Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | RAMALHO PINTO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/18/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | I- Sendo o crédito do trabalhador, reclamado em acção intentada contra uma empresa declarada insolvente, posterior ao termo do prazo para a reclamação de créditos no processo de insolvência, verifica-se a inutilidade superveniente da lide naquela acção. II- Só mediante a propositura da acção prevista no artº 146º, nº 1, do CIRE, intentada contra a massa insolvente, os credores graduados e o devedor, poderá esse trabalhador obter o reconhecimento do seu crédito. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: JOSÉ … veio instaurar, no 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção com processo comum, contra CINEMAS …, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento pela Ré, e em consequência, a condenação desta a reintegrá-lo, ou caso opte nesse sentido, a pagar-lhe uma indemnização substitutiva da reintegração, bem como a condenação da Ré a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas, uma indemnização por danos não patrimoniais, juros de mora e uma sanção pecuniária compulsória. Alegou, entre outros factos, que, por decisão datada de 19 de Agosto de 2005, e recebida pela Autora em 22 do mesmo mês, foi objecto de um despedimento. Esse despedimento é ilícito, dado que, por um lado, o processo disciplinar instaurado padece de nulidades insupríveis e, por outro, não praticou factos consubstanciadores de justa causa. A Ré contestou oportunamente a acção, concluindo pela improcedência da mesma, salvo no que toca à retribuição de Agosto de 2005. Por sentença do 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 9/6/2005, certificada a fls. 166 a 187, foi declarada a insolvência da Ré. Tendo havido oposição por embargos, tal sentença transitou em julgado em 28/11/2005. O prazo para reclamação de créditos terminou em 31/7/2005, conforme informação de fls. 188. Foi proferido saneador / sentença, nos seguintes termos: “Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum nº 3377/05.8TTLSB, em que são AUTOR: JOSÉ … e RÉ: CINEMAS … … pediu aquele que o Tribunal declare ilícito o seu despedimento pela R., e em consequência, condene esta a reintegrá-lo, ou caso opte nesse, sentido, a pagar-lhe uma indemnização substitutiva da reintegração, bem como a condenação da R. a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas, uma indemnização por danos não patrimoniais, e juros de mora, e ainda a condenação da R. numa sanção pecuniária compulsória. Entretanto veio a apurar-se que a R. foi declarada falida por sentença transitada em julgado, e que o prazo de reclamação de créditos já terminou. Como é sabido, se é certo que o art. 88º do C.I.R.E.F. estabelece que a declaração de insolvência obsta à instauração ou prosseguimento de execução ou contra o insolvente, não dispõe expressamente no que diz respeito ao destino das acções declarativas intentadas contra este, embora o art. 86º do mesmo Código estabeleça que as mesmas podem ser apensadas à falência, caso o administrador o requerida, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo. Não sendo tal apensação requerida, haverá que ter presente que, nos termos do disposto no art. 128º do mesmo Código, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que decretou a insolvência, tendo tal prazo no caso concreto sido fixado em 30 dias. Ora, reclamados tais créditos, serão os mesmos objecto de verificação e graduação - art. 130º, nº 3 do C.I.R.E.; e, posteriormente, só mediante a propositura de acção intentada contra os credores graduados poderá qualquer outro credor obter o reconhecimento do seu crédito para pagamento à custa da massa falida - art. 146º do mesmo Código. De todo o exposto decorre, pois que não tendo sido solicitada a remessa dos presentes autos para apensação aos autos de insolvência, somente reclamando o seu crédito por uma das referidas formas poderá qualquer credor ver satisfeito o seu crédito. Daí que, no caso em apreço, seja de concluir que ainda que obtenha ganho de causa, a sentença condenatória eventualmente proferida nestes autos é inexequível. Assim sendo, é inequívoco, que no caso dos autos o A. já não poderá através desta acção atingir o efeito jurídico que com a mesma pretendia. Pelo exposto, ao abrigo do estatuído no art. 287º, al. e) do C,.P.C., julgo extinta a instância nestes autos, por inutilidade superveniente da lide. Custas pela massa falida da R. (art. 447º, 2ª parte, do C.P.C.). Notifique, sendo a R. na pessoa do seu liquidatário judicial, e registe”. x Informado com tal decisão, veio o Autor interpor recurso, que foi admitido como agravo, formulando as seguintes conclusões: ……………….. Não foram apresentadas contra contra-alegações.O Sr. Juiz sustentou o seu despacho. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir x Como factos relevantes para a decisão temos os que constam do relatório deste Acórdão. x A questão a resolver é a de saber se se verificou a inutilidade superveniente da presente lide. x Vem o agravante reagir contra a sentença proferida em 1ª instância, que declarou a inutilidade superveniente da lide, por ter sido declarada a insolvência da Ré. Sustenta que não se verifica essa inutilidade, argumentando que: - o seu crédito, derivado do que considera um despedimento ilícito, só se venceu após a cessação do contrato de trabalho, que ocorreu em momento posterior ao do prazo para a reclamação de créditos no processo de insolvência.; - para a declaração da ilicitude do despedimento só é materialmente competente o tribunal do trabalho; - os vínculos laborais mantêm-se, mesmo após a declaração de insolvência; - assiste-lhe o direito a obter uma sentença que o declare reintegrado, no que fica impedido pela sentença recorrida, em claro desrespeito do artº 20º da Constituição e do artº 2º do C.P.C. Todavia, ao desenvolver esta sua argumentação, parece que o agravante não leu devidamente a sentença recorrida que, apesar de sintética, aborda correctamente a problemática. Tem o agravante razão em duas coisas: A primeira que, de harmonia com o disposto nos artºs 277º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE, aprovado pelo DL 53/2004, de 18/3) e do artº 391º do Cod. Trabalho, a declaração de insolvência não tem qualquer efeito na manutenção dos vínculos jurídico-laborais; - a segunda que o seu eventual crédito sempre será posterior ao termo do prazo para a reclamação de créditos no processo de insolvência - com efeito, esse termo ocorreu em 31/7/2005, e a Autora recebeu a comunicação de despedimento em 22/8/2005. Acontece, porém, que nunca será através desta acção que a Autora logrará obter o efeito pretendido de declaração de ilicitude do despedimento e sua reintegração, bem o restante peticionado. Isto porque é o que resulta do CIRE, designadamente das disposições que se irão referir. No âmbito de tal diploma, há que distinguir se o crédito é anterior ou posterior ao termo do prazo para a reclamação de créditos na sequência da declaração de insolvência. No primeiro caso, temos que, de acordo com o artº 88º, nº 1, a “declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”. Já quanto às acções declarativas, não contendo tal diploma legal norma idêntica, o artº 85º, nº 1, determina que, “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”. E repare-se que se não põem aqui problemas de competência em razão da matéria, dado que a lei fala em todas as acções, independentemente do tribunal onde corram. Argumento que é reforçado pelo disposto no nº 3 do artº 86º. Se não for pedida a apensação, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nos termos e com o formalismo previsto no artº 128º. Se a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra a massa insolvente, tal significa que mesmo no caso de procedência da acção declarativa a sentença não poder ser dada à execução para cumprimento coercivo. Acresce que, segundo determina o nº 3 desse artº 128º, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. Face a esta norma, parece evidente que por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na insolvência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, assim demonstrando o credor que está interessado na sua satisfação, de harmonia com o que vier a decidir-se na sentença de verificação e graduação dos créditos (artº 140º). Sucede que, embora com as adaptações e especialidades inerentes à insolvência já decretada, a reclamação estrutura-se como uma verdadeira e própria acção declarativa, isto é, como uma causa na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na acção declarativa (artºs 130º e seguintes). Afigura-se, deste modo, que a reclamação legalmente desencadeada no âmbito da insolvência determina a inutilização superveniente da instância declarativa, na justa medida em que o fim visado por este processo fica "consumido" e "prejudicado" por aquele. É certo que no processo de reclamação o trabalhador poderá ser confrontado com a contestação, não apenas da entidade patronal, mas também de todos os outros credores reclamantes, e ainda com o parecer eventualmente desfavorável da comissão de credores (artº 135º), factos que, teoricamente, são susceptíveis de dificultar o reconhecimento do seu direito. Isso, porém, é uma consequência inelutável do estado de insolvência judicialmente reconhecido e declarado, à qual nem o trabalhador, nem qualquer outro credor que pretenda ver o seu crédito satisfeito pode escapar (citado artº 128º, nº 3). A lei não estabelece nenhum tratamento desigual infundado entre credores consoante tenham ou não, anteriormente à declaração de falência, intentado acção declarativa visando o reconhecimento do mesmo crédito posteriormente reclamado no âmbito do processo de insolvência. No caso de o nascimento do crédito apenas ocorrer após o termo do prazo para a reclamação de créditos, obviamente que não podia ser legislativamente descurado o legítimo interesse do credor. Daí que o artº 146º, nº 1, estabeleça que: “ Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por éditos de 10 dias. Como se diz na sentença recorrida, posteriormente ao termo do prazo das reclamações, só mediante a propositura da acção prevista em tal disposição legal, intentada contra a massa insolvente, os credores graduados e o devedor, poderá qualquer outro credor obter o reconhecimento do seu crédito. Assim sendo, nunca através da presente acção poderia o agravante obter tal desiderato, sendo necessário que intente aquela outra prevista nesse artº 146º, no prazo previsto na al. b) do seu nº 2, que correrá por apenso - artº 148º, não se pondo, por isso e também aqui, o problema da competência material, e não ficando prejudicado no seu legítimo direito de obter uma decisão judicial que, se for caso disso, decrete a sua reintegração e reconheça todas as consequências legalmente previstas para a declaração de ilicitude do despedimento. E sendo esta a solução legal, é óbvio que não encontram aqui aplicação as soluções preconizadas nos arestos citados pela agravante, por sinal todos anteriores à entrada em vigor do CIRE. Pelo que improcedem as conclusões do recurso. x Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pelo agravante. Lisboa, 18 de Outubro de 2006 |