Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ CONDUÇÃO PERIGOSA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES CRIME DE RESISTÊNCIA COACÇÃO DE FUNCIONÁRIO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/05/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO UM RECURSO E PROVIDO O OUTRO RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | – Quando está em causa uma única acção naturalística – condução de veiculo em estado de embriaguez que crie perigo para a vida, integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado –, ocorre entre o crime de condução de veiculo em estado de embriaguez (artigo 292.º do Código Penal) e o crime de condução perigosa de veiculo rodoviário (artigo 291.º do Código Penal) uma relação de concurso aparente, sendo a conduta punida pela pena prevista por este último porque mais grave, existindo uma relação entre os ditos crimes que é de subsidiariedade explícita. – Tal subsidiariedade resulta do próprio texto do artigo 292.º, n.º 1, onde se diz que o crime é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias “… se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. – Não existe, porém, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção (na situação fáctica concreta) entre as normas dos artigos 291.º e 69.º, n.º1, al. a) e as dos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º1, al. c), do Código Penal (estas últimas por referência ao crime de desobediência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada), havendo um concurso entre os crimes em presença que é efectivo (real e heterogéneo) e não meramente aparente. – No crime de resistência e coacção sobre funcionário, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 347.º, n.º 1, 22.º e 23.º, do Código Penal, o que a lei especialmente quis proteger com a incriminação que contém, é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade funcional de actuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, punindo, para o efeito, quem empregue violência ou ameaça grave contra este, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções ou para o constranger a que pratique acto relativo a esse exercício, mas contrário aos seus deveres, e, se simultaneamente se protege a pessoa do funcionário incumbido de desempenhar determinada tarefa, essa protecção da sua liberdade individual é tão-só funcional ou reflexa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I–Relatório: 1.– No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 60/16.2PFALM, procedeu-se ao julgamento de W. e de L. , ambos melhor identificados nos autos, pela imputada prática, de acordo com a acusação, dos seguintes ilícitos: - Ao arguido W. a prática, em autoria material e concurso real e efectivo, de: - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e incorrendo na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, por referência aos arts. 14.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, 29.º, 103.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al a) e e), 146.º, al. o) do Código da Estrada, - um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, por referência ao art. 121.º, n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, e - um crime de desobediência simples, p.p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal por referência ao art. 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, e incorrendo na pena acessória prevista no art. 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal. - Ao arguido L. a prática, em autoria material na forma tentada de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p e p. pelos artigos 347º, n.º1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Tudo visto e ponderado, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decido: (i)- Condenar o Arguido W. pela prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena 1 (um) ano de prisão; (ii)- Condenar o Arguido W. pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, por referência ao art. 121.º, n.os 1 e 4 do Código da Estrada, na pena 9 (nove) meses de prisão. (iii)- Condenar o Arguido W. pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência simples, p.p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal por referência ao art. 152.º, n.º 3 do Código da Estrada na pena 5 meses de prisão; (iv)- Em cúmulo jurídico, condenar o Arguido W. na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (v)- Suspender a pena de prisão aplicada ao Arguido W. pelo período de 1 (um ) ano e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova. (vi)- Condenar o arguido W. na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses (artigo 69.º n.º 1 al. a) do Código Penal) por referência à prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário; (vii)- Condenar o arguido W. na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses (artigo 69.º n.º 1 al. c) do Código Penal), por referência à prática de um crime de desobediência; (viii)- Em cúmulo jurídico, condenar o Arguido W. na pena única acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano; (ix)- Condenar o arguido L. pela prática, em autoria material, na forma tentada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p e p. pelos artigos 347º, n.º1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses prisão, substituída por 270 (duzentos e setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num montante global de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros); (…)» 2.–Os arguidos recorreram da sentença, finalizando as suas motivações com as conclusões que se transcrevem. 2.1.–Recurso de W. : 1.- Da douta acusação pública não constava a imputação ao arguido ora recorrente, da sanção acessória prevista na al. a) do artigo 69.º do CP, sanção esta que, a final veio o mesmo a ser condenado em 8 meses de proibição de conduzir veículos a motor. 2.- Não dando cumprimento ao disposto no artigo 358.º n.º 1 e 3 do CPP a douta sentença incorreu na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal. 3.- Impor-se-ia pois dar cumprimento ao disposto no artigo 358.º desse diploma, determinando-se para tal efeito a reabertura da audiência, sob pena de violação das garantias de defesa previstas nos artigos 32.º n.º1 e 29.º n.º 5 da CRP. 4.- Mesmo que assim não seja, entendemos que existe concurso aparente entre a pena acessória prevista na al. c) e na alínea a) do artigo 69.º do CP, na medida em que não faria sentido alguém ser só punido uma vez em sede de pena acessória se porventura fizer condução perigosa e além disso sob a influência do álcool, mas já ser punido duplamente, em concurso real, se se recusar a fazer os testes aí elencados?!... isto sem prejuízo de os bens jurídicos protegidos até serem diferentes. 5.- Por erro e má aplicação do direito, a aliás, douta sentença recorrida violou as disposições acima indicadas, pois devia ter concedido o direito ao arguido ora recorrente de se pronunciar sobre a alteração da qualificação jurídica operada pela acusação. Nestes termos e nos mais de direito deve a douta sentença ser substituída por outra que conceda provimento ao recurso, nos sobreditos termos, assim se fazendo a sã e habitual justiça. 