Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3644/2006-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES
CRÉDITO
TERCEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Deve ser decretada a insolvência, por estar impossibilitado o devedor de cumprir as suas obrigações vencidas, comprovando-se um passivo de 220.202,53 e um património imobiliário penhorado com valor de mercado global de € 180.000 em fase de venda judicial.
II- Não altera o entendimento referido anteriormente a prova de que os devedores são credores de terceiro, por sentença proferida, de € 72.000, considerando que não dispõem de liquidez nem de mais nenhum património, não se podendo concluir, apenas porque são titulares de um crédito, que o virão a receber, memos que utilizem a via coerciva.
(SC
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Banco […] S.A., anteriormente designado por […] instaurou a presente acção de insolvência contra P. […] e mulher, L. […], pedindo que se declare a insolvência destes, que se considere reclamado o crédito ao banco requerente no montante de € 20.215,12, acrescidos de juros contados à taxa legal até à data da declaração da sentença de insolvência, bem assim que seja o respectivo crédito graduado no lugar devido.

Alega a requerente, em síntese que:

É credora dos requeridos, titulado por duas livranças, uma no montante de € 13.724,80, emitida em 10.07.2001 e vencida em 24.03.2004, subscrita pela sociedade […] Lda. e avalizada pelos requeridos, e outra no montante de € 5.000,00 emitida em 08.10.2002 e vencida em 08.01.2003, subscrita pela sociedade […] Lda. e avalizada pelos requeridos, a que acrescem juros moratórios vencidos, relativamente à primeira livrança, à taxa legal de 4%, desde 23/04/2004 até 07/11/2005 no montante de € 856,56 e imposto de selo de € 34,34; e no que respeita à segunda livrança, juros moratórios vencidos à taxa legal de 4%, desde 08/01/2003 até 07/11/2005 no montante de € 574,44 e imposto de selo de € 22,98

Os requeridos são sócios e gerentes da sociedade subscritora […]

Nem a sociedade nem os requeridos pagaram as livranças na data do seu vencimento, nem posteriormente, tendo o requerente intentado a acção executiva contra a dita sociedade e contra os requeridos, com vista à cobrança coerciva dos montantes em dívida, correndo tal acção termos no 3° Juízo do Tribunal […]

A dita sociedade […]., não tem qualquer actividade no local da sua sede.

O único património dos requeridos respeita à propriedade de dois imóveis: a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao R/c e 1.º andar (duplex), do prédio urbano sito […] e a fracção autónoma designada pela letra “AE”, correspondente ao 2.º andar […] do prédio urbano sito […]

Ambas as fracções estão penhoradas à ordem de processo executivo […] que corre termos […] e em fase de venda, encontrando-se também nesse processo reclamados créditos pelo Ministério Público no montante de € 303,01; pelo BIC no montante de € 79.000,92; pela Segurança Social no montante de € 3.947,87 e pelo CPP (actual Santander Totta, S.A.) no montante de € 158.599,38;

Os únicos bens que compõem o activo dos requeridos deverão ter um valor de mercado global de  € 180.000,00, sendo que na venda judicial o valor obtido será bastante inferior;

Conclui assim, que os requeridos têm um passivo de, pelo menos, € 220.202,53, encontrando-se impossibilitados de pagarem aos seus credores, designadamente ao requerente.

Os RR contestaram, alegando que:

Aceitam que tenham um passivo de € 220.202,53;

Aceitam que os imóveis que são sua propriedade, e que se encontram penhorados e em fase de venda, sejam vendidos por € 180,000,00;

Porém, têm um activo superior ao passivo, pois que a este valor dos € 180,000,00 há que somar o crédito de € 72.000,00 que os requeridos têm sobre Maria […] e Manuel […] decretado por sentença proferida nos autos […]

O valor dos imóveis (€ 180.000,00), somado ao valor do crédito reclamado nos autos […](€ 72.000,00) é igual a € 252.000,000;

Concluem, ter um activo superior ao passivo em cerca de € 32.000,00.

Teve lugar o julgamento, vindo a ser proferida sentença que, além do mais, decretou a insolvência dos requeridos.

Foram dados como provados os seguintes factos:

1- O requerente é titular de duas livranças, uma no montante de € 13.724,80, emitida em 10.07.2001 e vencida em 24.03.2004, subscrita pela sociedade […] LDA, outra no montante de € 5.000,00 emitida em 08.10.2002 e vencida em 08.01.2003, subscrita pela sociedade […]LDA.
2- Sobre os montantes referidos, peticiona o requerente juros moratórios vencidos, que relativamente à primeira livrança contabilizando juros à taxa legal de 4%, desde 23/04/2004 até 07/11/2005 no montante de € 856,56 e imposto de selo de € 34,34; e no que respeita à segunda livrança referida em contabiliza juros à taxa legal de 4%, desde 08/01/2003 até 07/11/2005 no montante de € 574,44 e imposto de selo de € 22,98;
3- Os requeridos são sócios e gerentes da sociedade subscritora […]
4- Os requeridos assinaram as livranças referidas em 1. na qualidade de avalistas.
5- Nem a sociedade nem os requeridos pagaram as livranças na data do seu vencimento, nem posteriormente, tendo o requerente intentado a acção executiva contra a sociedade subscritora e contra os requeridos, com vista à cobrança coerciva dos montantes referidos em 1. correndo tal acção termos […]
6- A dita sociedade […]não tem qualquer actividade no local da sua sede.
7- Na Conservatória do Registo Predial […] está descrita […]a fracção autónoma […] correspondente ao R/c e 1.º andar (duplex), do prédio urbano […] encontrando-se inscrita por apresentação […] a aquisição da referida fracção […], por compra, em favor dos requeridos [] casados no regime da comunhão de adquiridos.
8- Na Conservatória do Registo Predial […] concelho[…] está descrita […] a fracção autónoma designada pela letra […] do prédio urbano sito […], encontrando-se inscrita por apresentação […] a aquisição da referida fracção (inscrição G 2), por compra, em favor dos requeridos […]
9- Ambas as fracções se encontram penhoradas e em fase de venda, à ordem do processo […]  em que é exequente o Banco […]S.A., e executados a dita sociedade subscritora das livranças e os requeridos, sendo o valor da quantia exequenda de € 29.236,14.
10- Por apenso ao processo ao processo referido em 9. correu um processo de reclamação de créditos […]onde foram admitidos os créditos reclamados:
1. Ministério Público, pelo montante de € 303,01;
2. Banco Internacional de Credito, pelo montante de € 79.000,92;
3. Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Setúbal, pelo montante de € 3.947,87;  
4. Crédito Predial Português, S.A., actual Santander Totta, S.A., pelo montante de € 158.599,38.

11- O valor expectável de venda dos imóveis referidos, no processo de execução é de € 180.000,00.
12- Da quantia exequenda referida em 9. no montante de € 29.236,14, juntamente com as quantias reclamadas a que se alude em 10. de € 79.000,92, € 3.947,87 e € 158.599,38, e dos montantes referidos em 1. de € 20.215,12, resulta o montante global a pagar por parte dos requeridos aos seus credores de € 220.202,53.
13- Por decisão proferida em 28/02/2005 (já transitada em julgado), foi julgada procedente a acção ordinária […] que correu termos […] em que foram autores os ora requeridos nos presentes autos, tendo os aí réus […], sido condenados a pagar àqueles o montante de € 64.687,54 acrescido de juros.
14- Deu entrada no tribunal judicial […]a execução comum […] para pagamento de quantia certa, no montante de € 64.687,54 acrescido de juros à taxa legal de 7%, desde 30/01/2003 até 20/04/2003, contabilizados pelos aqui requeridos no montante € 1.132,03, de 4%, desde 01/052003 até 23/09/2005, contabilizados pelos aqui requeridos no montante de € 6.193,25 o que perfaz o montante global de € 72.013,82.
 15- Nesses autos de execução referidos foram nomeados à penhora:
-    a fracção autónoma […] por compra, em favor dos aí executados Maria […] e Manuel […]
- a fracção autónoma designada, por compra, em favor dos aí executados Maria […] e Manuel […]
16- Ambas as fracções se encontram garantidas por hipotecas a favor do Banco Internacional de Crédito, S.A.
17Para além dos imóveis referidos, a requerida […] aufere uma pensão mensal no montante de cerca de 900 €
18- Encontram-se por pagar nos empréstimos referidos em 16. as quantias mutuadas em valor não concretamente apurados.

                                                               *
Inconformados, recorrem os requeridos, concluindo que:

Foi dado como provado que os recorrentes são donos de dois imóveis cujo valor ascende a € 180.000,00.

Além disso são titulares de um direito de crédito fixado por sentença, que ascende a € 72.000,00.

Ou seja, os apelantes dispõem de um activo superior a € 252.000,00.

Assim, os apelantes não estão impossibilitados de cumprir as suas obrigações.

Nas suas alegações, a Aª defendeu a bondade da sentença recorrida.

Cumpre apreciar.

A questão colocada no presente recurso é bem clara: pretendem os recorrentes que os bens imóveis de que são donos bem como um direito de crédito de que são titulares, são suficientes, pelo seu montante, para cobrir as suas dívidas.

Note-se que, de acordo com o relatório do administrador da insolvência, efectuado nos termos do art.º 155º do CIRE, o total dos créditos reclamados eleva-se a € 345.537,94. Um valor bem superior, pois, ao considerado na sentença recorrida, que não ia além de € 220.202,53.

Se levarmos em conta o valor apurado pelo administrador da insolvência, torna-se imediatamente óbvio que os ora recorrentes não dispõem de património que lhes permita fazer face a tão avultados débitos.

Contudo, mesmo sem lançar mão das conclusões desse relatório, entendemos que sempre seria caso de decretamento da insolvência, nos termos em que o fez a sentença recorrida.

Desde logo, os RR não vêm cumprindo as suas obrigações, como se prova pelas execuções contra si deduzidas. A sociedade, relativamente à qual avalizaram as livranças, não tem qualquer actividade.

Verifica-se que os mesmos RR não dispõem de liquidez para solver as obrigações, escudando-se apenas nas duas fracções penhoradas e num crédito que lhes foi reconhecido por sentença transitada em julgado. Contudo, ser titular de um crédito, infelizmente, não significa necessariamente que se venha a recebê-lo, mesmo que por via coerciva. Neste momento e atendendo aos dados que constam do processo, não podemos aferir o grau de probabilidade de os devedores dos RR virem a pagar-lhes, seja por que modo for, tal quantia.

Aos imóveis que se acham penhorados foi atribuído o valor de € 180.000,00 mas não se pode garantir, neste momento, que venha a ser esse o valor pelo qual serão vendidos, no âmbito da execução acima referenciada.

E para lá disso, os RR não dispõem de qualquer outro património.

Nos termos do art.º 3º nº 1 do CIRE, é considerado insolvente o devedor “que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Verifica-se pois que os RR já não satisfazem voluntariamente os seus débitos, que a sociedade de que eram gerentes já não tem qualquer actividade e que, para responderem às dívidas objecto de diversas execuções, apenas invocam um crédito, reconhecido por sentença, é certo, mas ainda não pago – nem se sabendo se o virá a ser – e duas fracções penhoradas e cujo valor aquando da venda também não se pode ter por certo.

Para se aferir da possibilidade do devedor cumprir as suas obrigações, não deveremos pura e simplesmente alinhar valores pecuniários relativos ao seu património e os valores inerentes aos débitos e proceder depois a uma mera operação aritmética. É claro que, em caso de o património exceder largamente as dívidas, nem se porá a hipótese da insolvência. Se o devedor se mostra privado de liquidez imediata para solver as suas dívidas mas dispõe, por exemplo, de um património imobiliário, não onerado, e de valor muito superior ao dos débitos, a solução adequada não será a da insolvência mas antes a da acção executiva com penhora e posterior venda dos imóveis na medida necessária para satisfazer os débitos.

Mas em casos como o presente, há que ter em atenção a natureza dos créditos ou activos de que os RR são titulares. Para lá de, como se referiu, o valor dos imóveis já nem chegar para satisfazer os débitos não faz sentido ir adicionar o valor de um crédito judicialmente reconhecido mas ainda não satisfeito. Repare-se que os RR instauraram já a execução contra tais devedores, sendo que estes são donos de duas fracções, hipotecadas a favor do Banco Internacional de Crédito S.A Perante isto, como se compreende, torna-se algo problemática a satisfação do crédito dos ora apelantes.
Daí o ter de se concluir que, neste momento, os RR não dispõem de meios para fazer face às dívidas acumuladas, nem se perspectiva que venham a adquirir tais meios, já que a sociedade está inteiramente paralisada.

E, como também já salientámos, do relatório do Administrador da Insolvência resulta que as dívidas dos RR são muito superiores às apuradas na sentença recorrida: mesmo que os imóveis fossem vendidos pelo preço indicado, e os RR viessem a receber na totalidade o crédito de que são titulares, isso não chegaria para satisfazer os seus débitos, não existindo qualquer outro activo com significado no património dos ora recorrentes.

Acorda-se assim em julgar improcedente a apelação, confirmando-se inteiramente a douta sentença recorrida.
Custas pela massa insolvente.

LISBOA, 8/6/2006


António Valente
Ilídio Martins
Teresa Pais