Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14863/18.0T8SNT-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
NÃO HOMOLOGAÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
CONVENÇÃO DE MONTREAL
REGRAS PROCEDIMENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - Normas procedimentais são as que regem a actuação a desenvolver no processo, os passos a percorrer até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes.

2 - Para se aquilatar da relevância ou não da violação – normas procedimentais negligenciáveis e não negligenciáveis - deverá lançar-se mão do preceituado no art. 201 CPC, de forma a sindicar/valorar se a nulidade em questão é ou não susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com ajusta salvaguarda dos interesses protegidos, nomeadamente, no respeitante à tutela devida à posição dos credores e devedor.

3 - Não tendo o credor participado nas negociações, mas enviado proposta  ainda que na sequência de envio da proposta do PER, por parte da devedora, quase em cima do prazo de entrega do mesmo ao tribunal, proposta esta considerada inviável pela devedora face ao exarado no plano relativamente aos credores em igualdade de circunstâncias, e tendo o plano sido aprovado pela maioria dos credores, a nulidade em questão não é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, logo, não constitui violação não negligenciável das normas procedimentais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: A [.....Artes Gráficas, S.A.] , requereu Processo Especial de Revitalização (PER), visando a sua recuperação.
Foi nomeado Administrador Judicial Provisório - fls. 462 e 468.
Foi apresentada a lista provisória dos credores – fls. 470 e sgs. II vol.
Publicada a lisa provisória de credores a requerente impugnou a mesma não tendo obtido ganho de causa – fls. 1829 e 1830 VII vol.
Foi apresentada, em 17/11/17, a versão final do PER, a qual previa, no essencial, a reestruturação do passivo, prevendo o perdão de juros e capital e escalonamento do pagamento das dívidas – fls. 1838 e sgs. VIII vol.
B [Banco ….SA] insurgiu-se contra a homologação do PER, ex vi art. 215 Cire, com fundamento, entre outros, na violação não negligenciável das normas de tramitação garantes da efectiva participação dos credores nas negociações do PER porquanto, não obstante ter comunicado a sua pretensão de participar nas negociações, acabou por não o fazer, uma vez que a devedora/requerente nunca o chamou, nem lhe deu nota do sucedido, tendo-se limitado a enviar-lhe um draft do plano de recuperação dando-lhe um prazo de 2 dias para se pronunciar, bem como na violação do princípio da igualdade entre credores ao contemplar, sem qualquer justificação, diferentes formas de pagamento para cada credor - fls. 1813 e sgs. VIII vol.
 C […..Banco, S.A.] , insurgindo-se contra o plano apresentado, não aceitou o perdão de 65% do capital em dívida, o período de carência de capital, entre outros, admitindo equacionar o perdão de juros vencidos até à homologação do plano – fls. 1871 e sgs. VIII vol.

D [….Fundo de Investimento Imobiliário Aberto] , insurgiu-se contra a homologação do PER com fundamento no facto de este se sustentar em premissas inexistentes “rendas de instalação” quando o contrato de arrendamento cessou sem que haja qualquer acordo na sua represtinação/revogação da resolução do contrato – fls. 1874 e sgs., VIII vol.

Na sequência destes requerimentos, a A apresentou, em 4/12/17, nova versão do PER a submeter à votação dos credores – fls. 1896 e sgs. VIII vol.
Os credores B, E […. Instituição Financeira de Crédito, S.A.], D , F [Caixa … S.A.] , e C, informaram ter votado a desfavor do PER, requereram a sua não homologação – cfr. fls. 1927 e sgs. 1949 e sgs., fls. 1957 e sgs., fls. 1969 e sgs. e fls. 1979 e sgs. VIII vol.

Em 20/12/17, o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou o resultado da votação (art. 17 F Cire) e, tendo em conta, os votos favoráveis representam 75,15% dos votos expressos (quorum de 95,32%), solicitou a aprovação do Plano - fls. 1981 e sgs. VIII vol.

Foi ordenada a publicitação da votação do PER – fls. 1989 VIII vol.

A A respondeu aos credores, concluindo pela homologação do PER – fls. 1991 e sgs. VIII vol.

A A foi notificada para juntar aos autos o contrato de arrendamento, sob pena de violação do princípio da liberdade contratual e inerente não homologação do PER – fls. 2004 VIII vol.

Juntos que foram os documentos foi proferido despacho, em 22/1/18, solicitando à A a apresentação de novo PER (denúncia do arrendamento) sob pena de ser ponderada a não homologação do plano – fls. 2059 vol. VIII.

Veio a A, em 14/2/18, apresentar novo PER no qual, na parte relativa às rendas de instalações, deixou de constar a revogação da declaração de resolução do contrato de arrendamento - fls. 2060 e sgs. VIII vol.

Em 19/2/18, foi proferida decisão que homologou o PER – fls. 2081/2082 VIII vol.

Inconformados apelaram B, C e D , com fundamento, entre outros na nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Nas contra-alegações a A pronunciou-se pela inexistência de nulidades e confirmação da decisão.

Foi proferida decisão, em 12/4/18, que, julgando procedente a nulidade arguida, deu sem efeito a sentença de homologação do plano, ordenando a votação respeitante ao PER apresentado, em 14/2/18 – fls. 2157 VIII vol.

O Administrador Judicial Provisório, em 4/5/18, juntou a votação do plano de recuperação (art. 17-F/5 do Cire), plano este aprovado por 75,0126% dos votos (quorum 87,95%), solicitando a sua homologação – fls. 2216 e sgs. IX vol.

B e D pronunciaram-se no sentido de não homologação do PER, tendo o C e a F retirado o seu pedido.

Foi proferida sentença, em 4/6/18, que recusou a homologação do PER por violação não negligenciável das normas procedimentais (arts. 17 F/7 e 215 Cire) no que concerne ao B, – fls. 2261 IX vol.

Foi solicitada a rectificação da sentença pelo C uma vez na sentença é referido que o Banco solicitou a não homologação do PER quando, na verdade, havia retirado o pedido – fls. 2266/2267.

Em 6/6/18, foi proferida sentença rectificando o lapso – fls. 2268 e sgs. IX vol.

Posteriormente, em 8/6/18, veio o D, solicitar a rectificação da sentença uma vez que, apesar de se ter pronunciado contra a não homologação do PER, a sentença é omissa quanto a si (pedido /nome) – fls. 2273/2274 IX vol.

Lapso rectificado e prolatada nova decisão, em 11/6/2018 – fls. 2275 e sgs. IX vol.

Inconformada, a A apelou, formulando as conclusões que se transcrevem:
A - Vem o presente recurso interposto da decisão de recusa da homologação do PER da A, plano cuja votação teve uma participação de mais de 90% dos créditos da A e a aprovação de mais de 75% dos mesmos, decisão que padece de errada aplicação do direito, em especial, uma errada interpretação do dever / direito de participação nas negociações e, consequentemente, do que deva ter-se por violação não negligenciável, ínsita no artigo 215 CIRE, aplicável ao presente processo, ex vi artigo 17-F/7 CIRE, sendo certo apenas 2 credores, num universo de 410 - requereram a não homologação do PER, o que fizeram com um motivo comum: não aceitam os perdões de dívida previstos no PER.

B - O crédito que o B reclamou, de natureza comum (pois não beneficia de garantias), ascende a um valor total de € 573.719,75, representando, por isso, cerca de 4,6% do total do passivo da A (cerca de € 81.400.000,00) e cerca de 7,5% do valor total da dívida às instituições financeiras (mútuos e leasings), nas quais se inclui o B (cerca de € 46.300.000,00).
C - A representatividade do B no universo dos créditos e dos credores é relevante na análise do presente recurso pois está intimamente relacionado com a negociação com os credores e respectiva dinâmica e com a expectativa que o B podia criar de influenciar de forma decisiva o PER, impondo as suas condições para a aprovação do mesmo.
D - Não pode a Apelante concordar com a leitura do tribunal a quo pois não é verdade que o B tenha sido impedido de participar nas negociações, não é verdade que o Banco Santander tenha deixado de apresentar uma proposta e nem é verdade que, ainda que tal tivesse ocorrido, se trate de urna nulidade procedimental não negligenciável.
E - Há que relembrar que a A viu aprovado em 2013, pela grande maioria dos seus credores (83,84%), um PER que previa, relativamente aos credores "financiamentos bancários e Leasing", nos quais se inclui o B, um perdão de 65% da dívida e dos juros vencidos, o reembolso do remanescente dos restantes 35% em 156 prestações mensais e 10% do referido em bullet no final sendo certo que o crédito reclamado e reconhecido ao B no presente processo não tem em consideração as medidas aprovadas pelo referido PER: as medidas previstas em 2013 ficaram "sem efeito" e, consequentemente, o perdão de 65% também.
F - Aplicando à dívida a instituições financeiras (mútuos e leasings) (cerca de €46.300.000,00) o perdão de 65% previsto na alínea c) iii do PER aprovado pelos credores, a Lisgráfica teria de liquidar cerca de €16.201.000 (dezasseis milhões e duzentos e um mil euros), nas condições previstas no PER, dívida que é ligeiramente inferior ao valor que a A se compromete a pagar no PER ora em análise.
G - Dito de outro modo: neste PER os créditos reconhecidos e a pagar às instituições financeiras serão ligeiramente superiores, não penalizando estes credores, apenas alongando, em 2 anos, o prazo de pagamento e o bullet a pagar no final do prazo estipulado, o que não constitui um esforço adicional de relevância extrema (designadamente não se propõem novos perdões de dívida, como o B reconhece no seu requerimento de não homologação), pois as mesmas estão em consonância com o que ficou estabelecido no PER de 2013 e que vinha sendo aplicado — ou seja, o B não seria penalizado no montante de crédito a receber e seria objecto das mesmas condições aplicadas às restantes instituições financeiras; pelo contrário, num cenário de insolvência a garantia bancária de € 341.267 concedida pelo B seria executada e, nesta situação, este seria efectivamente penalizado.
H - Pelo que se pode concluir que num processo de insolvência, o B e os demais credores instituições bancárias, seriam efectivamente penalizados na medida em que não só não seriam ressarcidos dos 35% da dívida que a Lisgráfica se propõe pagar (dado que o produto da liquidação dos seus bens não será suficiente para pagar aos credores garantidos pelos próprios e aos trabalhadores), como o B se veria obrigado a honrar a garantia bancária acima mencionada e, assim, a desembolsar € 341.267.
I - Esta análise permite concluir que a proposta do B implicava que este ficasse numa posição melhor do que aquela em que se encontrava até ao início do presente processo o que não faz sentido, nem é tão pouco admissível do ponto de vista negocial.
J - É verdade que o B remeteu à A uma carta, em 24/07/2017, mas não mais comunicou fosse o que fosse à A, nunca tendo indagado junto da Lisgráfica quais as medidas que este se encontrava a traçar com vista à sua recuperação nem solicitado qualquer tipo de informação – aliás, o B apenas diz que enviou uma carta e ficou a aguardar!
K - A A procurou, ao longo de todo o período de negociações, gizar um plano que permitisse, efectivamente, a sua
recuperação, o qual apenas se conseguiu concretizar, com alguma certeza de implementação e aprovação, quando o mesmo foi remetido para análise dos credores que manifestaram interesse em participar nas negociações.
L - O B participou efectivamente nas negociações, pois apresentou uma proposta de pagamento do seu crédito à Lisgráfica, a qual, contudo, era absolutamente inaceitável pois implicava a inexistência de qualquer perdão de capital e de juros e o pagamento, em 10 anos, e o tratamento a dar ao crédito do B teria de ser o tratamento dos demais créditos de instituições financeiras emergentes de mútuos e leasings, os quais, na sua globalidade representam mais de 50% do passivo da Lisgráfica, tendo a A respondido ao B no dia 23/11/2017, pelas 09h55m e o B não mais respondeu (nem consta do processo qualquer referência a urna resposta).
M - Pelo que é falso que não tenha havido negociações pois o B, no decurso do prazo para análise do PER, apresentou uma proposta e teve uma resposta a tal proposta.
N - E, apesar de não ser tratado como um verdadeiro "prazo de negociações", face ao novo enquadramento legal do PER que permite aos credores pronunciarem-se sobre a proposta de PER e permite ao devedor (no caso, a A) alterar o plano em conformidade, não é verdade que eventuais negociações com o B tivessem sido reduzidas para 2 dias pois a versão final do PER apenas dia 04/12/2017 foi remetida a juízo, ou seja, mais de 15 dias depois do envio da proposta de plano remetida em 14/11/2017 e, se se analisar o PER entregue em juízo em 17/11/2017 e o PER entregue em juízo em 04/12/2017 verifica-se que, de facto, o mesmo foi alterado, o que demonstra que houve negociações neste período, tal como houve com o B, que não mais respondeu à A após o email por esta remetido em 23/11/2017 (salientando-se que o próprio B nunca alegou o contrário!).
O - Carece por isso de razão o tribunal a quo ao considerar que houve qualquer omissão de negociações ou de informação até porque o B nada perguntou à A – remeteu-se ao silêncio durante todo o período de negociações.
P - Mais: da proposta apresentada pelo B em 16/11/2017 resulta evidente que este não pretendia negociar fosse o que fosse pois propor o pagamento da totalidade de capital e dos juros sem qualquer carência e no prazo de 10 anos não é uma proposta negocial efectiva e sequer aceitável no âmbito de um PER.
Q - Repare-se: a A apresentou um novo pedido de PER porque estava com dificuldades em cumprir o PER que fora aprovado pelos credores em 2013 e o B propõe o pagamento de uma dívida superior (a totalidade do crédito sem a redução ocorrida em 2013), condições de pagamento mais difíceis e exigentes para a A do que aquelas que motivaram a A a recorrer ao presente PER. Será isto uma base de negociação? Naturalmente que não!
R - Sem prejuízo do referido, o B fez uma proposta concreta à A, urna proposta de alteração ao PER mesmo sabendo que tal proposta era inaceitável o que evidência a ausência de intenção de negociar, usando agora, com má fé e abuso de direito, este expediente para, através da sua estratégia de vitimização, alegar que pretendia negociar com a A, vontade cuja inexistência se comprova pela proposta remetida em 16/11/2017, proposta que era de tal forma distante da proposta constante do PER, que com certeza se podia assumir que não seria possível às partes alcançar um acordo.
S - A proposta apresentada pelo B demonstra igualmente que, independentemente do tempo para negociação, as suas condições não poderiam ser satisfeitas e o seu sentido do voto do Santander em nada mudaria o resultado final da votação pois.

Caixa de texto: 17T - O B participou efectivamente nas negociações e apresentou uma contraproposta, consubstanciada no email, de 16/11/2017, à qual a A respondeu em 23/11/2017, dentro do período em que ainda podia alterar o PER, o que demonstra a sua participação nas negociações, não tendo a A recebido qualquer resposta.
U - Tendo a A remetido ao B uma proposta de PER, à qual este respondeu, contrapropondo medidas distintas, rejeitadas pela A de forma fundamentada, não pode o tribunal a quo concluir que aquela missiva limita-se a remeter à credora em causa a versão final do Plano de Revitalização unicamente para votação, ou seja, do que se tratou foi apenas de uma verdadeira "imposição" pois ainda era possível alterar a proposta de plano até ao dia 04/12/2017 (perante o disposto no artigo 17 F/2 Cire) e o próprio B apresentou uma proposta à L..., o que demonstra que também o B admitia como possível a alteração do PER.
V - A boa fé prevista no segundo princípio da resolução do Conselho de Ministros a que a sentença ora em crise faz referência impõe-se a devedor (A) e credor(es) e proposta apresentada pelo B, em 16/11/2017, não cumpria tal desiderato.
W - A antecedência com que a proposta de PER foi remetida ao B e a troca de correspondência posterior ocorrida não consubstancia nenhuma omissão do dever de negociação não sendo, por isso, subsumível ao conceito de violação de regras procedimentais de modo não negligenciável, que permitiriam a recusa de homologação de um plano aprovado por larga maioria de credores (vd. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/07/2015 (processo 261/14.8TYVNG.P1) em cuja fundamentação da decisão certamente inspirou o tribunal a quo, atentas as semelhanças existentes, que, acerca do dever de boa fé no decurso das negociações refere expressamente "impunha a boa fé nas negociações que o plano fosse enviado à credora D..., para esta se pronunciar e de fazer observações antes do plano ser submetido à votação"), o que a A fez atempadamente, em 14/11/2017!
X - Em suma, é falso que a A não tenha cumprido o art. 17 I/10 Cire e, consequentemente, não se verificou qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais que determinem a não homologação do PER, pelo que mal andou o tribunal a quo ao rejeitar a homologação do plano aprovado por mais de 3 /4 dos créditos que participaram na votação do PER pois fez uma errada aplicação das disposições conjugadas dos arts. 17-D/10 e 215 Cire e do segundo princípio da Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011.
Y – Assim, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que homologue o PER aprovado pelos credores.

Contra alegou o B pugnando pela confirmação da decisão.

Não foram deduzidas contra-alegações por D.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Os factos a considerar são os que se deixaram anteriormente extractados.
Os apurados em 1ª instância:
1 - O credor B remeteu carta registada com a/r à devedora, em 24/6/17, manifestando a sua vontade de participar nas negociações com vista à aprovação do Plano de Revitalização.
2 – A devedora, durante o período negocial de 3 meses, nada disse ao B
3 – Em 14/11/17, a devedora remeteu ao Banco a comunicação e-mail com proposta do Plano de revitalização dando-lhe um prazo de 2 dias, até ao dia 16/11/17, para que este “solicite comentários e/ou reuniões”, uma vez que o Plano teria que ser depositado no tribunal, até ao dia 1//12/17, referindo que “um dos principais credores financeiros já demonstrou a sua disponibilidade para a aprovação do Plano de Recuperação”.
4 – Em 16/11/17, o credor B respondeu a tal comunicação manifestando o seu desagrado por não ter sido contactado para participar nas negociações, propondo a alteração do mesmo nos seguintes termos: pagamento da totalidade do capital e juros, com prévio pagamento dos vencidos até à data da homologação do Plano inexistência de carência de capaital e juros; prazo de pagamento no m+aximo de 10 anos – doc. de fls. 1860 ( aditada a parte sublinhada)
5 – A devedora tem um passivo de € 81.405.200,15
6 – O crédito do B. sobre a devedora ascende a € 3.738.013,31
E ainda: (aditado)
7 - A A enviou, em 23/11/17, um e-mail ao B, rejeitando as condições apresentadas pelo Banco e referidas em 6, explicando as razões – (doc. de fls. 1959 vol. VIII)

A questão a decidir - arts. 639 e 640 CPC – (relacionada com a homologação ou não do Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores/créditos), consiste em saber houve ou não violação não negligenciável das regras procedimentais.

Vejamos, então:

A A/apelante pugnando pela homologação do PER e, consequentemente, pela revogação da sentença, defendeu que o Plano foi aprovado pela maioria dos credores (universo de 418), que este Plano, aprovado em substituição do anterior, não penaliza os credores, as condições são praticamente as mesmas tendo, neste último, sido alargado, em 2 anos, o prazo de pagamento e o bullet a pagar no final do prazo estipulado e que, não obstante o Banco lhe ter enviado, em Julho/17, uma carta, certo é, que nunca mais disse nada, nem curou de saber/solicitado alguma informação sobre as negociações em curso.
O Banco participou nas negociações porquanto, apresentou uma proposta de pagamento, inaceitável (proposta esta que implicava a inexistência de qualquer perdão de capital e de juros e o pagamento, em 10 anos, o que o colocava em situação de favorecimento face aos demais credores) e, apesar da apelante ter respondido ao Banco, em 23/11/2017, este remeteu-se ao silêncio.
Não é verdade que o Banco só tenha tido 2 dias para se pronunciar uma vez que o PER só foi apresentado em Tribunal a 4/12/17, ou seja, mais de 15 dias, após o envio do Plano ao Banco (14/11/17).
Por seu turno, o Banco apelado defende que, durante o período negocial, de 3 meses, nada lhe foi comunicado pela devedora, não foi convidado a participar nas negociações, tendo-lhe sido enviado por esta, a 3 dias do depósito do plano em tribunal, um draft do mesmo, para que se pronunciasse/solicitasse “comentários/reuniões” e que perante esta situação ficou extremamente condicionado, como goradas foram as suas legítimas expectativas de participar nas negociações, violando o dever de informação e o princípio de igualdade entre os credores, concluindo confirmação da decisão, ou seja, pela não homologação do Plano.
O PER (Programa Especial de Revitalização) foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei 16/2012 de 20/4 que aditou ao Cire os arts. 17-A a 17-I.
Este processo de revitalização permite ao devedor que se encontre, comprovadamente, numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização – arts. 2/1 e 17-A/1 Cire.
Trata-se, em suma, de um processo negocial cujo fim último é a obtenção de um acordo entre devedor e credores (maioria – art. 17-F Cire), que permita a viabilização da empresa.
Este processo, de cariz voluntário e extra-judicial, visou não só a defesa da economia, permitindo que o devedor continue a sua actividade comercial, em detrimento da liquidação do seu património sempre que a recuperação se mostre e seja viável, como permitiu aos credores o controle da conduta do devedor e do administrador, cabendo ao juiz a sindicância da bondade da instauração deste processo especial de revitalização, verificação da situação de facto do devedor, das condições necessárias para a sua recuperação, decidir as impugnações de reclamações de créditos, legalidade das normas aplicáveis como requisito da homologação do acordo, declarar a insolvência em caso de falência do processo negocial sem a aprovação de qualquer plano de recuperação e ainda proceder ao julgamento da acção a que se reporta o art. 17-D/11 Cire.
O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
a) A descrição da situação patrimonial, financeira e creditícia do devedor.
b) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade.
c) No caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamento aos credores à custa dos respectivos rendimentos, plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, e balanço pró-forma, em que os elementos do activo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respectivos valores.
d) O impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência.
e) A indicação dos preceitos legais derrogáveis no âmbito dessas derrogações – art. 195 Cire.
Os credores têm o direito de pugnar pela não homologação quando, havendo manifestado nos autos oposição ao plano, demonstrem que a sua situação se torna previsivelmente menos favorável do que aquela que se verificaria na ausência de qualquer deliberação, ou que, por virtude do plano, algum credor obtém benefício superior ao montante líquido do seu crédito – cfr. art. 216/1 a) e b) Cire.
Da leitura da parte inicial do nº 2 art. citado, extrai-se a exigência de que o plano deve clarificar aquilo que com ele é pretendido, enquanto instrumento de tutela dos interesses dos credores, sem prejuízo da consecução de outros objectivos cujo alcance simultaneamente viabilize.
Esta exigência assenta em duas razões: uma prende-se com a circunstância do plano, estribado no princípio da liberdade de estipulação e conteúdo a que se fez referência, poder, realmente, orientar-se por vias substancialmente diversas entre si e outra, respeita à necessidade de garantir o cabal esclarecimento dos que são chamados a decidir o destino do processo, de forma a poderem ponderar suficientemente as vantagens que estimam resultarem da aprovação de um plano.
Cabe também proceder à descrição das medidas necessárias à realização dos objectivos a alcançar, com distinção entre as que possam estar já realizadas pelo próprio decurso do processo e a administração da massa – de eventuais actos já concretizados de liquidação – e as que seja mister vir a executar.
As medidas aí plasmadas são de carácter enunciativo (nomeadamente), sendo o seu objectivo último o de facultar aos credores a exacta percepção da situação, para poderem actuar esclarecidamente, a que acresce a avaliação do tribunal acerca da verificação dos requisitos que legitimam a homologação da decisão.
Assim, a elaboração do plano não tem de obedecer a um modelo estereotipado comum a todas as situações; pelo contrário, deve ser preparado em termos de, conforme os casos e as circunstâncias, contemplar a análise dos diversos aspectos considerados na lei, exactamente porque se supõe que isso é necessário para permitir a cabal compreensão das respectivas propostas.
Em caso de omissão de alguns dos elementos exigidos no plano, a assembleia de credores tem sempre a possibilidade de recusar a aprovação no caso de falhas. E, sendo a proposta apresentada pelo Administrador Judicial, em conformidade com os arts. 193/2 e 156/3 Cire, pode determinar o suprimento do que estiver em falta” - cfr. Cire Anot. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Edit. Quid Juris, 2008, art. 195.
Durante as negociações o devedor presta toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre a informação actualizada e completa quer ao administrador judicial, quer aos credores; os credores que queiram participar nas negociações em curso declaram-no ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações…; as negociações encetadas entre devedor e credores regem-se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes…; o administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, assegurando que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou prejudiciais à boa marcha; durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros 43/2011 de 25/10 (negociação tendo em vista o acordo entre devedor e credores, boa-fé e busca de uma solução que satisfaça todas as partes envolvidas, cooperação e transparência na actuação do devedor) - cfr. art. 17 D nºs 6 a 10 Cire.
Remetido o PER ao tribunal, após aprovação em assembleia, cabe ao juiz decidir se o deve ou não homologar, aplicando-se com as necessárias adaptações, os arts. 215 e 216 Cire – art. 17-F/5 (Lei 16/2012 de 20/4)     
O Juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência, aprovado em assembleia, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam proceder à sua homologação – art. 215 Cire.
O juiz recusa ainda a homologação a pedido dos interessados verificadas que sejam as condições previstas no art. 216 Cire.
Daqui se extrai, que a lei confere ao Tribunal o papel de guardião da legalidade cabendo-lhe sindicar o cumprimento das normas aplicáveis/comandos normativos no que concerne aos aspectos de procedimento, como também aos de conteúdo do plano, admitindo-se que condescenda em vícios que considere negligenciáveis (violação negligenciável de regras aplicáveis quer quanto ao conteúdo do plano, quer quanto aos vícios procedimentais), havendo, no entanto, recusa oficiosa de homologação do plano, caso se verifique a violação/vício não negligenciável.
“Constituem normas procedimentais as que regem a actuação a desenvolver no processo, os passos a percorrer até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes – incluindo as que relativas à primeira convocatória e funcionamento – e as relativas ao modo como ele foi deve ser elaborado e apresentado, por seu turno, as normas relativas ao conteúdo respeitam à parte dispositiva do plano e as que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”.
“Para se fazer a destrinça entre normas negligenciáveis e não negligenciáveis, socorrendo-nos do referido por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Cire Anot. nota 5 ao art. 215 (Quid Juris 2008), temos que as primeiras reportam-se a infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, enquanto que as segundas subsumem-se a violações de normas imperativas que acarretem a produção de resultados que a lei não permite.
Para se aquilatar ou não da relevância da violação, atender-se-á ao critério geral plasmado na lei processual, mormente o art. 201 CPC, de forma a sindicar se a nulidade em questão é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesse protegidos ou a proteger, nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável” – cfr. Cod. Anot., obra cit.
No caso em apreço, o plano apresentado e aprovado pela maioria dos credores, obedeceu aos requisitos enunciados supra, descrevendo as medidas necessárias à realização dos objectivos a alcançar.
O Banco sustenta que foram violadas normas não negligenciáveis porquanto, foi ignorado pela devedora, aquando das negociações, não obstante ter informado que pretendia participar nas mesmas e que aquela só lhe fez chegar um draft do plano, a 3 dias de este ser entregue ao tribunal, gorando as suas legítimas expectativas de participar nas negociações, com violação do dever de informação, igualdade entre credores e boa-fé.
Apurado ficou que o Banco informou a devedora A de que pretendia participar nas negociações, negociações estas que duraram cerca de 3 meses e que durante todo este tempo a devedora nada lhe disse.
Ora, se por um lado, cabia à apelante, aquando das negociações, informar o Banco, por outro, podia o Banco credor, sabendo que estava em curso o período das negociações, solicitar junto da devedora, informações sobre como estavam decorrendo os trabalhos/negociações e as medidas a tomar, bem como enviar propostas.
O PER foi aprovado pela maioria dos credores (universo de 418); o passivo desta é de € 81.405.200,15; o crédito do Banco apelado é de € 3.738.013,31.
Em 14/11/17 a devedora enviou ao Banco a proposta do Plano concedendo-lhe um prazo, até 16/11/17 (2 dias) para que este se pronunciasse sobre o mesmo, solicitasse comentários e/ou reuniões, uma vez que o Plano teria que ser apresentado em tribunal até 1/12/17, informando que um dos principais credores financeiros já demonstrara disponibilidade para a sua aprovação.
O Banco credor responde, em 16/11/17, manifestando o seu desagrado em não ter participado nas negociações e faz uma proposta de alteração ao mesmo.
Em 23/11/17, a devedora responde rejeitando as condições propostas explicitando as razões de recusa.
O plano é apresentado, em 4/12/18, em Tribunal.
Daqui se extrai, que apesar de durante o período das negociações o Banco credor não ter tido nelas tido participação, podendo, sponte sua, fazê-lo, constata-se que teve conhecimento da proposta do Plano, ainda que lhe tenha sido concedido um prazo de 2 dias, certo é, que o Banco fez uma proposta de alteração, proposta esta rejeitada, tendo o PER sido apresentado, em 4/12.
Tendo em atenção o constante do PER e a proposta efectuada, verifica-se a impossibilidade da viabilidade de qualquer acordo, sendo certo que, se tal proposta tivesse sido feita aquando das negociações, o PER não deixaria de ser aprovado, ainda que com o voto negativo do Banco, como sucedeu.
Acresce, que se a proposta do Banco credor tivesse sido aceite, este ficaria em posição de vantagem sobre os demais credores, com violação do princípio da igualdade.
Em caso de insolvência o Banco credor, como os demais, seriam mais penalizados porquanto, não seriam ressarcidos da dívida que a devedora se propõe pagar (produto da liquidação dos bens é insuficiente para pagamento aos credores com garantia e trabalhadores), através do PER.
Assim, do explanado no Plano, não resulta que a sua homologação seja menos favorável do que a sua não homologação.
Também não se extrai que dos factos apurados que tenha havido violação quer das normas enunciadas, quer dos princípios de boa-fé e de igualdade entre os credores e que a nulidade arguida seja susceptível de interferir com a boa decisão da causa, i. é, não interferiu com a salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger.
Destarte, atento o extractado supra e os factos apurados, o Plano de Recuperação contém todos os elementos necessários à sua percepção e compreensão da sua estratégia, não afectando os direitos do apelado/credor, sendo que a sua não participação nas negociações, atendendo ao contexto, não se subsume à violação de normas não negligenciáveis e, como tal, procede a pretensão da apelante.
Concluindo:
- Normas procedimentais são as que regem a actuação a desenvolver no processo, os passos a percorrer até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes.
- Para se aquilatar da relevância ou não da violação – normas procedimentais negligenciáveis e não negligenciáveis - deverá lançar-se mão do preceituado no art. 201 CPC, de forma a sindicar/valorar se a nulidade em questão é ou não susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com ajusta salvaguarda dos interesses protegidos, nomeadamente, no respeitante à tutela devida à posição dos credores e devedor.
- Não tendo o credor participado nas negociações, mas enviado proposta, ainda que na sequência de envio da proposta do PER, por parte da devedora, quase em cima do prazo de entrega do mesmo ao tribunal, proposta esta considerada inviável pela devedora face ao exarado no plano relativamente aos credores em igualdade de circunstâncias, tendo o plano sido aprovado pela maioria dos credores, a nulidade em questão não é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, não constitui violação não negligenciável das normas procedimentais.
 
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão, homologa-se o Plano de Revitalização.
Custas pelo Banco apelado.
Lisboa, 20/12/2018
(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)