2.2.–Recurso de L. : 1.-O Recorrente encontrava-se acusado pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime de resistência e coação, p.p. pelos artigos 347.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do CP. 2.-Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, pela prática do crime de que vinha acusado, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 1.350,00. 3.-Da análise da matéria de facto e com relevo para a decisão, foi dado como provado que "14. O arguido L. , apercebendo-se que o arguido W. estava a ser algemado e que alguns dos agentes da PSP vinham no seu encalce, pegou em pedras da calçada existentes no local -onde se encontrava e arremessou-as na direcção dos agentes da PSP, as quais caíram a escassos metros dos mesmos.". 4.-O arremesso de pedras, que caíram a metros, ainda que escassos, dos Agentes da PSP, conjugado com a superioridade numérica e especiais capacidades desses agentes e com o facto de estarem munidos de armas de fogo que, aliás, utilizaram, impõem a conclusão de que a ação do Arguido não foi idónea a integrar o conceito de violência ou ameaça previstos no art. 347.º, n.º1, do CP. 5.-Não logrou provar-se qualquer concreta factualidade subsumível ao conceito de violência ou ameaça grave por parte do arguido a qualquer um dos agentes da PSP, que possa ser reputada como idónea e proporcional a obstar ao exercício das suas funções enquanto agentes de uma força policial, não se verificando, assim, o elemento objetivo do tipo. 6.-Também não logrou provar-se o elemento subjetivo do tipo legal do ilícito em causa, ou seja, o dolo em qualquer uma das suas formas. 7.-Não resultando da matéria de facto provada a existência de factos que integrem os elementos objetivo e subjetivo do tipo criminal impõem-se a absolvição do Arguido e ora Recorrente, pelo que o Tribunal a quo, ao decidir de forma diversa, violou, por erro de interpretação, o disposto no art. 347.º, n.º 1, do CP. 8.-A moldura abstrata aplicável tem como limite mínimo 1 mês de prisão e limite máximo 2 anos, 2 meses e 10 dias de prisão e não 2 anos, 4 meses e 20 dias de prisão, como, parece-nos que por erro de cálculo, consta da douta sentença recorrida. 9.-A medida da pena aplicada, atenta a factualidade provada e as circunstâncias atenuantes, mostra-se excessiva. 10.-Tendo em conta a moldura abstratamente aplicável e as circunstâncias atenuantes, de resto realçadas na fundamentação, tais como, a ausência de antecedentes criminais e de qualquer condenação posterior aos factos em análise ou notícia de processo pendente e a inserção familiar, social e laboral do Recorrente, impõe-se, em obediência ao disposto no art. 71.º, n.º 1 e 2, do CP, uma redução da pena de prisão aplicada para um quantum próximo do seu mínimo, ou seja, para 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00. 11.-O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na determinação da pena aplicada, violou, por erro de interpretação, o disposto no art. 71.º, do CP. NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, absolvendo-se, em consequência, o Recorrente da prática do crime de resistência e coação sobre funcionário ou, caso assim não se entenda e sem conceder, condenar o Recorrente numa pena 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA! 3.–O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou respostas no sentido de que a sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que ambos os recursos devem ser não providos. 4.–Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), subscreveu a posição do Ministério Público em 1.ª instância. 5.–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II–Fundamentação 1.- Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). Atentas as conclusões apresentadas, as questões a apreciar são: Recurso de W. : -Nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º1, al. b), por alegado incumprimento do artigo 358.º n.º 1 e 3, do C.P.P. -Alegado concurso aparente entre a pena acessória prevista na al. c) e a prevista na alínea a) do artigo 69.º do Código Penal. Recurso de L. : -Enquadramento jurídico-penal dos factos na perspectiva da subsunção aos conceitos de violência ou ameaça previstos no artigo 347.º, n.º1, do Código Penal. -Determinação da medida da pena. 2.–Da sentença recorrida 2.1.–O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1.-No dia 18 de Junho de 2016, pelas 02 horas e 20 minutos, o arguido W. seguia ao volante do veículo automóvel de matrícula 56 , na Rua de Angola, sita em Almada. 2.-O arguido conduzia o mencionado veículo sem que estivesse legalmente habilitado a conduzir aquela categoria de veículos. 3.-No interior do veículo seguia, como passageiro, sentado no banco ao lado do condutor, o arguido L. . 4.-Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, foi dada ordem de paragem ao arguido W. pelos agentes da PSP que se encontravam numa acção de patrulhamento e fiscalização. 5.-O arguido não respeitou essa ordem de paragem, e aumentando a velocidade do veículo, seguiu pela Rua Fernando Pessoa em direcção da Avenida António José Gomes e daí em direcção do jardim da Cova da Piedade. 6.-Nesse percurso, houve um peão que se encontrava a atravessar a via, numa passadeira, e teve de se desviar, de modo apressado, para evitar ser atropelado pelo arguido. 7.-Após entrou em sentido contrário ao do trânsito na rotunda existente junto do jardim da Cova da Piedade, não tendo embatido num veículo que aí circulava, porque o seu condutor evitou o embate. 8.-Saiu da rotunda, no sentido da Rua União Piedense, que percorreu circulando sempre no meio da faixa de rodagem, até virar à direita no sentido da Rua João Schwalbach, por onde seguiu até entrar na Rua das Meloas, no sentido da Avenida 23 de Julho. 9.-Aí chegado, desrespeitando o sinal de proibição de virar à esquerda, o arguido seguiu nessa direcção, no sentido da Cova da Piedade – Laranjeiro até aos semáforos junto do viaduto do metro, onde virou à direita na direcção da rotunda junto da Rua Jaime Rebelo. 10.-Quando chegou junto da rotunda entrou na mesma, em sentido contrário ao do trânsito, e sem reduzir a velocidade. 11.-Nessa altura e local, o arguido perdeu o controlo do veículo, despistando-se e indo embater num poste de telecomunicações aí existente. 12.-Ao longo de todo o percurso, o arguido conduziu sempre a velocidade não concretamente apurada, mas desadequada às condições da via e ao trânsito existente. 13.-Após a imobilização da viatura, os arguidos saíram do veículo e colocaram-se em fuga apeada, tendo o arguido W. sido interceptado quase de imediato. 14.-O arguido L. , apercebendo-se que o arguido W. estava a ser algemado e que alguns dos agentes da PSP vinham no seu encalce, pegou em pedras da calçada existentes no local onde se encontrava e arremessou-as na direcção dos agentes da PSP, as quais caíram a escassos metros dos mesmos. 15.-Perante a conduta do arguido L. , o agente RT. efectuou disparos com uma arma Shotgun, municiada com bagos de borracha, tendo o arguido cessado, de imediato, com o seu comportamento, o que permitiu a sua detenção. 16.-Os arguidos foram de imediato conduzidos à Esquadra de Almada, local onde foi solicitado ao arguido W. que procedesse à realização de teste de álcool por ar expirado, ao que o arguido se recusou. 17.-Ao actuar da forma descrita, o arguido W. desrespeitou as mais elementares regras que devem ser observadas no exercício de uma condução prudente, designadamente a de que a velocidade deve ser adequada à via em que circula e às condições do trânsito, da obrigatoriedade de paragem perante uma passagem assinalada para peões, da obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e no sentido do trânsito. 18.-Ao fazê-lo, o arguido colocou em perigo a integridade física do outro ocupante do veículo automóvel em que seguia, o peão que pretendia atravessar a via e os ocupantes do veículo que se encontrava na rotunda junto do jardim da Cova da Piedade. 19.-Ao agir como descrito, fê-lo com o propósito concretizado de seguir à velocidade a que conduzia e de desrespeitar aquelas normas de circulação rodoviária. 20.- Estava ciente que ao proceder assim colocava em perigo a vida e a integridade física dos demais ocupantes do veículo por si conduzido e dos demais utentes da via, o que não sucedeu por mera sorte. 21.-O arguido W. sabia igualmente que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o. 22.-Sabia ainda que estava obrigado a submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado e conhecia as consequências do incumprimento daquela ordem. 23.-O arguido L. sabia que a detenção de W. estava a ser efectuada pelos agentes da PSP, que ali se encontravam no exercício das suas funções e que também seguiam no seu encalce para o deter, e não obstante, agiu do modo descrito com o propósito, não concretizado, de impedir que aqueles actuassem dessa forma. 24.-Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Mais se provou que: Do arguido W. 25.-Trabalha numa empresa de lavagem de carros auferindo mensalmente a quantia de € 650,00 e ainda trabalha em part-time num café auferindo entre 120€ a 130€ mensalmente. 26.-Vive com a companheira, os três filhos menores e com a madrinha em casa própria desta última. 27.-A companheira beneficia do rendimento de inserção social no montante de € 360,00. 28.-Auxília a madrinha nas despesas da casa. 29.-É actualmente titular de carta de condução. 30.-O arguido W. foi anteriormente condenado: (i)- por decisão proferida em 04.10.2012 e com trânsito em julgado em 20.12.2012, no âmbito do processo n.º 70/10.3PEALM, que correu termos no Tribunal Judicial de Almada, 2.º Juízo de Competência Criminal, pela prática, em 25.08.2011, de um crime de tráfico de quantidade diminutas e de menor gravidade na pena de 2 anos de prisão suspensa com regime de prova. (ii)- por decisão proferida em 09.11.2012 e com trânsito em julgado em 29.11.2012, no âmbito do processo sumário n.º 1675/12.3PAALM, que correu termos no Tribunal Judicial de Almada, 3.º Juízo de Competência Criminal, pela prática, em 23.10.2012, de três crimes de roubo na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa com regime de prova. (iii)- por decisão proferida em 25.09.2013 e com trânsito em julgado em 25.10.2013, no âmbito do processo n.º 1323/11.9SILSB, que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, em 21.08.2011, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,00 a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade. (iv)- por decisão proferida em 08.10.2013 e com trânsito em julgado em 07.11.2013, no âmbito do processo n.º 1441/13.9PGALM, que correu termos no Tribunal Judicial de Almada, 3.º Juízo de Competência Criminal, pela prática, em 28.09.2013, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00 a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade. (v)- por decisão proferida em 25.07.2014 e com trânsito em julgado em 30.09.2014, no âmbito do processo n.º 1056/14.4PGALM, que correu termos no Tribunal Judicial de Almada, Juiz 3 do Juízo Local Criminal, pela prática, em 17.07.2014, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 36 períodos de prisão por dias livres. Do arguido L. 31.-Trabalha como ajudante de servente auferindo mensalmente entre € 600,00 e 650,00. 32.-Vive com o pai e com a madrasta em casa arrendada. 33.-Contribuiu com o montante de € 650,00 para as despesas da casa. 34.-Concluiu o 6.º ano de escolaridade. 35.-Não tem antecedentes criminais. 2.2.–Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição): Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente não se provou que: a.- Nas circunstâncias de 5 a 11, o arguido W. colocou em causa bens patrimoniais alheios de valor elevado. 2.3.–O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): A convicção do tribunal relativamente à factualidade ínsita nos factos provados assentou na prova produzida em audiência de julgamento, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, associada às regras de experiência de vida e ao senso comum. Toda a prova foi dissecada e entrecruzada, de modo a aferir dos seus pontos de coerência e concludência. A testemunha MR., agente da PSP, descreveu de modo credível e coerente as circunstâncias de tempo, lugar e modo como ocorreram os factos, tendo narrado, com pormenor, o que os levou a abordar o veículo aqui em causa e como decorreu a perseguição ao mesmo. Ainda acrescentou que não tinha dúvidas que era o arguido W. que ia a conduzir, explicando o momento em que se apercebeu da identidade do condutor e que o viu sair do veículo, do lado do condutor, logo após a sua imobilização, tendo procedido à sua interceptação e detenção. No seu relato dos acontecimentos, esta testemunha foi concretizando o trajecto realizado pelo veículo e as infracções estradais que foi cometendo, descrevendo as mesmas de forma objectiva. Aliás o seu relato é bastante realista, o que é normal, tendo em consideração que era a pessoa que ia a conduzir o veículo da PSP, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, estará mais atento ao percurso do veículo que está a perseguir e ao modo como este se comporta, para assim prever e adequar também a sua marcha. Desta forma, o tribunal atendeu ao relatado por esta testemunha, nomeadamente, quanta à velocidade imprimida pelo veículo, à circunstância do veículo não ter parado na passadeira quando um peão estava a atravessar, às violações de sinais de trânsito e condução em contramão. Por outro lado, ainda se atendeu ao modo como descreveu, de modo coerente, e a conduta do condutor de um veículo que se cruzou com o veículo aqui em causa, bem como a do referido peão. A testemunha RT., agente da PSP, e que também fazia parte da equipa que encetou a perseguição aos aqui arguidos, explicou o seu lugar no interior do veículo da PSP e que visão tinha a partir da mesma, para assim descrever a dinâmica da condução do veículo que estavam a perseguir e as consequências que esta teve para os restantes utilizadores da via publica e o modo como estes reagiram à condução do arguido. Por fim, refira-se que a testemunha não teve dúvida ao afirmar que o veículo era conduzido pelo aqui arguido W . A testemunha FD., agente da PSP e chefe da equipa no momento dos factos, também concretizou a sua posição no veículo da PSP, para assim contextualizar e descrever o que visualizou, o que fez de modo credível e objectivo. É de salientar que os agentes da PSP apresentaram depoimentos corroborantes entre si, relatando em termos bastante objectivos o porquê e o modo como encetarem a perseguição ao veículo aqui em causa, tendo cada um explicado o seu papel na dinâmica dos acontecimentos e os procedimentos que adaptaram. Por sua vez, os arguidos apresentaram uma versão diferente dos factos, tendo referido que não era o arguido W. que ia a conduzir e que o arguido L. não iria no lugar do passageiro mas na mala do veículo. Tentaram explicar quem era o indivíduo que iria a conduzir e que conseguiu escapar, logo após o veículo ter ficado imobilizado. No entanto, a versão apresentada pelos arguidos não mereceu qualquer credibilidade pois não é sustentada por qualquer outro meio de prova que abale a prova produzida neste particular. Desde logo, os arguidos referiram que depois deste episódio chegaram a ver o alegado condutor do veículo mas não o confrontaram com esta situação, não tendo apresentado qualquer justificação razoável para o não fazer, quando já sabiam da existência deste processo. Na verdade, e de acordo com as regras da experiência comum, se o arguido W. não conduzia o veículo porquê não forneceu os elementos necessários para a identificação dessa pessoa, uma vez que a conhecida? Entende o tribunal que a versão narrada pelos arguidos não tem fundamento quando comparada com a apresentada pelos Agentes da PSP que de forma objectiva confirmaram que era o arguido W. a conduzir o veículo e que o fez no modo descrito na acusação. A este propósito não se vislumbra um qualquer motivo que levasse os agentes da PSP a inventarem todo um enredo contra os aqui arguidos se o mesmo não tivesse ocorrido tal como relataram. O arguido L., nas suas declarações, ainda acrescentou que não atirou pedras aos agentes. Sucede que, também neste particular a credibilidade das testemunhas os agentes RT. e FD., que interceptaram o arguido L. quando este saiu do veículo, não merece reparo. O agente RT. explicou a fuga apeada do arguido L. e o seu comportamento, referindo que não sabe ao certo quantas pedras da calçada foram arremessadas pelo arguido mas que foi mais de uma. Descreveu ainda que o arguido L. foi advertido para cessar a sua conduta e como não o fez, disparou um tiro de bagos de borracha. O agente FD., num depoimento similar, corroborou a versão apresentada pelo agente RT., ainda acrescentou que foram arremessadas 2/3 pedras na direcção dele e do agente RT. e dos agentes que estavam a deter o arguido W., explicou o movimento corporal do arguido ao atirar as pedras embora não soubesse precisar se foi com a mão direita ou esquerda. Por fim, e para fazer cessar a conduta do arguido deu ordem para o disparo, tendo justificado ao tribunal o que o levou a dar tal ordem. Destes depoimentos resulta de modo objectivo e escorreito qual a postura dos agentes perante a conduta do arguido L. e que originou a ordem de disparo ao mesmo, o qual veio a ser atingido. Quanto à circunstância do arguido L. ter 10 lesões relacionados com o disparo (fls. 189), os agentes confirmaram que foi efectuado apenas um disparo e que cada bala tem 9 bagos de borracha. No entanto, o números de lesões superior aos bagos de uma bala não quer dizer que tenham sido dois os disparos, pois essas lesões podem ter ocorrido por ricochete. Para além disso, as lesões ocorreram na região dorsal e região inframandibular, pelo que atendendo às partes do corpo a que correspondem estão em linha com a posição do arguido quando arremessava as pedras para a sua retaguarda, tal como os agentes RT. e FD. descreveram. Os agentes ainda descreveram a postura do arguido W. quando já estava na esquadra. Neste particular, o agente MR. explicou, com isenção, que o arguido W. se recusou a realizar o exame de pesquisa de álcool que ele lhe solicitou, o que foi confirmado pelos agentes FD. e MR.. O tribunal ainda atendeu ao teor do auto de notícia de fls. 3 e 4, bem como ao print do IMT a fls. 16. Foram também valoradas as fotografias de fls. 11 a 14, onde é visível o local onde o veículo ficou imobilizado e o tipo de calçada existente no local. A testemunha JS., anterior proprietário do veículo, de modo credível apenas afirmou que tinha entregue o veículo com a matricula 56 num stand em Rio Maior para ser vendido e que não sabe o que lhe sucedeu posteriormente. Quanto aos elementos subjectivos o tribunal deu os mesmos como provados com base na matéria de facto objectiva apurada conjugada com as regras da experiência comum. O arguido W. sabia que não podia conduzir da forma descrita nos autos pois com a mesma colocou em perigo a vida e a integridade física dos demais ocupantes do veículo por si conduzido e dos demais utentes da via. No entanto, não se provou que a sua conduta colocou em causa bens patrimoniais alheios de valor, por falta de prova neste particular, além da matéria objectiva também não concretizar os bens que possam ter sido colocados em causa e qual o seu valor. O arguido W. também sabia que não podia conduzir sem habilitação legal e mesmo assim conduziu-o e além disso, não realizou o teste de exame de pesquisa de álcool, sabendo que estava obrigado a realizar o mesmo. Relativamente ao arguido L., conjugando o depoimento dos agentes da PSP com as regras da lógica e da experiência comum, o objectivo do mesmo era impedir que os agentes levassem a cabo a sua detenção e a do arguido W. e para isso foi arremessando as pedras de forma tentar impedir a actuação dos agentes da PSP. Para cessarem a conduta do arguido, que os podia colocar em perigo, foi necessário recorrer ao uso de uma arma. Quanto a este ponto, foi fundamental o testemunho do agente FD. que como chefe de equipa fundamentou o motivo que o levou a dar a ordem de disparo. Quanto às condições económicas e pessoais dos Arguidos o Tribunal considerou as suas declarações, que se revelaram credíveis. No que concerne aos antecedentes criminais dos Arguidos, o tribunal formou a sua convicção tendo em conta o teor dos Certificados do Registo Criminal, junto aos autos a fls. 158 e seguintes. *** 3.–Apreciando A)–Recurso de W. 3.1.- Alega o recorrente ter sido condenado na sanção acessória prevista na al. a) do artigo 69.º do Código Penal sem que a mesma constasse da acusação pública e sem que o tribunal recorrido tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º1 e 3, do C.P.P., razão por que sustenta enfermar a sentença da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1, al. b), do mesmo diploma. A alegação não condiz com os elementos dos autos. É certo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008 (publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 146, de 30 de Julho de 2008) fixou jurisprudência nos seguintes termos: «Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal.» In casu, a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido consta da acusação nos seguintes termos: «Pelo exposto cometeu o arguido W. , em autoria material e concurso real e efectivo, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 291°, n.° 1, al. b) do Código Penal e incorrendo na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69°, n.° 1, al. a), do mesmo diploma legal, por referência aos arts. 14°, n° 1, 24°, n.° 1, 29°, 103°, n.° 1, 145°, n.° 1, ala) e e), 146°, al. o) do Código da Estrada, um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n.ºs l e 2, do Decreto-Lei n.°2/98, de 03.01, por referência ao art. 121°, n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, e um crime de desobediência simples, p.p. pelo art. 348. °, n.° 1, al. a), do Código Penal por referência ao art. 152°, n.° 3 do Código da Estrada, e incorrendo na pena acessória prevista no art. 69°, n.° 1, al. c) do Código Penal.» Facilmente se alcança que da acusação pública constava a menção ao artigo 69.º, n.º1, al a), e bem assim à alínea c) do mesmo número. Não havia, por conseguinte, que fazer qualquer comunicação nos termos do invocado artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, já que o tribunal recorrido não operou qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos em relação à subsunção que já constava da acusação pública. O recurso, nesta parte, só poderá decorrer de lapso do arguido, sendo manifesta a falta de razão de ser do alegado. 3.2.–Alega o recorrente a existência de concurso aparente entre a pena acessória prevista na al. c) e a prevista na alínea a) do artigo 69.º do Código Penal. A terminologia utilizada requer alguma atenção. Quando a doutrina se refere ao “concurso de penas”, pretende significar um dos casos de aplicação a um agente de uma pluralidade de penas parcelares em virtude de concurso de crimes, com a especificidade de não se adicionarem materialmente as penas, procedendo-se a um cúmulo jurídico como forma de encontrar uma pena conjunta, nos termos do artigo 77.º do Código Penal. A menção a concurso aparente não deve reportar-se a “penas”, mas antes a crimes, sendo o concurso efectivo de crimes o que determinará, ao nível das suas consequências jurídicas, o concurso de penas. Há que distinguir o conceito amplo de concurso de crimes, abrangendo todas as situações em que duas ou mais normas convergem sobre o mesmo objecto, do conceito restrito de concurso de crimes. Dentro do conceito amplo cabem as situações de concurso efectivo - em que se aplicam conjuntamente duas ou mais normas -, que podem ser de concurso real ou ideal, heterogéneo ou homogéneo, e bem assim as situações de concurso aparente – em que se conclui que a aplicação de uma das normas exclui a aplicabilidade da (s) outra (s), em função da relação em que se encontram entre si as diversas normas penais preenchidas, distinguindo-se, classicamente, entre relações de especialidade, de subsidiariedade (explícita ou implícita) e de consunção. Quando está em causa uma única acção naturalística – condução de veiculo em estado de embriaguez que crie perigo para a vida, integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado –, ocorre entre o crime de condução de veiculo em estado de embriaguez (artigo 292.º do Código Penal) e o crime de condução perigosa de veiculo rodoviário (artigo 291.º do Código Penal) uma relação de concurso aparente, sendo a conduta punida pela pena prevista por este último porque mais grave, existindo uma relação entre os ditos crimes que é de subsidiariedade explícita. Tal subsidiariedade resulta do próprio texto do artigo 292.º, n.º 1, onde se diz que o crime é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias “… se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. Ora, não existe qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção (na situação fáctica concreta) entre as normas dos artigos 291.º e 69.º, n.º1, al. a) e as dos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º1, al. c), do Código Penal (estas últimas por referência ao crime de desobediência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada), havendo um concurso entre os crimes em presença que é efectivo (real e heterogéneo) e não meramente aparente. Por conseguinte, é evidente que o arguido/recorrente não podia deixar de ser condenado em penas acessórias parcelares pelos crimes cometidos, em função das respectivas normas sancionatórias, sendo depois condenado numa pena acessória conjunta, obtida através de cúmulo jurídico, como fez o tribunal recorrido (na lógica da doutrina sustentada no Acórdão do S.T.J. n.º 2/2018, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 31, de 13 de Fevereiro de 2018, ainda que a jurisprudência fixada seja referente ao cúmulo de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no n.º 1, al. a), do artigo 69.º). Conclui-se que o recurso interposto pelo arguido W. não merece provimento. B)–Recurso de L. 3.3.– Diz-se nas duas primeiras conclusões do recurso o seguinte: «1.- O Recorrente encontrava-se acusado pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime de resistência e coação, p.p. pelos artigos 347.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do CP. 2.- Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, pela prática do crime de que vinha acusado, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 1.350,00.» Resulta dos autos que o arguido foi acusado da prática de um crime na forma tentada e condenado nesses mesmos termos, pelo que não se percebe como pode o recorrente afirmar ter sido condenado pela prática de um crime na forma consumada. Discute-se no recurso a subsunção jurídico-penal dos factos, pois muito embora se afirme nas conclusões, além do mais, que “Também não logrou provar-se o elemento subjetivo do tipo legal do ilícito em causa, ou seja, o dolo em qualquer uma das suas formas”, certo é que o recorrente não suscitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O arguido/recorrente foi condenado como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 347.º, n.º 1, 22.º e 23.º, do Código Penal, Dispõe o referido artigo 347.º, n.º1 (na redacção introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02): «Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.» Disse o S.T.J., no seu acórdão de 25 de Setembro de 2002 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do S.T.J., Ano X, tomo III, p. 182-184), sobre o bem jurídico protegido, citando acórdão do mesmo S.T.J., de 28 de Abril de 1999, com o mesmo relator: «Da própria inserção sistemática do art. 347.º do CP, conjugada com o seu teor, resulta que o bem jurídico que a lei especialmente quis proteger com a incriminação que contém, é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade funcional de actuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, punindo, para o efeito, quem empregue violência ou ameaça grave contra este, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções ou para o constranger a que pratique acto relativo a esse exercício, mas contrário aos seus deveres.» Cristina Líbano Monteiro (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, p. 339) refere-se, a propósito do bem jurídico tutelado, à autonomia intencional do Estado, acrescentando que, se simultaneamente se protege a pessoa do funcionário incumbido de desempenhar determinada tarefa, essa protecção da sua liberdade individual é tão-só funcional ou reflexa (Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, Almedina, 2015, 2.ª edição, salientam que o “bem ou interesse protegido só coincide circunstancialmente com a pessoa do próprio funcionário”). O tipo objectivo do n.º1 do artigo 347.º inclui duas modalidades: (1) oposição a que funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança pratique acto relativo ao exercício das suas funções; (2) constrangimento a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres. Do tipo faz parte quer o fimda acção, quer o meioutilizado, que na versão originária do Código era definido como “violência ou ameaça grave” e que, a partir da redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, passou a ser descrito como “violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física”, tratando-se, pois, de um crime de execução vinculada. Como defende Cristina Líbano Monteiro (ob. cit., p. 339), o crime em causa é “de perigo”, por não ser necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas apenas a possibilidade ou probabilidade de a corresponde conduta proibida vir a afectar os interesses protegidos (diversamente, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, p. 822, pronuncia-se no sentido de que se trata de crime de dano, mas com a nota de que o crime, no caso do n.º1, se consuma com a acção de resistência ou constrangimento, não sendo necessária a prática do acto coagido pelo funcionário – crime de resultado cortado, segundo o referido autor). A violência exigida pelo tipo legal de crime tanto pode ser física como psicológica, uma vez que, como flui do normativo, a ameaça grave (vis compulsiva) e a ofensa à integridade física (vis phisica) são mencionadas, exactamente, como modalidades da violência, importando apenas que a mesma seja idónea para intimidar o visado e limitá-lo no exercício da sua liberdade pessoal (que aqui releva na estrita medida em que representa a liberdade do Estado), havendo diversa jurisprudência no sentido de que a violência não tem de ser grave e nem sequer tem de consistir numa agressão física, consistindo antes num acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir ou impedir ou a dificultar a actuação legítima do funcionário ou equiparado (cfr., entre outros, acórdão da Relação do Porto, de 8 de Julho de 2009, C.J., Ano XXXIV, tomo III, p. 238; acórdãos da Relação de Coimbra, de 06/03/2013, processo 713/10.9GAVNO.C1, e da Relação de Évora, de 18-02-2014, processo 183/11.4PFSTB.E1, e, www.dgsi.pt). Já o acórdão do S.T.J., de 7 de Outubro de 2004, (publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do S.T.J., Ano XII, tomo III, p.184), referindo-se à redacção do artigo 347.º então vigente, salientava: «A violência e a ameaça grave de que fala o preceito têm de ser contextualizadas e apuradas em concreto para se poder aferir se uma ou outra, ou ambas, são idóneas ao ponto de perturbar a liberdade de acção do funcionário, nunca esquecendo que este é, em princípio, possuidor de qualidades especiais de ordem psicológica e física (…). Se não houver o emprego de violência ou de ameaça, limitando-se o agente à inacção, à fuga ou tentativa de fuga, à imprecação verbal contra o acto de que está a ser alvo, à gesticulação mais ou menos efusiva, sempre presente em tais situações, ou quaisquer outras atitudes e comportamentos que não sejam aptos a anular ou dificultar significativamente a capacidade de actuação do funcionário ou afim, não há resistência e, como tal, não há crime. (…) Mesmo admitindo exaltação acompanhada de alguma gesticulação e impropérios, habitual nestas situações, que envolveu e antecedeu a detenção do arguido e a que os agentes se referiram como agressividade, tal comportamento não constitui seguramente elemento objectivo integrador do ilícito imputado, ou seja, não integraria o conceito de violência a que se reporta o preceito incriminador, porque não era acto idóneo a intimidar, dificultar ou impedir que a missão dos agentes tivesse sido levada a cabo, como foi.» A “violência” deve surgir como pré-ordenada e idónea a coagir, a impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário ou equiparado, devendo a adequação do meio ser aferida por um critério objectivo-individual, tendo sempre em conta as específicas circunstâncias de cada caso. O que não significa, como é evidente, que o tipo de crime (na primeira modalidade do n.º1 do artigo 347.º) exija que o agente impeça, de facto, o exercício do acto que estiver em causa, sendo bastante que o agente se oponha com “violência” a esse exercício. Como adverte expressamente Cristina Líbano Monteiro (ob. cit., p. 342), «diferentemente do que acontece no crime de coacção do artigo 154.º, não se torna necessário que à adequação do meio, no sentido atrás considerado, se siga um comportamento coagido. Tanto a resistência eficaz como a ineficaz estão compreendidas na ofensa típica. Trata-se, contudo, de um crime material, uma vez que deve exigir-se, para a consumação, um resultado intermédio: que a acção violenta ou ameaçadora tenham atingido, de facto, o seu destinatário.» Quanto ao tipo subjectivo, admite qualquer modalidade de dolo. No caso em apreço, a sentença recorrida deu como provado que no dia 18 de Junho de 2016, pelas 02 horas e 20 minutos, o arguido W. seguia ao volante do veículo automóvel de matrícula 56 , na Rua de Angola, sita em Almada, sem que estivesse legalmente habilitado a conduzir aquela categoria de veículos, seguindo no interior do dito veículo, como passageiro sentado do condutor, o ora recorrente. O referido W. não só não respeitou a ordem de paragem que lhe foi dada pelos agentes da PSP que se encontravam numa acção de patrulhamento e fiscalização, como aumentou a velocidade do veículo e prosseguiu a sua marcha, quase atingindo um peão que se encontrava a atravessar a via numa passadeira, obrigado a desviar-se, de modo apressado, para evitar ser atropelado pelo arguido. Após, entrou em sentido contrário ao do trânsito na rotunda existente junto do jardim da Cova da Piedade, não tendo embatido num veículo que aí circulava porque o seu condutor evitou o embate, prosseguindo a marcha pelo meio da faixa de rodagem, desrespeitando um sinal de proibição de virar à esquerda, entrando numa rotunda em sentido contrário ao do trânsito, sem reduzir a velocidade, vindo a perder o controlo do veículo, despistando-se e indo embater num poste de telecomunicações. Após a imobilização da viatura, os arguidos saíram do veículo e colocaram-se em fuga apeada, tendo o arguido W. sido interceptado quase de imediato. Ora, deu-se como provado que o arguido/recorrente L. , apercebendo-se de que o arguido W. estava a ser algemado e que alguns dos agentes da PSP vinham no seu encalce, pegou em pedras da calçada existentes no local onde se encontrava e arremessou-as na direcção dos agentes da PSP, as quais caíram a escassos metros dos mesmos. Perante a conduta do arguido L. , o agente RT. efectuou disparos com uma arma Shotgun, municiada com bagos de borracha, tendo então o arguido cessado com o seu comportamento, o que permitiu a sua detenção. Mais se deu como provado que o mesmo arguido sabia que a detenção de W. estava a ser efectuada pelos agentes da PSP, que ali se encontravam no exercício das suas funções e que também seguiam no seu encalce para o deter, e não obstante, agiu do modo descrito com o propósito, não concretizado, de impedir que aqueles actuassem dessa forma, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Ainda que se considere a utilização do critério objectivo-individual, assente na idoneidade da violência para perturbar a liberdade de acção do funcionário, afigura-se-nos que o arremesso de pedras da calçada pelo ar, na direcção dos agentes da autoridade, que caíram a escassos metros dos mesmos, independentemente da parte do corpo que poderiam atingir, constitui violência para efeitos do artigo 347.º, n.º 1, tendo em vista as consequências lesivas que, atingindo os corpos dos agentes, poderiam causar, o que determinou a utilização de disparos com uma arma shotgun, municiada com bagos de borracha, para que o arguido cessasse o seu comportamento, o que veio a permitir a sua detenção. O arremesso de pedras pelo ar na direcção de alguém encerra, indubitavelmente, segundo a experiência comum, um perigo para a integridade física, ou mesmo para a vida, dos visados. Tratou-se, da parte do arguido/recorrente, de uma conduta idónea a intimidar, impedir, perturbar ou dificultar a liberdade de actuação legítima das autoridades, como forma de oposição ao exercício das respectivas funções, obrigando, como se viu, à utilização de disparos de shotgun para fazer cessar a dita conduta. A decisão de facto, na descrição dos factos provados, não é modelar, salientando-se que na motivação dessa decisão o tribunal afirma que “o objectivo (…) era impedir que os agentes levassem a cabo a sua detenção e a do arguido W. e para isso foi arremessando as pedras de forma tentar impedir a actuação dos agentes da PSP. Para cessarem a conduta do arguido, que os podia colocar em perigo, foi necessário recorrer ao uso de uma arma”. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Na afirmação da actuação “livre” reside a indicação da liberdade de decisão do agente, como pressuposto da culpa. A caracterização da acção como “voluntária” refere-se ao elemento volitivo do dolo (dolo do tipo): a vontade, por parte do agente, de realizar o facto típico. A acção “consciente” ou “conscientemente” refere-se ao elemento intelectual do dolo: ao conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito. A actuação é consciente porque o agente representa na sua consciência (psicológica ou intencional) todas as circunstâncias do facto. Finalmente, no que toca ao enunciado “bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”, sabendo-se haver quem o integre no elemento intelectual do dolo, entende-se, seguindo a linha de pensamento de Figueiredo Dias, tratar-se da afirmação do designado elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, fazendo parte do tipo de culpa (doloso) e não do dolo do tipo. Não basta dizer, genericamente, que o agente agiu de forma “voluntária” ou “deliberada”, pois importa conhecer o objecto dessa vontade - que o agente quis todos os factos que objectivamente praticou. No caso, o arguido sabia que o acto voluntariamente praticado – arremesso de pedras da calçada – dirigia-se contra agentes da PSP, para que estes deixassem de actuar nos termos acima descritos, ou seja, para os impedir de concretizar as detenções que estavam legitimados a fazer. Diz-se no ponto de facto provado n.º 23 que o arguido agiu “com o propósito, não concretizado, de impedir que aqueles actuassem dessa forma”, razão por que se subsumiu a conduta apenas à modalidade da tentativa (e não ao crime consumado), o que poderá suscitar algumas dúvidas tendo em vista a natureza do crime (de perigo) em questão, parecendo que a acento tónico foi colocado não tanto na circunstância de o arguido, com a sua actuação, não ter logrado impedir, efectivamente, o exercício do acto que estava em causa, mas antes na circunstância de as pedras arremessadas não terem atingido os corpos dos agentes da PSP. Já assim o arguido fora acusado e nesses termos foi condenado, pelo que nos dispensamos de entrar nessa matéria. Insurge-se o recorrente quanto à medida da pena. Lê-se na sentença recorrida: «Tendo o arguido L., à data da prática dos factos, 16 anos, importa atentar no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que regula o regime penal de jovens adultos, de idade compreendida entre os 16 e os 20 anos. A maioria da doutrina e jurisprudência tem entendido que o regime especial do diploma ora em análise não é de aplicação obrigatória e/ou automática, devendo o tribunal ponderar a pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime, considerando que o mesmo deve aplicar-se sempre que haja «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (cfr. Artigo 4.º). Como referido no douto acórdão da Relação de Lisboa de 30 de Novembro de 2003, «o legislador não consagrou o regime das disposições especiais para jovens, mas acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório». Por esse motivo, tendo em conta o carácter transitório da delinquência juvenil, incumbe ao julgador, na esteira do pretendido pelo legislador, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, na medida do possível, da aplicação da pena de prisão. O regime jurídico para jovens delinquentes foi pensado tendo em vista uma realidade que tem um campo privilegiado de aplicação nas situações em que o cometimento do crime constituiu um episódio isolado, uma situação pontual, na vida do jovem, não sendo desejável que este fique imediatamente marcado com a inevitabilidade do cumprimento de uma pena longa de prisão que pode tolher-lhe a própria reinserção, finalidade importante ou mesmo primordial da pena. Não bastando, como já se referiu, considerar a idade dos arguidos para efeitos de aplicação do regime especial aludido, importa agora aferir da existência de elementos objectivos e fundamentados que permitam concluir que a atenuação especial da pena irá facilitar o processo de reinserção social que a própria pena visa. No caso em apreço, o arguido L., quando praticou o crime em causa nos presentes autos, não tinha registada qualquer condenação no seu registo criminal, situação que ainda hoje se mantém, Ora, a ausência de antecedentes criminais faz crer que foi a idade que levou o arguido a tomar estas condutas, podendo a mesma ser utilizada para justificar a conduta ilícita, ou seja, que se pode concluir que o ilícito criminal que o arguido L. praticou decorreu da natural irreverência da sua idade, própria de actos inconsequentes e imaturos e que, constituíram, portanto, actos isolados. Assim, dado que a conduta do arguido foi isolada e única, é possível a formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável, para efeitos de atenuação especial da pena, aplicando-se o regime aqui em causa. Assim, a moldura abstracta aplicável ao crime de resistência e coacção na forma tentada passa ter um limite mínimo de 1 mês e um limite máximo de dois anos, 4 meses e 20 dias de prisão. (…) O Código Penal traça um sistema punitivo que parte do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º números 1 e 2 do Código Penal). São, pois, exigências de prevenção especial – positiva ou de socialização – e de prevenção geral – positiva ou de integração enquanto estabilização contra fáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada – que a lei tem em vista. Por outro lado, toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado, que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo. (…) Relativamente ao arguido L., para efeitos de determinação da medida da pena referir que as exigências de prevenção geral, suscitadas pela prática de crimes contra a autoridade pública, como o são, no caso concreto, os crimes imputados ao arguido, são elevadas, atendendo à denominada crise do Estado e das instituições, tendo em conta a crescente frequência com que as autoridades vêm sendo postas em causa, com inerentes prejuízos para a manutenção da ordem pública, indispensável à preservação da segurança e da liberdade, valores essenciais e constitucionalmente consagrados num Estado de Direito que é o nosso. No caso em apreço, foram efectivamente lesados alguns bens jurídicos e pessoais do agente da PSP. Em relação às necessidades de prevenção especial e se atendermos à ausência de antecedentes criminais estas estão baixas. Importa salientar e considerar o seguinte: i)- o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o que, ponderando as circunstâncias que rodearam a prática dos factos e a conduta do agente, se situam num patamar elevado. ii)- a intensidade do dolo que é directo. Assim, e considerando os critérios dosimétricos constantes do artigo 71.º do Código Penal e as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, o tribunal considera como sanção adequada, necessária e proporcional, a condenação do Arguido numa uma pena de prisão de 9 (nove) meses de prisão. Nos termos do artigo 45.º, nº 1 do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. Atendendo que o arguido não tem antecedentes criminais, considera-se que a aplicação de uma pena de multa ainda é capaz de garantir e restabelecer a confiança da sociedade na norma violada, e é suficiente para acautelar o cometimento de novos crimes por parte do aqui arguido. Desta forma, deve proceder-se à aplicação do artigo 45.º, n.º 1, substituindo-se a pena de prisão aplicada por pena de multa. Assim, considerando a pena de prisão aplicada e as regras previstas no artigo 45.º, n.º 1, substitui-se a pena de prisão de 9 meses pela pena de 270 dias de multa. Resta, agora, fixar o quantitativo diário da pena de multa, que, de acordo com o art. 47.º, n.º 2 do Código Penal, deverá atender à situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais. Aqui, importa considerar os ensinamentos do Acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 2/10/1997, in CJ III, pág. 183, onde se decidiu que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de se constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar”. Assim, o montante da pena de multa não pode ser de tal modo baixo que essa sanção não represente qualquer sacrifício para aquele que a é condenado a pagar, pois que isso resultaria num sentimento de descrédito e de insegurança face aos tribunais e à justiça. Em face do exposto, atenta a factualidade provada, e tendo por base as condições pessoais reveladas pelo Arguido, que se encontra a estudar, entendo ser justo e adequado fixar o quantitativo diário da pena de multa em € 5,00 (cinco euros), num total de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros).» A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes). O juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê. Havendo compatibilidade entre a atenuação especial da pena como jovem delinquente e a atenuação especial que delimita a moldura penal da tentativa, tal como foi entendido pelo tribunal recorrido que operou no quadro de uma dupla atenuação, a moldura abstracta aplicável é de prisão de um mês a dois anos, dois meses e vinte dias (e não dois anos, quatro meses e vinte dias, como se diz na sentença recorrida). Tendo em vista o circunstancialismo descrito na sentença recorrida, visto na perspectiva da culpa e da prevenção, julgamos mais adequado e proporcional fixar a pena do recorrente em seis meses de prisão. Como decidido pela 1.ª instância, a pena de prisão deverá ser substituída por multa, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º1, do Código Penal, chamando-se a atenção para a circunstância de não ter de ser necessariamente substituída por igual tempo, pois o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2013 (Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 19 de Abril de 2013) pronunciando-se sobre matéria que suscitava larga divergência, fixou a seguinte jurisprudência: «A pena de multa que resulte, nos termos dos actuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída». Assim, após ter determinado uma pena de prisão em medida não superior a 1 ano e depois de ter concluído que a pena de multa de substituição satisfaz as exigências de prevenção manifestadas no caso, o juiz determina autonomamente a pena de multa de substituição, dentro da moldura dada pelo n.º 1 do artigo 47.º do Código Penal - com o mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias - de acordo com os critérios de determinação da pena estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, em função da culpa e das exigências de prevenção. A nosso ver, considerando todos os factores relevantes, tem-se por ajustada a pena de multa de substituição situada no meio-termo da moldura abstracta – 180 (cento e oitenta) dias -, à razão diária de 5,00 € (cinco euros) fixada pelo tribunal recorrido. O recurso merece parcial provimento. *** III–Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em: A)- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido W. ; B)- No provimento parcial do recurso interposto pelo arguido L. , fixar a pena em que vai condenado em 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa de 900,00 € (novecentos euros), no mais se mantendo o decidido. Condena-se o arguido/recorrente W. nas custas do respectivo recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC. Sem custas quanto ao recurso interposto pelo arguido/recorrente L. . Lisboa, 5 de Novembro de 2019 (Jorge Gonçalves) – (o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) (Carlos Espírito Santo) |