Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1750/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
INCUMPRIMENTO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Há excepção do caso julgado, quando, depois da decisão definitiva a determinar a cobrança coerciva dos alimentos a menor, existe outro procedimento processual, por incumprimento dos mesmos alimentos.
II. O incidente previsto no art.º 181.º da OTM é aplicável aos casos de incumprimento do destino do menor.
III. Há erro na forma do processo, quando está em causa apenas o incumprimento dos alimentos e é requerido tal incidente.
IV. Esse erro determina a nulidade de todo o processo, não sendo a petição aproveitável.
(O.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Maria deduziu, em 21 de Julho de 2005, no 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Sintra, contra J, por apenso ao processo de regulação do exercício do poder paternal relativo à menor I, nos termos do art.º 181.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), incidente de incumprimento, pedindo a fixação do pagamento das prestações vencidas, no montante de € 2 850,00, a condenação do Requerido na multa de € 249,90, em juros de mora, no valor de €180,50, na indemnização de € 765,00 e na efectivação das diligências necessárias para o cumprimento coercivo da prestação alimentar.
Para tanto, alegou, no essencial, que o Requerido não tem pago, desde Janeiro de 2004, a prestação mensal alimentar fixada em € 150,00.
Notificado o Requerido, este não respondeu.
Seguiu-se, em 24 de Janeiro de 2006, o despacho nos termos do qual o Requerido foi absolvido da instância, por verificação da excepção dilatória do caso julgado, dado que, por decisão de 17 de Outubro de 2005, foi reconhecido tal incumprimento, estando a proceder-se à cobrança coerciva nos termos do art.º 189.º da OTM.

Inconformada com a decisão, a Requerente recorreu, alegando essencialmente que não existe repetição da causa de pedir e, por isso, a excepção do caso julgado.
Pretende, com o provimento do agravo, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue o incidente totalmente procedente.

O Requerido não contra-alegou.

O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.

Cumpre apreciar e decidir.

No presente recurso, está em causa a verificação da excepção do caso de julgado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Para além da dinâmica processual descrita, está ainda provado:

1. A fls. 42 e 43 dos autos de regulação do exercício do poder paternal relativo à menor I, por despacho de 3 de Dezembro de 2003, fixou-se provisoriamente que, a título de alimentos, o pai entregaria à mãe da menor, mensalmente, até ao dia cinco, o montante de € 150,00, por transferência bancária; essa pensão seria actualizada em 1 de Janeiro de cada ano, por aplicação da taxa de inflação publicada anualmente pelo INE.
2. A fls. 252 e 253 dos mesmos autos, foi proferida, em 17 de Outubro de 2005, decisão a “reconhecer o incumprimento da regulação do poder paternal por parte do Requerido quanto à pensão de alimentos fixada a favor da sua filha” e a ordenar o seu desconto no salário do Requerido.
3. Dessa decisão, notificada às partes, não foi interposto recurso.

2.2. Delimitada a dinâmica processual relevante, importa agora conhecer do objecto do recurso, circunscrito pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi antes especificada.
Como decorre do alegado pela agravante, quanto ao afirmado caso julgado da decisão recorrida, a sua divergência respeita apenas à falta de identidade da causa de pedir.
A excepção do caso julgado consiste na alegação de que a mesma questão foi deduzida e decidida de mérito noutro processo, não admitindo já recurso ordinário - art.º 497.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Tal excepção revela a força e autoridade do caso julgado da decisão transitada em julgado, com as quais se visa evitar que a questão decidida por um órgão jurisdicional possa vir outra vez a ser definida, diferentemente, por outro ou pelo mesmo tribunal.
Trata-se, com efeito, de uma garantia destinada a assegurar a certeza do direito ou a segurança jurídica, prevenindo ainda o risco da decisão inútil (ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 309).
Nos termos do art.º 677.º do CPC, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º.
Como se aludiu, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, ocorrendo esta quando se propõe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

No caso vertente, não vem questionada a identidade dos sujeitos e do pedido, mas apenas a identidade da causa de pedir, embora se possa dizer, sem motivação que minimamente a sustente.
Nos termos no n.º 4 do art.º 498.º do CPC, existe identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Ora, tanto no incidente deduzido nestes autos pela agravante, como naquele que ocorreu nos próprios autos da regulação do exercício do poder paternal, o facto jurídico que está na respectiva origem é coincidente. Na verdade, em ambos os casos, o facto jurídico é constituído pela falta de pagamento, pelo agravado, da prestação de alimentos fixada em favor da menor, compreendendo o mesmo período temporal. A causa de pedir, portanto, é a mesma, sendo indiferente, para o efeito, a natureza do procedimento processual.
A decisão de mérito que fosse proferida no incidente destes autos constituiria uma inutilidade relativamente à decisão anterior, na medida em que, tratando-se de casos julgados contraditórios, sempre seria cumprida a decisão passada em julgado em primeiro lugar (art.º 675.º do CPC).
Deste modo, para além dos restantes requisitos, também está preenchido o da identidade da causa de pedir, verificando-se, no momento da prolação da decisão recorrida, uma situação de caso julgado, resultante da decisão proferida a fls. 252/253 dos autos de regulação do exercício do poder paternal, sem prejuízo, contudo, do valor conferido às resoluções dos processos de jurisdição voluntária (art.º 1411.º, n.º 1, do CPC).

Por outro lado, o incidente de incumprimento previsto no art.º 181.º da OTM é aplicável aos casos de incumprimento relativo ao destino dos menores, no qual se compreende o regime de visitas (ANTONINO ANTUNES, Organização Tutelar de Menores, pág. 141).
Estando em causa apenas o incumprimento quanto aos alimentos é aplicável o regime específico do art.º 189.º da OTM, que prevê um meio célere de cobrança coerciva da prestação de alimentos distinto do da acção executiva (ALMEIDA RAMIÃO, Organização Tutelar de Menores, 2.ª edição, 2003, pág. 92).
Assim, compreensivelmente, os regimes processuais previstos naquelas disposições legais têm uma aplicação distinta, dependendo a sua utilização da natureza do incumprimento da regulação do exercício do poder paternal.
Nestas condições, nos presentes autos, estando em causa somente a prestação de alimentos e servindo-se a agravante do regime processual previsto no art.º 181.º da OTM, haveria também erro na forma do processo, com a nulidade de todo o processo, dado que, face à cobrança coerciva dos alimentos já determinada, não seria a petição inicial aproveitável para os efeitos do disposto no art.º 189.º da OTM.
Também, por esse motivo, havia motivo para a absolvição da instância do agravado, nos termos dos art.º s 199.º, n.º 1, 494.º, alínea b), e 495.º, todos do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 161.º da OTM.

2.3. Na decorrência do que antecede, é possível extrair de mais relevante a síntese:

a) Há excepção do caso julgado, quando, depois da decisão definitiva a determinar a cobrança coerciva dos alimentos a menor, existe outro procedimento processual, por incumprimento dos mesmos alimentos.
b) O incidente previsto no art.º 181.º da OTM é aplicável aos casos de incumprimento do destino do menor.
c) Há erro na forma do processo, quando está em causa apenas o incumprimento dos alimentos e é requerido tal incidente.
d) Esse erro determina a nulidade de todo o processo, não sendo a petição aproveitável.

Nestes termos, é de negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

2.4. A recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade (art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC).
Todavia, gozando do apoio judiciário, são as mesmas inexigíveis.
Ao seu patrono são devidos os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a recorrente no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
3) Atribuir ao patrono da recorrente os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
Lisboa, 1 de Março de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Ana Luísa de Passos G.)
(Fátima Galante)