Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4089/10.6TBBRR.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: GUARDA CONJUNTA
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A fixação da guarda conjunta (de exercício das responsabilidades parentais) com residências alternadas é admissível, desde que se faça um juízo de prógnose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.  

(da responsabilidade da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa  

1. RELATÓRIO

AD, solteira, cabeleireira, residente na (…), requereu a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor T, nascido em … de … de …, contra PC, solteiro, comerciante, residente na (…).

Foi designada data para a realização de conferência de pais, não se logrando obter o acordo dos progenitores.

A requerente veio apresentar as suas alegações, afirmando, em síntese, que:

A requerente e o requerido viveram em situação análoga à de cônjuges até … de …, tendo nascido deste relacionamento, em … de … de …, o menor T.

Em … de … de …, após uma discussão entre a requerente e o requerido e considerando que o menor se encontrava em casa dos avós, a requerente decidiu não dormir em casa, permitindo que o requerido se acalmasse.

Sucede que ao regressar a casa, no dia seguinte, não mais encontrou o menor nem o requerido na casa morada de família. Mais, não esteve com o menor durante mais de uma semana, sendo que o requerido a ameaçava que entregaria o menor numa instituição acaso ela, requerente, o procurasse ver.

A requerente acedeu em não procurar o menor senão nas ocasiões determinadas pelo requerido, temendo que o requerido a impedisse de ver o menor. Esta situação manteve-se durante aproximadamente dois meses, até que a requerente decidiu ir buscar o menor ao jardim-de-infância, numa Sexta-feira, e comunicou ao requerido que, a partir de então, o menor estaria, alternadamente, de oito em oito dias com cada um dos progenitores.

A requerente não concorda com esta situação que se vem mantendo desde Julho de 2010 (dois meses após a separação do casal em Maio de 2010), razão pela qual intentou a presente acção.

Não é o requerido quem cuida do menor quando o mesmo está ao seu cuidado, porquanto é a avó paterna que presta assistência ao menor, indo buscá-lo à escola, cuidando da sua higiene e alimentação. Assim sucede porque o horário de trabalho do requerido não lhe permite passar tempo com o menor, porquanto lhe ocupa o período nocturno e os fins-de-semana, levando o menor a pernoitar a maioria das vezes em casa dos avós paternos na semana em que o menor está aos cuidados do requerido.

A requerente gere um salão de cabeleireiro, tendo um horário flexível, que lhe permite ir buscar o menor cerca das 17 (dezassete) horas, ficando na sua companhia o resto do dia, prestando-lhe pessoalmente todos os cuidados e assegurando que o menor mantenha a frequência do mesmo jardim-de -infância e o relacionamento com os avós paternos, a avó materna e o requerido, algo que este último não garante relativamente à requerente.

Conclui reunir melhores condições para ter o menor ao seu cuidado e peticiona que as responsabilidades parentais sejam exercidas em conjunto por ambos os progenitores, que o menor passe a residir com ela, requerente, comprometendo-se a promover as relações entre o menor e o requerido.

O requerido apresentou alegações invocando que:

Viveu maritalmente, em união de facto com a requerente, durante cerca de 4 (quatro) anos, encontrando-se separados desde 27 de Maio de 2010.

Desta relação nasceu o menor, que deve ficar a residir com o requerido, seu progenitor, na freguesia de (…), onde sempre viveu e onde frequenta a creche (…), que dista dois minutos da actual residência do requerido.

Nesta mesma freguesia residem os avós paternos do menor e outros familiares com quem este convive frequentemente.

A requerente, no dia 27 de Maio de 2010, decidiu não ir dormir a casa morada de família e, no dia 29 de Maio de 2010, informou o requerido da sua intenção de se afastar, a fim de resolver a sua vida, pedindo que este tomasse conta do menor T.

Ou seja, a requerente abandonou a casa morada de família, deixando o menor aos cuidados exclusivos do requerido.

Durante um período de cerca de dois meses, a requerente não revelou interesse em estar ou ficar com o menor, tendo visto o menor por duas vezes durante aquele período, ambas no infantário.

Foi o requerido quem suportou todas as despesas do menor e assegurou a satisfação de todas as suas necessidades básicas, não obstante ter procurado motivar e promover a requerente a desempenhar o seu papel.

Apenas em 16 de Julho de 2010 a requerente voltou a estar com o menor, passando com ele um fim-de-semana, ausentando-se durante outro período até 13 de Agosto de 2010, altura em que ficou com o menor durante uma semana, não obstante haverem acordado, em finais do mês de Julho de 2010, que o menor passaria, alternadamente, uma semana com cada um dos progenitores.

Assim, desde Agosto de 2010, o menor encontra-se a residir, alternadamente, uma semana com cada um dos progenitores e, consequentemente, as despesas são assim partilhadas entre os mesmos.

O menor frequenta consultas com uma psicóloga, em virtude de apresentar sinais de nervosismo e ansiedade momentos antes de ir passar uma semana com a requerente, sua mãe.

Conclui que deve “ser indeferido o ora Requerido pela Requerente, consequentemente a residência habitual do menor T deverá ser a casa do pai” e, caso assim se não entenda, “sem prescindir”, “o exercício das responsabilidades parentais devem ser reguladas no sentido de serem exercidas em conjunto por ambos os pais e a guarda relativa ao menor partilhada por ambos os progenitores, salvaguardando-se que, caso a mãe não reúna as condições necessárias para tal o pai assumirá a guarda do seu filho menor” (fls. 79 e 80)  

Realizaram-se inquéritos à situação sócio-económica dos progenitores, suas capacidades e idoneidade para o exercício das responsabilidades parentais, situação do menor e relacionamento com os progenitores.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, que decorreu ao longo de sete sessões, conforme decorre de fls. 90,169 e 170, 171 a 173, 203 e 204, 314 a 317, 373 a 378, 423 a 425, 436 a 438.

Proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“Tudo visto e ponderado, decido regular o exercício das responsabilidades parentais do menor T nos termos seguintes:

a) o menor ficará a residir com o pai, zelando este pela sua saúde, segurança, alimentação e educação, sendo o exercício das responsabilidades parentais conjunto por parte de ambos os progenitores, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1906 do Código Civil;

b) a requerente conviverá com o menor:

I. em fins-de-semana alternados, indo buscá-lo ao equipamento escolar após o respectivo horário à Sextas-feira e entregando o menor em casa do requerido até às 21 (vinte e uma) horas do Domingo seguinte;

II. durante a semana, à Quarta-feira, indo buscar o menor ao equipamento escolar, após o respectivo horário e entregando o menor ao requerido pelas 21 (vinte e uma horas), em casa ou no estabelecimento comercial explorado pelo progenitor, mediante prévios contacto e acordo quanto ao local de entrega;

c) o menor passará:

I. o menor passará com cada um dos progenitores uma semana de férias pelo Natal, semanas estas que serão alternadas anualmente, sendo que a primeira inicia-se com as férias escolares e termina na manhã do dia 25 de Dezembro e a segunda, com início nesta data, termina na manhã do dia 01 de Janeiro, sobrepondo-se este regime ao dos fins-de-semana alternados;

II. o menor passará com cada um dos progenitores uma semana de férias pela Páscoa, semanas estas que serão alternadas anualmente, sobrepondo-se este regime ao dos fins-de-semana alternados;

III. com cada um dos progenitores 30 (trinta) dias de férias escolares de Verão, devendo acordar quanto ao respectivo exercício até 31 de Março de cada ano;

IV. com os progenitores os respectivos dias de aniversário, dia do pai e dia da mãe, sobrepondo-se este regime ao dos fins-de-semana alternados;

d) No dia de aniversário do menor, cada um dos progenitores tomará uma refeição principal com o menor, sobrepondo-se este regime ao dos fins-de-semana alternados;

e) a título de prestação de alimentos do menor, a progenitora contribuirá, mensalmente, com a quantia de € 150 (cento e cinquenta euros), devendo tal quantia ser entregue ao progenitor até ao dia 8 de cada mês;

f) a quantia supra mencionada será actualizada com referência a Julho de cada ano, em percentagem idêntica ao índice de aumento dos preços do consumidor referente ao ano anterior, publicado anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística;

g) ao valor referido em e) acresce o pagamento por ambos os progenitores das despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, e escolares, na proporção de 50% (cinquenta por cento), mediante respectiva apresentação dos comprovativos da sua realização;

h) custas pelos progenitores em partes iguais.

Oportunamente, cumpra o disposto no artigo 78 do Código do Registo Civil.

Registe e notifique, sendo os requerente e requerido de imediato, considerando a conveniência de fixação de um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais antes do final das férias judiciais de Verão, ainda que condicionado ao trânsito em julgado”.

Não se conformando, a mãe do menor apelou formulando as seguintes conclusões:

“(…)”

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:

1. O menor T nasceu em … de … de …, na freguesia, e é filho de (…) e de (…).

2. Os progenitores do menor não são casados entre si e encontram-se separados desde Maio de 2010.

3. Os progenitores viveram em união de facto durante cerca de quatro anos e meio.

4. Desde a separação, o menor tem passado, alternadamente, uma semana com cada um dos progenitores.

5. O menor frequenta um equipamento de infância denominado (…).

6. Os progenitores têm suportado, em partes iguais, o valor da mensalidade do equipamento de infância acima referido e, bem assim, todas as despesas do menor durante o tempo em que o mesmo se encontra aos seus cuidados.

7. Cada um dos progenitores compra roupa e brinquedos para o menor, os quais são utilizados exclusivamente quando o menor se encontra com o respectivo progenitor, sendo as peças de vestuários com que é entregue as mesmas que traz ao regresso para o outro progenitor.

8. A capacidade de comunicação entre os progenitores é muito reduzida, limitando-se ao estritamente necessário.

9. A requerente reside actualmente na (…), com o seu actual companheiro, (…).

10. O actual companheiro da requerente tem uma filha de 8 (oito) anos, fruto de uma anterior relação, a qual passa fins-de-semana de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias com o pai e a requerente.

11. A habitação da requerente dispõe de 3 (três) quartos, 1 (uma) sala, 2 (duas) casas-de-banho e 1 (uma) cozinha, localizando-se em condomínio fechado.

12. Em casa da requerente, o menor dispõe de quarto próprio.

13. A requerente tem o 10° ano de escolaridade, trabalhando como cabeleireira num salão de cabeleireiro explorado pelo seu actual companheiro.

14. A requerente não declarou quaisquer rendimentos na declaração de rendimentos referente ao exercício de 2012.

15. O actual companheiro da requerente declarou, relativamente ao exercício de 2012, rendimentos de categoria "A", no valor de € 37 915,36 (trinta e sete mil novecentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos), pagos pela sua entidade patronal de então, o Banco … .

16. O actual companheiro da requerente foi despedido em Maio de 2013.

17. O agregado familiar da requerente suporta encargos com:

a) a renda de casa, no valor de € 700 (setecentos euros) mensais;

b) consumos domésticos com água, electricidade e gás na ordem dos € 90 (noventa euros) mensais;

c) televisão por cabo, no valor de € 35 (trinta e cinco euros) mensais;

d) combustível, no valor de € 100 (cem euros);

e) alimentação, no valor aproximado de € 200 (duzentos euros);

f) prestação de alimentos paga pelo companheiro da requerente à sua filha, no valor de € 220 (duzentos e vinte euros);

g) mensalidade do equipamento de infância do menor, no valor de € 163 (cento e sessenta e três euros);

h) prestação bancária para financiamento de aquisição de habitação, no valor mensal de € 397,23 (trezentos e noventa e sete euros e vinte e três cêntimos);

i) prestação bancária de € 43,99 (quarenta e três euros e noventa e nove cêntimos) de prestação por financiamento multifunções.

18. O requerido tem actualmente uma nova companheira, (…), cabeleireira de profissão.

19. A actual companheira do requerido tem um filho (…) de 11 (onze) anos.

20. O agregado familiar do requerido é composto pelo próprio, pelo menor, pela sua companheira e pelo filho desta.

21. O requerido durante a discussão da causa habitou em casa da companheira, enquanto organizava o espaço habitacional onde passarão a residir no final do ano lectivo.

22. O requerido adquiriu uma fracção autónoma designada pela letra (…), a qual dispõe de sala, dois quartos, cozinha e casa-de-banho.

23. Pela aquisição do imóvel acima referido, o requerido paga uma prestação bancária no valor de € 270,28 (duzentos e setenta euros e vinte e oito cêntimos).

24. O requerido paga mensalmente € 25,09 (vinte e cinco euros e nove cêntimos) de prestação por financiamento multifunções.

25. O requerido paga mensalmente € 78,79 (setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos) de prestação por financiamento super crédito.

26. O requerido paga € 164,50 (cento e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) de mensalidade pela frequência de equipamento infantil pelo menor.

27. O requerido declarou rendimentos de trabalho no ano de 2012 no valor de € 11 200 (onze mil e duzentos euros).

28. O requerido declarou rendimentos do trabalho de € 374,46 (trezentos e setenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos) e de € 419,22 (quatrocentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos) nos meses de Março e Abril de 2013, respectivamente.

29. A companheira do requerido aufere € 485 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) mensais como sócia-gerente de um salão de cabeleireiro.

30. A companheira do requerido declarou rendimentos de trabalho no ano de 2012 no valor de € 5 820 (cinco mil oitocentos e vinte euros).

31. A sociedade comercial com a firma (…), cuja quota é titulada pela companheira do requerido paga pela cedência temporária do espaço onde explora o estabelecimento comercial de cabeleireiro a quantia mensal de € 621 (seiscentos e vinte e um euros).

32. A sociedade comercial acima referida declarou um resultado líquido de exercício de €11267,24 (onze mil duzentos e sessenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), no exercício de 2012.

33. O requerido iniciou a exploração de um estabelecimento comercial - café/bar - situado na Rua (…), nos meses de Fevereiro e Março de 2013, o que implicou uma maior disponibilidade para o trabalho, com horários de trabalho mais alargados.

34. Durante o início do ano, a família do requerido assumiu responsabilidades parentais em relação ao menor, nomeadamente a sua mãe e a sua companheira, assegurando as rotinas do menor, a sua entrega e recolha na escola, horários de refeições e de repouso.

35. O requerido contratou uma empregada que lhe garante horários entre as 18 horas e as 23 horas durante a semana e entre as 13 horas e as 23 horas aos Sábados e Domingos.

36. Pela cedência temporal do espaço onde explora o estabelecimento comercial, o requerido paga € 425 (quatrocentos e vinte e cinco euros) mensais.

37. O requerido abre o café cerca das 07 horas, ficando o menor em casa, sendo a companheira do requerido quem arranja o menor para a escola e entrega-o no infantário ou no café, sendo, neste caso, o requerido ou a avó paterna quem o leva, posteriormente, ao infantário.

38. À tarde é a avó paterna, o requerido ou a sua companheira quem traz o menor da escola até ao café, local onde o menor permanece até à chegada da empregada referida em 35.

39. A partir das 18 horas, o requerido fica disponível para as actividades com o menor, até às 22 horas, hora a que o menor adormece e, depois, o requerido regressa ao café para fazer o fecho de contas e do espaço.

40. O menor apresenta um nível de desenvolvimento adequado à sua faixa etária.

41. O menor, na entrevista elaborada a respeito da requerente, apresentou-se tímido, revelando alguma dificuldade em falar das suas rotinas e vivências, isto, mesmo na presença da requerente.

42. O menor mantém uma relação afectiva próxima com ambos os progenitores, bem como com ambos os companheiros dos progenitores.

43. O menor, na entrevista elaborada a respeito do requerido, acedeu em estar sozinho na companhia da técnica, mostrando-se desatento e muito centrado nalguns brinquedos disponíveis na sala de entrevista, requerendo a presença do progenitor passados alguns minutos.

44. Aquando do referido em 43., o menor falou com satisfação e espontaneidade da companheira do requerido (…), do filho da companheira (…) e do novo café do requerido.

45. Na interacção com o requerido, o menor mostrou-se fisicamente muito próximo daquele, requerendo a sua atenção e demonstrações de afecto.

46. A requerente responde adequadamente às necessidades do menor.

47. O requerido revela-se um pai presente, responsável e competente.

48. Os progenitores levam habitualmente o menor até ao equipamento de infância, sendo aqueles ou os respectivos companheiros que o vão buscar ao final do dia.

49. Ambos os progenitores participam nas actividades organizadas no equipamento de infância e estão presentes nas reuniões escolares.

50. A educadora do menor não registou diferenças comportamentais neste em função da semana em que o menor está ao cuidado de um ou outro progenitor.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar;

- Das nulidades de sentença;

- Da regulação do exercício das responsabilidades parentais: guarda conjunta versus guarda alternada e a fixação de residência (principal) do menor;

2. A apelante invoca que a sentença é nula por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Quanto à omissão de pronúncia, a apelante invoca que o tribunal omitiu “participação criminal do apelado”, alcançando-se do corpo das alegações que se reportará a vicissitudes ocorridas aquando da audiência, tendo o Meritíssimo Juiz proferido o despacho de fls. 376, em que, a propósito da junção de documentos, se colocaria questão alusiva à autenticidade dos mesmos (pelo confronto de fls. 310 e 311 com os supostos originais constantes de fls. 349 e 350), se conclui nos seguintes termos:

“Oportunamente se decidirá quanto à participação de natureza criminal a que poderá ter lugar”.

Compulsando o despacho de fundamentação do julgamento de facto verifica-se que o tribunal não se socorreu desses documentos, sendo certo que nem sequer o poderia fazer porquanto a admissibilidade da junção ficou dependente do pagamento de multa – cfr. fls. 392 e despacho de fls. 423 –não se vislumbrando que a mesma tenha sido paga ou, sequer, que tenha sido proferido despacho a admitir a junção desses documentos.

Reclamando a apelante pela circunstância do Meritíssimo Juiz ter omitido a prolação de despacho determinando o envio de certidão ao Ministério Público, facilmente se concluiu que a situação não configura uma hipótese de nulidade de sentença por omissão de pronúncia, não se tratando de questão que tivesse sequer que ser dirimida na sentença, podendo acrescentar-se, aliás, que é de todo irrelevante para a decisão das questões a resolver e que se prendem com a regulação do exercício das responsabilidades parentais. 

Inexiste, pois, a apontada nulidade da sentença.

                                                           *

Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, indicando que “a realidade factual” impunha decisão diferente da que a primeira instância tomou.

A nulidade invocada ocorre nas hipóteses em que “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” [ [1] ].

Socorrendo-nos do conceito de silogismo, temos que a sentença deve ter uma estrutura argumentativa lógica, no sentido de que as premissas precedem a conclusão, que delas deve decorrer naturalmente [ [2] ]. 

Lendo a decisão concluiu-se que o juízo feito pelo tribunal a quo está alicerçado nas razões expostas na decisão, sendo que a apelante questiona o juízo de mérito feito pelo Meritíssimo Juiz, invocando, verdadeiramente, erro de julgamento e não uma hipótese de nulidade da sentença.

Concluiu-se que não se verifica a nulidade invocada, impondo-se apenas apreciar do mérito da decisão recorrida, o que passa a fazer-se.

3. A apelante peticiona a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que reponha o regime em vigor desde 2010”.

Entende basicamente a apelante que desde 2010 os progenitores vêm praticando um regime de estadias alternadas do menor, que passa uma semana com cada progenitor e na residência respectiva, e que este regime é conforme ao “supremo interesse da criança”, porquanto o menor apresenta um desenvolvimento adequado à sua faixa etária, e se relaciona afectivamente com cada um dos progenitores, não diferindo o seu comportamento em função da semana em que está ao cuidado de um ou de outro.

Refere ainda que “o critério utilizado” pelo tribunal – “e outro se não vê que possa ter sido utilizado”, acrescenta – “foi o de o pai auferir (alegadamente) mais dinheiro do que a mãe”, não está correcto.

E assim seria, se tivesse sido esse o critério a que o Meritíssimo Juiz atendeu, mas não foi, como a apelante muito bem sabe, sendo a interpretação exposta nas alegações de recurso abusiva e situando-se no limiar da litigância de má fé.

Vejamos.

Nos termos do art. 1906º, nº1 do Cód. Civil, a regra é a da atribuição a ambos os progenitores do exercício das responsabilidades parentais (guarda conjunta), salvo os casos em que essa atribuição não salvaguarda o interesse do filho, hipótese em que, por decisão fundamentada, o tribunal deve determinar qual dos progenitores assegurará o exercício dos poderes-deveres que integram o poder paternal - nº 2 do preceito.

O tribunal a quo estabeleceu um regime de guarda conjunta do exercício das responsabilidades parentais [ [3] ], o que significa que ambos os progenitores asseguram e decidem quanto à prestação de cuidados ao filho, em matéria de educação, saúde, sustento etc…, administrando os seus bens, fazendo-o concertadamente, sem prejuízo dos aspectos relacionados com a vivência da criança no dia a dia serem atribuídos apenas ao progenitor com quem a criança reside.

Quanto a este aspecto, o exercício conjunto das responsabilidades parentais pode ser praticado associando a residência do menor a um dos progenitores ou fixando a residência do menor, alternadamente, com cada um deles sendo que, neste último caso, estamos perante a denominada guarda conjunta com residência alternada.

Saliente-se que esta hipótese não se confunde com outro modelo de regulação, que se contrapõe à guarda conjunta, a saber, a guarda alternada.

“Este conceito [guarda alternada] caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda da criança alternadamente de acordo com um ritmo definido por estes, o qual pode ser anual, mensal, quinzenal, semanal, etc. Durante cada turno o progenitor guardião exerce exclusivamente o poder paternal enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância. No termo de cada período, os papéis invertem-se. A guarda alternada funciona portanto num quadro de exercício unilateral do poder paternal, em que as decisões importantes relativas à criança são tom[adas] exclusivamente por cada um sem necessitar do consentimento do outro. Consequentemente, são maiores os riscos de contradição e de bloqueio nesta última hipótese, podendo as decisões de um dos pais, durante o período em que detém o exercício do poder paternal, frustrarem ou anularem as decisões do outro. O exercício conjunto com alternância de residência, diferentemente, exige, por parte dos pais, uma cooperação constante, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente. No entanto, o efeito traumático da mudança constante de residência mantém-se. Consequentemente, defendemos que uma tal medida não pode ser aprovada pelo juiz, sem que este tenha em conta, através da observação da criança por peritos, a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança concreta, pois bem pode acontecer que apesar de os pais estarem de acordo, tal solução não seja no interesse da criança. A mudança de residência, mesmo num contexto de exercício conjunto do poder paternal, é prejudicial para algumas categorias de crianças, em função da sua idade e variáveis da sua personalidade” [ [4] ].

No caso, o tribunal fixou a guarda conjunta fixando a residência do menor junto do pai.

A apelante pretende que se fixe estadias (ou residências) alternadas, não se alcançando inteiramente se propõe uma guarda conjunta ou alternada, como infra melhor se aludirá.

Ora, entendemos que a fixação da guarda conjunta com residências alternadas é admissível [ [5] ], desde que se faça um juízo de prógnose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.   

Sofia Pappámikail da Costa Marinho em breve referência a estudos (de cariz sociológico) da coparentalidade na residência alternada, refere:

“A existência de modos de cooperação parental diversificados, que incluem os paralelos, viria a ser confirmada por autores como Smyth, Caruana e Ferro (2003), Brunet, Kertudo e Malsan (2008). As primeiras fizeram uma pesquisa qualitativa que visou captar os motivos e as reflexões sobre o relacionamento com a criança e a colaboração coparental de 27 mães e 29 pais, que partilhavam equitativamente os tempos de residência com a criança. Neste estudo encontraram uma «coparentalidade paralela» e outra «cooperativa»: a primeira, pautada pela separação da relação educativa de cada progenitor com a criança, interacções e comunicação restritas ao necessário, bem como por regras rigorosas de rotatividade da residência com a criança e de divisão dos cuidados, que mantêm o funcionamento da cooperação e das rotinas quotidianas sem percalços nem conflitos; a segunda é desenhada por um relacionamento entre progenitores centrado nas necessidades da criança e numa partilha baseada em interacções alargadas, assim como na comunicação frequente. As autoras concluem que a residência alternada tende a ser uma prática restrita, porque o seu funcionamento exige a reunião de um conjunto de factores: proximidade geográfica entre as casas dos progenitores; relacionamento contratual entre estes que mantenha a criança de fora dos eventuais desentendimentos; rotatividade residencial que respeite as várias necessidades da criança; empregos flexíveis, particularmente para o pai, e alguma independência financeira, principalmente das mães. Contudo, estes são pressupostos criticados por Côté (2000b, 140), pois no seu estudo encontrou situações de residência alternada, apesar de aqueles factores não estarem sempre reunidos” [ [6] ].

A mesma autora dá conta de estudos indicativos de que na «parentalidade cooperativa», a que tem maior expressão na residência alternada, os progenitores conversam sobre os problemas da criança, constroem estratégias educativas conjuntas, que são coordenadas nas duas casas, e apoiam-se mutuamente” [ [7] ].

Ora, no caso em apreço, os progenitores não têm qualquer tipo de relacionamento um com o outro – cfr. o nº 8 dos factos assentes –, dividindo a vida do menor consoante está em casa do pai ou em casa da mãe – cfr. o nº 7 dos factos assentes –, mantendo aliás, como ressalta do processo, uma relação conflituosa – subsequentemente à decisão, já se suscitaram questões de (in)cumprimento.

Aliás, é até questionável se o regime de facto que tem vigorado depois da separação do casal tem sido o da guarda conjunta ou o da guarda alternada, uma vez que nos parece que resulta da factualidade assente que cada progenitor mantém a guarda da criança alternada e separadamente, isto é, no período de tempo que compete a cada um – no caso à semana –, cada progenitor exerce individualmente o conjunto dos poderes-deveres que integram o poder paternal, sem qualquer interferência do outro.

Ou seja, quando a apelante sustenta que a sentença deve ser revogada em ordem a que se mantenha o status quo existente, está verdadeiramente a propugnar pela imposição de uma guarda alternada, que não é o regime regra pretendido pelo legislador e vertido no art. 1906º, nº1 do Cód. Civil, não se vislumbrando qualquer fundamento para assim determinar (nº 2 do mesmo preceito).

Acresce que a factualidade apurada não suporta um juízo valorativo positivo quanto às vantagens, para o menor, de uma residência alternada com cada um dos progenitores e essa determinação tinha que estar suportada em elementos de facto que inequivocamente apontassem nesse sentido, de forma a salvaguardar o crescimento saudável e harmonioso da criança.

Por último, tendo o menor, actualmente, seis anos – à data da separação dos pais tinha dois anos –, ressalta da factualidade assente que, residindo com o pai, está bem mais próximo do estabelecimento que frequenta durante o dia e reúne o apoio da família paterna, o mesmo não podendo dizer-se relativamente à mãe, pelo que a opção tomada pelo tribunal não merece censura.

Improcede, pois, a apelação.

                                                            *      

Conclusão:

A fixação da guarda conjunta (de exercício das responsabilidades parentais) com residências alternadas é admissível, desde que se faça um juízo de prógnose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.  

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Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.

Lisboa, 24 de Junho de 2014

(Isabel Fonseca)

(Maria Adelaide Domingos)

(Eurico José Marques dos Reis)


[1] Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Reimpressão, vol. V, p.141.  

[2] Cf. o Ac. STJ de 07-05-2008, proferido no processo  3380/07  (Relator: Vasques Dinis), assim sumariado:

“I -A decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. II -A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”.

[3] O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro define, no seu art.º 2º, a “[r]esponsabilidade parental” como “o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita” – nº7 –, sendo o “[t]itular da responsabilidade parental” “qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança”; O conceito de “[d]ireito de guarda” e de “[d]ireito de visita” consta dos números 9 e 10, respectivamente.
[4] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos De Divórcio, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 95-96. Sobre as “Novas Formas de Guarda” vide ainda, da mesma autora, Exercício do Poder Paternal Relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens, Publicações da Universidade Católica, Porto, 2003, pp. 399- 472.  

[5] Neste sentido, cfr. o ac. RL de 19-06-2012, processo: 2526/11.1TBBRR.L1-1 (Relatora: Graça Araújo), acessível in www.dgsi.pt
[6] “PATERNIDADES DE HOJE Significados, práticas e negociações da parentalidade na conjugalidade e na residência alternada”, 2011, acedido em 31-05-2014, in repositorio.ul.pt/bitstream/10451/.../ulsd061760_td_Sofia_Marinho.pdf, p.108.

[7] Obr. e loc. cit, p.107.