Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1253/11.4TBOER-C.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPENHORABILIDADE
INDEMNIZAÇÃO
DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Em processo de insolvência vigoram, supletivamente, as regras do art.824º, nº1, al.a), do Código de Processo Civil, relativas à impenhorabilidade de dois terços do salário
por forma a garantir o mínimo necessário à subsistência digna do insolvente.
II- A indemnização por despedimento, pese embora não tenha a natureza de salário, é calculada com base no salário do trabalhador e no lapso temporal em que desempenhou funções para a entidade patronal, e visa compensar o trabalhador pelo despedimento e assegurar-lhe um meio de subsistir economicamente durante algum tempo.
III- Por identidade de razão, é aplicável por analogia, à indemnização por despedimento recebida pela insolvente após a declaração de insolvência, o regime de impenhorabilidade de dois terços previsto no referido art.824º, nº1, al.a), do Código de Processo Civil.
(M.A.A.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
A B C veio apresentar-se à insolvência, a qual foi declarada em 15/2/2011, requerendo ainda o pedido de exoneração do passivo restante.

Por requerimento datado de 6/2/2012 veio a insolvente declarar nos autos que recebeu indemnização, no valor de 3.000,00 Euros, a título de compensação monetária pela cessação do contrato de trabalho e que a quantia em causa foi totalmente apreendida para a massa insolvente, quando sustenta que o deveria ter sido apenas em 1/3 da mesma, nos termos do art.824º, nº1, al.b) do Código de Processo Civil, e uma vez que ainda não foi proferido despacho inicial sobre o pedido de exoneração do passivo restante.

Foram notificados os credores para se pronunciarem, sendo que, dos que se pronunciaram, apenas o Banco (…), S.A. não se opôs à apreensão de apenas 1/3 da indemnização para a massa insolvente.

Foi então proferido despacho que decidiu manter a apreensão a favor da massa insolvente da totalidade da quantia de 3.000,00 Euros.”

Inconformada com o teor da decisão veio a insolvente interpor recurso, que concluiu da forma seguinte:
a) O recurso ora interposto pela Apelante versa o douto despacho com a referência citius nº (…), mas apenas na parte em que se pronuncia sobre o requerimento da insolvente de dia 15.02.2012 com a referência citius nº (…) e decide manter a apreensão a favor da massa insolvente da totalidade da quantia de € 3.000,00, decisão com a qual a insolvente não se conforma.
b) O CIRE não resolve esta questão, ou seja, não prevê os casos em que os insolventes, na pendência do processo e antes do despacho inicial de exoneração do passivo restante, recebem indemnizações.
c) Pelo que, deverá recorrer-se ao regime do artigo 824º do Código de Processo Civil aplicado subsidiariamente, ou seja, apenas seria passível de apreensão 1/3 do valor da indemnização.
d) Interpretação diversa sempre violaria o princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, consagrados nas disposições conjugadas dos art.ºs 1.º, 59.º, n.º 2, a) e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
e) Porquanto, a insolvente requereu ao Tribunal a quo que ordenasse ao Sr. Administrador de Insolvência que procedesse à transferência da quantia de 2.000 € (dois mil euros) para a conta que a insolvente indicar.
f) No entanto o Tribunal a quo decidiu manter a apreensão da totalidade da indemnização.
g) A insolvente considera que tal decisão viola as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 824º do Código de Processo Civil aplicado subsidiariamente ao CIRE no termos do artigo 17º do respectivo diploma.
h) Pelo que entende que deve ser ordenado o levantamento da apreensão sobre 2.000 € (dois mil euros) ou seja, 2/3 do valor apreendido
Nestes termos, requer-se o provimento do presente recurso, porquanto, deverá ser ordenado o levantamento da apreensão sobre 2.000 € (dois mil euros) ou seja, 2/3 do valor apreendido.

Não houve contra-alegações.

QUESTÃO A DECIDIR
Se é aplicável à indemnização por cessação do contrato de trabalho o regime de impenhorabilidade de 2/3 a que se refere o art. 824º do Código de Processo Civil.

DE DIREITO:
Aderimos à decisão proferida no Tribunal a Quo quando refere que no processo de insolvência, estão sujeitos a apreensão todos os bens integrantes da massa insolvente, a qual abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo; quanto aos bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (vide art.46º, nºs 1 e 2 do CIRE).
Donde se entender que no processo de insolvência vigoram supletivamente as regras constantes do art.824º do Código de Processo Civil sobre a impenhorabilidade relativa de determinados bens, salvo se o insolvente voluntariamente os oferecer para apreensão.
Assim, do salário auferido pelo insolvente são impenhoráveis dois terços do mesmo (cfr. Art.824º, nº1, al.a) do Código de Processo Civil). Esta regra sofre duas excepções, as quais são aplicáveis ao conjunto dos bens relativamente impenhoráveis constantes das alíneas a) e b) do nº1 do art.824º do Código de Processo Civil.
Uma das excepções consiste em a impenhorabilidade relativa dos bens em causa ter como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão. A outra excepção consiste em a impenhorabilidade relativa dos bens em causa ter como limite mínimo o montante equivalente a um salário mínimo nacional à data de cada apreensão, conquanto o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja por alimentos.
Esta interpretação deriva do respeito pelo princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de Direito, consagrados nas disposições conjugadas dos arts.1º, 59º, nº2, al.a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP, conjugadas dos arts.1º, 59º, nº2, al.a) e 63º, nºs 1º e 63º, nºs 1 e 3, da CRP, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, o acórdão nº96/2004, de 11/02/2004, em DR, II, nº78, de 01/04/2004.
De acordo com esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, o seu juízo de inconstitucionalidade sobre a matéria em causa “radicou”, tão somente, na consideração de que a penhora deveria salvaguardar o montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respectivo beneficiário, sendo adequado tomar como referência de tal montante o salário mínimo nacional” e que “esse mínimo necessário a uma subsistência digna não pode manifestamente considerar-se assegurado nos casos em que, não tendo o executado outros bens penhoráveis, se admite a penhora de uma parcela do seu salário e, por essa razão, o executado fica privado da disponibilidade de um montante equivalente ao salário mínimo nacional”.
Tecidas estas considerações, defende-se na decisão objecto de recurso que, “Sendo esta a razão de ser da impenhorabilidade da totalidade do salário percebido pelo insolvente, é manifesto que não se aplica à situação dos autos em que não está em causa aquilo que a insolvente recebe como salário, mas antes um crédito que tem origem em indemnização recebida pela cessação do contrato de trabalho – cfr. neste sentido o Ac. do TRP de 17/11/2009, Ana Lucinda Cabral, in www.dgsi.pt.”
Vejamos:
Fluí dos autos que a insolvente foi despedida pela entidade patronal após a declaração de insolvência. Na pendência de acção judicial que propôs contra a mesma, chegaram a acordo quanto à fixação de um valor a título de indemnização por despedimento, acordo esse que foi homologado por sentença transitada em julgado e que veio a ser apreendido totalmente a favor da massa insolvente, por se entender que não tinha a natureza de salário.
Ora a indemnização por despedimento visa compensar o trabalhador que vê cessada a relação de trabalho, atribuindo-lhe um valor calculado com base em um determinado número de dias de salário x determinado número de anos de serviço, cálculo este que tem sofrido alterações quer no número de dias a atribuir, quer no número de anos de trabalho.
Temos assim que o valor a calcular tem sempre por base o salário do trabalhador e o lapso temporal em que desempenhou funções para a entidade patronal.
Daí que, embora a indemnização não seja um valor a título de salário, é um valor que tem por base o salário e visa compensar o trabalhador pelo despedimento e assegurar-lhe um meio de subsistir economicamente durante algum tempo.
De outro modo, em caso de despedimento ilícito e não optando o trabalhador pela reintegração no local de trabalho, a sua subsistência económica ficaria posta em causa até encontrar novo trabalho.
Por ser assim, entendemos que as razões que subjazem à aplicação do disposto no regime do art.824º do Código de Processo Civil estão também presentes no caso em apreço, pelo que se impõe aplicar tal regime, por analogia, nos termos do art.10º, nº2, do Código Civil, à indemnização devida por cessação do contrato de trabalho.
E sendo assim, impõe-se devolver à recorrente o valor recebido na proporção de 2/3, ou seja 2.000,00 Euros, valor este que se tem por impenhorável e também impassível de ser apreendido para garantia do pagamento aos credores.
Procede o recurso interposto pela recorrente.

DECISÃO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, e, revogando a decisão objecto de recurso, decide-se manter a apreensão a favor da massa falida apenas da quantia de 1.000,00, ordenando a devolução à recorrente da quantia de 2.000,00 Euros, recebida a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
Custas a cargo dos recorridos, com excepção do Banco (…), S.A.

Lisboa, 20 de Setembro de 2012

Maria Amélia Ameixoeira
Ferreira de Almeida
Silva Santos