Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9244/2006-8
Relator: CATARINA ARÊLO MANSO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
RETROACTIVIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
INTERESSE PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Não há retroactividade quando a lei nova (Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril) exclui a sua aplicação às acções pendentes, aplicando-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção apresentados depois da sua entrada em vigor.
II- A introdução de novo regime em matéria de competência territorial, de natureza imperativa (ver, designadamente, artigo 94.º do Código de Processo Civil) aplica-se a situações constituídas anteriormente que subsistam à data da entrada em vigor da nova lei, o que se traduz em retrospectividade ou retroactividade não autêntica, que só deve ser afastada se afectar, de forma intolerável, arbitrária ou desproporcionada aquele mínimo de segurança com que as partes contavam quando outorgaram o contrato.
III- Ora, não há que ofensa a esse mínimo de segurança, tratando-se da aplicação de um novo regime em matéria de competência territorial que visa salvaguardar em primeira linha o interesse público numa distribuição mais equitativa na ordem jurisdicional existente de determinado tipo de litígios e, numa segunda perspectiva, o ponderável interesse da parte contratual mais débil - o consumidor/pessoa singular - justificando-se, assim, pela aplicação da lei nova o afastamento do pacto de aforamento

SC)
Decisão Texto Integral: Acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa

Banco […] S A . intentou em 12 de Setembro de 2006, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra José […] e mulher A.[…], residentes em […], pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de €15.848,31 acrescida de juros vincendos, por incumprimento de um contrato, de mútuo celebrado entre ambos.

No despacho liminar o tribunal julgou a excepção de incompetência relativa  em razão do território, declarou competente o tribunal de residência dos réus, a comarca de Amarante.
 
Interpôs recurso o A .e nas suas alegações concluiu: 

o Tribunal, conhecendo oficiosamente da excepção de competência em razão do território (artigo 110.º,nº1 do C.P.C. com a redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril), julgou-se incompetente determinando a remessa dos autos para o tribunal da residência dos requeridos visto que a acção destinada a exigir a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, não se verificando, no caso, as situações em que o A. pode demandar o réu noutro domicílio: ver artigo 74.º/1 do C.P.C.( redacção da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril);

- o tribunal competente em razão do território à luz das disposições aplicáveis é, portanto, o tribunal do domicílio dos RR, como se decidiu (artigos 74.º/1 e 83.º/1, alínea c)do C.P.C);

- ao aplicar o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, n.º s. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, n.º 1 e 2, do Código Civil;

- o despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, a não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a  data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo n.º 1, é inconstitucional por violação dos princípios  da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no  artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa.

Foi proferido despacho de sustentação tabelar.
 
Dispensados os vistos legais, nada obsta ao conhecimento

Factos

Remete-se para os factos que constam do relatório.

Conhecendo

Não se conformando com a decisão proferida sobre a incompetência territorial, invoca o agravante recorrente o argumento que resulta do facto de, a ser assim, se aplicar retroactivamente a lei pois as partes estipularam pacto de aforamento no artigo 14º das condições gerais de financiamento para aquisição a crédito que diz: “ para resolução de eventuais litígios, de natureza declarativa ou executiva, emergentes do presente contrato, fica estipulado o foro da comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro”. Um tal pacto era válido e eficaz quando foi celebrado (artigo 100.º do Código de Processo Civil) e a lei nova , embora de aplicação imediata aos processos pendentes, não possui qualquer eficácia retroactiva, querendo com isto dizer-se, prossegue a recorrente, que “ a entrada em vigor da lei nova aplica-se de imediato, mas não produz efeitos sobre situações passadas, ou seja, situações jurídicas validamente constituídas ao abrigo da lei antiga”.

O referido pacto não é mais do que uma norma definidora da competência territorial fundada em disposição legal que a consente (artigo 100º do C.P.C.) cuja aplicabilidade não pode deixar de ser encarada nos mesmos termos em que é encarada a aplicabilidade das demais normas atinentes à competência territorial. Ora, neste plano, o entendimento é o de que “ a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo” ( Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2º edição, 1985, pág. 47).

Daqui decorreria que, tratando-se de acção pendente, a matéria  atinente à competência relativa seria apreciada à luz da nova lei processual pois só são irrelevantes as modificações de direito, em matéria de competência, se for suprimido o  órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (artigo 22º da lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro). Ou seja, são relevantes as modificações de direito em matéria de  competência territorial.

No entanto, a Lei 14/2006, de 26 de Abril excluiu as acções pendentes da aplicação da lei nova prescrevendo  o artigo 6º que “ a presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor”.  Assim, se no domínio da regra geral se deveria entender aplicável a lei nova às acções pendentes, ressalvados os casos julgados, já, por força desta última disposição, a  lei nova não se aplica aos processos pendentes, mas apenas às acções intentadas depois da sua entrada em vigor.

 É o caso da presente acção. Ela deu entrada em 12 de Setembro de 2006 não  há, como se vê, nenhuma aplicação retroactiva como sucederia defendendo-se a ideia de que, nas acções pendentes, as regras de competência territorial se fixam no momento em que a acção é proposta, não relevando, portanto, as alterações verificadas durante a pendência, entendimento que não se afigura conforme, como se disse, ao disposto no referido artigo 22º da Lei n.º 3/99;  não há, portanto,  aplicação retroactiva porque a lei não se aplica ás acções pendentes e, por isso, é à luz das regras de competência vigentes no momento em que a acção é proposta que deve ser aferida a competência em razão do território. O pacto de aforamento não é, como também se disse, mais do que uma regra de competência cuja validade deve ser aferida à luz das regras de competência em vigor no momento em que a acção é proposta.

Estando-se perante uma acção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária, sendo os réus pessoas singulares residentes em […], a acção tem de ser proposta no Tribunal da Comarca de Amarante.

Defende o A. ora agravante, que tendo sido celebrado o contrato antes da entrada em vigor da presente lei, foi estabelecido o foro convencional da comarca de Lisboa, aplicando o diploma referido violava os princípios da Constituição da República.

A lei afastou a possibilidade de se convencionar o foro das acções destinadas a exigir o  cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento nos casos em que o ré não é uma pessoa colectiva ou não tenha domicilio na área metropolitana ( de Lisboa e Porto) do domicílio do autor.

As normas processuais, são de aplicação imediata, pois o direito processual  é ramo do direito público com normas de interesse e de ordem pública.  


Esta alteração foi feita, por o Estado considerar a anterior imperfeita para a administração da Justiça. Ou seja, as grandes empresas, com uma norma de foro convencional, acordavam que para conhecimento de qualquer questão emergente dos contratos o foro competente era sempre o foro da comarca de Lisboa. Ou seja as acções de grandes empresas estavam a alterar os locais, onde estas acções deviam dar entrada e  convergiam para a comarca de Lisboa, onde eram propostas todas as acções de grandes  empresas, com sede em Lisboa.

O caso dos autos é exemplo disso, os réus moram perto da cidade do Porto e no entanto, para a acção foi convencionado o foro da comarca de Lisboa.

Quando a acção entrou, é que as regras de competência têm de ser aferidas e foram-no em conformidade, com a lei vigente no momento da sua entrada em juízo.

Pretendeu-se optimizar os meios existentes na jurisdição nacional e assim obter melhores resultados fazendo intervir todos  operadores judiciários, por todo o país.

Foi uma lei que foi explicada, como forma de diminuir a pendência das acções distribuídas, na comarca de Lisboa, para a qual era convencionada a competência  territorial.

Não se verifica qualquer inconstitucionalidade invocada pelo A ., pois esta lei veio introduzir alterações, para uma melhor aplicação da justiça, nomeadamente tornando-a mais célere, para um melhor acesso ao direito.

I - Em matéria de contratos a regra de conflitos que se extrai do art. 12, primeira parte do Código Civil, é a de que a lei nova sobre o novo regime dos contratos não se aplica nos contratos anteriores.
É a lei do tempo de celebração do contrato que regule todos os seus efeitos directos ou indirectos.

II - Se a lei nova é de natureza imperativa, abstraindo-se dos factos que dão origem à situação contratual, então, nos termos de 2 parte do referido art. 12, aplica-se as situações jurídicas já constituídas.

No Ac. do STJ, 15.12.98 escreveu-se que: - Na medida em que não implique, em concreto, uma retroactividade intolerável, como sucedeu no caso julgado pelo Ac. TC n. 559/98, in D. Rep. II série, n. 262, de 12-11-98, a aplicação imediata do novo conteúdo do n. 1, do art. 1696, CC, não viola o princípio da confiança, ínsito no princípio geral do estado de direito, consagrado no art. 2, Constitucional. Aquela disposição (do n. 1, do art. 1696, CC) constitui a mais moderna perspectiva do legislador sobre o modo de realização dos direitos de créditos nele encarados; como tal, nada há, antes pelo contrário, que recomende a sua aplicação, apenas, às situações jurídicas a constituir.

No caso dos autos, nenhum princípio aceitável de confiança foi beliscado; gorada foi, tão só, a expectativa de a A . pudesse intentar a acção na Comarca de Lisboa, a anterior  solução legal.

Quem pode, porém, razoavelmente esperar que todas as situações jurídicas em que toma parte fiquem, para sempre, imunes às mudanças?

Não foram violados os direitos de segurança ou mesmo de confiança.

Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 16 de Novembro de 2006

(Catarina Arêlo Manso)
(António Valente)
Ilídio Sacarrão Martins)