Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
666/12.9YRLSB-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: GREVE
TRABALHO SUPLEMENTAR
SERVIÇOS MÍNIMOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A greve constitui um direito fundamental dos trabalhadores, mas não um direito absoluto, devendo ser articulado com outros direitos, também consagrados na Constituição, nomeadamente os que se prendem com a satisfação de necessidades essenciais de uma comunidade, podendo assim sofrer restrições definidas pela lei.
II - Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário – trabalho suplementar – seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

O SIESI – Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas - veio interpor recurso do acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo de arbitragem obrigatória 2/2012 que, relativamente à greve convocada para os dias 17 de Maio a 18 de Junho de 2012, decidiu quais os serviços mínimos que deveriam ser prestados pelos trabalhadores da empresa EDA – Electricidade dos Açores, SA. – durante o período de greve.
Formulou, em súmula, as seguintes conclusões:
(...)
A EDA apresentou contra-alegações, concluindo, em súmula que,
(...)
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de não existir um vazio de serviços mínimos no trabalho suplementar, podendo este ter lugar independentemente de “força maior”.
Pugna pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
***
Cumpre decidir se o acórdão proferido pelo tribunal arbitral, fixando os serviços mínimos, limitou o direito à greve dos trabalhadores da EDA, por as restrições nele impostas não serem indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
***
Com interesse para a decisão, resultam dos autos os seguintes factos
1. O SIESI – Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas - comunicou que os trabalhadores da EDA – Electricidades dos Açores, SA, iriam fazer greve
- ao regime de deslocações inscrito no Acordo de Empresa da EDA, SA, o que implica a não realização de deslocações de local de trabalho, no período compreendido entre as 00.00 horas do dia 17 de Maio de 2012 e as 24 horas do dia 18 de Junho de 2012;
- ao trabalho suplementar no período compreendido entre as 00.00 horas do dia 17 de Maio de 2012 e as 24 horas do dia 18 de Junho de 2012.
Com a referida greve pretendem os aderentes exigir a reposição da situação das remunerações e outras matérias de expressão pecuniária.
2. Segundo os pré avisos de greve, “ … tratando-se de uma greve ao regime de deslocações, com consequências apenas na não realização do trabalho que sejam abrangidos pela figura da deslocação em serviço, não existe lugar à definição de serviços mínimos”, e “ … tratando-se de uma greve ao trabalho suplementar não existe lugar à definição de serviços mínimos, considerando a sua natureza e limitações impostas pelo estipulado no artigo 227º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro. Na EDA, o trabalho suplementar necessário resulta unicamente de decisões de gestão da empresa de modificar regimes de trabalho e/ou reduzir postos de trabalho. A natureza da actividade invocada pela EDA a isso obrigava, sendo, consequentemente, responsável pela situação, não podendo reflectir nos trabalhadores e direito à greve o que por gestão lhe compete, tendo os meios regulamentares disponíveis.
Visto numa óptica contrária, seria invocar uma situação meramente de custos e da admissibilidade do recurso a um regime de excepção.” (sic )
3. Os serviços mínimos não estão regulados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
4. Em 2 de Maio de 2012 realizou-se uma reunião na Direcção Regional do Trabalho, Qualificação Profissional e Defesa do Consumidor, em Ponta Delgada, convocada nos termos do disposto no art. 538º nº2 do CT, para negociação de um acordo sobre serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar, discutindo-se o âmbito da greve ao trabalho suplementar e ao regime de deslocações inscrito no Acordo de Empresa.
5. No âmbito dessa reunião não foi alcançado acordo quanto aos serviços mínimos.
6. A EDA apresentou uma proposta de fixação de serviços mínimos junta a fls 53 a 64 dos autos, a qual foi parcialmente acolhida pelo tribunal arbitral..
7. O recorrente não concorda com a fixação de serviços mínimos, reiterando a posição assumida nos avisos prévios.
8. É o seguinte o teor do acórdão recorrido do Tribunal Arbitral:
“…
III – Enquadramento Jurídico
… 1. O facto de se estar em presença de greves apenas ao trabalho suplementar, previsto na clª 20º do AE, e ao regime de deslocações, na clª 32º do AE, não implica que não devam ser definidos serviços mínimos, porque sem outras e mais apuradas considerações, os serviços mínimos são estabelecidos em defesa de necessidades sociais impreteríveis da generalidade da população ou da especificidade de organismos oficiais, e não de interesses específicos de cada sindicato ou de cada empresa ou conjunto de empresas.
2. Resulta do disposto no nº 1 do art. 537° do Código do Trabalho que: "Em empresas ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, (. . .) e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades. "
3. De acordo com o disposto na alínea d) do nº 2 do mesmo artigo, os "serviços de energia" integram a lista exemplificativa de sectores em que o legislador considera poderem estar em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4. O direito à greve não é um direito absoluto, conforme decorre do nº 3 do art. 57° da Constituição da República Portuguesa e que, desde logo, resulta do nº 2 do artigo 18° da CRP, ao contemplar as restrições necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos, estando bem expressa em matéria de colisão de direitos, ao dispor-se que se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que se deva considerar superior (cfr. nº 2 do art. 335° do Código Civil).
5. A Lei – nº 5 do art. 538° do Código do Trabalho - determina que na definição dos serviços mínimos se devam respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, o que implica uma cuidadosa ponderação de cada caso. Melhor dizendo, o conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de aferições concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial do seu conteúdo formado pelos serviços que se mostram necessários e adequados para que as necessidades impreteríveis sejam satisfeitas, sob pena de irremediável prejuízo.
6. Os "serviços de energia" em causa podem incorrer em responsabilidade objetiva, conforme decorre do art. 509° do Código Civil, dispondo que "aquele que tiver a direção efetiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia elétrica ... e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade ... , como pelos danos resultantes da própria instalação, exceto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação."
7. Na esteira deste princípio, o Regulamento da Qualidade de Serviço do Sistema Elétrico Público da Região Autónoma dos Açores, publicado no Jornal Oficial da RAA, nº 45 de 9 de Novembro, pp. 3274 - 3308 pelo Despacho 917/2004 da Secretaria Regional da Economia, estabelece os mínimos de promoção de níveis adequados de qualidade de serviço no sector elétrico, importando obrigações de qualidade técnica e de qualidade comercial das empresas destinatárias dessa regulamentação.
IV – Cumpre Decidir
1. Cabe relembrar que, tal como salientámos e tendo por base o disposto do art° 660° CPC "ex vi" do art° 20° DL nº 259/2009 de 25-09, o julgador não pode ocupar-se "( ... ) senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras."
Era dever do SIESI juntar uma proposta dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como de serviços mínimos atendendo a que a greve se irá realizar em empresa e estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, e que no seu entendimento satisfizesse os requisitos de necessidade, de adequação e de proporcionalidade. Impunha-se-lhe a apresentação de um plano de prestação de serviços relacionados com a manutenção do equipamento e instalações da empresa e de garantia de serviços mínimos à comunidade.
2. Ora, o SIESI manifestou apenas uma intenção, uma declaração de princípios, afirmando "que as situações de intempérie ou outras de natureza excecional e em que esteja em causa a segurança de equipamentos e bens da EDA estarão sempre devidamente acautelados."
Ao invés, a EDA, SA indica os meios humanos e os serviços que considera impreteríveis com referência às nove ilhas do arquipélago e o respetivo número de trabalhadores necessários por turno, enumerando as entidades coletivas e individuais que prestam e/ou recebem a energia indispensável às suas necessidades essenciais.
3. O Tribunal Arbitral não vê razão para alterar a jurisprudência estabelecida nos Acórdãos nº 1/2010, nº 3/2010, nº 1/2011, e nº 1/2012.
4. Associada à descontinuidade territorial da Região, mostra-se necessária uma previsão rigorosa da eventual afetação dos consumidores que se exemplificam:
a) Hospitais, centros de saúde, unidades privadas de saúde e farmácias;
b) Instituições particulares de solidariedade social e Misericórdias que tenham valências onde se prestem serviços de forma ininterrupta e continuada;
c) Residências onde habitem pessoas com necessidades especiais;
d) Bombeiros e todas as entidades integradas no serviço regional de proteção civil;
e) Forças de segurança, designadamente, Policia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Unidades das Forças Armadas;
f) Tribunais;
g) Aeroportos e centros de controlo de tráfego aéreo;
h) Portos e terminais de contentores;
i) Estações elevatórias e demais infra-estruturas relativas ao abastecimento de água e saneamento;
j) Correios;
k) Empresas e infraestruturas de telecomunicações;
I) Empresas e infraestruturas de armazenagem e distribuição de combustíveis;
m) Empresas de transporte aéreo, marítimo e terrestre, relativas a passageiros, medicamentos e equipamento hospitalar e a bens alimentares perecíveis no período de duração da greve;
n) Instituições bancárias e empresas de transporte e segurança de valores monetários;
o) Indústrias de bens alimentares, cuja matéria-prima seja suscetível de deterioração por falha nos equipamentos elétricos;
p) Instalações de conservação pelo frio de estabelecimentos industriais e comerciais, relativas ao armazenamento de bens alimentares de suscetível deterioração no período de duração da greve;
q) Explorações agropecuárias com ordenhas mecânicas, instalações de conservação pelo frio ou onde a sobrevivência dos animais dependa do fornecimento de energia elétrica.
5. O SIESI, discordando da fixação de serviços mínimos, não apresentou qualquer proposta no que concerne aos meios humanos necessários, por oposição à que foi apresentada pela EDA.
V - Decisão
1. O Tribunal Arbitral, por deliberação maioritária, com o voto contra que consta da declaração do Árbitro Sr. Dr. ..., anexo ao presente acórdão e que dele faz parte integrante, considera como necessários, adequados e proporcionais à satisfação das necessidades de prestação contínua de energia eléctrica, no âmbito do trabalho suplementar, de deslocações em serviço e de assistência em situações de emergência, os seguintes serviços mínimos:
a) Condução de Centrais;
b) GESIS - Gestão do sistema elétrico (despacho);
c) Manutenção das Redes e Subestações;
d) Deslocações entre ilhas.
1A) O número de trabalhadores na condução de centrais e GESIS, é definido de acordo com a sua especialização técnica.
1B) A indicação de trabalhadores para cumprimento de serviços mínimos, com recurso ao trabalho suplementar, deve cingir-se à substituição de trabalhadores em falta ao período normal de trabalho.
1C) Não se inclui na previsão de serviços mínimos a manutenção de centrais com deslocações programadas, podendo ser estas realizadas no período normal de trabalho.
1D) A manutenção, preventiva e curativa, das redes e subestações são asseguradas no período normal de trabalho, excluindo-se as manutenções decorrentes de avarias excecionais que ponham em causa os serviços mínimos fixados em 1, as quais podem ser realizadas com recurso ao trabalho suplementar.
1E) As avarias em centrais são aquelas que colocam em causa o fornecimento contínuo e ininterrupto de energia às populações.
2. Os serviços mínimos fixados, por trabalho suplementar, são garantidos pelo seguinte número de trabalhadores:
a) Condução de Centrais:
Santa Maria - 2 trabalhadores por turno
São Miguel - 3 trabalhadores por turno
Terceira - 3 trabalhadores por turno
Faial- 2 trabalhadores por turno
S. Jorge - 2 trabalhadores por turno
Pico - 2 trabalhadores por turno
Flores - 1 trabalhador por turno
Graciosa - 1 trabalhador por turno
b) GESIS - Gestão do Sistema Elétrico (vulgarmente designado por despacho)
São Miguel - 2 trabalhadores por turno;
Terceira - 1 trabalhador por turno.
c) Avarias em Centrais:
Da Terceira para o Grupo Central - 2 trabalhadores;
De São Miguel para as restantes Ilhas - 2 trabalhadores.
d) Manutenção curativas das Redes e Subestações (avarias):
Santa Maria - 2 trabalhadores;
S. Miguel - 5 trabalhadores;
Terceira - 3 trabalhadores;
Graciosa - 2 trabalhadores;
S. Jorge - 2 trabalhadores;
Pico - 2 trabalhadores;
Faial - 2 trabalhadores;
Flores - 2 trabalhadores;
Corvo - 2 trabalhadores (tratam-se de colaboradores da produção que prestam serviços à direção de distribuição).
e) Deslocações entre ilhas:
Da Terceira para as restantes ilhas - 1;
De S. Miguel para as restantes ilhas - 3.
9. O árbitro da parte trabalhadora apresentou a seguinte declaração de voto
“ O direito à greve é um direito fundamental, com consagração no artigo 57º da CRP. Tratando-se de um direito fundamental, ele só pode ser limitado ou restringido no justo limite do necessário para salvaguardar outros direitos e interesses, de igual forma, consagrados na Constituição, tendo sempre em conta o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
No caso em apreço, a greve incide sobre o trabalho suplementar e às deslocações em serviço.
Quanto à greve ao trabalho suplementar, importa ter em consideração as condições em que é lícito o recurso ao trabalho suplementar. Dispõe nº 1 do art. 227º do CT, que o trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha que fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador. O nº 2 deste mesmo normativo vem acrescentar outras duas condições que justificam o recurso, pela empresa, ao trabalho suplementar, quais sejam: (i) caso de força maior; e (ii) quando indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para empresa ou para a sua viabilidade.
Durante a greve em empresas, como é o caso da EDA, que se destinam a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, o que se tem que garantir é, tão só, os serviços mínimos.
Ora, laborando a EDA com recurso de todos os seus meios humanos e em regime normal - salvo em caso de calamidade - há-de-se entender que presta os serviços mínimos. Será razoável dizer que, no dia a dia, a EDA não presta os serviços mínimos? Aliás, prestará mais do que isso e mal seria que assim não fosse.
Por isso restariam apenas as situações de calamidade carentes de prevenção. Mas em caso de calamidade, todos os trabalhadores aderentes deveriam prestar trabalho e neste sentido decidiria ..
Relativamente à greve às deslocações, é de ter presente que a greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente (cfr. nº art. 576º do CT). A greve corresponde, pois, a um "não trabalho". Ao que parece, com a greve avisada, prende-se possibilitar que o trabalhador aderente recuse fazer deslocações mas permaneça no seu posto de trabalho em funções. Mas se a greve suspende o contrato, o trabalhador, durante a greve, não pode estar em funções. Isto traduzir-se-ia numa espécie de cumprimento defeituoso do contrato, consequentemente, fora do alcance da amplitude de uma greve. Pelos motivos expostos, decidiria pela não pronuncia quanto aos serviços mínimos à greve às deslocações.
Pelas razões supra expostas, votei vencido. “
10. Em 12 de Maio de 2012 e na sequência de um pedido de esclarecimentos do SIESI, o tribunal arbitral concretizou que
“a) Os conceitos definidos no ponto V – 1B) do Acórdão, referem-se à capacidade profissional dos trabalhadores que, eventualmente, sejam chamados a substituir outros, em conformidade com os usos e práticas normais da Empresa;
b) O que consta do ponto V – 1B) do Acórdão, refere-se aos trabalhadores que por ausência necessitem de ser substituídos no período normal de trabalho ou por turno, com observância das regras de disponibilidade usadas para o regime de turno, pelo que têm de estar contactáveis no período em que não se encontrem em serviço, e de acordo com o quadro de substituções que venha a ser estabelecido;
c) Relativamente ao ponto V – 1 C) do Acórdão, o Tribunal entende que as definições constantes deste ponto não carecem de qualquer esclarecimento complementar;
d) Ponto V – 1 D), o Tribunal entende que a garantia de serviços mínimos referida em V – 1) é aquela que permite a satisfação das entidades enumeradas no ponto IV – 4);
e) O conceito reporta-se à Base IX do Decreto Regulamentar Regional nº 26-A/2000, de 12 de Setembro;
f) Quanto aos pontos V – 2, alíneas a), c) e e) não carecem de esclarecimentos complentares ao determinado no Acórdão.” (sic)
***
Tudo visto, cumpre decidir
Nos termos do disposto nos art 684º n.º 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
In casu, cumpre apreciar se o acórdão do tribunal arbitral ao ter estabelecido, como o fez, serviços mínimos, limitou o direito à greve dos trabalhadores da EDA, por se tratar de greve ao trabalho suplementar e às deslocações.
O art. 57º nº1 da Constituição garante o direito à greve.
“Como meio de “acção directa” dos trabalhadores constitucionalmente reconhecido, a greve traduz-se num incumprimento licito da obrigação de prestação de trabalho, com os prejuízos inerentes para as entidades empregadoras (interrupção da produção, risco de incumprimento de encomendas)” - sic Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira – CRP anotada, 4º edição, 2007, vol. I., pág. 751.
A greve pressupõe uma acção colectiva e concertada dos trabalhadores e a paralisação da prestação de trabalho.
A lei não restringe as formas de greve os seus modos de desenvolvimento, pelo que, entre outras, são permitidas greves às horas extraordinárias ou greves sectoriais.
“A greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador aderente…” (sic art. 536º nº1 do C.Trabalho).
O art. 537 nº1 do C.T. estabelece que “Em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no nº2 do artigo 531º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.” (sic).
Estabeleceu-se assim a possibilidade de o trabalhador que pretende fazer greve ter de assegurar os chamados “serviços mínimos”, numa compressão do referido direito à greve.
O estabelecimento de serviços mínimos tem levantado vários problemas, não sendo pacífica a sua concretização no caso real dado que a mesma é complexa e depende de pressupostos subjectivos.
Desde a aprovação da Lei da Greve, na sua versão original (1977), ocorreu o alargamento dos serviços mínimos, levantando-se o problema da sua constitucionalidade. Em 1997 foi aditado um novo nº3 ao art. 57º da CRP (cfr. art. 31º da Lei Constitucional 1/97 de 20 de Setembro), com a seguinte redacção “A lei define as condições de prestação durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (sic), o que veio ao encontro do que era a posição dominante do Tribunal Constitucional de que o direito à greve não é um direito absoluto e o seu exercício deve ser articulado com o de outros direitos também consagrados na Constituição, nomeadamente o da satisfação de necessidades essenciais de uma comunidade.
Assumindo o legislador a dificuldade de concretização do conceito de “necessidades sociais impreteríveis”, enuncia no nº2 do art. 537º do C.T. alguns dos sectores que integram empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades dessa natureza.
Citando ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, “No caso dos serviços mínimos deve ter-se em conta que há uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis” (sic ob citada, pág. 757 – sublinhado nosso)
Ou seja, havendo greve nas empresas ou estabelecimentos referidos no art. 537º do C.T. cumpre estabelecer os competentes serviços mínimos.
Trata-se de situações de conflito de direitos que devem ser resolvidas caso a caso, dizendo-nos a Constituição que os direitos dos trabalhadores não prevalecem em abstracto contra outros bens constitucionais colectivos, “designadamente os que têm a ver com serviços de primordial importância como os serviços de saúde, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de resíduos urbanos, de abastecimento de água, de outros “serviços de interesse económico geral” de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmo …. Além de ser uma dimensão organizatória e processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à segurança até ao direito à saúde e a bens essenciais” (sic Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob citada, pág. 757).
Nos termos do disposto no art. 18º da CRP, “A lei só pode restringir direitos …. nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (sic nº2). E o nº3 “As leis restritivas de direitos … não podem …. diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (sic)
A propósito da qualificação destes serviços, afirma-se no Parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público, homologado em 09-09-1982 e publicado em 08-06-1983, na parte que nos interessa:
«1 - As empresas ou estabelecimentos destinados a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a que se refere o n.º1 do artigo 8 da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, são aqueles cuja actividade se proponha facultar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva, careça de imediata utilização ou aproveitamento, sob pena de irremediável prejuízo de uma necessidade primária».
E no Parecer nº 22/89 desse mesmo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, mantendo inteira actualidade
“A qualificação dos serviços essenciais à comunidade, embora sem suficiente precisão conceitual, parte do carácter (reconhecido e indispensável) da necessidade a satisfazer e da sua correlação com os interesses e valores fundamentais da comunidade: a essencialidade dos bens e serviços liga-se ao respeito pelos direitos fundamentais, pelas liberdades públicas e pelos bens constitucionalmente protegidos.
Serviços ou sectores essenciais – que se destinem à satisfação das necessidades sociais impreteríveis – são aqueles cuja actividade se proponha facultar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva, envolvendo uma necessidade primária, careça de imediata utilização ou aproveitamento, sob pena de irremediável prejuízo.
Com a orientação destes critérios, poder-se-á dizer que o conceito (em boa medida indeterminado) de serviços essenciais, deve ser integrado por referência àqueles que, em razão da natureza dos interesses a cuja satisfação se destinem, visam a realização de direitos fundamentais da pessoa, essencialmente relacionados com a vida, a saúde, a segurança ou as mínimas condições de existência e de bem estar dos cidadãos e cuja interrupção, determinaria a impossibilidade de satisfação das necessidades fundamentais.”
De notar que, não sendo taxativa a enumeração referida no art. 537º nº2 do C.T., tal significa entre o demais, que nos vários sectores indicados, nem todas as empresas prestam serviços ou fornecem bens que se destinam às referidas necessidades sociais impreteríveis. Nestes sectores podem existir empresas que não se destinem a satisfazer as referidas necessidades.
No presente caso, não existem dúvidas de que a recorrida é uma empresa que se destina à satisfação de necessidades impreteríveis, sendo a própria lei a reconhecê-lo no art. 537º d) do CT, dado que se insere no sector da energia, com o qual estão estritamente relacionados direitos com assento constitucional como o do acesso à prestação de cuidados de saúde ou à educação ou ainda o direito ao trabalho ou até ao transporte de pessoas e bens perecíveis.
O recorrente entende que, por a greve se reportar ao trabalho suplementar e às deslocações, não há lugar à fixação de serviços mínimos.
Afirma que a decisão arbitral assenta no equívoco de que qualquer greve que tenha a ver com os sectores exemplificativamente referidos no art. 357º nº2 do CT exige a fixação de serviços mínimos.
Não se trata, porém, de um equívoco. É a lei que assim o determina – art. 537º nº1 do CT – a não ser que, como supra referimos, num dos referidos sectores existam empresas que não tenham por finalidade a satisfação de necessidades sociais impreteríveis (por ex. nos serviços de minas, tratando-se de minas de ouro certamente não estaremos frente ao referido critério). Todavia, não é o que se passa no caso sub judice em que a recorrida é a concessionária exclusiva do transporte e distribuição da energia eléctrica para a Região Autónoma dos Açores (cfr. Resolução do Governo dos Açores 181/2000 de 12 de Outubro – Jornal Oficial I série nº41).
Tal significa o fornecimento exclusivo de energia eléctrica a serviços de primordial interesse público, que asseguram necessidades básicas dos cidadãos, como hospitais, bombeiros, forças de segurança, tribunais, aeroportos, portos e terminais de contentores, empresas de transporte aéreo, marítimo e terrestre, relativas a passageiros, medicamentos e equipamento hospitalar, bem como bens alimentares perecíveis, empresas e infra estruturas de telecomunicações, indústrias, explorações agro-pecuárias, entre outros.
Cumpre ainda não esquecer que a empresa opera, a título exclusivo, num arquipélago com uma descontinuidade territorial acentuada, composto por nove ilhas com o isolamento inerente à insularidade, sendo o sistema de transporte e distribuição de energia neste condicionalismo, naturalmente complexo.
O recorrente argumenta ainda que a greve em causa não afecta o núcleo essencial dos serviços a prestar pela empresa pois não se trata de uma greve geral mas apenas ao trabalho extraordinário e às deslocações previstas no acordo de empresa.
No conceito de trabalho extraordinário – que é obrigatório nos termos do art. 227º nº3 do C.T. - cabem todas as situações de desvio ao programa normal da actividade do trabalhador, a saber, trabalho fora do horário em dia útil e trabalho em dias de descanso semanal e feriados.
Acompanhamos aqui o acórdão proferido nesta mesma secção em 12-06-2012, no Proc. 505/12.0 YRLSB – 4 e relatado pelo Juiz Desembargador José Eduardo Sapateiro, “O Sindicato apelante parece defender que a verificação de tais necessidades sociais impreteríveis depende de uma análise casuística da greve em si e das circunstâncias em que a mesma se vai desenrolar (nomeadamente, quando se integra e cumula com outras greves do mesmo ou de outros sectores, no quadro de uma greve geral), apreciação que, nessa medida, pode ser mesmo negativa (isto é, pode concluir pela inexistência, em concreto, das aludidas necessidades e, portanto, da precisão de fixação de serviços com vista a garanti-las, em termos mínimos e aceitáveis), mas tal posição não pode colher minimamente, dado essas necessidades, no caso da atividade transportadora de passageiros prosseguida pela CARRIS, resultarem automática e diretamente de lei imperativa aplicável, não podendo ser afastadas, por tal motivo e nessa medida, pela vontade dos sindicatos ou dos empregadores.

Também …, não releva saber, a posteriori e para os efeitos que aqui nos (pre)ocupam, se ocorreram ou não danos irreparáveis pelos utentes abrangidos pela greve ou se tais serviços mínimos acorreram ou não, no quotidiano da sua prestação e por força da paralisação convocada, a essas necessidades sociais impreteríveis, pois o sistema montado pelo legislador é, essencialmente, cautelar e preventivo (trazendo-nos à lembrança a figura dos procedimentos cautelares, com a sua aparência de direito e o periculum in mora), visando reduzir a limites socialmente toleráveis e aceitáveis as consequências, inevitáveis e legítimas, das greves promovidas em tais empresas e/ou estabelecimentos para a comunidade em geral” (sic)
Ou seja, a satisfação de necessidades fundamentais da sociedade está protegida por lei imperativa, independentemente da forma como está organizado o serviço nas empresas ou estabelecimentos que o asseguram, nomeadamente da forma como está escalonado tal serviço.
Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário – trabalho suplementar – seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos.
Assim, a lei não obsta a que haja greve ao trabalho suplementar ou às deslocações, mas também não distingue quanto à necessidade de se fixarem serviços mínimos nas situações referidas no art. 537º nº1 do C.T.
Na presente situação, os recursos humanos de que dispõe a recorrida para o exercício das suas funções passam pelo recurso ao trabalho suplementar, nomeadamente para substituição de trabalhadores em falta no período normal de trabalho, ou por força de avarias excepcionais, nos serviços de condução de centrais, gestão do sistema eléctrico, avarias em centrais, manutenção curativa das redes e subestações (avarias), e passam pela necessidade de serem deslocados funcionários entre as várias ilhas, até face à compreensível complexidade das avarias.
Face ao pré-aviso de greve ao trabalho suplementar e às deslocações, bem andou o tribunal arbitral ao fixar serviços mínimos.
***
Face a todo o exposto, nos termos dos artigos 87º nº1 do C.P.T. e 713º nº1 do C.P.C. acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por SIESI – Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, confirmando-se, nessa medida, o Acórdão do Tribunal Arbitral.
***
Sem custas no que toca ao presente recurso, dado o Apelante delas estar isento – artigo 4.º, números 1, alínea f) e 5 do Regulamento das Custas Processuais – sem prejuízo, contudo, do pagamento dos encargos devidos, nos termos do número 6 do mesmo dispositivo legal.

Lisboa, 10 de Outubro de 2012
***
Paula Santos
Alcina da Costa Ribeiro
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: