” a considerar que o “articulado superveniente”se encontrava fora do prazo, mas por outro, somos confrontados com o facto de a petição inicial do Autor, que define o litígio e configura a relação material controvertida que se irá desenvolver ao longo do processado e, em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo e a defesa oferecida por estes, ainda a ser corrigida…
Neste contexto, e porque a Interveniente aduziu, no “articulado superveniente”, que os factos alegados assumiam relevância para a decisão da acção por poderem conduzir à exclusão da responsabilidade da Recorrente e à sua absolvição do pedido, entendemos que foi prematura a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ao determinar a rejeição do articulado.
Tanto mais que se trata de matéria que o Tribunal recorrido considerou relevante, pois incluiu-a mais tarde na base instrutória no quesito 20º, na sequência dos quesitos 18º e 19º (cf. fls. 728, do 4º Vol.). Teria, portanto, todo o interesse em ver esclarecidos tais factos.
Até porque a procedência ou improcedência da acção depende da clarificação da relação existente entre a Autora e a Ré. E da questão de saber que contratos foram celebrados e com quem.

Destarte, não se pode considerar preenchido o pressuposto legal de que o articulado superveniente foi apresentado fora de tempo e por culpa da parte (aqui, Interveniente Seguradora) – cf. art. 506º, nº 4, 1ª parte, do CPC.
Acresce que o juízo de tempestividade do articulado superveniente tem de atender à prova que é feita do conhecimento dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela parte que apresenta tal articulado e não por quaisquer outros factos.
E só a culpa desta, na referida apresentação extemporânea, permitirá a rejeição do mesmo.
Merece, assim, acolhimento a pretensão da Apelante.

7. Razão pela qual se julga procedente a Apelação, nesta parte e, em consequência, se revoga o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que deve ser substituído por outro que admita o articulado superveniente apresentado pela Recorrente, aditando-se o acervo fáctico que entender necessário à matéria de facto provada e à base instrutória, com as respectivas consequências legais.
Nomeadamente, exigirá a posterior produção de prova testemunhal apenas nessa parte e naquela que se demonstrar indispensável para julgamento e decisão dos presentes autos, nos precisos termos do art. 712º, nº 4, 2ª parte, do CPC.

8. Prejudicado fica o conhecimento da Apelação relativo à sentença proferida nos autos e que foi objecto de igual recurso por parte da Seguradora.
Após julgamento será proferida nova sentença que atenderá ao circunstancialismo fáctico resultante da prova produzida, tendo em conta os quesitos que forem aditados, e o demais que se provar em audiência de julgamento, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes, com particular acuidade para o tipo de contrato celebrado entre as partes – de que natureza, quem vincula, quais as cláusulas que o regem… – e o eventual conteúdo da apólice do contrato de seguro celebrado entre as partes e o tipo de danos que cobre.

IV – Em Conclusão:
1. Na última reforma ao Código de Processo Civil (DL. nº 329-A/95, de 12/12) procedeu-se à clarificação do regime de apresentação do articulado superveniente exponenciando como referência atendível e inultrapassável o comportamento da própria parte, fazendo depender a extemporaneidade da superveniência da atitude assumida pela parte que pretende socorrer-se dos novos factos.
2. Consignou-se, assim, no nº 4 do art. 506º do CPC, a rejeição liminar pelo Juiz do articulado superveniente quando a sua apresentação se concretizar fora de tempo por culpa da parte. Ou quando for manifesto que os factos alegados não interessam à decisão da causa. 
3. O legislador não esclareceu, aquando da alteração da norma, em que termos deveriam ser entendidas as referidas asserções valorativas. E bem. Caberá, por conseguinte, ao julgador decidir, caso a caso, quando confrontado com os factos ocorridos, altura em que formulará o respectivo juízo sobre a existência de culpa da parte e sobre a natureza dos factos alegados e do respectivo interesse que possam assumir para a decisão da causa.
4. Entendemos, por isso, que será de recusar o articulado superveniente quando os factos alegados não relevem para a decisão da causa, ou seja, se mostrem desnecessários, despropositados e inúteis.
5. Por sua vez o juízo de tempestividade do articulado superveniente, terá de atender à prova que é feita do conhecimento dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela parte que apresenta tal articulado e não por quaisquer outros factos. E só a culpa desta, aferida pela falta de diligência no sentido de os obter atempadamente, permitirá a rejeição do mesmo.

V – Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar procedente a Apelação da Autora relativamente ao despacho que não admitiu o articulado superveniente e, consequentemente, revoga-se tal despacho, que deverá ser substituído por outro que admita o articulado superveniente apresentado pela Recorrente, aditando-se os factos necessários ao acervo factual provado e à base instrutória, com as respectivas consequências legais.
Deverá ter lugar a produção de prova testemunhal apenas nessa parte e naquela que se demonstrar indispensável para julgamento e decisão dos presentes autos, nos precisos termos do art. 712º, nº 4, 2ª parte, do CPC.
- Custas da Apelação a cargo da Autora, parte vencida.

Lisboa, 21 de Março de 2012.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
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[1] Neste sentido cf. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil – Anotado”, 2º Vol., pág. 340.
[2] Cf. Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, pág. 331.
[3] Cf. Lebre de Freitas, Ibidem.