Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8277/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: EXECUÇÃO
SOLICITADOR
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - No novo regime executivo abandonou-se a tradicional exigência de nomeação de bens à penhora, por parte do exequente, que agora só deve, "sempre que possível" indicar os bens do executado, bem como os ónus e encargos que sobre os mesmos incidam (art. 810º n° 3 CPC).
II - Esta indicação só é dada na medida do possível e não vincula o agente de execução a penhorar os bens indicados, tendo a liberdade de, em vez deles, penhorar outros (art. 821 n° 3, 834 CPC), podendo o agente de execução proceder a consulta não só do registo informático de execução, como das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo e de outros registos ou arquivos semelhantes (artigos 332° n° 2 e 833° n°1 CPC) e devendo começar pela penhora dos "bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente" (art. 834° n° 1 do CPC).
III – Sempre o juiz da execução tem um poder que se pode sobrepor à escolha do agente de execução, desde que razões fundadas aconselhem um afastamento da conduta-padrão desenhada pelo legislador como regime regra.
F.G.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
Banco SA, intentou no dia 15.09.2006, na Secretaria-Geral de execuções do Tribunal de Lisboa, a presente acção executiva (execução de sentença ) para pagamento da quantia de € 19 946,47 contra Maria e Manuel, indicando logo como bens a penhorar “Todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, Televisão e demais recheio que guarnecem a residência dos Executados”
Designada pela secretaria agente de execução uma senhora solicitadora, foi esta, em 3.10.2006, notificada da sua nomeação, a qual passou a realizar várias diligências no sentido de apurar se os Executados possuíam imóveis, salários, pensões etc, inclusive junto da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, organismo que, invocando as disposições atinentes ao sigilo fiscal, por ofício datado de 13.12.2006, se recusou a dar resposta à informação pedida, enquanto o pedido não se mostrasse fundado em decisão judicial transitada em julgado (cfr. fls. 40).
Por requerimento entrado no Tribunal com a data de 15.03.2007, veio a solicitadora nomeada requerer ao juiz que, face ao teor das razões invocadas pela DGCI, ordenasse o levantamento do sigilo fiscal.

Entretanto, logo em 17.10.2006, o exequente veio requerer ao tribunal que determinasse que fosse levada a efeito de imediato a penhora dos bens móveis existentes na residência dos executados, conforme logo requerera no requerimento executivo (fls. 26).

Por despacho proferido com data de 9.05.2007, foi essa pretensão do exequente indeferida, com a invocação de que carecia, em absoluto, de fundamento legal, uma vez que face ao processo executivo actual (depois da revisão processual operada no de 2003) cabia ao solicitador de execução avaliar, através do critério geral da maior facilidade na realização de numerário, qual a ordem de realização dos actos tendentes a penhorar bens do executado por forma a satisfazer a quantia exequenda,
Simultaneamente, o tribunal consignou que, só depois do solicitador da execução dar conta das diligências feitas e respectivos resultados, é que se ponderaria a necessidade de quebra do sigilo fiscal.

Inconformada, como o assim decidido, agravou o exequente Banco, agravo que foi admitido a subir imediatamente.
O exequente alegou e, a final, concluiu o seguinte:
- A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução.
- A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 802º e 810º do Código de Processo Civil.
- Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 821º do Código de Processo Civil.
- As diligências para a penhora têm início após a apresentação do requerimento de execução, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 832º do Código de Processo Civil.
- A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja mais fácil de realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 834º, nº 1, do Código de Processo Civil.
- A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 848º do Código de Processo Civil.
- Nos termos e de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 2º do Código de Processo Civil “a protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
- Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
- Ao entender e decidir, no despacho recorrido, pela forma que dele consta, ou seja que o exequente não pode impor que o Solicitador de Execução designado pelo Tribunal leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, podendo o Solicitador de Execução, a seu belo prazer, praticar os actos que quiser e entender, e não aqueles que o exequente, ora requerente, titular do direito dado à execução, requer e solicita, o tribunal violou o disposto no artigo 2º, no artigo 3º, nº 3, no artigo 4º, nº 3, no artigo 802º, no artigo 810º, no artigo 821º, no artigo 832º, no artigo 834º, nº 1, e no artigo 848º do Código de Processo Civil.
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que defira o que nos autos, em 1ª Instância, requerido foi pelo exequente, ora recorrente.

Não houve contra-alegação e o despacho recorrido foi sustentado.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Para a apreciação do recurso importa realçar a factualidade constante do relatório que antecede.

3. A questão a decidir traduz-se, tal como a enuncia o recorrente, em saber se, face ao actual regime da acção executiva, basicamente instituído pela nova redacção dada a diversos preceitos do CPC pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, o exequente tem o direito de requerer ao solicitador de execução que leve a efeito a penhora nos bens que indica e, se o agente de execução o não fizer, se o juiz pode determinar ao solicitador de execução que proceda à penhora dos bens indicados pelo exequente.
Conforme resulta do preâmbulo do mesmo diploma, o legislador teve a intenção de simplificar os actos executivos “cuja excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável dos direitos do exequente”.
O caso presente respeita a execução que tem por título executivo, decisão judicial. Trata-se pois de execução, em que se dispensa "despacho liminar"(art. 812°-A CPC, "a contrario sensu"), pelo que recebido o requerimento inicial, se passa de imediato à fase da penhora, da competência do agente de execução, elemento sobre quem recai agora a tarefa de executar todas as diligências do processo de execução, sem prejuízo, todavia, do poder geral de controlo do processo, que continua a caber ao juiz de execução (artigos 808° n°1 e 809° do CPC, na redacção dada pelo DL n° 38/2003, de 8 de Março)
Acresce que, no novo regime executivo, se abandonou a tradicional exigência de nomeação de bens à penhora, por parte do exequente, que agora só deve, "sempre que possível" indicar os bens do executado, bem como os ónus e encargos que sobre os mesmos incidam (art. 810º n° 3 CPC).
Como refere Lebre Freitas (Acção Executiva, 4ª ed. pág. 243), “esta indicação só é dada na medida do possível e não vincula o agente de execução a penhorar os bens indicados, tendo a liberdade de, em vez deles, penhorar outros” (art. 821 n° 3, 834 CPC)
Assim, na prossecução da sua missão, mas sem poder esquecer que o que está em causa é a tutela dos direitos do exequente, pode o agente de execução proceder a consulta não só do registo informático de execução, como das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo e de outros registos ou arquivos semelhantes (artigos 332° n° 2 e 833° n°1 CPC) e devendo começar pela penhora dos "bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente" (art. 834° n° 1 do CPC).
Do exposto deriva que, se é certo que, contrariamente ao que parece defender o recorrente/exequente, o agente de execução não está obrigado a proceder à penhora dos bens por si indicados, certo é também que essa faculdade de escolha, que lhe é legalmente concedida, a foi com o objectivo declarado de melhor e mais rápida defesa dos direitos do exequente, e sobre essa matéria, aliás como relativamente a todas as diligências que agora competem a solicitador da execução, sempre o juiz da execução tem um poder que se pode sobrepor à escolha do agente de execução, desde que razões fundadas aconselhem um afastamento da conduta-padrão desenhada pelo legislador exactamente como regime regra (1), por ser, em princípio, aquela que a melhor e mais rápidos resultados de apreensão dos bens conduziria.
Ora, no caso presente, tendo o exequente indicado como bens dos executados a penhorar o recheio da casa dos mesmos e tendo-se logo disponibilizado a fornecer os meios necessários à sua remoção, se bem que essa indicação não seja inteiramente vinculativa, realizadas que foram pela solicitadora da execução diligências no sentido de encontrar outros bens livres e tendo essas diligências sido infrutíferas, justificava-se que o juiz de execução, perante a insistência do exequente, cujo direito cabia acautelar, fazendo uso do poder de controle do regular andamento da execução que tem, ordenasse à solicitadora a realização da penhora dos bens indicados e não deixar, indefinidamente, ao critério daquela a localização e concretização da penhora de outros eventuais bens, designadamente cobertos por sigilo fiscal.
Procede, pelo exposto, no essencial, embora por razões não inteiramente coincidentes com as invocadas, o núcleo central da argumentação do recorrente. Não é só pelo facto do exequente ser titular da execução que o agente de execução ou o juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente, mas pode e deve fazê-lo, quando a satisfação do direito daquele o imponha face ao inêxito ou à inércia da actuação do agente de execução, como evidenciam o caso dos autos.

Decisão.
4. Termos em que se acorda em julgar o presente agravo procedente e, consequentemente revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, ordenando à solicitadora da execução a penhora dos bens indicados pelo exequente.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Novembro de 2007
(Maria Manuela B. A. Santos G. Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes) - (com a declaração de que me merece reseva o penúltimo parágrafo da página 4 do acórão - Proc. nº 9716/07-6)
(Fátima Galante)
_________________
1 - E que é precisamente a do agente de execução ter a faculdade de penhorar bens diversos dos indicados, estando todavia limitado pelas finalidades constantes do citado art. 834º.