Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARQUES LEITÃO | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO PRISÃO EFECTIVA CONDENAÇÃO MEDIDAS DE COACÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/01/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – O arguido, que veio a ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 7 anos de prisão pela prática de crimes de abuso sexual de criança, esteve, até ao julgamento e respectiva sentença, sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica. II – Não tendo ainda transitado em julgado a sentença condenatória, é de revogar a decisão que altera aquela medida de coacção para a de prisão preventiva. III – Não se verificou incumprimento das obrigações resultantes da sujeição à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e não se referindo como fundamento da medida de coacção aplicada até ao julgamento o perigo de fuga, não há também fundamento para se concluir que da condenação, ainda não transitada, resulta um aumento do perigo de fuga. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.a Secção (criminal) do tribunal da Relação de Lisboa: No Processo Comum-Colectivo n.° 483/03.7JDLSB da 2.a Vara de Competência Mista da comarca de Sintra, foi, por acórdão de 15 de Novembro de 2004, decidido condenar o arguido (J), melhor id.° nos autos, na pena de 7 (sete) anos de prisão, pena esta resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas nesse mesmo acórdão: Respondeu o M.° P° sustentando que deve ser mantida a decisão que aplicou aquela medida de coacção. Cumprido o disposto no artigo 416.° do Código de Processo Penal, a Exm.° Procuradora-Geral Adjunta, apôs, sem que tenha suscitado qualquer questão prévia e sem que se tenha pronunciado sobre o mérito do recurso, Visto. Colhidos os vistos legais, vieram os autos, pelas razões indicadas pelo relator no despacho preliminar, - ou seja, em síntese, por dever ter subido o recurso, no que tange à predita decisão, imediatamente e em separado à conferência para conhecimento do mesmo relativamente a essa decisão, pelo que cumpre, agora, apreciar e decidir. * -Ao arguido/recorrente foi, por despacho judicial proferido no dia 4 de Novembro de 2003 na sequência do interrogatório a que foi sujeito, aplicada a medida de coacção prisão preventiva por, segundo nesse despacho se indiciar a prática, por ele, de, pelo menos, três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 172º, nºs1 e 2 do Código Penal e haver perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa, vindo, porém, na sequência de recurso que interpôs, tal medida a ser, por acórdão da 3.a Secção desta Relação proferido em 11 de Fevereiro de 2004, revogada e substituída pela obrigação do arguido permanecer na habitação, sujeito a fiscalização electrónica, e pela obrigação de não estabelecer contactos com menores até aos 14 anos de idade. Não mostram os autos que o arguido/recorrente tenha infringido qualquer uma das obrigações que, em termos de medida de coacção se encontrava sujeito nem que tenha faltado ao cumprimento de qualquer dever processual. -A partir da predita decisão, e até ser proferida decisão recorrida, manteve--se o arguido sujeito à predita medida de coacção, ou seja, obrigação de permanência na habitação, com fiscalização electrónica, e obrigação não estabelecer os referidos contactos, nunca tendo ele infringido qualquer uma dessas obrigações. -É do seguinte teor o despacho que contém a decisão impugnada: "Considerando a pena aplicada ao arguido (J), que se encontra sujeito à obrigação de permanência na habitação, bem como a gravidade e natureza dos crimes imputados, nenhuma circunstância justifica agora, perante este tribunal de julgamento, cuja decisão assenta para nós num juízo de certeza e não probabilidade, como até aqui, que o mesmo continue nessa situação, devendo passar a prisão propriamente dita em estabelecimento prisional. É certo que é uma decisão sujeita a recurso e que a mesma poderá ser livremente alterada pelas instâncias superiores, todavia, para nós o veredicto certo e justo foi tomado e como tal, fazendo jus à coerência, justiça relativa e uniformidade de critérios, a partir de agora o arguido deverá cumprir a medida coactiva prisão e não em casa. A não se entender assim, face ao conceito de prisão preventiva que vigora em Portugal, onde é considerada como tal até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido do facto, também sui generis de em Portugal se poderem interpor recursos em concreto de um qualquer processo, para oTribunal Constitucional, poderíamos ter a curiosa situação de um arguido poder cumprir grande parte da pena de prisão em casa, já que a detenção domiciliária conta para esse efeito, quando a generalidade a cumpre na prisão. Tais consequências para além de trazerem uma injustiça relativa, parece-nos serem violadoras princípio constitucional da igualdade de todos os cidadãos perante a lei.(art°13° CEP). Razão ponderosa a ter em conta é o facto de aumentar agora o perigo de fuga do arguido, tanto mais que terá meios para o fazer e quanto a nós, a "prisão domiciliária" com o famigerado controlo de pulseira electrónica, (que alguns dos poucos países que o adoptaram, já rejeitaram), não constitui um meio eficaz caso do arguido pretender eximir-se ao cumprimento de tal medida, não acautelando por isso, com segurança, as finalidades visadas. Acresce ainda referir que, a manter-se o arguido em liberdade, sujeito a qualquer outra medida coactiva, aguardando-se pela decisão definitiva transitada em julgado, se poderia eventualmente revelar um procedimento desvirtuador da finalidade da punição, na medida em que talvez entrasse em cumprimento de pena quando deveria estar a sair. Situação que não é benéfica nem para o arguido, nem para as vítimas, nem para a sociedade. Consequentemente, ao abrigo do disposto nos art °193º, 202° n° 1 al. a) e 204° al. a) todos do Cód. Proc. penal, determina-se a prisão preventiva imediata do arguido (J) em estabelecimento prisional. Vejamos, então, perante o factualismo descrito, qual o merecimento do recurso no que tange à parte em questão. In casu, tendo em conta que, como acima se disse, os autos não revelam qualquer incumprimento, por parte do arguido/recorrente das obrigações a que se encontrava, em termos de medida de coacção, sujeito, ou incumprimento de qualquer dever processual, e que, como acima se anotou, a condenação não potencia, por si só, perigo de fuga, ou mesmo, diga-se, o agravamento de qualquer um dos dois outros perigos que fundamentaram a aplicação da medida de coacção a que anteriormente tal arguido se encontrava sujeito, há que concluir, como concluímos, que foi, com a decisão recorrida em apreciação, violado o princípio da subsidiariedade insíto no n.° 2 do artigo 193.° do Código de Processo Penal, razão por que essa decisão não pode subsistir. DECISÃO: Lisboa, 1 de Fevereiro 2005 Marques Leitão Santos Rita Filomena Clemente lima |