Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2326/12.1TVLSB.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CLÁUSULAS NULAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Nos contratos de adesão sujeitos à disciplina do Decreto-Lei 446/85 de 25/10, a comunicação das cláusulas contratuais gerais deve fazer-se de modo integral e adequado e com antecedência suficiente para que a parte contrária possa inteirar-se e compreender o seu teor e alcance real.
II- A omissão desse dever de informar acarreta a nulidade da cláusula respectiva.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:



I – Relatório:


1- O A. LM instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra o Banco R., S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 38.807,01 € (sendo 28.807,01 € a título de danos patrimoniais, e 10.000 € a título de danos não patrimoniais).

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que, celebrou, em Maio de 2007, dois contratos de mútuo bancário com a R.. Veio a renegociá-los em Outubro desse ano, por forma a reduzir a prestação mensal respectiva, acordando com a R., por meio do não pagamento, por um período de cinco anos, do valor relativo à amortização de capital, mantendo, porém, a taxa inicial contratada de juros remuneratórios, isto é, a Euribor a 3 meses.

Mais alegou que, tendo assinado em branco os respectivos formulários da alteração negociada, pré-redigidos pela R. e de texto inalterável, verificou depois que as respectivas condições – que não lhe foram explicitadas e seriam ininteligíveis para o cidadão comum – previam para os ditos empréstimos a dita carência de capital por cinco anos, mas também uma taxa de juros remuneratórios correspondente à Euribor a 6 meses, o que impediu o benefício de redução da prestação mensal que suportava, tendo antes implicado o seu agravamento.

Defendeu, por isso, o A. que, consubstanciando os formulários contratuais que assinou meros contratos de adesão, e tendo a R. violado, quanto às cláusulas relativas às novas taxas de juros remuneratórios, os seus deveres de comunicação e de informação, as mesmas teriam que se considerar excluídas dos contratos alterados, tudo conforme artºs. 5º e 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10.

Alegou ainda o A. que, recusando-se a R. a alterar as novas condições contratuais, desconformes com o antes negociado consigo, e por forma a assegurar o pagamento da prestação mensal a que se obrigara, viu-se forçado: A suportar durante cinco anos a diferença entre as duas taxas de juros remuneratórios referidas, correspondendo essa diferença a 23.962,75 €; a fazer um resgate parcial do seu Plano Poupança Reforma, no valor de 700 €; a recorrer ao seu cartão de crédito, movimentando o valor de 3.279,78 €; e a contrair um novo crédito pessoal, afectando em benefício da R. a quantia de 864,48 €.

Mais afirma o A. que a manipulação, pela R., do formulário das alterações contratuais negociadas, nos termos expostos, causou-lhe ainda angústia, ansiedade, e um abalo emocional extremo face à sua incapacidade para fazer face às despesas crescentes, bem como um sentimento de injustiça, o que consubstanciaria um dano não patrimonial susceptível de indemnização.

Finalmente, o A. alegou que a R. teria firmado com a Marinha Portuguesa um Protocolo aplicável aos membros desta, aplicável a todas as relações de formalização de contratos, que não preveria a aplicação da taxa de juro fixa, tendo por isso aquela violado, com a actuação descrita nos autos, também este outro instrumento negocial.

2- Regularmente citado, veio o R. contestar, defendendo-se por impugnação.
Para tanto afirma, em resumo, que acordou com o A., na renegociação contratual de Outubro de 2007, e relativamente aos dois contratos de mútuo bancário prévios, um período de carência de capital por cinco anos; e, simultaneamente, a aplicação de uma taxa de juros remuneratórios fixa durante o mesmo, passando depois para a taxa Euribor a 6 meses (tudo consubstanciando um único e mesmo produto, designado por “Super Tranquilo”).
Mais alegou que, não só o A., por várias vezes, leu atentamente as condições propostas, sendo uma pessoa instruída e com conhecimentos acima da média, como levou para casa os formulários, antes de os assinar, tendo também os seus próprios Colaboradores feito – a pedido e na presença daquele – diversas simulações do produto em causa, tudo assegurando que o A. tivesse entendido perfeitamente o respectivo sentido.
Tanto assim seria que o mesmo só viria a reagir às alterações negociadas e pretendidas por ele próprio cerca de um ano depois, unicamente porque o comportamento da taxa Euribor a 3 meses – cuja aplicação abandonara – seria então susceptível de o beneficiar.
Impugnou, ainda, os danos alegados pelo A., mais afirmando que o Protocolo por si celebrado com a Marinha Portuguesa impusesse a aplicação de quaisquer taxas variáveis, ou afastasse a aplicação de taxas fixas.

3- O A. apresentou réplica, onde manteve a posição já defendida na petição inicial.

4- Realizou-se audiência preliminar, onde foi proferido despacho saneador e discriminada a matéria de facto assente e a que carecia de prova a produzir.

5- Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo, tendo sido proferido despacho com a indicação da matéria de facto Provada.

6- Foi, posteriormente, proferida Sentença a julgar a acção parcialmente procedente, constando da parte decisória da mesma:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente a presente acção, proposta por LM contra Banco R., S.A., por parcialmente provada e, em consequência, decido :

A) Declarar nulas, e de nenhum efeito, as alterações contratuais formalizadas em Outubro de 2007, relativas aos prévios contratos de mútuo bancário celebrados em 24 de Maio de 2007, entre o Autor e a Ré, respectivamente “COMPRA E VENDA / MUTUO COM HIPOTECA / Modelo A” e “Contrato de empréstimo Multifunções”, a que foi atribuído o nº 0040.00495696020;

B) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia:
• correspondente ao resgate do seu Plano Poupança Reforma, e à movimentação do seu cartão de crédito, no período compreendido entre Outubro de 2007 e Outubro de 2012, a liquidar em execução de sentença, mas não superior a € 700,00 (setecentos euros, e zero cêntimos) e a € 3.279,78 (três mil, duzentos e setenta e nove euros, e setenta e oito cêntimos), respectivamente;
• de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros, e zero cêntimos), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
C) Absolver a Ré do demais peticionado contra si pelo Autor.
Notifique.
Registe”.

7- Desta decisão interpôs o R. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1. As alegações apresentadas incidem sobre as questões a seguir enunciadas, que constituem o objecto do presente recurso:

a. Impugnação da matéria de facto provada e não provada;
b. Qualificação jurídica do contrato celebrado entre o A. e a R.;
c. Alterações contratuais ajustadas entre o A. e a R., bem como da violação dos deveres de informação e comunicação das alterações contratuais ao A.;
d. Do dever de indemnização da R. pelos alegados danos patrimoniais causados ao A.;
e. Quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.

2. Impugnação da matéria de facto provada:

2.1. A decisão proferida dá, como provados, os seguintes factos, que, no entender do Recorrente foram incorrectamente julgados:
• Facto provado sob o nº 4 (artigo 1º da base instrutória): Em Outubro de 2007, no culminar da renegociação dos empréstimos (conforme referido no facto enunciado sob o nº 3), o A. pretendia obter a liquidação de uma prestação mensal inferior.
• Facto provado sob o nº 6 (art. 2º da base instrutória): Na ocasião referida sob o número anterior, o A. negociou o não pagamento do valor relativo a capital durante o período de cinco anos.
• Facto provado sob o nº 7 (art. 3º da base instrutória): Mercê do referido nos factos anteriores, o balcão do Alfeite comunicou ao Autor que deveriam assinar um formulário para cada um dos empréstimos e que o renegociado seria certamente aceite.
• Facto provado sob o nº 8 (art. 4º da base instrutória): Face à informação referida no facto anterior, o Autor assinou os referidos formulários, após a garantia do referido balcão do Alfeite de que estaria a contratar a carência de capital.
• Facto provado sob o nº 16 (Artigo 10º da Base Instrutória): O contrato celebrado, bem como a proposta de celebração apresentada, reveste a forma de formulário de adesão, em que cláusulas se encontram previamente pré-determinadas pela R., não existindo possibilidade de negociação ou alteração das mesmas pelo Autor.
• Facto provado sob o nº 23: (Art. 26º da Base Instrutória): A dificuldade em liquidar as prestações era de tal ordem, que determinou o Autor a resgatar o valor que havia investido num Plano Poupança Reforma, a fim de conseguir liquidar todos os seus compromissos financeiros.
• Facto provado sob o nº 28: (Art. 32º da Base Instrutória): Mercê das suas dificuldades financeiras, o Autor recorreu ao seu cartão de crédito.

2.2. E, julgou não provados os seguintes factos que, na perspectiva do Recorrente e face à prova produzida impunham uma decisão diferente da proferida:
• Artigo 9º da Base Instrutória: Em Outubro de 2007, na ocasião referida na alínea C) (vertida no ponto 3 da matéria de facto provada), o A. optou pela taxa fixa a 5 anos, ou seja, pelo designado produto “Super Tranquilo”.
• Artigo 13º da Base Instrutória: As alterações contratuais referidas nos artigos anteriores foram, global e especificamente, explicadas ao A. pela Ré. Não provado.
• Artigo 14º da Base Instrutória: Na ocasião referida nos artigos anteriores, o Autor demonstrou ter entendido perfeitamente o sentido e alcance das alterações contratuais. Não provado.
• Art. 15º da Base Instrutória: O Autor leu atentamente, por várias vezes, o teor das condições propostas. Não provado.

3. Liberdade contratual – Contrato de adesão (cláusulas contratuais gerais): impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (facto enunciado sob o nº 16) e qualificação jurídica.

3.1. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (facto enunciado sob o nº 16, artº 10º da base instrutória):
i. Na óptica da Recorrente a resposta a este ponto da matéria de facto não se encontra suficientemente fundamentada.
ii. Com efeito a prova produzida em audiência não permitia ao Tribunal a quo decidir que não tenha sido facultada ao A. a possibilidade de negociação ou alteração do mesmo.
iii. Assim sendo, entende o Recorrente que o facto enunciado sob o nº 16 (art. 10º da Base Instrutória) foi incorrectamente julgado, por ausência de prova, razão pela qual deve a resposta ao mesmo ser alterada, considerando-se aquele facto como “Não provado”.

3.2. Qualificação jurídica dos instrumentos contratuais referentes às alterações contratuais ajustadas em Outubro de 2007
i. Conforme alegados (cf. pontos 8 a 19 das alegações), o instrumento jurídico que formalizou as alterações ajustadas em Outubro de 2007 não pode ser qualificada como um contrato de adesão porque, embora de trate de um formulário pré-impresso, o mesmo permite a sua negociação, o que resulta evidente tanto dos espaços em branco, das opções que são dadas aos proponentes e da negociação prévia que existe quando é solicitada a alteração das condições dos vulgarmente designados créditos à habitação;
ii. Assim sendo, ao aplicar às modificações contratuais ajustadas entre o A. e a R., do regime das cláusulas contratuais gerais, fez a sentença uma errada aplicação e interpretação do disposto no art. 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (LCCG), posto que não se verifica, in casu, a rigidez por ausência de negociação ou alteração das mesmas pelo A. (face às opções que então foram dadas).

4. Do conteúdo da alteração contratual efectivamente negociada pelo A. com a R. e sua formalização, bem como da alegada violação dos deveres de comunicação e de informação: impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

4.1. Pontos concretos que no entender do Recorrente foram incorrectamente julgados:
i. Em resposta à matéria de facto relacionada com a alteração contratual efectivamente negociada pelo A. com a R., o Tribunal deu como provada a matéria enunciada sob os nºs 4º, 6º, 7º e 8º dos factos enunciados na sentença.
ii. No que diz respeito à resposta à matéria de facto referente ao cumprimento dos deveres de informação, considerou o Tribunal a quo que a Recorrente não efectuou prova da matéria indicada nos art. 13º, 14º e 15º da Base Instrutória. Tendo-os considerado não provados.

4.2. Na óptica do Recorrente, os meios probatórios que constam dos autos (documentos juntos pelas partes) e, em especial, a prova produzida em audiência de julgamento (como o depoimento da testemunha CF) impunha uma decisão diferente da tomada pelo Tribunal a quo relativamente aos quesitos atrás enunciados, conforme alegado nos pontos 24 a 42 das alegações.

4.3. Entende, assim, que deve ser alterada a resposta aos factos acima especificados da seguinte forma:
• Facto provado sob o nº 4 (artigo 1.º da base instrutória): Em Outubro de 2007, no culminar da renegociação dos empréstimos (conforme referido no facto enunciado sob o nº 3), o A. pretendia obter a liquidação uma prestação mensal inferior e constante.
• Facto provado sob o nº 6 (art. 2º da base instrutória): Na ocasião referida sob o número anterior, o A. negociou o não pagamento do valor relativo a capital durante o período de cinco anos, liquidaria juros a uma taxa fixa.
• Facto provado sob o nº 7 (art. 3º da base instrutória): Mercê do referido nos factos anteriores, o balcão do Alfeite comunicou ao Autor que deveriam assinar um formulário para cada um dos empréstimos e que o renegociado (taxa fixa e período de carência de capital) seria certamente aceite.
• Facto provado sob o nº 8 (art. 4º da base instrutória): Face à informação referida no facto anterior, o Autor assinou os referidos formulários, após a garantia do referido balcão do Alfeite de que estaria a contratar a carência de capital e aplicação de uma taxa fixa.
• Artigo 13º da Base Instrutória: As alterações contratuais referidas nos artigos anteriores foram, global e especificamente, explicadas ao A. pela Ré. Deve ser dado como provado.
• Artigo 14º da Base Instrutória: Na ocasião referida nos artigos anteriores, o Autor demonstrou ter entendido perfeitamente o sentido e alcance das alterações contratuais. Deve ser dado como provado.
• Art. 15º da Base Instrutória: O Autor leu atentamente, por várias vezes, o teor das condições propostas. Deve ser dado como provado.

5. Dos (alegados) danos patrimoniais: inexistência dos danos do A., nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão, impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (facto provados sob os números 23 e 28), inexistência de nexo de causalidade (errada aplicação do disposto no art. 563.º do Código Civil):

5.1 A sentença recorrida condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia – que se vier a liquidar em execução de sentença – correspondente ao resgate do seu Plano Poupança Reforma e à movimentação do seu cartão de crédito, no período compreendido entre Outubro de 2007 e Outubro de 2012.

5.2 Ora, nem o resgate do Plano Poupança Reforma, nem a utilização do cartão de crédito configuram danos do A. porquanto os valores despendidos terão sido utilizados para fazer face a despesas do A./Recorrido e, por essa razão, não constituem danos do A..

5.3 Acresce que, se a sentença refere (erradamente, na nossa opinião) que as dificuldades económicas do A. (que estarão na origem daqueles danos) ocorreram ao fim de um ano, ou seja, em Outubro de 2008, não poderia a sentença, sob pena de contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, condenar a R. a pagar o valor correspondente ao resgate do seu Plano Poupança Reforma e à movimentação do seu cartão de crédito, no período compreendido entre Outubro de 2007 e Outubro de 2012.

5.4 Assim e, por manifesta contradição entre a decisão e a sua fundamentação, deve a sentença ser considerada nula, o que expressamente se alega nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1, al. c) do NCPC.

5.5 Impugnação da matéria de facto constante dos factos enunciados sob os números 23 e 28: para prova dos alegados danos a sentença baseou-se, no essencial, no depoimento das testemunhas do A., que a esta matéria se referiram de uma forma meramente perfunctória, constituem depoimentos indirectos e não foram acompanhados de qualquer prova documental complementar que seria de fácil obtenção pelo Recorrido.

5.6 Assim sendo devem as respostas aos factos enunciados sob os números 23 e 28 ser alterados para “não provado”.

5.7 Acresce que, inexiste qualquer nexo de causalidade entre a conduta da R. e os alegados danos do A.. Com efeito, as dificuldades económicas do A. eram anteriores a Outubro de 2007.

5.8 Por outro lado, com a aplicação ao empréstimo de uma taxa fixa, com carência de capital, a prestação mensal para pagar os empréstimos manteve-se.

5.9 Inexiste, pois, qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Recorrente e os putativos danos do A., razão pela qual entendemos ter o Tribunal efectuado uma errada interpretação do disposto no art. 563º do Código Civil.

6. Quanto aos danos não patrimoniais entende o Recorrente que o quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida é desajustado, por excessivo.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a decisão recorrida, com o que farão V. Ex.as a acostumada Justiça”.

8- Não foram apresentadas contra-alegações.

*  *  *

II – Fundamentação :

a) A matéria de facto considerada na 1ª instância foi a seguinte:

1- O A. celebrou com o R., em 24/5/2007, o contrato denominado “Compra e Venda / Mútuo com Hipoteca / Modelo A”, pela quantia de 195.000 €, e o contrato denominado “Contrato de empréstimo Multifunções”, pela quantia de 40.000 €, acordos a que foi atribuído o nº 0040.00495696020 (e cujas cópias são, respectivamente, fls. 4 a 17 dos autos, e fls. 18 a 28, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

2- Nos contratos referidos em 1 ficou estabelecido que o reembolso seria feito da seguinte forma:
-Contrato para Aquisição de Habitação Própria Permanente – Liquidação em 432 meses, sendo que sobre o capital mutuado se venceriam juros, calculados tendo por base a média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, tendo por base Act/365, acrescida de 2,5 pontos percentuais;
-Contrato Multifunções – Liquidação em 432 meses, sendo que sobre o capital mutuado se venceriam juros, calculados tendo por base a média aritmética das cotações diárias da Euribor a 3 meses do ano civil anterior ao da contagem de juro, excluindo os dois últimos dias, arredondada para cima a % de ponto percentual imediatamente superior, tendo por base Act/365 acrescida de 2.5 pontos percentuais.

3- Em Outubro de 2007, o A. dirigiu-se ao balcão da R., sito no Alfeite, para renegociar os empréstimos referidos em 1. e 2., propondo que os seus contratos ficassem sujeitos a regime de carência de capital (pois poderia beneficiar dessa isenção).

4- Em Outubro de 2007, no culminar da renegociação dos empréstimos (conforme referido em 3.), o A. pretendia obter a liquidação de uma prestação mensal inferior.

5- Mercê do referido em 3 e 4, o A. negociou o não pagamento do valor relativo a capital durante o período de 5 anos.

6- Na ocasião referida nos factos anteriores, o A. negociou com a R. que, num período de 5 anos, não pagaria o valor relativo a capital (conforme referido em 5.).

7- Mercê do referido nos factos anteriores, o balcão da R. do Alfeite comunicou ao A. que deveriam assinar um formulário para cada um dos empréstimos, e que o renegociado seria processado e certamente aceite.

8- Face à informação referida no facto anterior, o A. assinou os referidos formulários, após a garantia do referido balcão do Alfeite de que estaria a contratar a carência de capital (conforme documentos que são fls. 29 a 31 – “Crédito Habitação” – e fls. 32 a 34 – “Multifunções” – que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

9- Os formulários para “Alteração Proposta” (que são fls. 29 a 31 e 32 a 34 dos autos) foram assinados pelo A. em 19/10/2007, no balcão da R. do Alfeite, tendo o dito balcão entregue cópia àquele.
10- Conforme se alcança das cópias dos formulários (referidos nos dois factos anteriores) entregues ao A, as mesmas não se encontram preenchidas no que se refere ao campo relativo à “Alteração Proposta”.

11- As cópias dos formulários (referidos nos três factos anteriores) apenas foram carimbadas pela Unidade de Risco da R., com entrada de 22/10/2007, tendo o Balcão do Alfeite dado seguimento às mesmas – nomeadamente, para apresentação àquela Unidade de Risco – em 19/10/2007 (conforme documentos que são fls. 35 a 37 e 38 a 40 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

12- Quando, no dia 22/10/2007, a Unidade de Risco da R. carimbou a entrada dos formulários assinados pelo A. em 19/10/2007 (conforme referido em 9.), os mesmos surgiram já preenchidos no campo de “Alteração Proposta”, com indicação de carência de capital (conforme documentos que são fls. 35 a 37 e 38 a 40 dos autos, cujas cópias foram posteriormente cedidas ao A.).

13- Na ocasião referida em 3. (Outubro de 2007), as alterações contratuais – tal como foram formalizadas por escrito – traduziam-se, no essencial, em:
-Os contratos passavam a ter uma carência de capital por cinco anos;
-A taxa de juro era modificada, passando a ter como indexante a taxa “swap” a cinco anos; o valor indexante resultava da cotação diária da taxa “swap” a cinco anos, observada no dia anterior à entrada em vigor da alteração contratual, mantendo-se o seu valor fixo nos primeiros cinco anos; durante os primeiros cinco anos de vigência da alteração contratual, o capital mutuado venceria juros a uma taxa nominal igual à que resulta da soma do indexante ao “spread” aprovado, sendo o “spread” revisto semestralmente; e após os primeiros cinco anos, o capital mutuado vencerá juros calculados tendo por base a média aritmética das cotações diárias da taxa Euribor a 6 meses do mês civil anterior, acrescida do “spread” aprovado.

14- A taxa de juro fixa era uma componente essencial do produto em causa (“Super Tranquilo”), e da inerente carência de capital de que o A. beneficiou.

15- A modalidade de taxa de juro fixa só vigorou nos primeiros cinco anos dos contratos.

16- O contrato celebrado, bem como a proposta de celebração apresentada, reveste a forma de formulário de adesão, em que as cláusulas se encontram previamente pré-determinadas pela R., não existindo possibilidade de negociação ou de alteração das mesmas pelo A..

17- Os colaboradores da R., na presença e a pedido do A., fizeram diversas simulações da aplicação da taxa “swap” a cinco anos aos seus empréstimos.

18- O A. antes de os assinar, levou os impressos das condições propostas para sua casa, para melhor análise dos mesmos.

19- Nos documentos assinados pelo A., consta expressamente que declarou conhecer e dar o seu acordo quanto às alterações contratuais em causa.

20- O A. é uma pessoa instruída, com conhecimentos bem acima da média, sendo comandante da Marinha e professor da Escola Naval.

21- Durante mais de um ano, o A. nada transmitiu à R. quanto aos contratos em causa, nem quanto às suas posteriores alterações contratuais.

22- O A. verificou que a renegociação não o estava a beneficiar (face à descida entretanto ocorrida da taxa de juro Euribor a 3 meses), antes estava a implicar um agravamento da sua situação económica.

23- A dificuldade em liquidar as prestações mensais era de tal ordem, que determinou o A. a resgatar o valor que havia investido num Plano Poupança Reforma, a fim de conseguir liquidar todos os seus compromissos financeiros.

24- Em 10/2/2009, o A. apresentou junto do Banco de Portugal uma reclamação, conforme documento junto a fls. 41 e 42 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
“(…)

Âmbito da reclamação                                             Crédito à habitação
(…)
No ano passado (Novembro) quando as taxas de juro indicavam descidas significativas, constatei que no meu contrato crédito habitação (Contrato 000302762176096 – taxa variável) a Euribor tinha passado de três para seis meses, quando o contrato passou a ter carência de capital a 5 anos (a partir de Janeiro de 2008). O meu contrato inicial tinha a Euribor a três meses (antes da passagem a carência de capital) e foi-me comunicado pelo Balcão que quando passa a carência de capital, passa automaticamente para Euribor a seis meses).

Além de não ter o contrato de carência capital na minha posse, tendo-o solicitado por diversas vezes ao Balcão, constatei que nas condições dos contratos, nada consta sobre essa matéria (Alteração para Euribor a seis meses).

Apesar disso, em Novembro de 2008 solicitei via telefone a alteração da Euribor para três meses. Disseram-me que iam ver o que podiam fazer!!

Em Dezembro de 2008, voltei a solicitar a passagem da Euribor para três meses, desta vez através de impresso próprio, enviado ao Balcão Alfeite, via Balcão Banco R., S.A. Ourém.

Há cerca de duas semanas o Balcão comunicou-me por telefone que o pedido tinha sido recusado, não tendo recebido até à presente data nenhuma justificação formal para o efeito, apesar de o ter solicitado.

Comuniquei este descontentamento ao Balcão através de “Documento devidamente assinado” enviado via email para o meu gestor de conta, em 03 de Fevereiro de 2009. Em súmula com a Euribor a seis meses (Alterada não sei porque razão), pago aproximadamente mais duzentos euros por mês desde Janeiro até Junho de 2009, o que não aconteceria se a taxa fosse alterada em Janeiro de 2009. Atendendo que os indicadores apontam para a continuação da descida da taxa de juro de referência, e tendo em conta o exposto anteriormente, com as presentes condições do contrato, tenho tido algumas dificuldades em cumprir com o mesmo.

Solicito bons ofícios no sentido de alterar a Euribor para três meses, contada a partir de Janeiro de 2009, tal como solicitado e alargar o prazo de pagamento.
(…)”.

25- Em 27/3/2009, o A. recepcionou uma comunicação do Banco de Portugal, que considerou encerrada a sua intervenção, dado que a R. havia comunicado que já havia esclarecido e resolvido a questão com ele, conforme carta que se encontra a fls. 45 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde, nomeadamente, se lê:
“(…)
Na sequência da reclamação de V. Exa. e do procedimento previsto pelo Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, foi-nos comunicado pela instituição de crédito que se encontra esclarecido e resolvido com V. Exa. o assunto que deu origem à referida reclamação.
Com esta comunicação fica encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo de reclamação.
(…)”.

26- A R. enviou ao A., que a recebeu, o original da carta cuja cópia se encontra a fls. 43 dos autos, datada de 6/4/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde, nomeadamente, se lê:
“(…)
No seguimento da comunicação enviada pelo Banco de Portugal ao Banco R., S.A. e concluída a análise da situação que foi colocada à nossa consideração, dirigimo-nos a V. Exa. No sentido de prestar os esclarecimentos que são devidos.
Quando o empréstimo titulado por V. Exa. se iniciou, a 24/05/.2007, o indexante utilizado como referência para o cálculo dos Juros era a Euribor a 3 meses, sendo que a taxa aplicada nesse momento resultava da média aritmética das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida do respectivo spread. Nesse momento encontrava-se em vigor o DL 51/2007, que veio definir que a base de cálculo de juros dos empréstimos de Crédito Habitação seria Act/365 e, neste sentido, o Banco decidiu também aplicar a mesma base de cálculo para a Euribor.
Deste modo, na data da formalização do empréstimo e na revisão de taxa seguinte a Euribor aplicada ao empréstimo resultou da Euribor do mês na base 360 convertida para a base 365.
Em 2 de Dezembro de 2007, data da revisão da taxa de juro do empréstimo foi efetuado uma Alteração das Condições Contratuais para a taxa fixa a 5 anos.
Conforme resulta das condições do produto a taxa swap a aplicar ao Empréstimo é a que estiver em vigor no dia anterior à alteração do empréstimo.
Assim, por um período de 5 anos o empréstimo passou a estar indexado à taxa Swap a 5 anos e não à Euribor, não se aplicando neste caso a questão da base de cálculo.
Quando o empréstimo voltar a estar indexado à Euribor (após o período de 5 anos) a base utilizada para o cálculo dos juros e da Euribor é de 360 dias, de acordo com o definido no DL 88/2008 que entrou em vigor a 28 de Junho de 2008.
(…)”.

27- O A. enviou à R., que o recebeu, o original do “email” cuja cópia se mostra junta a fls. 44 dos autos, datada de 23/4/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde, nomeadamente, se lê:
“(…)
Venho por este meio solicitar pedido de esclarecimento à vossa carta enviada e que se encontra em anexo.
Contraponho com a informação exposta no documento “Carta qualidade resposta”, que se encontra também em anexo, solicitando celeridade na resposta, pois este caso já se arrasta há meses. A parte final da resposta apontada na vossa carta, em nada tem a ver com o meu contrato habitação.
(…)”.

28- Mercê das suas dificuldades económicas, o A. recorreu ao seu cartão de crédito.

29- A situação descrita nos factos anteriores causou ao A. angústia e ansiedade, determinou-lhe deslocações, e implicou um abalo emocional, face à sua incapacidade de fazer face às crescentes despesas, bem como um sentimento de injustiça, que se mantém enraizado, determinado por aquilo que vê como uma manipulação pela R. da documentação da “Proposta Alteração”.

30- A R. firmou com a Marinha Portuguesa um Protocolo, aplicável aos membros desta.
b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões da alegação do recorrente as questões em recurso consistem em:

-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Determinar a qualificação do contrato e a verificação (ou não) do dever de informação e comunicação das alterações contratuais ao recorrido.
-Saber se a Sentença recorrida é nula.
-Apurar se inexistiram prejuízos para o apelado, em consequência da celebração do contrato.
-Saber se está verificado o nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e os danos do recorrido.
-Saber se o valor indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais é ajustado.
c) Passemos agora a ver se existem razões para alterar a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal “a quo”.
(…)
h) É, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
i) A primeira questão de Direito levantada pelo recorrente, prende-se com a própria qualificação do contrato e com a verificação (ou não) do dever de informação e comunicação das alterações contratuais ao recorrido.

Ao falar de cláusulas contratuais gerais têm-se em vista, em princípio, as cláusulas elaboradas, sem prévia negociação individual, como elemento de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projecto.

As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar (cf. Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, pg. 413).
“A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim, (i) as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; no primeiro caso, certos utilizadores propõem a uma generalidade de pessoas certos negócios, mediante a simples adesão; no segundo, certos utilizadores declaram aceitar apenas propostas que lhes sejam dirigidas nos moldes das cláusulas contratuais pré-elaboradas; podem, naturalmente, todos os intervenientes ser indeterminados, sobretudo quando as cláusulas sejam recomendadas por terceiros (generalidade); (ii) as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite; os intervenientes não têm a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações (rigidez)” (cf. Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, pgs. 413 e 414).

Deste modo, as cláusulas contratuais gerais, que se encontram submetidas ao regime fixado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais – L.C.C.G.) “consistem em situações típicas do tráfego negocial de massas em que as declarações negociais de uma das partes se caracterizam pela pré-elaboração, generalidade e rigidez. Efectivamente, está-se nesses casos perante situações em que uma das partes elabora a sua declaração negocial previamente à entrada em negociações (pré-elaboração), a qual aplica genericamente a todos os seus contraentes (generalidade), sem que a estes seja concedida outra possibilidade que não seja a da sua aceitação ou rejeição, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de discutir o conteúdo do contrato (rigidez)” (cf. Luís Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 8ª ed., pg. 32).

Para além disso, as cláusulas contratuais gerais costumam caracterizar-se pela desigualdade entre as partes, pela complexidade e pela natureza formulária, ainda que estas características não sejam de verificação necessária.

“Efectivamente, costuma caracterizar as cláusulas contratuais gerais o facto de uma das partes ter uma posição social ou económica mais relevante, que lhe serve de justificação para impor a situação à outra parte. Para além disso, as cláusulas contratuais são normalmente completas e exaustivas, regulando todas as questões de verificação entre as partes, a um nível jurídico, não acessível a leigos. Finalmente as cláusulas contratuais gerais constam normalmente de formulários, de letra reduzida e leitura difícil, que o aderente não examina detalhadamente, limitando-se a neles incluir os seus elementos de identificação” (cf. Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, pg. 414).

Nas cláusulas contratuais gerais é manifesta a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que fica assim apenas na mão da outra parte.

Porém, a limitação, jurídica ou meramente de facto, da liberdade do aderente não constitui óbice ao triunfo da tese contratual, pois não é a liberdade de estipulação que caracteriza o negócio jurídico e portanto o contrato, mas a autonomia de vontade, ou seja, a faculdade de regular por si os próprios interesses, ainda que dentro de esquemas legais preestabelecidos (cf. Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, pg. 313).

O conhecimento imperfeito do conteúdo do contrato, facto subjectivo de averiguação difícil, ocorrerá com mais frequência nos contratos deste tipo; mas não é fenómeno que só nelas ocorra: Por isso, também não deve aceitar-se a modalidade da tese contratualista que restringe o acordo às condições particulares, dando como não vinculativas para o aderente as condições gerais (cf. Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, pg. 313).
Ainda assim, a manifesta impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que assim fica apenas na mão da outra parte, pode conduzir a efeitos perversos. “Um deles é a circunstância de o contrato poder ser celebrado sem que uma das suas partes se possa aperceber do seu conteúdo, só sendo confrontada com o regime contratual que aceitou no momento em que surge um litígio, quando naturalmente é demasiado tarde para reagir. O outro é a possibilidade fáctica de serem introduzidas no contrato cláusulas iníquas ou abusivas, em benefício de um dos contraentes, que qualquer contraente normal tenderia a rejeitar, se pudesse discutir as condições do contrato” (cf. Menezes Leitão, in  “Direito das Obrigações, Vol. I, 8ª ed., pg. 33).

Para evitar estes efeitos perversos, que podem ocorrer em relação a uma generalidade de contraentes, a lei tem que intervir no sentido de restringir a liberdade de estipulação, procurando, por um lado, evitar a introdução no contrato de cláusulas de que o outro contraente se não apercebeu e visando, por outro, impedir o surgimento de cláusulas iníquas.

Relativamente ao primeiro vector, ele é concretizado pela referência de que as cláusulas contratuais gerais se incluem nos contratos mediante a sua aceitação (artº 4º da L.C.C.G.).

Esclarecida a necessidade de aceitação, ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes. Por outro lado, a exigência de aceitação determina a aplicação às cláusulas contratuais gerais das regras sobre a perfeição da declaração negocial, designadamente em caso de falta de consciência da declaração, erro ou incapacidade.
Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular.

Essas exigências constam dos artºs. 5º a 7º da L.C.C.G., reconduzindo-se à:
-comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (artº 5º);
-prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (artº 6º):
-inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (artº 7º).

Como exemplos típicos de contratos, contendo cláusulas contratuais gerais, costumam apontar-se os contratos de adesão, aqueles em que um dos contraentes – o cliente, o consumidor – como sucede, por exemplo (…), na generalidade dos contratos bancários, não tendo a menor participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado (cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 1ª ed., pgs. 252 e 253).

Contratos de adesão são, pois, aqueles cujas cláusulas são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar.
Todavia, como resulta do artº 1º nº 2 da L.C.C.G., o regime consagrado na lei também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo, previamente elaborado, os destinatários não podem influenciar.

Assim, relativamente à comunicação à outra parte, especifica a lei que mesma deve ser integral (artº 5º nº 1 da L.C.C.G.) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (artº 5º nº 2 da L.C.C.G.).

O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (artº 5º nº 2 da L.C.C.G.). Deve ser apreciado “in abstracto”, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil.

O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (artº 5º nº 3 da L.C.C.G.). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. artº 342º nº 1 do Código Civil), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (artº 8º al. a) da L.C.C.G.), considerando ainda a lei não terem sido adequada e efectivamente comunicadas as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real (artº 8º al. c) da L.C.C.G.) e as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de uma das partes (artº 8º al. d) da L.C.C.G.).

Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (artº 6º nº 1 da L.C.C.G.) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (artº 6º nº 2 da L.C.C.G.).

Com efeito, “a conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva autodeterminação, não se contenta com a comunicação das cláusulas. Estas devem ser efectivamente entendidas. Para o efeito, a L.C.C.G. prevê um dever de informação. O utilizador das cláusulas contratuais gerais deve conceder a informação necessária ao aderido, prestando-lhe todos os esclarecimentos solicitados, desde que razoáveis” (cf. Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, pg. 429).

Caso não tenha sido cumprida a exigência de informação, em termos de não ser de esperar o conhecimento efectivo pelo aderente, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas dos contratos singulares (artº 8º al. b) da L.C.C.G.).

j) No caso em apreço, estamos, sem qualquer sombra de dúvida (e isso não é posto em causa pelas partes), perante dois contratos de mútuo bancário, celebrados pelo recorrido, como mutuário, e pelo recorrente, como mutuante.

Com efeito, recorrente e recorrido celebraram, em 24/5/2007, dois contratos de mútuo bancário, vindo, posteriormente a alterá-los, em Outubro de 2007, a pedido do apelado, formalizando as referidas alterações em dois novos documentos escritos, sob a epígrafe “Alteração Proposta”, um denominado “Crédito Habitação” e outra “Multifunções”.

Os documentos escritos que consubstanciaram os contratos iniciais, e os que formalizaram as alterações posteriores, revestem, de modo perfeitamente evidente, a forma de formulário de adesão, em que as cláusulas se encontravam previamente pré-determinadas pelo recorrente, não existindo possibilidade de negociação ou alteração das mesmas pelo recorrido.

Ou seja, e sem prejuízo de pequenas e efectivas negociações dos textos contratuais (como, por exemplo, os montantes mutuados, as datas de início e termo dos contratos) terem resultado de uma iniciativa conjunta, foi o apelante quem pré-elaborou, de forma geral e indeterminada, a generalidade das cláusulas contratuais mais relevantes aí apostas (por exemplo, as condições de mora e de incumprimento), sem que o apelado as pudesse modificar ou alterar.

Temos, assim, de concluir (e até perante os factos dados como provados, que não sofreram qualquer alteração) que os dois contratos de mútuo bancário celebrados entre as partes, bem como as suas posteriores alterações escritas, consubstanciaram contratos de adesão.

E terá sido cumprido, por parte do recorrente, o dever de informação e comunicação das alterações contratuais ao recorrido?

Apurou-se que o apelado, em Outubro de 2007, renegociou com o apelante os dois contratos de mútuo celebrados em Maio do mesmo ano, propondo-lhe que os mesmos ficassem sujeitos a um regime de carência de capital por cinco anos, de forma a obter uma prestação mensal inferior, o que o recorrente aceitou.

Ficou prevista a alteração da anterior taxa de juros remuneratórios, que passou a ser uma taxa fixa, indexada à taxa “swap” a cinco anos, somada ao “spread” aprovado, revisto este semestralmente.

Não logrou o apelante provar que explicou devidamente ao apelado o teor de tais alterações contratuais, nem provou que o recorrido tenha entendido perfeitamente o sentido e alcance das alterações contratuais, sendo certo que, repete-se, era o recorrente quem tinha o ónus de provar tais factos (cf. respostas negativas aos artigos 13º, 14º e 15º da Base Instrutória, que acima não sofreram qualquer alteração).

E neste ponto seguimos de perto a decisão recorrida, quando salienta que, cotejando o teor das cláusulas contratuais em causa, “verifica-se que as mesmas fazem apelo a conceitos técnicos, normalmente não acessíveis ao cidadão comum (v.g. indexante, taxa “swap”, “spread”, cotação diária da taxa Euribor, base de cálculo de juros utilizada)”.

Prosseguindo:
“Assim, e não obstante a diferenciação cultural e profissional do Autor, não a tendo obtido nem a exercendo na área da actividade bancária, crê-se que o mesmo deveria ter continuado a beneficiar do cumprimento, pela Ré, dos deveres de comunicação e de informação – tal como descritos – que a lei lhe impunha, não podendo presumir-se que haja efectivamente compreendido o conteúdo dos impressos quando os levou para casa, ainda que os tenha chegado a ler; ou que as simulações realizadas perante si pelos colaboradores da Ré fossem idóneas a permitirem o mesmo resultado (desconhecendo-se, inclusivamente, se foram feitas no contexto de uma das alternativas negociais possíveis e ainda em análise, ou no contexto da única proposta de renegociação aceite)”.

É certo que o apelado assinou os contratos e neles declarou conhecer e dar o seu acordo às alterações contratuais. Mas a verdade é que tal declaração é insuficiente, sendo necessário que o recorrente lhe tivesse comunicado as condições gerais e lhe tivesse proporcionado a possibilidade de um conhecimento real do respectivo conteúdo.

“Aliás, estando inserida, sem qualquer destaque ou saliência, no próprio texto das condições gerais – e não, por exemplo, em documento separado, com autonomia em relação àquele texto – a estipulação em causa nem sequer poderá ser valorada como índice de verificação de uma comunicação real ou de uma efectiva tomada de conhecimento por parte do aderente. Não é, pois, possível reconhecer-lhe eficácia constitutiva, susceptível de a fazer funcionar como substituto da concordância da contraparte com a vigência das condições gerais tidas em vista pelo utilizador ou como sucedâneo da verificação dos restantes pressupostos legais de incorporação no contrato singular” (cf. Almeno de Sá, in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª ed., pgs. 246 e 247).

Há, pois, que concluir que as cláusulas contratuais gerais que consagraram as novas taxas de juros remuneratórios, em Outubro de 2007, não foram devidamente comunicadas e informadas pelo recorrente ao recorrido, não tendo ficado provado que este ficou em condições de as conhecer completa e efectivamente, tendo-as compreendido.

Ou seja, era ao recorrente que incumbia, nos termos do artº 5º nº 3 da L.C.C.G., o ónus de provar o cumprimento do focado dever de comunicação, sendo indubitável que não fez tal prova.

A partir do momento em que o recorrente não fez prova do cumprimento de tal dever, deve considerar-se que as cláusulas contratuais não foram comunicadas e como tal terão de ser excluídas do contrato, nos termos do artº 8º, al. a) da L.C.C.G.

Deverão, assim, ser declaradas nulas todas as alterações contratuais formalizadas entre o apelante e o apelado em Outubro de 2007, referentes aos dois contratos de mútuo celebrados entre eles, em Maio de 2007.

E, deste modo, nesta parte a decisão sob recurso não nos merece qualquer reparo.

k) Vejamos, agora, se a Sentença recorrida é nula.
(…)
Assim sendo, não se verifica a invocada causa de nulidade da Sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.

Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.

m) Há agora que verificar se existiram, ou não, prejuízos para o apelado, em consequência da celebração do contrato.
Provou-se que foi a dificuldade em liquidar as prestações mensais, posteriores à alteração contratual, que determinou o recorrido a resgatar o valor que havia investido num Plano Poupança Reforma, a fim de conseguir liquidar todos os seus compromissos financeiros.
Por outro lado, mais se provou que, mercê das suas dificuldades económicas, o apelado recorreu ao seu cartão de crédito.
Está, pois, demonstrada a existência de prejuízos para o apelado pelo que, nesta parcela, o recurso terá de improceder.

n) Há, então, que apurar se está verificado o nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e os danos do recorrido.
Alega o recorrente que as dificuldades económicas do recorrido eram anteriores a Outubro de 2007.
Se é certo que existiam algumas dificuldades de pagamento por parte do apelado (daí a sua iniciativa de querer renegociar os contratos celebrados em Maio de 2007), o certo é que as dificuldades económicas mais graves só surgiram, manifestamente, como consequência directa e necessária da celebração das alterações contratuais. Daí a necessidade de utilização do P.P.R. e do cartão de crédito que, manifestamente, não serviram para fazer face a despesas normais e correntes.
Em face de tal, entendemos que, nesta parte, também improcedem as conclusões de recurso do apelante.

o) Finalmente, há que verificar se o valor indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais é ajustado.
O Tribunal “a quo” condenou o apelante a pagar ao apelado a quantia de 6.500 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Ora, os danos não patrimoniais são “prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (cf. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pg. 623).
De harmonia com o disposto no artº 496º nº 1 do Código Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
E no nº 3 do artº 496º do Código Civil acrescenta-se: “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º”.
O “quantum” indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito de indemnização (artº 496º nº 3), aos padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.” (cf. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pg. 629).
Donde resulta que, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: “Por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada, por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (cf. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pg. 630).
A dificuldade de “quantificar” os danos não patrimoniais não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que procurará ser justa, correndo o risco, embora, de ser algo aleatória, tanto mais que, neste campo, repete-se, assume particular relevância a vertente da equidade.
Aqui, “a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de medida exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação” (cf. Leite de Campos in “A indemnização do Dano da Morte”, pg. 12).
No caso dos autos há que ponderar o grau de culpabilidade do recorrente (que acima se fixou como negligente), à situação económica de ambas as partes (obviamente com “pesos” bem diferentes, estando-se perante uma pessoa individual, de um lado, e uma instituição bancária, do outro) e o facto de a situação geradora do dano ter causado ao recorrido angústia e ansiedade, tê-lo obrigado a efectuar deslocações, ter-lhe implicado um abalo emocional, face à sua incapacidade de fazer face às crescentes despesas, bem como um sentimento de injustiça, o qual se mantém enraizado, determinado por aquilo que vê como uma manipulação pelo apelante da documentação da proposta de alteração contratual.
Todavia, há que não esquecer que a indemnização por danos não patrimoniais não visa, propriamente, o ressarcimento do lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que seja justo contrabalanço para o mal sofrido devendo, para ter efeito dignificante, ser significativa e não meramente simbólica (cf. Acórdãos do S.T.J. de 16/12/1993, in Col. Acórdãos do S.T.J., 2/1993, pg. 182, e de 11/9/1994, in Col. Acórdãos do S.T.J., 3/1994 pg. 92).
Assim sendo, afigura-se-nos ajustado e equilibrado o valor fixado pelo Tribunal “a quo”, pese embora o melindre que sempre acarreta a quantificação dos danos não patrimoniais.
Deste modo, também nesta parte improcede o recurso.

p) Assim sendo, conclui-se que a apelação não merece provimento, sendo de manter, na íntegra, a Sentença recorrida.

q) Sumariando:

I- Nos contratos de adesão sujeitos à disciplina do Decreto-Lei 446/85 de 25/10, a comunicação das cláusulas contratuais gerais deve fazer-se de modo integral e adequado e com antecedência suficiente para que a parte contrária possa inteirar-se e compreender o seu teor e alcance real.

II- A omissão desse dever de informar acarreta a nulidade da cláusula respectiva.

*  *  *

III – Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas: Pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil)
Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 23 de Junho de 2015

(Pedro Brighton)
(Teresa Sousa Henrique)
(Isabel Fonseca)


Decisão Texto Integral: