Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1509/2007-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: PRÉ-AVISO DE GREVE
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I– Os trabalhadores de uma empresa de prestação de serviços de limpeza que exercem funções num Hospital, estão sujeitos à prestação de serviços mínimos nos termos estabelecidos no art. 8º da Lei da Greve, pois satisfazem necessidades sociais impreteríveis.

II – Assim, atento o disposto no art. 5º nº 2 e 8º dessa Lei, o prazo de aviso-prévio de greve a fazer pelo respectivo sindicato, tem que respeitar a antecedência de 10 dias.

III – A inobservância desse prazo de aviso-prévio, determina a ilicitude da greve decretada e confere à entidade patronal o direito de instaurar processos disciplinares, por faltas injustificadas, aos trabalhadores que a ela aderirem, nos termos do art. 11º da Lei da Greve.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa
*
I – RELATÓRIO
S – SINDICATO DOS TRABALHADORES DE ..., instaurou na 2ª secção do 3º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa, com processo comum, contra
(B), S. A., ambos melhor identificadas nos autos, pedindo que a ré seja condenada a reconhecer a legalidade das greves declaradas pelo sindicado autor, com a consequente nulidade das procedimentos disciplinares por causa delas instaurados aos associados do mesmo sindicato, identificados nos autos e a pagar aos mesmos a quantia de € 4.094,64 que lhes descontou e ainda a pagar-lhes os diferenciais de subsídio de alimentação e juros desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ter efectuado pré avisos de greve a terem lugar em 17de Maio e 11 e 12 de Junho respectivamente. A R. considerou tais greves ilícitas por não terem sido declaradas com o pré aviso mínimo de 10 dias, nem preverem a prestação de serviços mínimos e instaurou processos disciplinares aos seus trabalhadores que aderiram àquelas greves, aplicando-lhes sanção disciplinar de suspensão por três dias com perda vencimento. Que a instaurações de tais processos disciplinares foi ilícita por não poderem ter lugar relativamente a actos praticados durante a greve e porque nada obrigava o sindicato autor a fazer o pré aviso com 10 dias de antecedência ou a cumprir os serviços mínimos, pois a actividade da R. é serviços de limpeza a terceiros, não se enquadrando na previsão do art. 8º da Lei da Greve.
Em 03/08/1990 o sindicato autor celebrou com a Climpe que antecedeu a R. nos serviços de limpeza do Hospital do Barreiro, um acordo segundo o qual essa empresa se obrigou a pagar o subsídio de alimentação naquele local pelos valores da função pública e a actualizar quando o fossem na função pública. Nos termos da cláusula 17ª do CCT sempre aquele acordo foi cumprido pelas diversas empresas a quem foi sucessivamente adjudicada a prestação de serviços de limpeza naquele Hospital do Barreiro, mas a R. recusou-se a cumpri-lo, pagando apenas o montante de € 3 39, pelo que são devidos os diferenciais.

Após a Audiência de Partes, na qual as mesmas não lograram conciliar-se, contestou a R. alegando, em síntese, que o normal funcionamento dos hospitais pressupõe a indispensabilidade de condições de higiene nas suas instalações, pelo que, atento o disposto nos arts. 5º e 8º da Lei da Greve, os pré-avisos deviam ter sido feitos com 10 dias de antecedência o que não aconteceu, razão por que o comportamento dos trabalhadores grevistas se enquadra na previsão do art. 27º da LCT e 11º da Lei da Greve. A R. sempre pagou o subsídio de alimentação de € 3 39, sendo que o invocado acordo de empresa não foi depositado nos serviços competentes do Ministério do Trabalho, nem publicado no BTE.

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida a sentença de fls. 177 e segs., que decidiu:
a) condenar a Ré a pagar a cada um dos 38 trabalhadores identificados nestes autos a quantia de 88,60 € - num total de 3.366,8 € - a título de diferenciais de subsídio de alimentação acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à taxa legal que está fixada em 4% .
b) absolver a Ré do mais que era pedido.

Inconformados com tal sentença, dela vieram interpor recurso de apelação, quer o A., quer a R.
Tais recursos não foram admitidos na primeira instância pelas razões invocadas no douto despacho de fls. 282.
A R. conformou-se com tal despacho, pelo que ficou sem efeito a sua apelação interposta a fls. 230.
Por sua vez o sindicato/autor reclamou daquele despacho, tendo sido deferida a sua reclamação nos termos de fls. 316, na sequência do que veio o seu recurso de apelação a ser admitido no Tribunal recorrido, por despacho de fls. 322 e, oportunamente neste Tribunal da Relação.
É dele que cumpre agora conhecer, tendo em conta que o autor/recorrente apresentou as seguintes conclusões:
(…)

A R. não contra-alegou.

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer nos termos de fls. 331, no sentido de que, no meio hospitalar, os serviços de limpeza prestados, seja por contrato directo, seja através de contrato com terceiros, sempre serão serviços essenciais para assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, devendo, por isso, estar sujeitos à prestação de serviços mínimos. Assim, terá havido inobservância da Lei por parte do recorrente por não ter decretada as greves com pré-aviso mínimo de 10 dias, o que torna injustificadas as faltas dos trabalhadores (art. 11º do Lei da Greve), justificando a instauração dos processos disciplinares.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dada como provada na primeira instância a seguinte matérias de facto que, por não impugnada, aqui se acolhe:

1 - A Ré dedica-se à prestação de serviços de limpeza.
2 – Em Fevereiro de 2002 à Ré foi adjudicada a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, sucedendo naquela empreitada a outras prestadoras de serviços de limpeza que ali executavam a mesma actividade.
3 – O Autor efectuou, em 10 de Maio de 2002, um pré-aviso de greve a ter lugar no dia 17 de Maio de 2002 com início às 00h00 desse dia e com a duração de 24 horas.
4 – Por fax datado de 16/5/2002 a Ré comunicou ao Autor que aquela greve era ilícita por não ter sido declarada com o pré-aviso mínimo de 10 dias nem prever a prestação de serviços mínimos nos termos dos art. 5º nº 2 e 8º da Lei da Greve.
5 – Em data não concretamente apurada mas não anterior a 4 de Junho nem posterior a 5 de Junho de 2002 o Autor efectuou novo pré-aviso de greve a ter lugar nos dias 11 e 12 de Junho de 2002 com início às 00h00 e termo às 24h00 do dia 12.
6 – Face a essa convocatória de greve a Ré comunicou aos trabalhadores de limpeza que prestavam serviço por sua conta no Hospital do Barreiro que aquelas greves eram ilegais e que, como tal, se reservava o direito de instaurar procedimentos disciplinares aos trabalhadores que aderissem às mesas.
7 – Procedimentos disciplinares que veio a instaurar contra os trabalhadores de limpeza a seguir indicados, todos eles associados do Autor:
(…)

8 – Naqueles procedimentos disciplinares as notas de culpa são todas iguais, com o teor constante do documento de fls. 23 a 25 que se dá aqui por reproduzido.
9 – Como consequência dos processos disciplinares instaurados a Ré aplicou a cada um a sanção disciplinar de suspensão por três dias com perda de vencimento.
10 – Perda de vencimento que se traduziu num desconto na retribuição do mês de Dezembro de 2002 de cada um deles no montante de 25,14 €.
11 – Quando a Ré iniciou a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro com ela se mantiveram os contratos de trabalho que vigoravam anteriormente na empresa que ali prestava a mesma actividade.
12 – E designadamente tal sucedeu com os associados no Autor acima identificados.
13 – Em 3 de Agosto de 1990 o Autor celebrou com a Climpe, empresa que então tinha a seu cargo a execução de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro o acordo junto como doc. 8 de fls. 28 a 35 que aqui se dá por reproduzido, no âmbito do qual aquela empresa se obrigou a pagar o subsídio de alimentação naquele local de trabalho pelos valores aplicáveis à função pública, sendo actualizados na medida em que o fossem os subsídios de alimentação que vigorassem na função pública.
14 – As empresas prestadoras de serviços de limpeza a quem foi adjudicada a prestação de serviços no Hospital do Barreiro e que antecederam a Ré pagaram o subsídio de alimentação aos trabalhadores acima identificados.
15 – A Ré recusou-se pagar o subsídio de alimentação nos termos do referido documento 8 de fls. 28 a 35, tendo pago o montante de 3,39 € desde o início da execução da prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro e até ao seu termo no dia 30 de Abril de 2004.
16 – Como consequência das ausências dos associados do Autor as tarefas que lhes estavam cometidas não foram desempenhadas.
17 - O Hospital do Barreiro não pagou o valor mensal acordado com a Ré, descontando a quantia correspondente aos trabalhos de limpeza não efectuados nas instalações nos dias 17 de Maio e 11 e 12 de Junho de 2002.
*


III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Antes de mais cumpre atender à seguinte questão prévia:
De harmonia com as disposições conjugadas dos art.s art. 684º, nº 3 e 690º nº 1, ambos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações.
Acontece que, “in casu”, as conclusões apresentadas pelo recorrente são a transcrição fiel da maior parte das alegações e estas últimas são a transcrição quase integral dos arts. 1º a 27º da petição inicial.
E não é isso que a Lei entende por alegações e conclusões de recurso.
Efectivamente, dispõe o art. 690º do CPC, que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Assim, as alegações não são a transcrição dos articulados do recorrente ou de parte deles mas, somente, a indicação dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença recorrida, sendo as conclusões (como a expressão indica, aliás), a síntese desses fundamentos.
Neste contexto, não vamos atender a todo o conteúdo das “conclusões” do recorrente, tanto mais que, em boa parte, a respectiva factualidade foi considerada provada e tida em conta na sentença recorrida, não tendo que ser reapreciada em sede deste recurso, até porque não houve impugnação da matéria de facto, mas apenas à parte que interessa em sede deste recurso.
E, atento o conteúdo da sentença recorrida, quanto às questões em que o autor/recorrente decaiu (pois não há que reapreciar as restantes uma vez que não foi admitido o recurso interposto pela R.); o que de relevante consta das conclusões de recurso face aquelas questões e a factualidade provada, que não foi impugnada, as questões que, agora, cumpre analisar e decidir consistem em saber:
- Se a convocação das greves decretadas pelo sindicado/autor tinha que observar o pré-aviso de 10 dias, referido no art. 5º, nº 2 da Lei da Greve (na actual redacção);
- Se a R. podia legalmente instaurar processos disciplinares aos seus trabalhadores que aderiram àquelas greves, com fundamento em faltas injustificadas.
Vejamos então:
1ª QUESTÃO
Como resulta da factualidade dada como provada o sindicado ora recorrente efectuou, em 10/05/2002, um pré-aviso de greve a ter lugar no dia 17/05/2002 e no dia 04 ou 05 de Junho de 2002 efectuou novo pré-aviso de greve a ter lugar nos dias 11 e 12 de Junho de 2002 (factos 3 e 4).
A R. comunicou ao sindicato recorrente que aquelas greves eram ilícitas por não terem sido declaradas com o pré-aviso mínimo de 10 dias, nem preverem a prestação de serviços mínimos nos termos do art. 5º nº 2 e 8º da lei da Greve. E comunicou, também, aos seus trabalhadores de limpeza que prestavam serviço no Hospital do Barreiro, que aquelas greves eram ilegais e, como tal, se reservava o direito de instaurar procedimentos disciplinares aos que aderissem às mesmas (factos 4, 5, e 6).
Não há dúvida de que o pré-aviso das greves em questão, não foi efectuado com 10 dias de antecedência, nem o recorrente põe isso em causa.
O que o mesmo recorrente vem dizer é que nada o obrigava a observar aquele prazo de antecedência do pré-aviso, ou a cumprir os seriços mínimos, dado que a actividade da R. – prestação de serviços de limpeza a terceiros -, não está abrangida pela previsão do art. 8º da Lei da Greve, pois não se trata de actividade inserida na satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

Na sentença recorrida decidiu-se que, atento o disposto nos arts. 5º nº 2 e 8º da lei da Greve, o prazo de aviso-prévio deveria ter sido de 10 dias, como bem se explica do Ac. do STA de 08/02/1994, publicado no D.R. de 20/12/1996 – apêndice, ao defender que aqueles preceitos vinculam os trabalhadores das empresas ou estabelecimentos que satisfazem necessidades sociais impreteríveis a assegurar a prestação de serviços mínimos, que permitam tal satisfação e dirigem-se a todo o universo dos que prestam serviço naquelas empresas ou estabelecimentos (entre eles, os estabelecimentos hospitalares) e, assim, também aos que neles o fazem, em execução do contrato celebrado entre os mesmos e terceiros (contrato de prestação de serviços).
E acrescenta-se naquela sentença que excluir-se das obrigações previstas no art. 5º nº 2 e no art. 8º nº 1 da Lei da Greve os trabalhadores que prestam serviços de limpeza, pela razão de não terem vínculo com o estabelecimento hospitalar, é inaceitável pois não podemos esquecer que é necessário manter, mesmo em período de greve do pessoal de limpeza, o nível sanitário das partes mais sensíveis dos estabelecimentos hospitalares.
O recorrente não vem rebater a forma ou o conteúdo daquela decisão recorrida quanto a esta questão ou seja, não vem indicar os fundamentos por que pede a alteração da mesma, em respeito pelo ónus que lhe impõe o já citado art.690º nº 1 do CPC.
Em boa verdade, nem sequer se refere ao conteúdo daquela decisão recorrida. Não diz que ali se decidiu mal e porquê. Ou em que sentido se devia ter decidido e com que fundamentos.
Como já referimos, o que o recorrente vem fazer é repetir, nas alegações o que já tinha dito na petição inicial, e nas conclusões, o que disse nas alegações.
Ou veja, repete três vezes a mesma coisa, com os mesmos argumentos, como se, entretanto, não tivesse sido proferida a sentença recorrida.
Cabe referir que os recursos visam modificar as decisões recorridas, se para tal houver motivo, e não fazer um novo julgamento.
Acresce que entendemos ter-se decidido bem na sentença recorrida.
Efectivamente, dispõe o art. 8º nº 1 do Lei da Greve (Lei nº 65/77 de 26 de Agosto com as alterações introduzidas pela Lei nº 30/92 de 20 de Outubro), que “Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades”.
O nº 2 especifica, exemplificativamente (atenta a expressão “nomeadamente”), os sectores abrangidos pelo nº 1, entre os quais, nos termos da alínea b), se contam os hospitais.
Ora, é pacífico (nunca o recorrente o contestou), que a empresa ré presta serviços de limpeza no Hospital do Barreiro e era nesse Hospital que desempenhavam funções os seus trabalhadores identificados nestes autos (ponto 7), aos quais foram levantados processos disciplinares.
O art. 5º da lei da Greve estabelece que “As entidades com legitimidade para decidirem do recurso á greve, antes de a iniciarem, terão de fazer por meios idóneos, …, um pré-aviso, … à entidade empregadora …”.
E, nos termos do nº 2 (na actual redacção), “Para os casos das alíneas do nº 2 do art. 8º, o prazo de pré-aviso é de 10 dias”.
Neste contexto, o sindicato aqui recorrente estava obrigado a fazer o pré-aviso das greves que convocou com 10 dias de antecedência e a assegurar os serviços mínimos.
E nem venha dizer que o não estava pelo facto de a ré ser uma empresa de prestação de serviços ao Hospital e não o próprio Hospital.
É que a razão de ser daquela norma é a mesma, quer seja directamente o Hospital a efectuar os serviços de limpeza, quer seja uma empresa contratada para esse efeito.
O que está em causa é a obrigação de assegurar a limpeza dos espaços particularmente sensíveis, como são os espaços hospitalares, que têm por função cuidar da saúde, conforto, higiene e bem-estar das pessoas que a ele recorrem, ou nele estão internadas.
Daí que no Ac. do STA de 08/02/1994, citado quer pela ré, quer pela Mmª Juiz que proferiu a sentença recorrida (publicado no D.R. de 20/12/1996 – apêndice), se tenha defendido que a lei da greve, quando vincula os trabalhadores das empresas ou estabelecimentos que satisfação necessidades sociais impreteríveis a assegurar a prestação de serviços mínimos, que permitam tal satisfação durante a greve, está a dirigir-se ao universo dos que prestam serviço naquelas empresas ou estabelecimentos, entre eles os estabelecimentos hospitalares e, assim também, aos que neles o fazem em execução do contrato celebrado entre os mesmos e terceiros (contrato de prestação de serviços), como acontece com as empresas prestadores de serviços de limpeza (realce nosso).
Salvo o devido respeito pela opinião do recorrente, não faz qualquer sentido o mesmo vir dizer que o Estado, ao adjudicar a empresas privadas a execução dos serviços de limpeza dos hospitais, está a entender que esse sector de actividade não assume relevância para ser directamente tutelado e controlado pelo Estado. É que, como é do senso comum, o Estado não pode controlar directamente todos os sectores e todos os serviços relevantes.
Aliás, nem se percebe o que é que isso tem a ver com a questão em causa nestes autos. Como também não se percebe qual a relevância para o efeito em questão, de os trabalhadores das empresas prestadores de serviços de limpeza nos hospitais, não usufruírem das normas protectoras do sector da saúde.
Igualmente se não vê em que é que a aplicação do art. 8º da Lei da Greve aos trabalhadores daquelas empresas, possa colidir com o direito à greve, como direito fundamental consagrado na constituição.
É que o direito á greve não é um direito absoluto. Daí que a própria lei lhe impunha limites e condições, quando outros valores, também com consagração constitucional, têm que ser protegidos e assegurados durante os períodos da greve.
Pelo exposto, há que concluir pela improcedência daquele 1ª questão levantada pelo recorrente.
2ª QUESTÃO
Defende ainda o recorrente que a Ré não podia instaurar processos disciplinares aos seus trabalhadores, em consequência da adesão dos mesmos às greves em causa nestes autos, porque:
- Tais greves foram declaradas com observância dos formalismos legais aplicáveis;
- Os arts. 7º e 10º da lei da greve devem ser interpretados como não possibilitando o exercício de acção disciplinar do empregador por actos praticados pelo trabalhador durante o período da greve e, em consequência disso, deve o art. 11º da mesma lei ser entendido unicamente, como relevando para o cômputo da assiduidade do trabalhador e eventual repercussão decorrente do somatório com outras faltas, sob pena de contradição entre aqueles e este preceito e de os primeiros (7º e 10º) ficarem esvaziados de conteúdo.
Também quanto a esta questão, os argumentos do recorrente, nas alegações e conclusões de recurso são a transcrição do que tinha alegado na petição inicial, não referindo que a sentença recorrida haja decidido mal, por que razão, em que sentido devia ter decidido e com que fundamentos diversos dos utilizados.
Também aqui o recorrente nem, sequer, se refere ao conteúdo da sentença recorrida, limitando-se a repetir o conteúdo da petição inicial, como que pretendendo que este Tribunal da Relação efectue um novo julgamento, o que, como já supra referimos, não cabe no âmbito do recurso, pois este se destina apenas a alterar ou revogar a sentença recorrida, quando o recorrente alegue e demonstre que a mesma decidiu mal.
Seja como for, entendemos que, também quanto a esta segunda questão, não assiste razão ao recorrente.
Efectivamente, como concluímos na análise da questão anterior, as greves em causa não foram regularmente convocadas, desde logo porque o pré-aviso não foi feito com 10 dias de antecedência como a lei impõe.
Por outro lado, como se decidiu na sentença recorrida, o recorrente não tem razão ao defender que, a admitir-se que os trabalhadores incorrem em infracção disciplinar, implica ficarem vazios de conteúdo os art. 7º e 10º da Lei da Greve.
É que aqueles art. 7º e 10º reportam-se à greve declarada com observância do disposto nesse diploma, e assim, o não pagamento da retribuição ao trabalhador grevista, não é uma sanção, mas apenas a consequência que a lei faz decorrer da suspensão das relações emergentes do contrato de trabalho, desvinculando-os do dever de assiduidade.
Diferentemente, o art. 11º reporta-se à greve declarada com inobservância da lei e por isso, sujeita os trabalhadores grevistas ao regime de faltas injustificadas, sendo que não se descortina fundamento legal para restringir os efeitos do regime de faltas injustificadas decorrentes de adesão a greve ilegal como pretende o Autor. Por isso, conclui-se que os procedimentos disciplinares não padecem de nulidade.

O recorrente não veio rebater estes argumentos da sentença recorrida, não alegando fundamentos de facto ou de direito capazes de demonstrar que ali se decidiu mal.
E, efectivamente, entendemos que se decidiu bem naquele sentença.
Na verdade, concordamos com o ali decidido, no sentido de que o contexto da previsão dos arts. 7º e 10º da Lei da Greve é diverso do contexto da previsão do art. 11º.
Enquanto aqueles artigos (7º e 10º) pressupõem a adesão a uma greve lícita, estabelecendo os respectivos efeitos a nível do conteúdo da relação laboral, este art. 11º pressupõe a adesão a uma greve ilícita (“A greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma …”) e estabelece a respectiva consequência para o trabalhador (“… faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas”).
Não há, pois, qualquer contradição entre aqueles preceitos, não tendo base legal a interpretação que o recorrente faz deles e pretende que este tribunal faça também.
Aquele art. 11º da lei da greve é bem expresso e claro, no sentido de que, se a greve for declarada com inobservância do disposto naquela lei, faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas.
Ora, no caso “sub judice”, o sindicado recorrente declarou as greves em causa, com inobservância do prazo de aviso-prévio legalmente estabelecido.
Perante o que, a empresa R., comunicou aos trabalhadores de limpeza que prestavam serviço no Hospital do Barreiro, que aquelas greves eram ilegais e que, como tal, se reservava o direito de instaurar procedimentos disciplinares aos trabalhadores que aderissem às mesmas (facto 6).
E foi na sequência disso que instaurou processos disciplinares aos trabalhadores identificados no ponto 7 da matéria provada, cuja nota de culpa tem o conteúdo do documento junto a fls. 23 a 25, que aqui se dá por reproduzido e se refere, precisamente, ao facto de aqueles trabalhadores terem aderido às greves em causa nestes autos, irregularmente convocadas.
Podemos, então, concluir que, ao contrário do que defende o recorrente, não é ilícita a instauração, pela Ré, daqueles procedimentos disciplinares, tendo-se decidido bem na sentença recorrida.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 29/05/2007

Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas