Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1661/2006-5
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
REMISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: As decisões finais, em matéria contra-ordenacional, proferidas por entidade administrativa por remissão para o relatório do instrutor, são válidas não ofendendo qualquer preceito constitucional ou legal, desde que esta obedeça ao disposto no art. 58º do DL. 433/82, de 27.10.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
I
1- No 2º Juízo Criminal de Sintra, foi proferido despacho judicial, em 15.10.2004, nos autos de contra-ordenação em que C… vem impugnar a decisão administrativa, proferida pela Câmara Municipal de Sintra, que lhe aplicou uma coima de €5 000,00, por violação do disposto na al. c) do nº2 do art. 4º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo DL nº 177/01 (art. 48º, nºs. 1 e 2 al. a)).

Este despacho tem o seguinte teor (transcrição):

O recorrente veio impugnar judicialmente a decisão da Câmara Municipal de Sintra nos termos de fls. 42 e ss que aqui se dão por reproduzidos.
Mas, mais se verifica que cumpre apreciar questão prévia, de conhecimento oficioso, tendo já o MP dado a sua concordância à decisão por despacho (fls.2).
Com efeito, a Câmara Municipal de Sintra, por decisão de fls.68 dos autos, que se dá por aqui integralmente reproduzida, “em concordância com o relatório final de instrução (...) aplicou uma coima de Euros-5.000,00 (cinco mil euros)” e determinou o pagamento de custas.
Sucede que tal relatório concluía por tal coima.
O Tribunal é competente e o processo o próprio.
Mas, suscita-se, no entanto, a seguinte Questão Prévia: A da inexistência, invalidade ou irregularidade da decisão administrativa que aplicou a coima.
Esta questão, merece tratamento prioritário em relação às demais nulidades arguidas porquanto, se se concluir (como se concluirá) pela inexistência da decisão, tal facto sobrepor-se-á à força das nulidades.
Tal prioridade deriva ainda do facto de a inexistência ser de conhecimento oficioso.
Com efeito, a decisão de fls.122 tem o assinalado teor.
Ora, o artº.58º., do RGCOC tem o seguinte teor:
“1- A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2- Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do art. 59º.;
b) Em caso de impugnação judicial o Tribunal pode decidir mediante audiência, ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3- A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à entidade que aplicou a coima.”
Conforme se afere dos autos, na decisão recorrida não consta o vertido no mencionado preceito.
Para Beça Pereira, in “RGCOC Anot.”, 4ª. Ed., Junho de 2001, p.113/114, a inobservância de algum dos requisitos previstos no preceito não é sancionada com a nulidade, atento o princípio da tipicidade das nulidades e o facto de não ser aplicável por via subsidiária o disposto nos artigos 379º e 283º., nº.3, do CPP.
Assim, para o mesmo Autor, tal inobservância poderá constituir irregularidade, a apreciar nos termos do artº.123º., do CPP.
Todavia, refere ainda o mesmo que “no caso de ser proferido apenas um despacho de concordo, reportando-se a um parecer que o anteceda, estar-se-á perante uma verdadeira inexistência da decisão, visto que desrespeitou em absoluto os requisitos estabelecidos nesta norma”.
Este entendimento é perfeitamente assimilável ao sucedido nestes autos.
A decisão proferida pela CM de viola o disposto no mencionado preceito.
Poderia entender-se que a mesma remete para o relatório antecedente.
Todavia, tal remissão não é feita, pelo menos de modo expresso, mas apenas com a referência a que o mesmo “faz parte integrante da presente decisão”.
E mesmo que se entendesse haver tal remissão, tal implicaria, no fundo, uma adesão a uma proposta de decisão elaborada por quem não tem competência para proferir a decisão.
Com omissão, pela entidade decisora, do poder/dever de julgar de que está incumbida, designadamente à ponderação dos aspectos essenciais da decisão, como, v.g., o montante da coima a aplicar.
Não se olvida que a decisão de “concordo” ou de adesão ao antecedente é usual no âmbito dos actos administrativos.
Todavia, tal género de decisões é inadmissível em sede contra-ordenacional, uma vez que neste âmbito a entidade administrativa está investida de funções para - judiciais, tendo, por conseguinte, que submeter-se às exigências mínimas de fundamentação previstas, designadamente no artigo 58º.,do RGCOC.
Ao omitir essas exigências, a entidade administrativa omite qualquer juízo de facto e de direito sobre a causa.
A omissão de fundamentação de todo o modo, também é sancionada, mesmo no âmbito do direito administrativo.
Nesta sequência refere Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, p.459: “quando haja obrigação de fundamentar, o órgão competente tem de fazer a especificação concreta dos motivos, havendo vício de forma se se limitar a dizer que se baseia nos fundamentos constantes do processo”.
Ora importa atentar que a CM de Sintra nem isto fez nestes autos.
Ao que acresce o facto de em sede judicial, aplicável por via subsidiária, nos termos dos artigos 32º e 41º., do RGCOC, tal género de decisão por adesão ser inadmissível.
Não se olvida, ao perfilhar o entendimento que sanciona com a inexistência a violação do disposto no artº.58º., do RGCOC, a existência de outros entendimentos, que constituem, também eles, outras soluções plausíveis de direito.
Nomeadamente aqueles que sancionam tal violação com a nulidade, ou mesmo com a mera irregularidade.
São neste último sentido os seguintes Acórdãos que se sumariam.
A decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto no artigo 379º do Código de Processo Penal. A inobservância do disposto no artigo 58º do Decreto-Lei Nº 433/82, de 27 de Outubro, não é sancionado com nulidade, existindo uma irregularidade se a decisão não contiver algum dos elementos exigidos.-Ac. RP, (Teixeira Pinto), de 97.02.19, BMJ, 464, pág. 614.
A decisão da entidade administrativa que aplica uma coima através da simples concordância com um parecer anterior não contém os requisitos exigidos pelo artigo 58º, Nº do Decreto-Lei Nº 433/1982, de 27 de Outubro, estando ferida de mera irregularidade, não sendo, por isso, abrangida pelo disposto no artigo 379º, alínea c), com referência ao artigo 374º, Nº 2, ambos do Código de Processo Penal.-Acórdão da Relação de Coimbra, (António Marinho), de 07.07.1998, BMJ, 479, pág. 723.
A decisão condenatória da autoridade administrativa que não indique as provas encontra-se ferida de nulidade, devendo ser repetida.-Ac. RP, (Joaquim Brás), de 98.02.25, BMJ, 474, pág. 552.
Em recurso de impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, o tribunal, além de arquivar, absolver ou manter a decisão, nos termos do artigo 64º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/1982, de 27 de Outubro, pode conhecer e declarar a nulidade da decisão da autoridade administrativa.-Acórdão da Relação do Porto, (Correia Paiva), de 12.03.1997, BMJ, 465, pág. 646.
Propugnando por uma mera irregularidade pode confrontar-se ainda José Gonçalves da Costa, in “Contra-Ordenações”, p.64.
Não são estes entendimentos, todavia, s.m.o., perfilhados por este Tribunal.
Com efeito, cremos ser a solução da inexistência a correcta, sendo que idêntico juízo se faz nos Tribunais de Pequena Instância Criminal de Lisboa e Porto.
Ainda que assim não fosse, em caso de dúvida sobre a melhor solução plausível de direito a aplicar, sempre poderia o Tribunal socorrer-se do critério objectivo da escolha solução menos gravosa para o arguido/recorrente, na consagração prática do disposto no artigo 32º., nº.1, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, de que o processo criminal (e “mutatis mutandis” o contra-ordenacional) assegurará todas as garantias de defesa.
Ao não optar pela solução da inexistência, poderia entender-se que este Tribunal teria incorrido em inconstitucionalidade.
Este Princípio Constitucional tem aplicação ainda no caso idêntico do princípio “in dubio pro reo”, o qual tem aplicabilidade no apuramento da matéria de facto, e também em matéria de causas de justificação, conduzindo necessariamente à absolvição do arguido.
Isto no sentido de que o “non liquet” em matéria de causas justificadoras sempre aproveita ao arguido.
Uma vez que a dúvida fundada sobre elementos de uma causa de justificação é equivalente à dúvida sobre a verificação dos factos ou sobre a incriminação.
Com efeito, diz-nos Taipa de Carvalho (in “Legítima Defesa”, p.162): “O Princípio In Dubio Pro Reo” aplica-se aos elementos do tipo justificador na mesma medida em que se aplica aos elementos do tipo legal em sentido estrito”.
Castanheira Neves diz-nos também que “o arguido não será condenado se não obtiver a prova dos fundamentos da justificação”.
E Figueiredo Dias que “o Princípio In Dubio Pro Reo” aplica-se sem qualquer limitação, e não apenas aos elementos fundamentadores da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (...).
Em todos os casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta, no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Ou seja, ter dúvidas sobre a verificação da legítima defesa ou qualquer outra causa de justificação conduz ao mesmo resultado que a prova da sua existência, pelo funcionamento do Princípio In Dubio Pro Reo – a absolvição do arguido.
Neste sentido, cfr., ainda, v.g., o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/12/82, in BMJ, 322, p.281: “Se o julgamento criar no Tribunal dúvida razoável sobre uma dirimente, deve o réu ser absolvido, por força do Princípio In Dubio Pro Reo”.
Este raciocínio teria de ser equacionado nos presentes autos, porque se se ampliou o domínio de aplicação do “in dubio” desde a apreciação da matéria de facto relativa ao tipo incriminador, até à apreciação da matéria de facto relativa às causas de exclusão da ilicitude, do mesmo modo também é legítimo fazer funcionar, já não o “in dubio”(aplicável apenas em matéria de facto), mas o princípio constitucional das garantias de defesa de que este é corolário, não no sentido de uma extensão da sua aplicabilidade, mas no sentido, apenas e tão-só, da sua efectiva aplicação (em matéria de direito).
Termos em que se declara a inexistência da decisão da entidade administrativa que aplicou a coima.
(…)

2- O Ministério Público veio interpor recurso deste despacho, tendo apresentado as seguintes conclusões que se transcrevem:

I- O Mmo Juiz declarou inexistente na decisão que aplicou uma coima ao recorrente, nos termos do art. 58º do R.G.C.O., por ser necessário incluir na decisão a descrição factual e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando uma mera remissão para qualquer outra peça processual e tal não ter acontecido.
II- A decisão administrativa colocada em crise pelo Mmo. Juiz diz:
Nos termos do disposto no art. 58º do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto - Lei 356/89, de 17 de Outubro e pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro) determino, em concordância com o Relatório Final, o qual faz parte integrante da presente decisão, aplicação de uma coima no valor de Euros 5 000,00.
III- Tal decisão foi regularmente notificada ao arguido com cópias do relatório final para que se remete, respeitando este os elementos a que alude o art. 58º do R.G.C.O., pelo que ficou o arguido ciente do conteúdo integral da decisão, quer ao nível da parte decisória, quer ao nível dos fundamentos.
IV- As decisões finais proferidas por entidade administrativa de natureza contra-ordenacional, por remissão para o relatório do instrutor, são válidas por não ofenderem qualquer preceito constitucional ou legal;
V- Ainda que inexistentes ou nulas fossem, tratar-se-ia de uma nulidade relativa ou anulabilidade, ou eventualmente irregularidade inconsequente, razão pela qual, não podia o Mmo. Juiz dela ter tomado conhecimento, por não ser de conhecimento oficioso (v. art. 41-1 do DL 433/82 de 27.10 e arts. 118-1-2, 119, 120, 118-2 e 123 do CPP)
VI- O recorrente não suscitou no seu recurso, a questão em apreço, pelo que, não constituindo a mesma uma nulidade absoluta, o Mmo. Juiz, extravasou do objecto do recurso.
VII- Assim a douta sentença violou as disposições supra citadas e ainda o disposto no art. 58 e art. 64 do DL 433/82 de 27/10, pelo que deverá ser substituída por decisão que prosseguindo os autos julgue o objecto do recurso.
(…)

3-O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito suspensivo. Foi proferido despacho de sustentação.

4- Os autos subiram a este Tribunal, onde na vista a que corresponde o art. 416º do CPP, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta emitiu o seguinte Parecer que se transcreve:


I. QUESTÃO PRÉVIA
Do efeito do recurso
Nada obsta ao conhecimento do recurso, atenta a tempestividade da sua interposição, a recorribilidade da decisão e a legitimidade do recorrente – cfr. arts. 399º., 400º., 401º., nº.1 al.a) e 411º. do C.P.P.
Embora o regime de subida imediata se encontre correctamente fixado – cfr. art.407º., nº.1 al.a) do mesmo diploma – deveria ter-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo, por força do estabelecido no art.408º. a contrario do Código de Processo Penal.
Esta questão deve ser verificada e suscitada em exame preliminar (cfr. art.417º., nº.3 al.b) do C.P.P.) e decidida em conferência (cfr. art.419º., nº.3 do referido Código).

II. Do objecto e fundamentos do recurso
Acompanhamos, no seu núcleo essencial, a fundamentação constante das motivações de recurso apresentadas pelo Ministério Público em 1ª. Instância, levando-nos a que emitamos parecer no sentido da procedência do interposto recurso.

Acrescentar-se-à que, no sentido propugnado pelo Ministério Público nas respectivas motivações de recurso – de que a decisão final da autoridade administrativa, tomada por remissão para a proposta do instrutor do processo, desde que esta obedeça ao disposto no art.58º. do DL nº.433/82, de 27 de Outubro não viola qualquer preceito legal – podem citar-se inúmeras decisões jurisprudenciais das quais seleccionámos algumas das mais recentes e expressivas, conforme adiante segue, por ordem cronológica:
- ACRP de 25.02.02 (P.0141572, Rel.:-Machado da Silva), disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “ I - Não é nula, por falta de fundamentação, a decisão administrativa, em processo contraordenacional, que dá como reproduzida a proposta de decisão elaborada pelo instrutor do processo, por conter todos os elementos referidos no artigo 58 do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro.

II - No procedimento administrativo é normal que a decisão seja feita, por adesão à proposta de decisão do instrutor do processo, forma que a Lei, não proíbe” (sublinhados nossos).

- ACRP de 31.03.03 (P.0242514, Rel.:-Fernanda Soares), disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “ I - A lei não proíbe que a decisão final da autoridade administrativa, proferida em processo de contra-ordenação, seja feita por adesão à proposta do instrutor do processo, desde que esta obedeça ao disposto no artigo 58 do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro.

II - Não tendo a decisão final sido notificada ao arguido, acompanhada da proposta do instrutor do processo, está-se perante apenas uma irregularidade, sanável a todo o tempo com a sua devolução à autoridade administrativa” (sublinhados nossos).

- ACRP de 09.02.04 (P.0345075, Rel.:-Ferreira da Costa), disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “ I - A decisão da autoridade administrativa pode ser feita por remissão para a proposta do instrutor do processo.

II - A aplicação do artigo 125 do Código de Procedimento Administrativo no processo de contra-ordenação não viola o disposto no artigo 165 n.1 alínea d) da Constituição” (sublinhados nossos).

- ACRE de 02.03.04 (P.159/04-2, Rel.:-Chambel Mourisco), disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “ 1. O art.58º. do RGCO, não afasta a possibilidade de a entidade decisora nos processos de contra-ordenação, remeter para a proposta elaborada pelo instrutor do processo;

2. O art.58º do DL nº 433/82, de 27/10, interpretado no sentido de permitir a remissão para a proposta de decisão não viola o art. 32º., nº.10 da CRP;

3. As decisões condenatórias das autoridades administrativas proferidas em processo contra-ordenacional por remissão para a proposta formulada, nos termos do art.125º. do CPA, são válidas;

4. O art.125º. do CPA interpretado no sentido de ser aplicado ao processo de contra-ordenação não é inconstitucional;

5. O acto de confirmação de um auto de notícia é um mero acto de verificação formal da legislação invocada que prevê a infracção e pune o respectivo comportamento e ainda um controle com vista a ser conseguida a igualdade de tratamento na interpretação jurídica das respectivas normas;

6. O facto da entidade que confirmou o auto ter proferido a decisão administrativa não viola o princípio da imparcialidade da administração pública consagrado no art. 266º., nº.2 da CRP, nem o regime devidamente adaptado que resulta dos artigos 39º., nº.1, al.c) e 40º. do CPP e 41º., nº.2 do RGCO” (sublinhados nossos).

- ACRL de 13-10-2005 (Proc.7612/05-9ª.Secção, Rel.:- Carlos Benido)), disponível em www.pgdlisboa.pt, de acordo com o qual “ 1. O art.58º. do RGCO, não afasta a possibilidade de a entidade decisora nos processos de contra-ordenação, para fundamentar a aplicação da sanção, remeter para a proposta elaborada pelo instrutor do processo.

2. O art.58º do DL nº.433/82, de 27/10, interpretado no sentido de permitir a remissão para a proposta de decisão, não viola o art. 32º., nº.10 da CRP.

3. Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa in 'Contra-Ordenações, anotações ao Regime Geral, 2ª. ed. Pág. 334, em anotação ao artº.58º. do RGCO, 'os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas aplicáveis em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.'

4. A lei não define qual o âmbito ou rigor de fundamentação que deve presidir à decisão administrativa de condenação. Em todo o caso, face à especialidade processual da contra-ordenação, conforme vasta jurisprudência, 'não se impõe aqui uma fundamentação com o formalismo e rigor que se exige na elaboração de uma sentença judicial, observando-se o artº.374º., nº.2 do CPP, por várias razões, a saber:

a)- porque se trata de uma decisão administrativa, assente num ilícito contra-ordenacional e não em ilícito penal;

b)- tal decisão, quando impugnada judicialmente, converte-se, para todos os efeitos, numa verdadeira acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (cfr. art.62º., nº.1 do RGCO).

5. Não faz sentido, pois, que uma decisão possa adquirir a função de acusação e, simultaneamente, deva obedecer aos requisitos da sentença penal.

6. Daí que, uma decisão administrativa que fundamente a aplicação da sanção, baseando-se no 'relatório final de instrução', para cujo conteúdo remete, satisfaz integralmente o dever de fundamentação, ainda que o tenha feito por remissão.

7. É que tal 'relatório' é bem explícito quanto à enumeração dos factos imputados ao arguido, à indicação das provas obtidas e à indicação das normas violadas e penas aplicáveis. O que quer significar que o arguido, sem qualquer dificuldade, pôde, face à decisão da entidade administrativa, exercer, plenamente, o seu direito de defesa, conforme o artº.32º, nº.10 da Constituição.

8. Finalmente, porque não há norma que proíba aquela remissão, através da qual não se suscitam dúvidas sobre o processo e justificação decisória da condenação, a decisão em causa não enferma de qualquer vício, maxime por falta de fundamentação, geradora de nulidade” (sublinhados nossos).

Acresce referir que também o Tribunal Constitucional se pronunciou, repetidas vezes (cfr. ACs.nºs.50/03, 62/03, 136/03 e 174/03, datados de, respectivamente, 29.01.03, 04.02.03, 18.03.03 e 28.03.03), no sentido de a disciplina do art.125º. do Código de Procedimento Administrativo ser aplicável à fase administrativa do processo contra-ordenacional, sendo que tal nada tem de inconstitucional, nomeadamente por não afrontar o referido art. 165º., nº. 1, al.d), da CRP.

Tais decisões estribam-se na circunstância de, como é sabido, o processo contra-ordenacional assumir estruturalmente uma especial natureza mista, com uma clara feição de procedimento administrativo até à fase judicial, de que é clara evidência, v.g., a circunstância de a apresentação dos autos ao Juiz, pelo Ministério Público, valer como acusação e a impossibilidade de recurso hierárquico da decisão cominatória – vide arts. 59º., nº.1, 62º., 66º. e 74º., nº.4, do DL. 433/82, de 27 de Outubro – pelo que sempre será de admitir-se o recurso à disciplina e princípios que genericamente regem esse tipo de procedimento (designadamente a observância e aplicação supletiva das regras do Código de Procedimento Admistrativo), na fase em que o processo se desenvolve no âmbito puramente administrativo, ou seja, até ao envio dos autos ao Ministério Público.

Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso merece provimento, sendo de revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, determinando o prosseguimento dos autos, aprecie as demais questões suscitadas no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa.


5- Foi proferido exame preliminar, onde se verificou a questão prévia suscitada pela Exma. Procuradora – Geral Adjunta, remetendo-se a sua apreciação para conferência.

6- Colhidos os vistos, foram os autos apreciados em conferência.

II

1- A Exma. Procuradora - Geral Adjunta veio suscitar a questão prévia relativamente ao efeito atribuído ao recurso.

Como tivemos ocasião de dizer em sede de exame preliminar, relegámos a apreciação desta questão para sede de conferência.

Diga-se, desde já, que tem razão aquela Magistrada.

Embora o regime de subida imediata se encontre correctamente fixado – cfr. art. 407º, nº.1 al.a) do CPP – deveria ter-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo, por força do estabelecido no art. 408º a contrario do mesmo diploma. Ou seja, não contemplando o presente recurso nenhum dos casos enunciados no citado preceito - art. 408º- aos quais atribui efeito suspensivo, o recurso tem efeito meramente devolutivo.

Pelo que se atribui ao presente recurso efeito meramente devolutivo.


2-O objecto do presente recurso, cinge-se à discordância do MP do teor do despacho judicial supra transcrito, em que o Mmo. Juiz declarou inexistente a decisão da Câmara Municipal de Sintra de fls. 35 dos autos, por, em súmula, considerar que tal decisão viola o preceituado no art. 58º do RGCO, aderindo à tese de que “ no caso de ser proferido um despacho de concordo reportando-se a um parecer que o antecede, estar-se perante uma verdadeira inexistência da decisão, visto que desrespeitou em absoluto os requisitos estabelecidos nesta norma”.

3-Anteriormente referimos as posições assumidas nos autos, quer pelo recorrente MP, quer pela Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste tribunal. Desde já se diga que estamos de acordo com as posições assumidas por ambos os Magistrados, aderindo, nomeadamente, à vasta jurisprudência citada quer de tribunais da relação quer do Tribunal Constitucional.

4-Com efeito, estamos perante uma decisão administrativa sucinta (concordo) que remete para o parecer elaborado pelo instrutor do processo.

Aliás é prática quer na administração central, quer na local, este tipo de procedimento. O que não se mostra ilegal ou inconstitucional.

Com efeito, se em casos em que os tribunais judiciais o fazem - decisões por remissão - desde que ressalvadas todas as indicações exigidas pelos preceitos legais, o Tribunal Constitucional chamado a emitir jurisprudência sobre este tipo de decisões não as julgou inconstitucionais; não se vê, pois, que em decisões administrativas se adopte um procedimento mais rígido e solene - (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 50/03, 62/03, 136/03 e 174/03, datados de, respectivamente, 29.01.03, 04.02.03, 18.03.03 e 28.03.03), no sentido de a disciplina do art.125º. do Código de Procedimento Administrativo ser aplicável à fase administrativa do processo contra -ordenacional, sendo que tal nada tem de inconstitucional, nomeadamente por não afrontar o referido art. 165º., nº. 1, al. d), da CRP.

Em síntese, as decisões finais proferidas por entidade administrativa de natureza contra-ordenacional, por remissão para o relatório do instrutor, são válidas por não ofenderem qualquer preceito constitucional ou legal, desde que esta obedeça ao disposto no art. 58º do DL. 433/82, de 27.10.

5-Pelo que chegamos ao caso em concreto. Cumpre-nos apreciar se nestes autos, foram respeitados os direitos do arguido, ou seja, se o arguido foi notificado da decisão por remissão para o relatório do instrutor e se este continha os requisitos previstos no art. 58 do RGCO. Com efeito, para a decisão condenatória do processo contra - ordenacional ser válida, é necessário que sejam assegurados ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas aplicáveis em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.

Compulsados os autos, constata-se que tal decisão foi regularmente notificada ao arguido com cópias do relatório final para que se remete, respeitando este os elementos a que alude o art. 58º do R.G.C.O., pelo que ficou o arguido ciente do conteúdo integral da decisão, quer ao nível da parte decisória, quer ao nível dos fundamentos - cfr. fls. 30 a 41 dos autos. Aliás, como vem dito nas conclusões de recurso do MP.

Pelo que, a decisão administrativa ainda que feita por remissão obedece e respeita os direitos do arguido por ter remetido para um relatório onde constam todos os elementos necessários à sua defesa. Além de que essa decisão que integrou esse relatório foi regularmente notificada ao arguido.

Assim, carece de fundamento o despacho recorrido que declarou inexistente a decisão que aplicou uma coima ao recorrente, nos termos do art. 58º do R.G.C.O., por ser necessário incluir na decisão a descrição factual e a indicação das normas violadas e punitivas, não bastando uma mera remissão para qualquer outra peça processual e tal não ter acontecido.


III

Por tudo o exposto, acordam as Juízas deste Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, nomeadamente que aprecie as demais questões suscitadas no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa.

Sem custas.

O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou.

Lisboa, 23 de Maio de 2006

Relatora: Margarida Blasco
1ª Adjunta: Desembargadora Filomena Lima
2ª Adjunta: Desembargadora Ana Sebastião