Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7598/12.9TBCSC-A.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e no art.º158.º (actual art.º 154.º) do Código de Processo Civil. II-O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito.
III-E este princípio aplica-se a todas as decisões que incidam sobre qualquer pedido controvertido, incluindo, por conseguinte, a decisão a que respeita os presentes autos - regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais - por força do princípio da aplicação subsidiária do código de processo civil, estabelecido no art.º 161.º da OTM.
IV-A decisão recorrida é totalmente omissa na referência às razões que, à luz dos princípios legais aplicáveis, – a defesa do superior interesse da criança – justificariam a mesma. Logo, é nula, por força do disposto no art.º 668.º n.º 1 b), actual art.º615.º n.º1 b) do Código de Processo Civil.
V- O regime de residência alternada não é, normalmente, o mais adequado no caso de conflito acentuado entre os progenitores e em que estejam em causa crianças muito pequenas.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

    I-RELATÓRIO
    BL… requereu Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais contra:
     CP…, relativamente à filha de ambos, J…, nascida a 12/09/2010.
     Alegou, em síntese, que se encontra separado da mãe da criança com quem casou em 21/07/2007. A criança encontra-se a viver com a mãe. Tem tido dificuldade em ver a filha e por isso requereu a fixação de um regime provisório das responsabilidades parentais que “sejam as melhores para a bebé”.
      Tal requerimento entrou em juízo em 16 de Outubro de 2012.
      Por despacho proferido em 8 de Fevereiro de 2013, foi fixado um regime provisório, nos seguintes termos:
       “O pai estará com a menor em fins- de- semana alternados de 15 em 15 dias, indo buscá-la ao sábado a casa da mãe às 11H00 e irá entregá-la no mesmo local às 19H00 de domingo;
       O pai pagará uma prestação de alimentos mensal no valor de € 125,00, mediante transferência bancária para a conta da mãe, até ao dia 8 de cada mês.
       O presente regime entra em vigor de imediato, sendo que o primeiro fim- de- semana com o pai será o de 9/10 de Março”.

       Notificada do supra mencionado regime provisório, a Requerida veio requerer a suspensão do início da vigência desse regime provisório e a notificação do Requerente para entregar o passaporte da criança à Requerida. Fundamentou o seu pedido no receio de que o pai da criança concretizasse as ameaças que lhe fazia de não lhe entregar a criança, levando-a para fora do país.
       Entretanto, como o requerimento por si apresentado não foi objecto de apreciação pelo Tribunal, em tempo útil, ou seja antes da entrada em vigor do referido regime provisório, a Requerida informou o Tribunal que estaria “ impossibilitada de poder cumprir o doutamente decidido a fim de salvaguardar os interesses da J…”.
        Em face do incumprimento do regime provisório por parte da mãe da criança, o pai- BL…- veio requerer “que a guarda provisória da menor fique de imediato a cargo do Requerente, passando esta a residir com o mesmo até decisão definitiva a proferir nos autos, vigorando o regime provisório nos mesmos estabelecido no que respeita às visitas maternas e pensão de alimentos, salvaguardando-se deste modo a estabilidade emocional, familiar e social da menor. Não prescindindo, caso assim doutamente não se entenda, deverá este tribunal determinar o cumprimento integral do regime provisório de visitas de forma coerciva, ainda que seja esta uma solução de último recurso, a fim de assegurar o contacto da menor com o pai”.
A mãe da criança pronunciou-se longamente contra a pretensão do pai concluindo por pedir o indeferimento da pretensão deste,” mantendo-se a guarda provisória atribuída à requerida e que o regime de visitas se inicie com a ida da criança ao sábado e entregue no mesmo dia, por um período razoável para ver como reage a J…, que o requerente entregue o passaporte e se comprometa a não reter a menor.
       No dia 9 de Abril de 2013, foi realizada uma conferência de pais, com  a presença de ambos bem como dos respectivos mandatários, não foi possível chegar a acordo e por isso, foi proferido o despacho que alterou o regime provisório anteriormente fixado e determinou o regime da residência alternada , ficando a menor a residir uma semana com o pai e uma semana com a mãe.
      É inconformada com esta decisão que a Requerida CP… vem interpor o presente recurso de apelação, concluindo no essencial o seguinte:
    1-Falta de fundamentação da decisão o que implica a sua nulidade;
       2-Nulidade da decisão um vez que a mesma violou o disposto no n.º7 do art.º 1906.º do Código Civil que determina que “ o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor”.
     Nas suas contra alegações, o Recorrido pugna pela confirmação da decisão recorrida.

       Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

       II-OS FACTOS
      Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra, destacando-se ainda o seguinte:
      1-J… nasceu no dia 12 de Setembro de 2010, em M… e é filha de BL… e de CP…, conforme certidão constante de fls. 60.
      2-Ambos os progenitores residiam no M…, na data do nascimento da J….
      3-Os pais da menor encontram-se separados e não estão de acordo sobre a forma de regular as responsabilidades parentais.
       4- Desde a separação a criança tem vivido com a mãe.
       5-Em 28 de Fevereiro de 2013 foi fixado o regime provisório, nos termos constantes de fls. 51 dos autos de que se destaca:
       “o pai  estará com a menor em fins de semana alternados de 15 em 15 dias, indo buscá-la ao sábado a casa da mãe às 11H00 e irá entregá-la no mesmo local às 19H00 de domingo”.
       6-Em 9 de Abril de 2013, foi alterado este regime, tendo sido fixado o regime provisório por despacho com o seguinte teor:
       “Pese embora já tenha sido fixado o regime provisório de fls. 51 e ss., atendendo à pretensão do pai e uma vez que pela mãe não foram invocados quaisquer factos impeditivos da implementação do regime de residência alternada, decide-se alterar o regime fixado a fls. 51, passando a menor a permanecer com cada um dos progenitores em semanas alternadas, iniciando-se as semanas a cada sexta-feira e devendo o progenitor a que estiver atribuída tal semana, ir buscar a menor ao estabelecimento de ensino/ jardim de infância, no fim das actividades da menor.
      Iniciando-se o presente regime, já no próximo dia 12 de Abril, devendo o pai ir buscar a menor à creche que a mesma frequenta, pelas 17.00 horas.
       Notifique o estabelecimento identificado a fls. 70 do presente regime, remetendo cópia do mesmo via fax.

       III-O DIREITO

      Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
      1-Saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
       2-Saber se a decisão recorrida consubstancia uma violação do disposto no art.º1906.º n.º 7 que determina que “ o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor”.
      3-Em caso de anulação de decisão, apreciação do objecto do recurso.

       A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e no art.º158.º (actual art.º 154.º) do Código de Processo Civil.
       O art. 205º, nº 1 da Constituição da República diz-nos que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
      Por sua vez o art.º 158.º (actualmente art.º 154.º) do Proc. Civil estabelece o seguinte: «1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição
 É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação.
Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça”[1]
 O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito [2].
       E este princípio aplica-se obviamente a todas as decisões que incidam sobre qualquer pedido controvertido, incluindo por conseguinte a decisão a que respeita os presentes autos, por força do princípio da aplicação subsidiária do código de processo civil, estabelecido no art.º 161.º da OTM. e não obstante tratar-se de um processo de jurisdição voluntária[3] que, portanto não está sujeito a critérios de legalidade estrita, mas a critérios de  conveniência e oportunidade.
      Não havendo dúvidas sobre a imposição legal da fundamentação da decisão em causa, importa verificar se a mesma está ou não fundamentada.
       Recapitulemos o teor da decisão impugnada:
       “Pese embora já tenha sido fixado o regime provisório de fls. 51 e ss., atendendo à pretensão do pai e uma vez que pela mãe não foram invocados quaisquer factos impeditivos da implementação do regime de residência alternada, decide-se alterar o regime fixado a fls. 51,[4] passando a menor a permanecer com cada um dos progenitores em semanas alternadas, iniciando-se as semanas a cada sexta-feira e devendo o progenitor a que estiver atribuída tal semana, ir buscar a menor ao estabelecimento de ensino/ jardim de infância, no fim das actividades da menor.
      Iniciando-se o presente regime, já no próximo dia 12 de Abril, devendo o pai ir buscar a menor à creche que a mesma frequenta, pelas 17.00 horas”.
       Da leitura da decisão ora recorrida, verifica-se que a mesma não contém qualquer fundamentação, quer fáctica, quer jurídica, que possa justificar as opções que foram tomadas, designadamente:
      (i)A razão pela qual se mostrou necessário alterar o regime provisório que já tinha sido fixado, pouco mais de um mês antes.
       (ii)Tal pressuporia a verificação, por um lado, de que o regime provisório anteriormente fixado não se tinha mostrado adequado à defesa dos superiores interesses da criança e a referência, por outro lado,  ao motivo pelo qual o regime da residência alternada, agora instituído, seria o adequado para cumprir tal finalidade.
      É, por isso, totalmente desconhecido o percurso lógico que conduziu à decisão.
      A decisão recorrida é totalmente omissa na referência às razões que, à luz dos princípios legais aplicáveis, – a defesa do superior interesse da criança – justificariam a mesma.
      Com efeito, na decisão recorrida diz-se apenas que “atendendo à pretensão do pai e uma vez que pela mãe não foram invocados quaisquer factos impeditivos da implementação do regime de residência alternada, decide-se alterar (…)”
      Ou seja, para o Tribunal a quo bastou que o pai tivesse exposto a sua pretensão e que a mãe não tivesse apresentado factos impeditivos dessa pretensão, para que o Tribunal, acriticamente, sem apreciar o fundamento dessa pretensão, tivesse alterado aquilo que anteriormente decidira.
       Ora, como nos parece evidente, não basta invocar a pretensão do pai, seria necessário apreciar se a pretensão do pai se coadunava com o interesse da criança. Por outro lado, não é exacto que a mãe não tenha apresentado factos impeditivos da implementação do regime da residência alternada, pois dos seus requerimentos, juntos aos autos, consta a sua preocupação, designadamente em relação à hipótese de o pai da criança a levar para o estrangeiro, contra a vontade da mãe. E por isso, solicitou providências ao Tribunal que nunca viu sequer apreciadas.
       De resto, é irrelevante que a mãe tivesse ou não apresentado “factos impeditivos” em relação à pretensão do pai. Em qualquer caso, caberia sempre ao Tribunal analisar, em concreto, qual o regime que melhor defenderia os interesses da criança. E tal não aconteceu.
       Em suma, conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma”[5].
       Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação.
       Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC.

      2-Uma vez que a decisão é declarada nula por falta de fundamentação, fica prejudicada a apreciação do segundo fundamento invocado de nulidade da decisão.
       3-Porém, face ao que se acha preceituado no art.º 715.º n.º1 do CPC (actual art.º 665.º) “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.”
       Assim, por se entender que os autos fornecem os elementos necessários para o efeito passamos a conhecer do objecto do recurso:
       A Apelante, mãe da criança pretende que se determine “um regime provisório gradual de aproximação ao pai, até se chegar a um regime de visitas de quinze em quinze dias com o pai, ou o mais amplo possível devendo a guarda ser atribuída somente à Requerida
       Por sua vez o Apelado, pai da J…, pretende que seja mantido o regime tal como consta da decisão recorrida, ou seja a residência alternada.
       Importa pois decidir:
      Antes de mais importa realçar o quadro legal em que nos movemos, ou seja, em plena vigência da Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro que introduziu a última reforma ao Código Civil em matéria de Direito da Família[6].

        Através dela alterou-se a expressão “poder paternal” que foi substituída pela “responsabilidade parental” pretendendo focalizar o instituto na criança e nos seus superiores interesses como sujeito de direitos e não nos direitos dos pais, devendo estes assumir as suas responsabilidades com o respeito pleno dos direitos daquela, de modo a assegurar-lhes um são e harmonioso crescimento[7]. Opera-se, deste modo, uma evolução relativamente àquilo que já no âmbito da legislação anterior e da doutrina mais tradicional, se entendia ser o conteúdo e as características dos direitos pessoais familiares, verdadeiros “direitos-deveres” ou também chamados “poderes funcionais”, atribuindo um poder ao seu titular, mas impondo, ao mesmo tempo, um verdadeiro dever a esse mesmo titular[8].

        Outro traço característico desta reforma consiste em acentuar o estatuto de igualdade de ambos os progenitores definindo como regra o exercício comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta e a excepção o regime de guarda única com a entrega e a confiança do menor a um só dos progenitores.

       É o que estabelece o art.º 1906.º do Código Civil:

       “1-As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

       Por sua vez, “3-o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente ”.

            Porém, uma vez que os pais se encontram separados e muitas vezes em conflito, a questão está em saber como se concretiza na prática essa guarda conjunta de ambos os progenitores.

             Atendendo a que estamos no âmbito de um regime provisório não nos vamos alargar nos considerandos teóricos sobre os conceitos de “guarda conjunta” e “guarda alternada”.

             Ainda assim poderemos clarificar os conceitos. Assim, a vulgarmente designada “guarda conjunta” inclui uma componente jurídica – traduzida no exercício conjunto das responsabilidades parentais, por ambos os progenitores – e uma componente material, que respeita à vivência diária do filho. Nesta sede, o menor pode residir com um dos progenitores, gozando o outro de um amplo direito de visita, ou pode habitar alternadamente com ambos, de acordo com determinado ritmo temporal. Nesta última situação, “as decisões imediatas do dia-a-dia relativas à disciplina, dieta, actividades, contactos sociais, cuidados urgentes, etc. pertencem ao progenitor com quem a criança reside no momento.

            Já a denominada “guarda alternada” significa que “cada um dos pais detém a guarda da criança alternadamente”, exercendo, no período de tempo em que detém aquela guarda, “a totalidade dos poderes-deveres integrados no conteúdo do poder paternal, enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância”[9].

Isto quer dizer que, legalmente, não existe impedimento a que, paralelamente à guarda conjunta, se fixe ao menor uma residência alternada.

Outra questão diferente é a de saber se essa residência alternada é a solução que melhor defende os interesses da criança.

            E entramos assim na análise do caso concreto:

            Residência da criança

     Estamos a tratar de uma criança – a J… – que acabou de fazer apenas três anos. À data em que foi proferida a decisão judicial ora anulada, a J… tinha apenas dois anos e sete meses.

     Como nunca é demais repetir, o principal critério orientador que deve guiar o Juiz em qualquer decisão relativa ao exercício das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança. Portanto o que importa é encontrar a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento da criança e não a solução que mais agrade a um ou aos dois progenitores. E, obviamente, para se aferir o modelo que melhor favoreça o bom desenvolvimento da criança não pode deixar de se tomar em conta as características concretas de ambos os pais e da própria criança, endógenas e exógenas, não perdendo de vista o relacionamento e a capacidade de diálogo que os progenitores apesar de separados, conseguem manter.

       Assim, tendo em conta que estamos perante uma criança que tem, nesta data, apenas três anos de idade, parece-nos evidente que necessita de estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas de forma a permitir-lhe um crescimento harmonioso. Ora, já se vê que isso não é compatível com uma situação em que a criança está uma semana a viver sob um regime em que tem um horário para dormir e na semana seguinte já tem um horário totalmente diferente, o mesmo se passando com as horas das refeições ou com o tempo em que pode ver televisão[10]. Atendendo à idade da criança, não é de todo adequado um regime em que a menor está uma semana na casa do pai e, na semana seguinte, na casa da mãe. Sobretudo quando os progenitores têm dificuldades de relacionamento como é patente nos autos e resulta das acusações que dirigem um ao outro e à desconfiança manifestada pela mãe em relação ao pai. Desconhece-se se há ou não fundamento para tal. Mas o que releva neste momento é que ela existe e inquina, por consequência, o relacionamento entre os progenitores.

        Nestas circunstâncias, será impossível os pais definirem previamente linhas comuns de orientação na educação da criança de forma a garantir que, não obstante a alternância de residência, se mantém a desejável estabilidade. Pelo contrário, o mais provável é que a referida alternância propicie as condições favoráveis para o agudizar dos conflitos entre os progenitores, com as consequências nefastas para a criança.

       Aceita-se que a residência alternada possa em alguns casos funcionar bem, garantindo um contacto equivalente entre o menor e cada um dos progenitores, mas pressupondo que exista um relacionamento civilizado entre estes e tratando-se de adolescentes ou jovens que já têm alguma autonomia e capazes de se organizar em função de hábitos já adquiridos. No caso de crianças muito pequenas, como é o caso dos autos, tal alternância é manifestamente inadequada.

       Vejamos então no caso concreto, qual dos progenitores apresentará melhores condições para garantir a prestação à criança de um projecto educativo equilibrado e as condições favoráveis a um são crescimento. É com esse progenitor que a criança deve residir habitualmente, cabendo a este o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança, nos termos do art.º 1906.º n.º3 do Código Civil.

      Não podemos perder de vista que estamos apenas no âmbito de um regime provisório e assim devemos perspectivar esta decisão.

      O facto relevante a considerar é que a criança sempre tem vivido com a mãe, tendo ficado na companhia e à guarda desta, desde a separação dos pais, não havendo notícia de qualquer facto que desabone a capacidade da mãe em garantir os cuidados adequados à sua filha. Pelo contrário, perpassa nas posições evidenciadas no processo, que a mãe está atenta às necessidades da criança e é capaz de colocar os interesses da filha à frente das suas próprias motivações, e, por isso, defende a “gradual aproximação ao pai”. Por conseguinte, será com esta que deve permanecer em nome do seu equilíbrio e estabilidade emocional, considerando a sua tenra idade.

Direitos de visita:

       Contudo, não obstante a criança viver habitualmente com a mãe, tem direito a manter um contacto regular com o pai, porque isso favorece o seu desenvolvimento psico-afectivo de forma sã e equilibrada. Portanto, note-se bem, não é o pai que tem direitos sobre a filha é a filha que tem direito a estar com o pai e é dos direitos da criança que estamos aqui a tratar, não dos direitos dos progenitores. É para acentuar essa realidade que mudou a designação legal de “poder paternal” para “responsabilidade parental”. Não basta mudar as palavras, é preciso interiorizar o sentido da mudança.

      Tratando-se duma criança com três anos que recentemente se viu privada da companhia habitual do pai e com quem tem tido pouco contacto, passar um fim de semana completo com o pai, de quinze em quinze dias, num ambiente em que ela não está habituada poderá ser desaconselhável e não permite atingir o objectivo que se pretende que é de reforçar os laços afectivos entre o pai e a filha. Para este efeito e considerando a idade da criança, importa que esses períodos de contacto entre ambos sejam mais regulares, mais próximos, se repitam mais vezes, embora menos tempo de cada vez. Assim, na linha do que vem sendo exposto e nunca perdendo de vista as características psicológicas de uma criança de três anos, entendemos por adequado que a criança esteja todas as semanas com o pai durante um dia, no fim de semana, podendo alternar entre o domingo e o sábado. Seria desejável também que esse contacto se repetisse durante outro dia da semana o que significaria o pai jantar com a criança nesse dia, de forma a poder compatibilizar esse encontro com a sua actividade profissional e as actividades da criança no infantário que frequenta.

                        IV-DECISÃO

       Em função do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso da Apelante e, por consequência anular a decisão recorrida, fixando, provisoriamente a regulação das responsabilidades parentais da menor J…, nos seguintes termos:

       1.º-A menor ficará a residir com a mãe (artigo 1906.º, n.º 5 do Código Civil);

       2.º - O exercício das responsabilidades parentais da J…, nas questões de particular importância será exercido conjuntamente por ambos os pais (artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil);

      3.º A J… passa com o pai um dia, todos os fins- de - semana, sendo alternadamente sábado ou domingo. O pai deverá ir buscar a criança a casa da mãe entre as 10 e as 11 horas do respectivo dia e entregá-la à mãe, às 22 horas do mesmo dia, se for sábado e às 21horas, se for domingo.

      4.º A J… poderá ainda jantar com o pai num dia durante a semana, devendo ir buscá-la a casa da mãe, em hora a combinar com esta, e entregando-a no mesmo local à mãe, às 21 horas desse dia.

       5.º O pai deverá avisar a mãe, com 24 horas de antecedência, qual o dia da semana e a que horas vai buscar a menina para jantar.

       6.º Quanto ao mais mantém-se o regime fixado por despacho de 28 de Fevereiro de 2012.

                        Custas pelo Apelado.

                        Lisboa, 7 de Novembro de 2013

                        Maria de Deus Correia

                        Maria Teresa Pardal

                        Carlos de Melo Marinho


[1] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol.III, Almedina Coimbra, 1982, p.97.
[2] Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.
[3] Cfr. Art.º 150.º da OTM.
[4] Sublinhado nosso.
[5] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303.
[6] Acolhendo muitos dos princípios do Direito da Família Europeu Relativos às Responsabilidades Parentais, publicados em 2007, na sequência do trabalho realizado pela Comissão de Direito da Família Europeu. O objectivo desta comissão era precisamente harmonizar o Direito da Família na Europa.
[7] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-06-2012, www.dgsi.pt
[8] Antunes Varela,Direito da Família, Livraria Petrony, 1982, p.54.
[9] Vide Maria Clara Sottomayor, Regulação das Responsabilidades parentais nos casos de Divórcio, Almedina,Coimbra, 2011, 5.ª edição, p.273.
[10]Seguimos de perto aquilo que a Relatora deste acórdão já escreveu a propósito de caso semelhante, decidido recentemente, em acórdão datado de 18-03-2013, disponível em www.dgsi.pt.