Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1231/14.1TBCSC.L1-8
Relator: RUI MOURA
Descritores: HIPOTECA LEGAL
MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –  Atento o teor do artigo 706º, 2 do CC, a mãe de menor tem legitimidade para requerer o registo da hipoteca legal a favor daquele.

–  A incapacidade do menor quanto à determinação do valor da hipoteca estabelecida a seu favor, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada, é suprida, estando a paternidade estabelecida, pelos pais do menor, ou por um deles, em sua representação, segundo o regime que no caso vigorar para as responsabilidades parentais.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam em conferência os Juízes na 8ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


R..., solteiro, maior, com residência ..., veio em 11 de Fevereiro de 2014 intentar acção declarativa de condenação com processo comum contra:
- Estado Português, representado pelo digno magistrado do Ministério Publico;
- C..., por si e em representação do seu filho menor J..., com domicilio ...; e
- J..., pai do menor e irmão do A., com residência ...

Conclui seja declarada a nulidade da hipoteca registada sob a Apresentação 36 de 13-5-2008, incidente sobre a fracção autónoma designada pela letra H, do prédio com a ficha 3870 da Freguesia do Estoril, da 2ª Conservatória do Registo Civil de Cascais, e ordenado o cancelamento do respectivo registo.

Para tal invoca, em síntese:
–  O Autor alegou que o titulo apresentado para fundamentar o registo da hipoteca foi a sentença homologatória do acordo efectuado entre os RR C... e J..., efectuado no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento referente a ambos, aí constando que a pensão de alimentos devida ao filho menor de ambos, o R. J..., é de 750,00 euros mensais, ficando a mãe com a guarda e o exercício das responsabilidades parentais.
Consta da inscrição da hipoteca «garantia de prestação de alimentos devida a menor», e «valor máximo previsível declarado de 102.750,00 euros».
Ora, nem o referido objecto da hipoteca a favor do menor foi determinado pelo Conselho de Família conforme o exige o art. 706º, nº 1 do CC, nem da referida sentença homologatória consta qualquer referência aos bens do pai do menor a hipotecar, ou ao montante máximo a assegurar por eles.
A entender-se que não há lugar à intervenção do Conselho de Família por o menor estar representado por um dos progenitores, cabe a um tribunal definir o objecto da hipoteca legal e o montante máximo garantido, e não à R. C... enquanto mãe do menor, ainda que esta tenha a guarda e o exercício exclusivo das responsabilidades parentais quanto ao réu menor J...
Conclui pela insuficiência do título e nulidade do registo da hipoteca, nos termos do artigo. 16º, b) e c) do CRP.
Junta procuração e documentos.

Os Réus foram citados.

O R. Estado Português contestou, arguindo a sua ilegitimidade, e pugnando pela improcedência do pedido do A., defendendo que a hipoteca legal em causa nos autos foi validamente registada, constituindo título suficiente para o efeito a sentença homologatória supra referida, atento o disposto nos arts. 704º, 705º, d) e 708º, do CC.

A Ré C... deduziu contestação, onde impugna a versão do A. constante da p.i., salientando que os argumentos daquele foram já apreciados pelo Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado, concluindo este não lhe assistir razão.

Mais refere que o contrato promessa de compra e venda de 10-12-2010, celebrado entre o A. e o R. J..., irmãos, e do paterno e pai, respectivamente, do réu menor J..., foi posterior ao registo da hipoteca legal, pelo que o A. não podia desconhecer a sua existência; o referido contrato constitui uma simulação absoluta com o único intuito de defraudar credores, desde logo pelo preço declarado de 40.000,00 euros quando o imóvel foi comprado pelo promitente vendedor pelo valor de 344.170,00 euros.

No mais, conclui pela legalidade da constituição e registo da hipoteca, pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Os demais RR não deduziram contestação.

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador.

Nele se deu valor à causa.

Foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do Réu Estado, tendo este sido absolvido da instância.

Entendeu-se ser possível conhecer imediatamente do mérito, sem necessidade de mais provas – cfr. artigo 595º, 1, b) do CPC.

Na 1ª instância dão-se como provados os seguintes factos, motivadamente:
– Pela Apresentação 44 de 9-08-2007 encontrava-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, a favor do Réu J..., a fracção autónoma designada pela letra H destinada a habitação, integrada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na rua de Trás-os-Montes, freguesia do Estoril, Concelho de Cascais, descrito na 2ª CRP de Cascais sob o n.º 3870 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 8360. (certidão permanente da 2ª CRP de fls. 13 e sets)
– O referido imóvel descrito em 1º foi adquirido, por compra, pelo R. J..., por escritura pública celebrada a 26-02-2007, pelo preço de 344.170,00 euros. (Escritura pública de fls. 137 e seguintes)
– Por escritura pública de 10-12-2010 o Autor prometeu comprar a seu irmão, o R. J..., e este prometeu vender, a fracção identificada em 1º, pelo preço de 40.000,00 euros, com os ónus e encargos que a oneram, nomeadamente a hipoteca legal sob a AP. 36 de 13-05-2008, a favor do Réu menor J..., para garantia da prestação de alimentos, mais declarando o A. prometer comprar a aludida fracção nos precisos termos aí exarados. (Escritura pública do contrato promessa constante de fls. 17 e seguintes)
–  Sobre o imóvel descrito em 1º, encontra-se registada, além do mais, a hipoteca legal sob a AP. 36 de 13-05-2008, a favor do Réu menor J..., para garantia da prestação de alimentos, pelo valor máximo previsível de 102.750,00 euros. (certidão permanente da 2ª CRP de fls. 13 e sets)
–  As partes atribuíram eficácia real ao acordo descrito em 3º, estando registada a promessa de aquisição sob a AP. 3789 de 16-12-2011. (certidão permanente da 2ª CRP de fls. 13 e sets)
–  O Réu J...  nasceu em 3-07-1999, e é filho do R. J... e da Ré C... (assento de nascimento nº 1061, da C.R.Civil de Moscavide, de fls. 26)
–  No âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº 1988/04.8TMLSB do 4º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, em que são partes os aqui Réus C... e J..., foi proferida sentença homologatória de 3-10-2005, transitada em julgado, do acordo de regulação das responsabilidades parentais referente ao menor aqui R. J..., onde se fixou que a pensão de alimentos devida pelo pai do menor a este é de 750,00 euros mensais, ficando a mãe com a guarda do menor e com o exercício das responsabilidades parentais. (cf. cópia certificada do acordo e sentença homologatória de fls. 123 e seguintes)
– O título apresentado para o registo da hipoteca legal mencionada em 4º foi a sentença homologatória referida em 7º (Deliberação do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado proferida no âmbito do Proc. R. P. 163/2008 SJC-CT, junto a fls. 341 e seguintes)
– O registo da hipoteca legal referido em 4º veio inicialmente a ser recusado pela Adjunta do Conservador, por despacho de 16-6-2008, recusa que deu origem à anotação nº 1 da Ap. 36 de 13-5-2008. (Deliberação referida em 8º)
10º– A Ré C... recorreu hierarquicamente de tal despacho, em 18-7-2008, recurso que deu origem à anotação nº 2 à mesma inscrição. (Deliberação referida em 8º)
11º– A Ré obteve vencimento parcial de tal recurso, por decisão de 21-11-2008, proferida pelo Presidente do Instituto dos Registos e Notariado proferida no âmbito do Proc. R. P. 163/2008 SJC-CT, que homologou a Deliberação do Concelho Técnico. (Deliberação referida em 8º)
12º– A Deliberação do Conselho considerou inexistir fundamento de recusa do registo da hipoteca legal, mas apenas motivo para dúvidas, por não ter sido indicado o montante máximo que se previa viesse a atingir a dívida de alimentos garantida pela hipoteca, tendo o registo sido requalificado para «Provisório por Dúvidas», por Averbamento oficioso à mesma inscrição hipotecária, datado de 27-11-2008. (Deliberação referida em 8º e certidão permanente do imóvel de fls. 13 e seguintes)
13º– A Ré C... requereu a conversão do registo provisório em definitivo, declarando complementarmente o montante máximo garantido pela hipoteca, a qual veio a ser convertida em definitivo.
14º– Por Escritura Pública de compra e venda celebrada a 12-2-2015, o A. adquiriu o imóvel descrito em 1º. (Cópia certificada da escritura pública, junta a fls. 380 e segts, e certidão permanente do imóvel de fls. 389)
Quanto a factos não provados escreveu-se: Não existem factos não provados com relevância para a causa, e a demais matéria articulada pelas partes constitui matéria de direito ou conclusiva, ou irrelevante à boa decisão da causa, motivo pelo qual não foi mencionada.

Proferiu-se decisão de mérito que, a final, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos, com custas pelo Autor.

Inconformado, recorre o Autor, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Conclusões de recurso do Autor:

O Autor conclui a motivação da sua apelação deste modo:
1- O Registo Predial assegura a fé pública registral e prossegue princípios de interesse e ordem pública, pelo que o Estado, representado pelo Ministério Público, é parte legítima em acção judicial por que um particular pede a declaração de nulidade do registo e constituição de uma hipoteca e o consequente cancelamento.
2- A sentença homologatória de divórcio por mútuo consentimento com o acordo de fixação de alimentos a favor do filho menor não é título bastante para registo de hipoteca legal, dado que é omissa quanto à determinação do valor a assegurar, quanto à determinação do valor do hipoteca ou hipotecas, e determinação do imóvel ou imóveis a hipotecar.
3- As declarações complementares do progenitor que exerce as responsabilidades parentais quanto ao montante máximo a assegurar e determinação dos imóveis a hipotecar não constituem título bastante para registo e constituição de hipoteca legal.
4-  O artigo 706º nº 1 do Código Civil estipula que a determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor de menor, interdito ou inabilitado, para efeitos de registo, e a designação dos bens sobre que há-de recair, cabem ao Conselho de Família, e não distingue entre menor representado por progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais e menor representado por tutor.
5- Daqui se retira que o progenitor que representa o menor só tem legitimidade para requerer o registo de hipoteca legal, depois da referida determinação pelo Conselho de Família, em vista do nº 2 do citado artigo 706º do CC.
6- Inexiste razão ética ou legal para diferenciar entre credor de alimentos menor representado por progenitor e credor de alimentos menor representado por tutor, pelo que tem que entender-se que o legislador no nº 2 do artigo 706º do C.C., quanto a legitimidade para requerer o registo, também quis referir-se ao progenitor que representa o menor.
7- Estando o menor representado por progenitor, não se entendendo como acima, por não haver lugar à constituição de Conselho de Família, tal implica uma desigualdade de tratamento entre o progenitor e o tutor que não se justifica em face dos princípios de interesse e ordem pública que regem o Registo Predial, implicando deixar ao livre critério do progenitor não só a determinação do montante máximo assegurado pela hipoteca como a escolha do imóvel ou imóveis a hipotecar.
8- Com a estipulação do artigo 706º nº 1 e nº 2 do CC o legislador pretendeu assegurar não só os interesses do credor de alimentos mas também os do devedor de alimentos, não permitindo oneração desproporcionada do património deste, em vista dos interesses daquele, equilíbrio que visa igualmente quando o menor está representado por progenitor.
9- Daí que, se se entende que não há lugar a deliberação prévia do Conselho de Família, que legitime o progenitor para requerer o registo de hipoteca legal, este progenitor, que representa o menor, tem de pedir a intervenção do Tribunal para determinação do valor da hipoteca e dos bens a onerar, previamente ao registo da hipoteca legal, na ausência de sentença que fixe tais valores e bens a onerar.
10- E nem se diga que a sentença homologatória e as declarações complementares do representante legal do menor, a ser constituída hipoteca com fundamentos nos mesmos, afastam constituição de hipotecas legais desproporcionadas, por excesso, por o devedor ter o benefício da redução previsto no artigo 708º do CC, porquanto esta redução opera depois de ter sido observado o mecanismo legal para uma válida e justa e não excessiva constituição de hipoteca legal, que as disposições do artigo 706º nº 1 e nº 2 do CC visam garantir.
11- A falta ou insuficiência de título determina a nulidade do registo por força do artigo 16 alínea b) do Código do Registo Predial, bem como a falta das menções referidas no artigo 96° n° 1 alínea a) do mesmo Código no que respeita às hipotecas (de qualquer natureza) determina essa nulidade artigo 16 c) do Código do Registo Predial.
12- A sentença recorrida violou o disposto no artigo 706º° nºs 1 e 2 do CC e as disposições do Código do Registo Predial citadas na conclusão anterior.
Conclui pela declaração da nulidade da hipoteca constituída e registada sob a Apresentação 36 de 13 de Maio e 2008 (descrição 3870- Estoril da 2ª Conservatória do Registo Predial de Loulé), e pela ordenação do respectivo cancelamento.

Contra-motiva a Ré C..., rematando:
1- A douta sentença recorrida limitou-se a aplicar o direito aos factos que resultaram provados;
2- O artigo 705º do Código Civil, elenca os credores com hipoteca legal, onde na sua alínea d) se incluem os credores de alimentos;
3- Os credores a alimentos não são exclusivamente menores, mas todos os que podem pedir alimentos aos obrigados e elencados no artigo 2009º do Código Civil;
4- A redacção do artigo 7050 do CC é clara e divide os credores de alimentos dos menores, interditos e inabilitados, que estão elencados numa alínea distinta, atentas as suas diferenças;
5- A decisão em conselho de família apenas ocorre nos processos de tutela, interdição e inabilitação, estando o art. 7070 do CC em clara ligação com a alínea c) do artigo 705º do CC;
6- Se o legislador pretendesse que todas estas classes de credores estivessem equiparadas em sede procedimental, não os teria relacionado por alíneas distintas, logo, não se pode exigir, a um credor por alimentos, que lance mão de um procedimento legal previsto para os processos de tutela, interdição e inabilitação.
7- O Autor ora Recorrente actuou em manifesto abuso de direito, tendo declarado conhecer e aceitar a hipoteca legal registada no imóvel, não tendo em momento algum colocado qualquer dúvida na documentação e registos efectuados, para depois, vir exigir a declaração de nulidade de um acto, que como vimos, foi largamente analisado e confirmado em sede registral, actuando em manifesto abuso na modalidade de venire contra factum proprium;
8- Assim, não existem fundamentos legais que coloquem em crise a douta sentença proferida nos presentes autos, não tendo esta violado qualquer preceito ou disposição legal, antes tendo aplicado a lei aos factos apurados, resultando, de tal dicotomia Factos/Direito que o prevaricador foi o Autor/Recorrente, com manifesto abuso de direito da sua pretensão e actuação judicial, pelo que, deve a douta sentença ser mantida e confirmada.
Pugna pelo acerto da sentença recorrida.

Contra-motiva o Réu Estado, finalizando:
- Por julgar o R. Estado Português parte ilegítima na presente acção, absolvendo-o da instância, a sentença não merece reparo e deverá ser mantida;
- A sentença agora posta em crise não viola as disposições legais invocadas pelo Recorrente, porquanto o registo de hipoteca assentou em título bastante.
- O recurso interposto pelo A. não deve proceder e a sentença deve ser mantida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–  ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III–  OBJECTO DO RECURSO
As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:
I- saber quais os factos a ter em conta.
II- aquilatar da ilegitimidade do Estado para os termos da causa;
III- decidir do mérito da causa, o que implica conhecer da nulidade da hipoteca e decidir sobre o cancelamento do respectivo registo.

IV–  mérito do recurso
1ª- questão
A factualidade a ter em conta é já referida e transcrita supra no relatório, motivada, não impugnada, e, portanto, assente.
Não padece de contradição.

2ª- questão
A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade, ou prejuízo, que da procedência, ou improcedência, da acção, possa advir para as partes, atento os termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida.  
O Autor pretende a nulidade da hipoteca registada sob a Apresentação 36 de 13-5-2008, incidente sobre uma fracção autónoma, e ainda o cancelamento do respectivo registo.
Intente acção judicial de declaração de nulidade do registo.
O Estado Português não tem qualquer interesse em contradizer a acção uma vez que não é titular do registo visado, não lhe causando a procedência da causa qualquer prejuízo.
O efeito útil da acção consegue-se invocando a nulidade do registo nos respectivos serviços, bastando para isso sentença judicial com trânsito em julgado que a declare – cfr. artigo 17º, do Cód. do Registo Predial.
Tal como é configurada pelo Autor, o Estado não é titular da relação jurídica material controvertida. Por isso não tem de ser demandado.
O Apelante alega: o Registo Predial assegura a fé pública registral e prossegue princípios de interesse e ordem pública.
Digamos que são objectivos que dão forma ao direito registral.
Mas não é esse o fim do registo predial. Tal como refere o artigo 1º do Cód. do Registo Predial, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. A sua função é meramente declarativa, de simples publicidade.
A presente acção não põe em causa esta proclamada etiologia.
Mantém-se a procedência da excepção dilatória da ilegitimidade do Demandado Estado Português.

3ª- questão
O Autor intenta acção judicial de declaração de nulidade do registo. A tal se refere o artigo 17º do Cód. do Registo Predial.
Sobre as causas de nulidade do registo dispõe o artigo 16º do m.d..
Sobre cancelamento do registo dispõe o artigo 13º: – os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado.
Também o artigo 8º, 1:- a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo.
Cumpre esclarecer o seguinte: a nulidade, a inexistência e a inexactidão são categorias de vícios do registo.
A inexistência determina que se ignore o registo. É como se não tivesse sido efectuado. Cfr. artigos 14º e 15º do CRP.
A inexactidão permite que o registo seja rectificado, por averbamento, passando a considerar-se perfeito e inatacável. Cfr. artigos 18º e 120º do CRP.
A nulidade do registo não permite a rectificação. O registo mantém-se inquinado. Só pode ser invocada depois de ter sido declarada por sentença judicial com trânsito em julgado.
O Autor alude à constituição de uma hipoteca legal. Os pontos 4, 8 e 9 dos factos provados referem a mesma designação.
Porém vejamos a lição de Remédio Marques, in Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, 2ª ed., revista, Coimbra Editora, pág. 420 a 422.  
O Autor explana sobre medidas prévias ao incumprimento da obrigação de alimentos. Sobre medidas a tomar antes mesmo da ameaça do incumprimento do devedor da obrigação de alimentos.
A lei coloca ao dispor do credor de alimentos – ou do seu representante legal, no caso dos menores, inabilitados e dos interditos, a faculdade jurídica de se poder fazer valer de uma hipoteca legal, para garantir o seu crédito, a qual pode incidir sobre qualquer bem do devedor, nos termos do artigo 705º, d) e do artigo 708º, ambos do CC, contanto que a obrigação de alimentos exista, e ainda exista. A constituição de uma hipoteca legal prescinde do concurso da vontade do titular do bem hipotecado. Nesse sentido se diz que tais hipotecas resultam imediatamente da lei – cfr. artigo 704º do CC. Para este caso é que, sendo o credor menor, os vogais do conselho de família podem peticionar na Conservatória competente a penhora desta natureza. O registo serve para individualizar os bens sobre que recaia a hipoteca legal.
Por outro lado – explica o Autor – ao credor de alimentos, ou o seu representante legal está ainda aberta a possibilidade de constituir, pelo registo, uma hipoteca judicial sobre quaisquer bens do devedor de alimentos, nos termos e nas condições previstas no artigo 710º do CC. Aqui a hipoteca tem como título constitutivo a decisão judicial, sendo o seu registo um registo de eficácia da garantia em relação a terceiros e em relação ao devedor de alimentos.
No mesmo sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão in Direitos Reais, Almedina, 2009, pág. 464 e ss.
Este Autor ensina que relativamente à hipoteca legal a favor de menor, interdito e inabilitado, e face à dificuldade que estes teriam em determinar o valor e designar os bens objecto da hipoteca, é que se estabelece no artigo 706º do CC que essa determinação e designação cabe ao conselho de família, podendo o registo ser requerido pelo tutor, curador, administrador legal de bens, vogais do conselho de família e quaisquer dos parentes do incapaz.
A hipoteca judicial – ensina – funciona como uma penhora antecipada.
O Código Civil distingue entre hipoteca legal, judicial e voluntária.
Convém averiguar que hipoteca é a dos presentes autos.
O Autor chama-lhe hipoteca legal na petição inicial. O registo predial regista-a qualificando-a como legal – cfr. fls. 13 e 14.
A Ré C..., nos artigos 28º e ss e também 92º e ss da sua contestação, reconhece ter feito registar hipoteca legal a favor do seu filho menor.
Pela exposição de factos que a Ré C... faz, a inscrição para penhora em causa não teve a anuência do titular do bem onerado. A Mãe do menor tudo tem feito para levar o Pai do menor a cumprir com a estipulada obrigação alimentícia.
Assumimos portanto, dado até o formalismo do registo, tratar-se de uma hipoteca legal.
Não se trata portanto de uma hipoteca judicial.
A Ré C... foi casada com o Réu J..., irmão do ora Autor.
Fruto do referido relacionamento existe um filho – o menor J...
Os Réus C... e J... divorciaram-se. O menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, Ré C..., por acordo dos progenitores homologado judicialmente na acção de divórcio. À Ré C... passou a competir o exercício das responsabilidades parentais e da a representação legal do menor seu filho. Cfr. regulação a fls. 126.
Flui dos autos que a Ré C... tem diligenciado no sentido do Pai do menor pagar a prestação mensal de alimentos a que ficou obrigado.
No âmbito dessas diligências a mãe do menor requereu o registo da hipoteca legal em referência nos autos.

Dispõe o artigo 706º do Código Civil, com o subtítulo de registo da hipoteca a favor de incapazes:
1– A determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem ao conselho de família.
2– Têm legitimidade para requerer o registo, o tutor, curador ou administrador legal, os vogais do conselho de família e qualquer dos parentes do incapaz.

A norma alude às várias categorias de incapacidades:- à condição jurídica dos menores, à interdição e à inabilitação – cfr. artigos 122º e ss do Código Civil.

É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos idade. Cfr. artigo 122º do CC.
Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos. Cfr. artigo 123º.
A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respectivos. Cfr. artigo 124º do CC.

Estabelece-se aqui uma ordem de suprimento da incapacidade do menor. Em primeiro lugar ela é suprida pelo poder paternal, e só depois, numa segunda linha, pela tutela.

Atento o teor do artigo 706º, 2 do CC, a mãe do menor tem legitimidade para requerer o registo da hipoteca legal a favor do menor, uma vez que é seu parente em 1º grau na linha recta. 

Mas quanto à determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor (…), para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada o menor carece de capacidade.
Ela há-de ser suprida.

Em primeiro lugar é suprida pelo poder paternal. Se não puder assim ser suprida essa incapacidade, tal determinação e tal designação de bens é suprida pela tutela.

Como sabemos aos pais compete o poder de representação dos filhos – artigo 1881º do CC. Este poder compreende em princípio o exercício de todos dos direitos do filho.

Daí que a incapacidade do menor quanto à determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor (…), para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada, é suprida, estando a paternidade estabelecida, pelos pais do menor, ou por um deles, em representação deste, segundo o regime que vigorar para as responsabilidades parentais no caso.

Porém, pode haver casos em que haja necessidade de suprir a própria responsabilidade parental, e para esses casos é que a lei prevê a tutela, e regula o tutor e o conselho de família, como órgãos da tutela – cfr. artigos 1921º e ss do CC. São os casos em que o menor está obrigatoriamente sujeito à tutela.

O artigo 706º, 1 do CC tem de ser entendido à luz deste dispositivo conceptual e sistemático. Cfr. artigo 9º do m.d..

A determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem – em último caso - ao conselho de família.
(Na sentença recorrida entendeu-se que a hipoteca legal em apreço é a prevista no artigo 705º, d) do CC, e reconduziu-se o disposto no artigo 706º do CC à hipótese da al. c) daquele. Foi essa igualmente a posição do IRN – cfr fls. 344).

O requerimento para registo da hipoteca foi instruído com certidão da sentença homologatória do acordo relativamente às responsabilidades parentais do menor, do qual consta a periodicidade e o montante da prestação de alimentos a pagar pelo Réu J..., ao seu filho – o menor J... Cfr. ponto 1.1 do relatório da deliberação do IRN a fls. 343.
A Ré C... complementou o requerimento determinando o valor da hipoteca e designando o bem que pretendia onerar.

Actuou portanto em representação do menor – cfr. artigo 1881º do CC.

Daí que a hipoteca legal dos autos tenha título, não padeça da nulidade apontada. O registo foi objecto de rectificação, passando a considerar-se perfeito e inatacável.

Improcede a acção e a Apelação.

VDECISÃO:
Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
As custas da Apelação ficam a cargo do Apelante, ora Autor.
Valor da causa: € 103.750,00.



Lisboa,  2017.12.13



Rui António Correia  Moura                                                     
Mário Rodrigues da Silva
A. Ferreira de Almeida
Decisão Texto Integral: