Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8720/2007-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: ALEGAÇÕES ESCRITAS
NOTIFICAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RETROACTIVIDADE DA LEI
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A notificação implícita no disposto no art.º 484º, n.º 2, do Código de Processo Civil é sucessiva, que não concomitante.
II- Porém, não tendo a A. apresentado alegações, a preterição de tal ordem sucessiva em nada belisca o princípio do contraditório.
II- A retroactividade da Lei Nova (LN) expressa na norma transitória do art.º 26º do NRAU, traduzindo-se na aplicabilidade do novo regime da resolução contratual aos contratos de arrendamento anteriormente celebrados, não vai ao ponto de fazer aplicar as novas regras de resolução a esses anteriores contratos, quando a causa de resolução seja um facto ocorrido antes da entrada em vigor daquele regime.
(E.M.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção deste Tribunal da Relação


D intentou acção de despejo, com processo sob a forma ordinária, contra R e mulher C, e S, pedindo seja decretada a resolução do contrato de arrendamento relativo à moradia que identifica, condenando-se os 1º e 2º RR ao seu imediato despejo…
Alegando, para tanto e em suma, que é dona do aludido prédio urbano, tendo celebrado com os 1º e 2º RR., em Julho de 2003, um contrato de arrendamento daquele.
Ora tais RR. efectuaram obras no locado sem autorização da A., alterando substancialmente a estrutura externa bem como a disposição interna das divisões do locado.
E a 3ª R. na qualidade de fiadora, no contrato de arrendamento respectivo, “é de igual forma responsável pelo incumprimento do presente contrato por parte dos 1º e 2º RR.”.

Citados os RR., sendo os 1º e 2º RR. em 04-03-2005, apresentaram os 1º e 2º RR., em 18-04-2005, uma contestação, cuja tempestividade “com recurso à faculdade prevista no n.º 5 do art.º 145º do C.P.C.”, e na circunstância da “suspensão do prazo operada com as férias judiciais da Páscoa”, invocaram.

Sendo, por despacho de folhas 103, considerada extemporânea tal contestação e ordenado o seu desentranhamento.

Notificados de tal despacho, não recorreram os 1º e 2º RR.

Por despacho de folhas 108, considerando-se a ausência de contestação de banda da 3ª R. e o ordenado desentranhamento, por extemporânea, da contestação dos 1º e 2º RR., foram julgados “confessados os factos alegados pela Autora na petição inicial”.

Notificados de tal despacho dele não recorreram os 1º e 2º RR.

Sendo subsequentemente proferido saneador-sentença que considerando ocorrer violação, por parte dos 1º e 2º RR. do disposto no art.º 1074º-2 do Código Civil “podendo por isso a A. pedir a resolução do contrato – art.º 1083º-1”, e que “Uma vez que a A. pede apenas que os 1º e 2º RR despejem o locado, não tinha que chamar à acção a 3ª R. (fiadora)”, julgou a acção procedente apenas em relação aos 1º e 2º RR.

Notificados, vieram os 1º e 2º RR. requerer aclaração, “completamento” e esclarecimento (?), nos termos que de folhas 128 a 130 se alcançam.

Ouvida a A., e depois de convidados os RR. a esclarecerem se pretendiam a declaração de nulidade da sentença ou a sua reforma e qual a concreta norma jurídica que entendem fundamentar o seu pedido de substituição da sentença por despacho saneador, foi proferido despacho indeferindo a assim e afinal requerida reforma da sentença.

Inconformados recorreram os 1º e 2º RR., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª - Com a apresentação do requerimento de fls. 30, o Tribunal a Quo devia ter suspenso desde logo o processo ou, no mínimo, devia o processo ter sido concluso ao Meritíssimo Juiz para decidir, no prazo de 24 horas e a Secretaria notificar o Requerente de tal despacho, em sentido positivo ou negativo do requerido.
2ª- A não decisão do Meritíssimo e o não cumprimento desta notificação, ordenadas nos termos dos N°s.5 e 6 do art°. 486º do CPC., são consideradas irregularidades que influíram na marcha do processo, porquanto impossibilitaram a apresentação em prazo legal da contestação e, sequentemente, com a apresentação desta peça tardiamente, ficaram os R.R. impossibilitados de se defenderem.
3ª.- Assim, foi violado o direito do contraditório dos RR., no seu direito à defesa, pelo que deve ser anulado todo o processado desde tal falta.
Sem prescindir:
4ª- Por força da revelia dos RR. consideram-se confessados os factos articulados pelo A.
Todavia, tais factos não abrangem a afirmação de que os RR. alteraram substancialmente a estrutura externa e/ou a disposição interna do locado. Desta feita,
5ª.- Esta seria uma conclusão a tirar dos factos invocados, para cuja análise devia o Meritíssimo Juiz a Quo ter atentado nos documentos existentes no processo, mormente nas fotografias e decidir, então, em conformidade.
- Decidindo como decidiu, a sentença violou o disposto no N.º. 3 do Art°. 659 do C.P.C.º (por falta de fundamentação), o que a torna NULA, como se requer;
6ª - A sentença invoca expressamente os art°s. 1074°- 2 e 1083°- 1, ambos do Código Civil, disposições que estão revogadas, o primeiro por forca do art°. 46°-1 do DL. 201/75 de 15 de Abril (relativo ao Arrendamento Rural) e o segundo por força dos Art.º, 3°- 1 - a) do DL.321-B/90 de 15 de Outubro (relativo ao Arrendamento Urbano).
- Decidindo como decidiu a sentença, violou o disposto nos N.°s, 2 e 3 do Art.º. 659º do C.P.C. Não obstante,
7ª. - As normas que a sentença devia ter mencionado são as do Art°. 64°- Nº. 1, al. d) do RAU (Regime de arrendamento Urbano) e as que aí se mencionam para efeitos de remissão, (Art.º1043° do C. Civil e/ou 4° deste mesmo diploma) cujos conceitos e definições se não verificaram em nenhum dos factos considerados como provados, o caso concreto, como se disse.
Com efeito, nenhuma das pequenas obras efectuadas pelos RR. alterou substancialmente a estrutura externa ou a disposição interna das divisões do locado.
8ª - A sentença, ao não aplicar o disposto neste Art°64°. do RAU, apesar de invocar o seu teor, violou os deveres consignados nos N°s. 2 e 3 do Artº. 659°, no N°. 2 do Art°. 660° e ainda nas alíneas e) e d) do N°. 1 do Art°. 668°do C.P.C.
Este facto torna a sentença NULA, o que também se requer.”.

Requer que “seja esta sentença do Tribunal a Quo dada sem efeito e substituída por outra que aplicando as normas processuais de forma correcta e permitindo que a contestação dos RR. seja apresentada, aplique as normas jurídicas indicadas aos factos dados como provados, com todas as consequências lógicas e legais.”.

Contra-alegou a A., pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Preliminarmente importará assinalar que os Recorrentes tendo sido convidados, por despacho de folhas 209, a incluírem em novas conclusões a questão do incumprimento do n.º 2 do art.º 484º do Código de Processo Civil, trataram de – excedendo o âmbito do convite feito – acrescentarem também, na nova conclusão 13ª, mais uma suposta nulidade de sentença, que anteriormente não tinham “descoberto”.
E que reportam à alegada circunstância da invocação, na sentença recorrida, de disposições legais revogadas…
Sendo que de tal “nulidade” assim se não conhecerá, considerando-se não escrita a correspondente conclusão.

Isto posto:
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são, pela ordem da sua precedência lógica, questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se se verificam as nulidades, não antecedentemente ressalvadas, assacadas à sentença recorrida.
- se ocorre a irregularidade relativa à observância do disposto no art.º 484º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e consequências da mesma.
- se ocorreu omissão de pronúncia relativamente ao requerimento dos RR. de folhas 30, de que ora cumpra conhecer, e consequências da mesma.
- qual dos regimes – se o do RAU se o do NRAU – cobra aplicação ao caso.
- se (não) se verifica a violação contratual fundamentadora da resolução do contrato de arrendamento.
*
Logo se anotará que a sentença recorrida não procedeu a uma formalmente autonomizada discriminação de factos provados, antes tendo reproduzido, em sede de relatório, a integral literalidade da p. i. até ao art.º 11º da mesma, e novamente a partir do art.º 24º daquele articulado até à conclusão do mesmo.

Após o que fez referência à ausência de contestação de banda dos RR. e à declaração como confessados, no despacho de folhas 108, dos factos articulados, com citação do art.º 484º, n.º 1, do Código Civil.

Passando ao enquadramento jurídico e parte decisória.

Ou seja:
Em matéria de factos provados…remeteu-se genericamente para o que alegado foi pelo A., assim considerado confessado.

Nada obstando a que agora se concretize tal remissão, operando a discriminação dos factos alegados pelo A., considerados confessados, como impõe o art.º 659º, n.º 2, aplicável nesta sede, ex vi do art.º 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Tendo-se assim:
A- A A . é proprietária do prédio urbano, correspondente uma moradia térrea, sito na freguesia de Caparica, concelho de Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial;
B- Em Julho de 2003 a A., celebrou, com os 1º e 2º RR. um contrato de arrendamento por tempo determinado, por períodos limitados prorrogáveis por iguais e sucessivos períodos, contra uma mensalidade de 550,00 euros (quinhentos e cinquenta euros), actualizáveis anualmente, encontrando-se actualmente a liquidar a importância de 560,10 (quinhentos e sessenta euros e dez cêntimos), conforme doc. de folhas 9 a 11, que aqui se dá por reproduzido.
C- Sucede que os 1º e 2º RR., sem qualquer autorização da A ., que delas não teve prévio conhecimento, efectuaram no arrendado as seguintes obras:
I- No interior da casa
a) O vão da escada que liga o rés-do-chão à cave da moradia foi fechado através de uma estrutura de cimento com uma porta, criando uma espécie de arrecadação;
b) Na parede que divide a cave da moradia existia uma entrada em formato rectangular e outra em forma de arco com pedra; os RR. fecharam com cimento a entrada em formato rectangular, anulando completamente tal entrada;
c) Na cave da moradia existia apenas uma cozinha de apoio, composta apenas por um lava loiça; agora os 1° e 2° RR têm uma cozinha completa, com armários em redor de todas as paredes, tanto colocados no chão como por cima, nas respectivas paredes, inclusive com fogão e saída de fumos través de uma chaminé;
II- No logradouro:
d) O logradouro, com 239 m2, era composto por árvores de fruto adultas, isto é, uma figueira, uma nespereira, um pessegueiro e ainda um loureiro enorme, com uma altura superior a 5 metros, pois ultrapassava a altura do telhado da habitação. Este logradouro, composto por árvores de fruto adultas e pelo referido loureiro, encontrava-se dividido ao meio por um carreiro de cerca de 50 cm de largura o qual ia desembocar à via pública, através de um portão de pequena largura, isto é, de cerca de 1 metro de largura.
e) Os RR. cortaram todas as árvores de fruto;
f) De seguida, anularam completamente o carreiro que dividia o logradouro;
g) Retiraram o portão onde ia terminar o aludido carreiro, fazendo no seu lugar a continuidade, em cimento, do muro que se encontra a vedar a moradia;
h) No lugar do referido carreiro, foi colocada uma vedação de arame com erva de 2,50 m, terminando tal vedação com um portão de pequena largura, por forma a permitir a passagem de um lado para o outro do ferido logradouro;
i) Assim separando os dois lados do logradouro, colocaram de um lado relva e;
j) do outro lado, ladrilho no chão, com desperdícios de pedra mármore, terminando tal ladrilho numa espécie de rampa onde foi colocado outro ladrilho, este completamente diferente - composto por uns mosaicos com um relevo desenhado em forma de espiral - até terminar no extremo da propriedade onde foi colocado um portão de cerca de 3 metros de largura, por forma a criar uma nova serventia para a via pública, em substituição da que tinham anulado no meio da propriedade;
k) Fizeram um telheiro por cima de uma porta de 6 metros que dá para a cave a moradia, com cerca de 6 metros de comprimento, de matéria plastificada verde a imitar telhas, apoiado por dois postes;
l) Fizeram ainda uma churrasqueira, precisamente, junto de um pequeno anexo onde se encontram armazenadas duas botijas grandes de gás.
m) No logradouro da parte da frente da moradia existia um poço com cerca de 1 metro de diâmetro, com um muro em seu redor numa altura de cerca de 1 metro, com umas escadas e um corrimão de ferro;
n) Os RR retiraram o corrimão das escadas do referido poço e,
o) Perto do referido poço os RR decidiram ainda colocar 3 candeeiros com cerca de 1 metro de altura;
p) Também no logradouro da parte da frente da moradia, os RR decidiram vedá-lo com uma vedação de ferro com cerca de 50 cm de altura.
D- Estas obras não foram licenciadas.
*
II-1- Das pretendidas nulidades de sentença.
1. Começam os Recorrentes por concluir a nulidade daquela, por alegada falta de fundamentação, na circunstância de se terem considerado como factos provados “a afirmação de que os RR. alteraram substancialmente a estrutura externa e/ou a disposição interna do locado”, quando aí se trata de “conclusão a tirar dos factos invocados, para cuja análise deveria o julgador ter atentado nos documentos existentes no processo, mormente nas fotografias e decidir, então, em conformidade”.
Reportando tal nulidade à violação do art.º 659º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Desde logo, na sequência da discriminação factual que se deixou antecedentemente feita – e na qual não tiveram lugar as meras conclusões formuladas na p. i., que não é certo terem-se pretendido abrangidas na remissão operada na sentença recorrida, e que quando o estivessem sempre mereceriam o destino definido quanto às “respostas” sobre questões de direito, no art.º 646º, n.º 4, do Código de Processo Civil[1] – resulta prejudicada a questão assim colocada.

Sempre se dirá, contudo, que a nulidade de sentença, e no que agora aqui poderia interessar, decorre da falta de especificação dos fundamentos de facto, nos termos do art.º 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
E dela apenas pode o tribunal de recurso conhecer sob arguição do recorrente, cfr. citado artigo, n.º 3.
Ora os Recorrentes, como visto, não se reportaram a uma tal falta de especificação, que sempre seria suprida nesta Relação, nos quadros do art.º 715º, n.º 1, do Código de Processo Civil, como ao fim e ao cabo o foi, conquanto nos diversos quadros referenciados supra.

E a eventual “desconsideração” dos “documentos existentes no processo” mormente as fotografias, apenas poderia relevar em sede de erro de julgamento da matéria de facto, a invocar em impugnação da decisão a propósito proferida, com observância dos ónus impostos pelo art.º 690º-A, do Código de Processo Civil.
A propósito do que não deixará de se assinalar que tratando-se de factos provados por confissão…têm “assim o tratamento duma presunção inilidível”.[2]
Apenas sendo aquele cominatório afastado nas hipóteses contempladas no art.º 485º do Código de Processo Civil, e, assim, designadamente, “Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito”, cfr. al. d).
O que nada é o caso.
Mais: as fotografias e documentos juntos aos autos pelos RR., inexistindo contestação a que reportem, carecem de objecto de prova, cfr. art.º 523º, do mesmo Código de Processo Civil.

Não constituindo assim aqueles, in casu, provas sobre que tivesse que recair o exame crítico do julgador (cfr. citado art.º 659º, n.º 3).

E também o porventura insustentado da conclusão quanto à substancialidade da alteração do locado, por via das realizadas obras, apenas interessa ao erro do julgamento de direito.

2. Pretendem ainda os Recorrentes que a sentença recorrida, “ao não aplicar o disposto neste Art°64°. do RAU, apesar de invocar o seu teor, violou os deveres consignados…nas alíneas e) e d) do N°. 1 do Art°. 668°do C.P.C.”.

Ora na al. e) do n.º 1, do citado art.º 668º, comina-se a nulidade da sentença em caso de condenação ultra vel extra petitum.
O que os Recorrentes, de todo, não substanciam, limitando-se à referência normativa.
Sendo que, deveras, se não vislumbra em que medida a condenação dos RR. a despejarem o locado, reconhecido que foi o direito da A. a ver resolvido o contrato de arrendamento respectivo, exceda quantitativamente, ou transcenda qualitativamente, o pedido por aquela formulado…que é precisamente aquele.

Por outro lado, também se não concebe como é que o facto da eventual errada interpretação do citado art.º 64º – que os Recorrentes terão tido em vista, quando se referem à não aplicação de tal normativo do RAU – pode ter determinado o excesso ou omissão de pronúncia, na mesma sentença.
 Sabido que é tratar-se a omissão de pronúncia, do antitético do dever do juiz de conhecer de todos os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções invocadas e das que oficiosamente lhe caiba conhecer, e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, como lhe impõe o disposto no art.º 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 
Correspondendo o excesso de pronúncia ao conhecimento de causas de pedir não invocadas ou de excepções na exclusiva disponibilidade das partes, que as não arguíram.

2.1. Anotar-se-á ainda que essa mesma pretendida circunstância da incorrecta aplicação do art.º 64º do RAU – error in judicando – estranha em absoluto à também na mesma conclusão concatenada violação do art.º 659º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Certo tratar-se naqueles normativos processuais da vertente adjectiva da fundamentação da sentença, cuja violação apenas relevará no plano da nulidade de sentença prevista no art.º 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
*
Improcedendo pois, nesta parte, as conclusões dos Recorrentes.

II-2- Da pretensa irregularidade correspondente à inobservância do disposto no art.º 484º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
De acordo com tal normativo, na circunstância da revelia do Réu, “O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.
Ao preceito dá-se cumprimento notificando, “O advogado do autor primeiro e o advogado do réu, a seguir…para, em dez dias alegarem por escrito, tendo, dentro de cada um desses prazos sucessivos, direito ao exame do processo”.[3]
Ora, como se alcança de folhas 108, no mesmo despacho em que se julgaram confessados os factos alegados pela Autora, mais se determinou:
“Notifique – art.º 484º, 2, C.P.C.”.
Sendo dado cumprimento a tal despacho, nos termos que a folhas 109 e 110 se documentam.
É certo que a notificação dos mandatários das partes não foi sucessiva, mas sim concomitante.
Porém, não tendo a A. apresentado alegações, não se vislumbra como tal circunstância possa ter prejudicado os RR. pelo que ao princípio do contraditório respeita.
Nem, muito menos, se concebe o que a mesma circunstância possa interessar à violação dos princípios do dispositivo, da direcção do processo e da adequação formal.

A verificada irregularidade não produziu assim nulidade, por não influir no exame ou decisão da causa, cfr. art.º 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Com improcedência do diversamente concluído pelos Recorrentes.

II-3- Da ocorrência de omissão de pronúncia relativamente ao requerimento dos RR. de folhas 30, de que ora cumpra conhecer.
Desde logo, trata-se, a folhas 30, de comunicação do Advogado dos RR. dirigida ao Escrivão do Juízo dando conta do envio de requerimento…em que se informa ter o R. marido solicitado pedido de protecção jurídica…“devendo se suspender o prazo para contestar”.
Nada tendo pois que ver com requerimento de prorrogação de prazo para a contestação, ao qual se refere o invocado art.º 486º, do Código de Processo Civil.
Certo, de resto, que como se dá conta no despacho de folhas 103-104, o prazo para a contestação terminou em 12-04-2005, datando o tal requerimento de 09-03-2005, ou seja, de mais de um mês antes do termo de tal prazo (sem contar com o prazo acrescido do art.º 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
E nem a apresentação de pedido protecção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, tem efeito suspensivo do processo, cfr. art.º 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Posto o que, a dever considerar-se ter ocorrido omissão de pronúncia quanto ao requerido, sempre a mesma não produziria nulidade, por não influir no exame ou decisão da causa, cfr. art.º 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Ainda quando assim se não devesse entender, ponto é que com a notificação do despacho de folhas 103, considerando extemporânea a apresentada contestação e determinando o seu desentranhamento, necessariamente tomaram os RR. conhecimento da assim pretendida omissão de pronúncia quanto ao dito requerimento, e, em qualquer caso, dela poderiam ter conhecido, agindo com a devida diligência.
Posto o que o prazo para a arguição da correspondente nulidade se contaria desde a data de tal notificação – cfr. art.º 205º, n.º 1, do Código de Processo Civil – tendo decorrido sem que aquela tivesse lugar.
Aliás, não tendo os RR. recorrido do sobredito despacho, assim se conformando com a julgada extemporaneidade da contestação apresentada, logo por isso se teria que considerar a eventual nulidade, visada pelos Recorrentes, como sanada.

Improcedendo pois também aqui as conclusões dos Recorrentes.

II-4- Do regime resolutivo considerável.
A causa de pedir, alegada pela A., foi a realização de obras não autorizadas no locado, pelos RR., implicando a alteração substancial da estrutura externa e a disposição interna das divisões daquele.
Com expresso reporte ao disposto no art.º 64º, n.º 1, al. d), do R.A.U.

Sendo que na sentença recorrida se julgou, no confronto da factualidade considerada confessada, ocorrer assim violação do disposto “no art.º 1074º, n.º 2, do C. Civil, podendo por isso a A. pedir a resolução do contrato – art.º 1083º-1.”.

Pretendendo os Recorrentes que, dess’arte, se fez aplicação de disposições revogadas, “o primeiro por por força do art°. 46°-1 do DL. 201/75 de 15 de Abril (relativo ao Arrendamento Rural) e o segundo por força dos Art.º, 3°- 1 - a) do DL.321-B/90 de 15 de Outubro (relativo ao Arrendamento Urbano).”.

Logo cumprirá esclarecer que à data da prolação da sentença recorrida, a saber, 2006-11-20, estava já em pleno vigor a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, cujo art.º 1º aprovou o NRAU, cfr. art.º 65º da mesma Lei.
Sendo que os citados normativos do Código Civil foram aditados ao referido Código, pelo art.º 3º da mesma Lei.

Tendo-se tratado, assim, na sentença recorrida, da aplicação de artigos do Código Civil efectivamente vigentes.

Questão sendo a de saber se relativamente a um tal contrato de arrendamento para habitação – cfr. cláusula 1ª, a folhas 9 v.º - celebrado em 10 de Julho de 2003 – e, logo, em plena vigência do antecedente R.A.U., no âmbito do qual foi também proposta a acção – tais normativos do Código Civil cobram ou não aplicação.

De acordo com o disposto no art.º 26º, n.º 1, do NRAU – norma transitória – “os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.”
Nenhuma de tais “especialidades” – previstas para os contratos de arrendamento em geral, para os contratos de duração limitada, sem duração limitada, para os arrendamentos para habitação e para os arrendamentos para fins não habitacionais, respeitando à matéria da sua resolução.
Tendo-se assim que como refere Fernando Gravato Morais – a propósito da “substituição de regras” decorrente da “sujeição ao NRAU dos contratos do passado”, nos contratos sem duração limitada, mas quanto aos quais, e nesse ponto, os contratos de duração limitada não oferecem especialidade –  “Uma primeira consequência deste regime de transição é o da inaplicabilidade das disposições anteriores, já que o NRAU faz cair ou modifica muitas das disposições do passado…”.
E, “Ao nível da resolução do contrato de arrendamento” a nova disciplina “vale para todos os contratos do passado, o que configura uma ruptura relativa dos mecanismos de protecção do locatário”.
Tendo-se, designadamente, que se reconduzem os fundamentos resolutivos ao regime geral do incumprimento, conquanto ressalvando algumas especialidades, cfr. art.º 1083º, n.º 2, proémio, do Código Civil.
Abandonando-se o princípio da taxatividade consagrado no anterior art.º 64º do RAU.

Mas a retroactividade da Lei Nova (LN) expressa na norma transitória do citado art.º 26º do NRAU, traduzindo-se na aplicabilidade do novo regime da resolução contratual aos contratos de arrendamento anteriormente celebrados, não vai ao ponto de fazer aplicar as novas regras de resolução a esses anteriores contratos, quando a causa de resolução seja um facto ocorrido antes da entrada em vigor daquele regime.
Com efeito, e como ensinava J. Batista Machado, [4] “nos casos de aplicação imediata da LN, isto é, naquelas hipóteses em que esta lei se aplica ao conteúdo das SsJs (situações jurídicas) preexistentes, ficam todavia excluídos dessa aplicação os efeitos já produzidos pelas mesmas SsJs no domínio da LA. (lei antiga)”.
Sendo que “a produção dum efeito de direito traduz-se na constituição, modificação ou extinção duma SJ, ou na criação dum status.”.
Podendo dizer-se que “um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam.”.
Critério esse que, porém, “nem sempre é de fácil aplicação, pois nem sempre é fácil de saber se, sob a LA, se completou ou não a dita hipótese legal desencadeadora do evento jurídico”.
Assim, “Sem dúvida…que, se uma LN vem fixar um salário mínimo superior ao anteriormente fixado, ela não se aplica aos salários vencidos antes da sua entrada em vigor”.
“E se uma causa legal ou convencional de resolução do contrato se verificou sob a LA, mas o direito de resolução ainda não foi exercido nos termos dessa lei (através duma comunicação à outra parte, p. ex., ou através duma acção judicial, se a LA exigia o recurso aos tribunais), poderá dizer-se que a LN que, suprimindo certa causa legal de resolução ou proibindo certa condição resolutiva, queira aplicar-se a contratos passados encontra diante de si um efeito já produzido, uma SJ já constituída, um direito já criado?
“…responderemos afirmativamente: a verificação do facto causa de resolução fez surgir um direito potestativo na esfera jurídica daquela das partes a quem a lei ou a cláusula negocial atribuía o direito de resolução. A circunstância de esse direito ainda se não ter tornado eficaz, por ainda não ter sido exercido, não conta. A LN há-de respeitar o direito potestativo anterior, só podendo afectar, isso sim, o seu modo de exercício (exigindo, p. ex., comunicação por escrito da vontade de resolver, ou exigindo, p. ex., recurso a uma instância jurisdicional, que deverá intervir para apreciar a existência da causa de resolução e o direito à mesma, segundo a LA, limitando-se, quanto ao mais, a reconhecer o direito à resolução e a declarar esta).”.
E “A doutrina que acabámos de expor aparece consagrada na 2ª parte do n.º 1 do art.º 12º, pelo que respeita às disposições da LN afectadas duma cláusula de retroactividade: mesmo que a LN seja retroactiva, «presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».

Tendo-se, dest’arte, que será à luz do quadro normativo do R.A.U. que se há-de aquilatar da verificação do invocado fundamento de resolução do contrato de arrendamento respectivo.
Certo a propósito não estar esta Relação limitada no tocante à apreciação da matéria de direito, cfr. art.ºs 664º e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

II-5- Da violação contratual fundamentadora da resolução do contrato de arrendamento.
A verificação daquela terá de fazer-se, como é óbvio, no confronto da factualidade apurada, que não levando em consideração os factos carreados pelos Recorrentes para as suas alegações de recurso, por onde pretenderam, desta forma, fazer entrar uma contestação…que oportunamente foi mandada desentranhar.
Isto posto:
Nos termos do citado art.º 64º,do Código Civil, “1- O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário: d) Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões…”.
O conceito de estrutura externa do prédio deve ser entendido, nas palavras de Rabindranath Capelo de Sousa como “fisionomia essencial do prédio, sem corresponder apenas à noção especializada de estrutura resistente em matéria de construção civil, por o bem jurídico protegido por essa disposição ser o interesse do proprietário em manter o essencial da traça do seu prédio”.[5]
Também assim entendendo Pinto Furtado, para quem “A estrutura externa, a que se refere a al. d) do art.º 64-1 RAU, é a substância extrínseca do edifício, as suas paredes exteriores ou fachadas”.[6]
Sendo obra substancialmente alteradora da estrutura externa de um prédio “aquela que é feita com carácter permanente, mesmo que possua carácter de reparabilidade”.[7]
Estando também associada à substancialidade da alteração a ideia de considerável, no sentido de importante, vultuosa.[8]
E “a alteração da «disposição interna de divisões» de um prédio…abrange, não apenas as divisões do interior, ou «miolo», de um edifício urbano, mas também outras realidades, e, nomeadamente, a «planificação interna», ou «o modo de distribuição interna» de um jardim que seja logradouro da parte urbana, ambos objecto de arrendamento”.[9]
Devendo tal alteração, para João de Matos,[10] ser profunda ou fundamental, de modo que “o interior do prédio apresenta uma outra fisionomia, uma nova distribuição, uma diferente forma de ocupação do espaço interior ou que o interior do prédio se encontra desfigurado”.

No caso em apreço, e perante a factualidade apurada, resulta, exuberantemente, terem os RR., actuando como se donos fossem do imóvel, procedido, sem autorização da A., a uma tal alteração substancial, seja da chamada estrutura externa do locado, seja da disposição interna das divisões.
Reformulando toda a organização e apresentação do logradouro, bem como os acessos à cave e a própria cave.
Para além de alterarem e reconfigurarem o acesso à moradia, a partir do exterior.
Com profunda alteração estética da delimitação do perímetro do logradouro da parte da frente da moradia.

Vejam-se, quanto à “disposição interna de divisões”, as transformações operadas ao nível do rés-do-chão/cave da moradia – cfr. I - a), b) e c), da matéria de facto – e no logradouro – cfr. II - d), e), f), h), i), j), 1ª parte, k), l), m) e n) da matéria de facto.
E, no tocante à “estrutura externa”, o descrito em II - g), j), p), 2ª parte, da matéria de facto.

Verificado estando pois o fundamento de resolução do contrato de arrendamento respectivo.
E, assim declarada aquela, decretado sendo o despejo do locado

Improcedendo, igualmente nesta parte, as conclusões dos Recorrentes.

III- Nestes termos, acordam em, conquanto com diversa fundamentação, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 2008-04-17

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro
(Neto Neves)

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[1] Assim, José lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, págs. 605, 606.
[2] Cfr. José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 267.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 269.
[4] In “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, 1968, págs. 124 e seguintes.
[5] “A acção de despejo – Obras não autorizadas e deteriorações consideráveis”, in Col. Jurisp., Ano XII, Tomo 5, págs. 18 a 27.
[6] In “Manual do Arrendamento Urbano”, 3ª ed., Almedina, 2001, pág. 796.
[7] Rabindranath Capelo de Sousa, in op. cit.
[8] Cfr. Aragão Seia, in “Arrendamento urbano”, 6ª ed., Almedina, 2002, pág. 414, e Pinto Furtado, in op. cit., pág. 806.
[9] Rabindranath Capelo de Sousa, in op. cit.
[10] In “Manual do Arrendamento e do Aluguer”, II, 1968, pág. 218.