Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | MARCAS IMITAÇÃO CONCORRÊNCIA DESLEAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/06/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I. Na marca mista ou complexa, para efeitos de imitação, releva o elemento prevalecente ou dominante. II. Há concorrência desleal desde que exista a susceptibilidade da sua verificação objectiva, sem necessidade de um elemento de natureza subjectiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Sogrape Vinhos, S.A., instaurou, em 14 de Outubro de 2004, no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, contra Caves da Montanha – A. Henriques, Lda., procedimento cautelar comum, pedindo que fosse ordenada que a Requerida cessasse imediatamente o fabrico, comercialização ou utilização da garrafa de vinho rosé Passal, com as características de forma e rótulo referidas na petição, a apreensão das garrafas do mesmo tipo que se encontrassem nas instalações da Requerida e que esta retirasse do mercado, a expensas suas, as mesmas garrafas. Para tanto alegou, em síntese, que a Requerida está a lesar gravemente os seus interesses comerciais, ao comercializar um vinho rosé numa garrafa, que constitui uma imitação da garrafa e rótulo do seu vinho Mateus Rosé, que foi objecto de um pedido de marca comunitária, numa situação também de concorrência desleal. A Requerida deduziu oposição, concluindo pela improcedência do procedimento cautelar. Realizada a audiência final, foi proferida, em 9 de Março de 2005, decisão a decretar a providência cautelar requerida. Inconformada, a Requerida recorreu dessa decisão e, tendo alegado, formulou, no essencial, as seguintes conclusões: a) O rótulo utilizado pela Requerida não é igual ao da Requerente. b) O rótulo e a gargantilha não assumem relevância no conjunto garrafa, rótulo e gargantilha. c) O elemento prevalecente da marca da Requerida é o fonético. d) Não há qualquer possibilidade de confusão entre as marcas Passal e Mateus. e) O vinho rosé não tem um consumo massivo pelo público em geral. f) Os seus consumidores são geralmente pessoas mais exigentes e esclarecidas que as de um vinho de mesa corrente. g) Por isso, os elementos, gráfico e fonético, têm maior relevo, com a percepção fácil da diferença entre as duas marcas. h) Não houve, nem a Requerida pretendeu fazer concorrência desleal à marca da Requerente. i) Nem houve banalização ou desgaste da marca da Requerente. j) A decisão recorrida fez errada interpretação dos art.º s 317.º e seguintes e 222.º do Código da Propriedade Industrial, que se mostram violados. Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida, com a sua substituição por outra que julgue a providência cautelar improcedente. Contra-alegou a Requerente, no sentido da confirmação da decisão recorrida. A decisão recorrida foi mantida. Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. No presente recurso, está essencialmente em causa a protecção do direito da propriedade industrial, quer perante a imitação de uma certa marca, quer ainda da situação decorrente da concorrência desleal. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Foram dados como provados, designadamente os seguintes factos: 1. A Requerente dedica-se à produção e comercialização de vinhos. 2. Comercializa vinhos, designadamente sob as designações “Barca Velha”, “Callabriga”, “Vinha Grande”, “Quinta dos Carvalhais”, “Grão Vasco”, “Planalto” e “Mateus” e vinhos do Porto, sob as marcas “Ferreira” e “Offley”. 3. A Requerente comercializa os seus vinhos em mais de 120 países. 4. A Requerente comercializa vinhos de qualidade e tem cuidado na sua apresentação ao público consumidor, tendo granjeado uma grande clientela nacional e internacional. 5. O “Mateus Rosé” é um dos vinhos mais vendidos no mundo, estimando-se que, no ano 2004, as suas vendas ascendam a 16 milhões de garrafas. 6. A Requerente comercializa esse vinho desde 1942, tendo-o feito, durante cerca de 60 anos, com a apresentação constante de fls. 31. 7. O vinho “Mateus Rosé” passou a ser associado a essa apresentação. 8. Entretanto, a Requerente começou a desenvolver uma nova apresentação do mesmo vinho, procurando actualizar o design da garrafa e do rótulo, com vista refrescar a sua apresentação e a alargar o universo dos consumidores. 9. No ano 2000, a Requerente lançou um concurso internacional, para o qual foram convidadas empresas de design. 10. A nova apresentação do vinho “Mateus Rosé” resultou de um trabalho especializado levado a cabo pela Requerente, durante dois anos, envolvendo dezenas de colaboradores internos e externos. 11. A actual apresentação do vinho “Mateus Rosé” é a que consta de fls. 32 e 33. 12. Com o design da garrafa, do rótulo e do contra-rótulo, a Requerente despendeu € 92 500. 13. Com os estudos de mercado e testes das propostas desenvolvidas em quatro mercados europeus, a Requerente despendeu € 80 000. 14. Com o desenvolvimento da estratégia de comunicação e materiais de promoção, a Requerente despendeu € 150 000. 15. O custo da produção da campanha de comunicação do vinho “Mateus Rosé”, com a nova apresentação, importou em € 100 000. 16. Os investimentos em compra de espaço publicitário em Portugal, nos anos de 2002 a 2004, ascenderam a mais de um milhão de euros e, no Reino Unido, no ano de 2004, a milhão e meio de euros. 17. Não sendo fácil substituir uma apresentação como a do vinho “Mateus Rosé”, referida em 6., a Requerente procurou criar uma imagem renovada do “Mateus Rosé”. 18. A mudança de apresentação do vinho “Mateus Rosé” teve eco em toda a imprensa nacional e internacional, dada a notoriedade da marca. 19. Numa publicação recente, “Superbrands – Tributo a 50 Grandes Marcas em Portugal”, foi publicado o artigo junto a fls. 38 e 39. 20. A Requerente é titular do registo da marca nacional n.º 122.459 - “Mateus” (mista), cujo registo foi pedido em 24 de Janeiro de 1944 e concedido por despacho de 23 de Novembro de 1944, destinada assinalar os produtos da classe 33.ª - vinhos. 21. Essa marca é composta pelas palavras “Mateus” e “Rosé” e por um desenho reproduzido a fls. 40. 22. A Requerente é titular do registo da marca nacional n.º 148.643 - “Mateus”, cujo registo foi pedido em 5 de Setembro de 1946 e concedido por despacho de 17 de Agosto de 1948, destinada a assinalar produtos da classe 33.ª - vinhos e aguardentes. 23. Essa marca é composta pela palavra “Mateus”, impressa em letra maiúscula de imprensa. 24. A Requerente é titular do registo da marca comunitária n.º 429.233 – “Mateus”, cujo registo foi pedido em 8 de Janeiro de 1997 e concedido por despacho de 20 de Outubro de 1998, destinada a assinalar da classe 33.ª - bebidas alcoólicas, com excepção de cervejas. 25. Essa marca é composta pela palavra “Mateus”, impressa em letra maiúscula de imprensa. 26. A Requerente é titular do registo da marca comunitária n.º 2.744.589 – “Mateus” (mista), cujo registo foi pedido em 17 de Junho de 2002 e concedido por despacho de 23 de Fevereiro de 2004, destinada a assinalar produtos da classe 33.ª - vinhos e bebidas alcoólicas, com excepção de cervejas. 27. Essa marca é composta pela palavra “Mateus” e por um desenho, reproduzido a fls. 46. 28. Em 17 de Junho de 2002, a Requerente pediu o registo da marca comunitária tridimensional n.º 2.744.571, destinada a assinalar produtos da classe 33.ª - vinhos e bebidas alcoólicas, com excepção de cervejas, com a configuração reproduzida a fls. 58. 29. Esse pedido foi publicado em 15 de Setembro de 2003, mas ainda não foi proferido despacho de concessão ou de recusa. 30. A Requerida encontra-se matriculada desde 8 de Abril de 1947. 31. A Requerida lançou no mercado um vinho rosé denominado “Passal”, com a apresentação constante de fls. 69 e 70. 32. A Requerida comercializava esse vinho com a apresentação reproduzida a fls. 76. 33. Um cliente/distribuidor da Requerente, na Bélgica, manifestou-lhe desagrado provocado pela nova apresentação do vinho da Requerida. 34. A nova apresentação do vinho da Requerida desvaloriza a nova apresentação do vinho “Mateus Rosé” da Requerente e prejudica a sua estratégia de ganhar um espaço único e diferenciador no mercado. 35. A pendência do presente procedimento cautelar é do conhecimento de distribuidores e de pessoas relacionadas com a comercialização de vinhos. 2.2. Delimitada a matéria de facto relevante, que não vem impugnada, importa, agora, conhecer do objecto do recurso, circunscrito pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi já antes posta em destaque, situando-se no âmbito da propriedade industrial. A propriedade industrial, no âmbito da qual se destaca o instituto da marca, desempenha uma função social de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza (art.º 1.º do Código da Propriedade Industrial - CPI). A liberdade de concorrência dos vários agentes económicos, para corresponder ao que dela socialmente se deseja, tem de ser ordenada com regras jurídicas. Esta regulação é feita, especialmente, mediante a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais e a imposição de certos deveres no sentido de um procedimento honesto. É no âmbito da primeira que se inscrevem os chamados direitos privativos da propriedade industrial, onde designadamente se insere a figura da marca (art.º s 222.º e segs. do CPI). A marca foi ganhando tal relevância que é já considerada como um instrumento estratégico das empresas, quer no mercado nacional quer internacional, constituindo um bem tão valioso quanto o produto ou serviço correspondentes (Marcas & Patentes, Ano XVI, n.º 2, pág. 16 e 17). A marca representa o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor (Carlos Olavo, Propriedade Industrial, pág. 37). A marca constitui, digamos assim, o “bilhete de identidade” de um produto ou serviço, visando essencialmente estabelecer uma relação entre aqueles e determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste (Carlos Olavo, ibidem, págs. 39 e 40). No âmbito da constituição de qualquer marca, vigora o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual “há-de ser constituída por forma tal que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante” (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, pág. 327). O juízo quanto à possibilidade de confusão de uma marca com outra existente no mercado é feito, através do seu confronto, pelo consumidor médio dos produtos ou serviços em questão, que, de modo algum, se identifica com o consumidor particularmente atento e sabedor ou, então, com o desprevenido e descuidado. Por outro lado, importa considerar que o confronto é, por regra, realizado perante o sinal de um produto e a memória que se tem de outro, sendo a comparação sucessiva e não simultânea. Nestas condições, é a memória do primeiro que existe quando aparece o segundo, o que implica, nesse momento, o destaque das semelhanças, ao contrário do que sucede quando a comparação é simultânea. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que importa realizar a comparação das marcas (Carlos Olavo, ibidem, pág. 52). 2.3. Estabelecendo, agora, o confronto entre as garrafas de vinho rosé da agravante e da agravada, facilmente se percebe a existência de semelhanças entre as mesmas. Deixando de lado o desenho da respectiva garrafa, por neste caso não poder assumir relevância, os restantes elementos da apresentação, designadamente os rótulos, apresentam manifestas semelhanças. Na verdade, os rótulos têm configuração e dimensão idênticas, como também usam as mesmas cores e tonalidades. Esse elemento figurativo, quer pela sua dimensão, quer pelo seu colorido, sobressai no conjunto, esbatendo o elemento nominal ou descritivo a que está associado. Na marca mista ou complexa, que se caracteriza pela combinação de elementos nominativos e gráficos, para efeitos de imitação, releva o elemento prevalecente ou dominante (Luís M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, pág. 137). Por isso, o elemento figurativo da garrafa, sendo o dominante, tende a perdurar mais facilmente na memória do consumidor e, sendo semelhante, possibilita a confusão entre os dois vinhos, a não ser que se proceda a um “exame atento”, o que não é usual, sobretudo em grandes superfícies comerciais, nem é exigível, para o apuramento da imitação das marcas (art.º 245.º do CPI). Neste contexto, e ao contrário do alegado pela agravante, o elemento nominal das marcas, embora distinto, não se apresenta como prevalecente e, por isso, não assume relevância na diferenciação das respectivas marcas. Por outro lado, não obstante a notoriedade da marca da agravada, não autorizam os autos a concluir que o seu vinho tenha um consumidor específico, designadamente mais propenso a dar prevalência ao respectivo elemento nominal, admitindo que essa segmentação fosse possível. Por isso, carece de fundamento tal argumentação aduzida pela agravante, para defender ainda a prevalência do elemento nominal. 2.4. Para além da referida imitação das marcas, pode ainda configurar-se uma situação susceptível de constituir concorrência desleal. A liberdade de concorrência na actividade económica, que a lei protege através da propriedade industrial, assenta no regular funcionamento do mercado, proibindo-se os comportamentos desonestos e incorrectos. A concorrência desleal, resultante desses comportamentos, é ilícita porque constitui um abuso da liberdade de concorrência (Carlos Olavo, ibidem, pág. 149). Na verdade, exige-se no exercício da actividade económica um dever geral de proceder com honestidade e correcção. Com um sentido explicitamente ético, a lei proibiu expressamente a concorrência desleal, tipificando certas situações que atentam contra as “normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica” (art.º 317.º do CPI). No caso presente, quando a agravante comercializa o vinho rosé, utilizando uma garrafa cuja apresentação é muito semelhante à da agravada para a comercialização do mesmo vinho, como em parte se referiu, pode criar uma situação de confusão no mercado acerca dos dois vinhos. O consumidor, ao confrontar-se com sinais muito idênticos em tais produtos, pode ser levado, com facilidade, a concluir que se trata de produtos com a mesma origem, em nítido contraste com a realidade. O tipo de actuação imputado à agravante, baseado em actos de confusão, insere-se, claramente, na tipificação prevista na al. a) do art.º 317.º do CPI. Para o efeito, como resulta do teor da respectiva norma legal, basta tão só a susceptibilidade de verificação objectiva da situação de concorrência desleal, sem necessidade de um elemento de natureza subjectiva. Por isso, independentemente de outras considerações, seria sempre irrelevante que a agravante não tivesse pretendido fazer concorrência desleal. 2.5. Pretendendo impugnar a verificação do requisito da lesão grave e dificilmente reparável, a agravante alegou, por seu turno, não ter ocorrido a banalização ou desgaste da marca da agravada. Esta alegação, para além de carecer de qualquer fundamentação expressa, contraria a prova produzida, segundo a qual a nova apresentação do vinho da agravante desvaloriza a nova apresentação do vinho “Mateus Rosé” e prejudica a estratégia da agravada de ganhar um espaço único e diferenciador no mercado (34.). O prejuízo referido é relevante, quer pelo investimento significativo realizado na renovação da apresentação do referido vinho, que os autos comprovam, quer pela perda da importância estratégica da marca da agravada, num vasto mercado, fortemente internacionalizado, onde o vinho é comercializado, resultante da diminuição do seu carácter inovador e diferenciador. Assim, também o requisito em questão está preenchido no caso dos autos. 2.6. Nestas condições, estando pois reunidos todos os requisitos legais de que depende o decretamento da providência cautelar não especificada requerida, como se concluiu na sentença recorrida, não relevam as conclusões da agravante. Consequentemente, o presente recurso não pode merecer provimento, sendo caso para confirmar a decisão recorrida. 2.7. A agravante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil. III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. 2) Condenar a agravante no pagamento das custas. Lisboa, 6 de Outubro de 2005 (Olindo dos Santos Geraldes) (Fátima Galante) (Ferreira Lopes) |