Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7886/23.9T8LRS.L1-A-4
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR
PROCEDIMENTO CAUTELAR
AUDIÇÃO DO REQUERIDO
LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
CITIUS
ASSINATURA ELECTRÓNICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1–Não é nula por falta de assinatura a sentença assinada eletronicamente nos termos dos arts. 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1 CPC e do art. 19.º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08.

2–Põe em risco sério o fim ou a eficácia da providência, a audiência do requerido prévia ao decretamento de providência cautelar que visa a suspensão de sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição cuja execução teria início nove dias após a interposição do procedimento cautelar.

3–O “periculum in mora” não se basta com o perigo de demora da decisão, sendo necessário que tal perigo seja suscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável, o que tem de ser aferido em cada caso pelas consequências que a demora pode causar na esfera jurídica do requerente da providência e que tem de se consubstanciar em factos concretos.


(Sumário da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório


AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, por requerimento de 28/07/2023, instaurou contra Modelo Continente Hipermercados, S.A., procedimento cautelar comum, de impugnação judicial de decisão disciplinar, formulando os seguintes pedidos:
«a)-ser decretada sem a audição prévia da Requerida, nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 1 e 6 do CPC, uma que tal audição, atenta até a data em que a sanção será aplicada à Requerente, pode colocar em causa a eficácia da mesma;
b)-julgada procedente, por provada e, em consequência:
i)- ser declarada a suspensão imediata dos efeitos da decisão de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e de antiguidade, por 15 dias, da Requerente, e por via disso,
ii)- ser decretada a imediata reposição de pagamento, por parte da Requerida, da retribuição mensal total da Requerente (referente ao mês de agosto próximo);
iii)- ser decretada a imediata reposição do acesso ao local de trabalho e efetiva prestação de trabalho, por parte da Requerente, no indicado período;
iv)- ser a requerida condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, em valor a fixar, por cada dia que não cumpra a efetividade da providência, no caso de esta vir a ser decretada.
Alegou, em síntese, que no termo do processo disciplinar que a requerida lhe instaurou foi notificada, em 29/06/2023, da aplicação da sanção disciplinar de 15 (quinze) dias de suspensão de trabalho com perda de antiguidade e retribuição, a cumprir nos dias 07,10,11,12,13,16,17,18,19, 20, 22,23,24,25 e 26 de Agosto de 2023, considerando, contudo que o procedimento disciplinar caducou, que os factos imputados não correspondem à verdade e que, a sanção disciplinar aplicada é desproporcional à gravidade dos factos imputados, considerando o valor do prejuízo invocado pela empregadora, a repercussão pecuniária da sanção na esfera da trabalhadora e a antiguidade de 17 anos sem qualquer incidência disciplinar.
Foi dispensada a audiência prévia da requerida, bem como a produção da prova testemunhal arrolada e proferido despacho final no qual foi decido o seguinte:
«Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência:
a)-Decreto a suspensão imediata da execução da decisão de suspensão do trabalho (por 15 dias), com perda de retribuição e de antiguidade, da requerente AA, devendo a requerida “Modelo Continente Hipermercados, S.A.” abster-se de impedir o acesso da requerente ao local de trabalho e a prestação efetiva das suas funções, por motivo relacionado com o procedimento disciplinar em causa;
b)-Condena-se desde já a requerida a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 200,00 (duzentos euros) por cada dia em que a mesma não cumpra a providência decretada na alínea a), designadamente, impedindo, de qualquer modo, a trabalhadora requerente de prestar o seu trabalho e de receber a correspondente retribuição.»
Inconformada com esta decisão veio a requerida interpor o presente recurso, pretendendo que seja substituída a decisão proferida pelo Tribunal a quo por ser nula, e, caso assim não se entenda, que tal decisão seja revogada e substituída por outra que declare improcedente a providência cautelar, invocando para o efeito, em síntese, que a decisão do tribunal a quo é nula por falta de assinatura, que foi preterida a audiência prévia da requerida, que a decisão recorrida faz “tábua rasa” do “periculum em mora” como requisito essencial ao decretamento da providência, que sanção disciplinar aplicada não constitui qualquer dano significativo e irreparável para a requerente, não sendo a mesma economicamente dependente da requerida e que a sanção pecuniária aplicada não só é desproporcionada como carece, em absoluto, de fundamento fáctico, apresentando as seguintes conclusões:
«1.A decisão proferida pelo Tribunal a quo notificada à Requerida não contém assinatura, sendo, por isso, nula ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
2.Por outro lado, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 32º n.º 1 do CPT quando entendeu dispensar a audiência prévia da Requerida. Pois que,
3.A suspensão da prestação de trabalho por 15 dias, foi comunicada à Requerida no dia 29/6/2023, como consta dos factos indiciariamente provados.
4.A Requerente só agiu judicialmente passados 29 (vinte e nove) dias de ter conhecimento da sanção e do início do cumprimento da mesma.
5.Ao invés de tal inércia da Requerente ter sido devidamente sancionada, o Tribunal “fez uso” ou sustentou-se dessa inércia da Requerente para fazer precludir o direito de defesa da Requerida, consagrado no 32º n. 1 do CPT. Por outro lado,
6.No caso vertente (i) estamos perante uma suspensão da prestação de trabalho de 15 dias que corresponderia a uma dedução na retribuição da Requerente no montante de € 286,77, sendo que (ii) conforme declaração de IRS junta pela Requerente aos autos, para além do contrato de trabalho com a Requerida, a Requerente também tem contrato de trabalho com outras duas entidades, auferindo por mês e ao serviço das duas, o valor de € 1.117,01.7.No que periculum in mora se refere, a decisão proferida pelo Tribunal a quo fez tábua rasa, por completo, da necessidade da verificação de tal requisito, essencial, para o decretamento da providência em causa.
8.Desde logo e como resulta do doc. 5 anexo ao requerimento inicial e dado por reproduzido nos factos provados (ponto 2), mas também no doc. 2 anexo ao mesmo requerimento, a Requerente é trabalhadora da Requerida a tempo parcial. Mais,
9.Como se disse e conforme consta do anexo A da declaração de IRS junta como doc. 1 ao requerimento inicial, a Requerente presta trabalho subordinado às entidades com os seguintes números de identificação fiscal: 5......93 (Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A.) e 5......83 (Sodimalveira - Supermercados, Lda.).
10.Da mesma declaração de IRS anexa como doc. 1 ao Requerimento Inicial, ao serviço destas duas entidades a Requerente auferiu um total de € 15.638,14 (correspondente ao somatório de € 6.299,05 + € 3.316,33 + € 6.022,76). Assim,
11.A sanção disciplinar de suspensão de 15 (quinze) dias com perda de retribuição, em termos de rendimento mensal da Requerente, corresponderia a uma dedução de € 286,77, ou seja, significaria que ao invés da Requerente auferir o total de € 1.690,76 no final do mês, iria auferir o montante de € 1.403,98 (1.690,76 - 286,77).
12.E ainda que assim não se entendesse, no que ao alegado dano irreparável diz respeito, não foi alegada e muito menos indiciariamente provada nem consta de qualquer suporte documental, qualquer facto respeitante a alegadas despesas da Requerente que ficassem em causa por via da sanção aplicada.
13.–E essa prova incumbia à Requerente conforme já devidamente explanado em vários arestos do Tribunal da Relação de Lisboa de que é exemplo o Acórdão de 04.11.2009, no processo 2471/09.0ITLSB.L1-4 e disponível em dgsi.pt:
I-A solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos arts. 381.º e 387.º do Cód. Proc. Civil:
a)-Aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris); 
b)-Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora).
II-O juízo de verosimilhança deve aplicar-se fundamentalmente quando o juiz tem de se pronunciar sobre a probabilidade da existência do direito invocado, devendo usar um critério mais rigoroso na apreciação dos factos integradores do periculum in mora.
III-A redução de vencimentos só constitui prejuízo de difícil reparação se dela resultar a impossibilidade de satisfação das necessidades do agregado familiar do requerente.”
14.Inexiste na decisão e nos autos qualquer indício de dano irreparável ou sequer abalo na sustentabilidade da Requerente e no seu agregado familiar. Por outro lado,
15.Caso, em processo principal, viesse o Tribunal a revogar a decisão disciplinar aplicada, a Requerente iria receber o montante de 17% do seu rendimento pessoal que lhe havia sido deduzido por via da sanção, com os legais juros de mora.
16.Por fim e no que à aparência do direito se refere (único requisito ao qual o Tribunal atendeu como se de uma ação de processo comum se tratasse), cabe referir que:
a.-A função - simples - da Requerente era registar e receber o pagamento dos artigos que os clientes pretendiam comprar, função que não cumpriu;
b.-A Requerente não registou uma parte das compras (um saco de bacalhau) que correspondem, aproximadamente, a 50% do total da compra do cliente.
17.Só uma censurável falta de cuidado e de zelo da Requerente na execução do trabalho pode permitir um incumprimento desta dimensão.
18.O que está em causa é dano na confiança que o empregador deposita na idoneidade profissional do trabalhador e no cumprimento do seu trabalho e, num juízo de prognose que deve imperar na avaliação de uma sanção disciplinar, o que tem de ser pesado são as condições que sobram para a manutenção da relação laboral, quando uma operadora ao serviço numa caixa de supermercado não regista 50% do valor das compras em causa.
19.A sanção disciplinar visa, em si mesmo, punir um determinado comportamento em concreto, projetando na própria trabalhadora, mas também nos demais trabalhadores, a certeza de que o cumprimento dos seus deveres é, de facto, para ser respeitado e, a sua inobservância, tem consequências.
20.–Tal jamais sucederia se, ao comportamento em causa, correspondesse uma sanção que, por exemplo, tivesse um impacto financeiro na Requerente de valor inferior ao prejuízo que provocou à Requerida (critério que até a própria Requerente reconhece no seu requerimento não ter lugar).
21.Mediante tal factualidade, é totalmente desproporcionado concluir, indiciária e cautelarmente, que tal sanção será revogada em processo principal.
22.A sanção foi justa e adequada à culpa e a gravidade da conduta, inexistindo ainda qualquer periculum in mora na execução da sanção disciplinar.
23.E quanto à sanção pecuniária, deve a mesma ser igualmente revogada.
24.A Requerida não desrespeitou qualquer ordem judicial; não deu causa aos factos que originaram a sanção disciplinar, mais do que isso, exerceu um direito legítimo e que lhe assiste ao mover o processo disciplinar à Requerente.
25.A sanção pecuniária aplicada não só é desproporcionada como carece, em absoluto, de fundamento fáctico.»
A requerente apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência total do recurso, pelos motivos que sintetizou nas seguintes conclusões:
«1.º-A decisão proferida pelo Tribunal está assinada, não se verificando por conseguinte a nulidade constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 615.° do C.P.C.
2.- O tribunal a quo não violou o disposto no artigo 32.°, n.° 1 do C.P.T. quando entendeu dispensar a audiência prévia da Requerida.
3.- A suspensão da prestação de trabalho por 15 dias, foi comunicada à Requerida no dia 29/6/2023, como consta dos factos indiciariamente provados.
4.- A Requerente agiu judicialmente passados 29 (vinte e nove) dias de ter conhecimento da sanção e do início do cumprimento da mesma, no prazo legal de que dispunha para o efeito e quando se encontravam reunidas as condições para dar entrada da petição inicial.
5.- O tribunal não “fez uso” ou sustentou-se nesse facto para fazer precludir o direito de defesa da Requerida, consagrado no 32.° n.º 1 do CPT, limitando-se a decidir de acordo com a lei.
6.- O recorrente fez uma errada leitura do teor da declaração de I.R.S. apresentada pela requerente, pelo que a declaração de que a requerente tem contrato de trabalho com outras duas entidades, e que aufere por mês e ao serviço das duas, o valor de €1.117,01, é totalmente descabida e falsa.
7.- No que periculum in mora se refere, a decisão proferida pelo Tribunal a quo ponderou devidamente os factos e concluiu, acertadamente, pela sua existência.
8.- É verdade que a Requerente é trabalhadora da Requerida a tempo parcial.
9.- Não é verdade que a requerente preste trabalho subordinado às entidades com os seguintes números de identificação fiscal: 5......93 (Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A.) e 5......83 (Sodimalveira - Supermercados, Lda.), mas sim os seus dependentes, que consigo residem.
10.- Mais uma vez, alicerçada numa errada leitura da declaração de I.R.S. da requerente, os cálculos realizados pelo recorrente estão errados e são descabidos.
11.- A sanção disciplinar de suspensão de 15 (quinze) dias com perda de retribuição, em termos de rendimento mensal da Requerente, corresponderia a uma dedução de €286,77, ou seja, significaria que a Requerente deixaria de auferir cerca de metade do seu vencimento mensal.
12.- Basta a análise da declaração de I.R.S. da Requerente e a subsunção do teor da mesma às regras de experiência comum para se dever dar como indiciariamente provada que o prejuízo decorrente da perda de cerca de metade do valor do seu salário mensal causaria dano grave e irreparável.
13.- Essa prova foi feita pela requerente.
14.- Existe na decisão e nos autos indícios fortes de dano irreparável da Requerente e do seu agregado familiar caso fosse executada a sanção disciplinar em que a mesma foi condenada.
15.- Caso, no processo principal a intentar, venha o Tribunal a revogar a decisão disciplinar aplicada, a Requerente não iria receber tão só o alegado montante de 17% do seu rendimento pessoal que lhe havia sido deduzido por via da sanção, mas sim cerca de 50% do rendimento mensal que aufere, com os legais juros de mora.
16.- Por fim e no que à aparência do direito se refere, a apreciação do Tribunal foi correcta.
17.- Resulta por provar, para sustentar a sanção disciplinar em que a requerente foi condenada, que existe uma censurável falta de cuidado e de zelo da Requerente na execução do trabalho por conta da recorrente.
18.- Discorda-se da gravidade atribuída pelo recorrente os factos que sustentam a sanção disciplinar aplicada à requerente, mesmo que se venha a dar tal factualidade como provada em sede da acção principal.
19.- Concorda-se que a sanção disciplinar visa, em si mesmo, punir um determinado comportamento em concreto, projetando na própria trabalhadora mas também nos demais trabalhadores, a certeza de que o cumprimento dos seus deveres é, de facto, para ser respeitado e, a sua inobservância, tem consequências.
20.- No entanto, mesmo a dar-se como provados os factos que o recorrente alega que a requerida praticou, é desproporcional e desadequada a sanção disciplinar em que a mesma foi condenada.
21.- Mediante a factualidade descrita nos autos, é totalmente adequado concluir, indiciária e cautelarmente, que tal sanção será revogada em processo principal.
22.- A sanção disciplinar não foi justa e adequada à culpa e a gravidade da conduta, e existia periculum in mora na execução da sanção disciplinar.
23.- A sanção pecuniária em que a recorrente foi condenada é adequada a acautelar o não acatamento da decisão proferida pelo tribunal e o prejuízo grave que tal comportaria para a requerente, pelo que deve manter-se a mesma na íntegra.
24.- Nada a referir, por se tratar de conclusão irrelevante.
25.- A sanção pecuniária aplicada é proporcional e está sustentada nos factos dados como indiciariamente provados.»
No despacho que admitiu o recurso a Mma Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade da decisão invocada pela recorrente, concluindo que esta não padece do vício invocado de falta de assinatura.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso

Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões[1] suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1ª – a nulidade da decisão recorrida por falta de assinatura;
2ª – preterição da audiência prévia da requerida;
verificação dos requisitos para o decretamento da providência;
4.ª – se sanção pecuniária aplicada é desproporcionada e carece de fundamento fáctico.

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Fundamentação de facto

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1.A Requerida “Modelo Continente Hipermercados, S.A.”, é uma sociedade anónima que tem por objeto: “O comércio retalhista e armazenista, nomeadamente a exploração de centros comerciais, grandes armazéns, charcutarias, confeitarias, cafés, restaurantes, padarias, talhos relojoarias e ourivesarias e, ainda as indústrias de confeitaria, padaria, charcutaria e outras pequenas indústrias. A empresa tem ainda por objeto o comércio por grosso não especializado de produtos alimentares, bebidas e tabaco. A distribuição em livre serviço, vendas à distância (...)” etc. — Cf. certidão permanente, junta como doc. n.° 4, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais
2.A Requerente foi admitida em 1 de setembro de 2005, por contrato de trabalho a termo certo, para desempenhar as funções de Operador Ajudante l.° ano, por conta e sob a autoridade e direção da Requerida — cf. contrato de trabalho e aditamentos, junto como doc. 5.
3.O operador de loja é o: “Trabalhador que no Supermercado ou Hipermercado, Alimentar ou não Alimentar, desempenha de forma polivalente, todas as tarefas inerentes ao bom funcionamento das lojas, nomeadamente entre outros, aqueles ligados com a receção, marcação, armazenamento, embalagem, reposição e exposição de produtos, atendimento e acompanhamento de clientes. E também responsável por manter em boas condições de limpeza e conservação, quer o respetivo local de trabalho, quer as paletas e utensílios que manuseia. Controla as mercadorias vendidas e o recebimento do respetivo valor. Pode elaborar notas de encomenda ou desencadear, por qualquer forma, o processo de compra. Faz e colabora em inventários. Mantém atualizados os elementos de informação referentes às tarefas que lhe são cometidas. Desempenha funções de apoio a Oficiais de Carnes, Panificação, Manutenção e outros. Pode utilizar e conduzir aparelhos de elevação e transporte.” (Vide CCTV APED)”. Cf. informação adicional do contrato junto.
4.A Requerente a partir de 01.09.2007, passou a integrar o quadro de trabalhadores permanentes desta empresa, sendo a sua data de antiguidade retroativa a 01.09.2005 (cf. doc. 6).
5.A Requerente possui atualmente a categoria profissional de “Operadora Especializada” e presta o seu trabalho na loja “Continente”, sita em Loures. (cf. doc. 10)
6.Por carta registada com AR datada de 02/05/2023, foi a Requerente notificada da nota de culpa referente aos factos que lhe são imputados no processo disciplinar, cf. doc. 7, juntos e que se dão por totalmente reproduzidos;
7.Tendo a Requerente apresentado a sua defesa (cf. doc. 8 junto e que se dá por totalmente reproduzido).
8.Concluído o processo disciplinar, através de decisão notificada à Requerente em 29/06/2023, foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de 15 (quinze) dias de suspensão de trabalho com perda de antiguidade e retribuição, a cumprir nos dias 07,10,11,12,13,16,17,18,19, 20, 22,23,24,25 e 26 de agosto de 2023, cf. doc. 9 e 10.
9.A decisão disciplinar baseou-se na factualidade alegada e que é a seguinte:
«No dia 22.03.2023, a arguida encontrava-se a trabalhar ao serviço da arguente na caixa n.º 20 no sistema de fila única;
Nesse referido dia, pelas 11:13h, um cliente da arguente deslocou-se para a caixa n.º 20 onde a arguida estava ao serviço para registar os seus artigos;
O cliente em causa colocou os artigos no tapete da caixa, deixando, porém, os garrafões da água e um saco com bacalhau no carrinho ed compras — fatura FS AAK020/587931: (...)
A arguida não registou o saco com o bacalhau no valor de €44,07 que o cliente transportava no carrinho de compras;
Tal saco de bacalhau apesar de não ter sido registado e pago pelo cliente, foi levado pelo mesmo da loja;
No total e já com os descontos em vigor aplicados, o cliente pagou pelos artigos que levou da loja o valor de € 107,44;
No entanto, o cliente deveria ter pago um total de € 151,51;
A arguida, ao não ter registado o saco de bacalhau levado pelo cliente, causou à arguente um prejuízo de, pelo menos, €44,07;
A arguida não cumpriu devidamente as suas funções porquanto não se certificou, como estava obrigada, que todos os artigos levados pelo cliente foram devidamente registados e pagos.» - Doc. 10.
10.Do registo do cadastro disciplinar da Requerente nada consta / nunca lhe tendo sido aplicada qualquer sanção disciplinar, (cf. Doc. 10).»

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Apreciação

Pela sua precedência lógica em relação às demais, começaremos pela questão da nulidade da decisão por falta de assinatura.
Nos termos do disposto pelo art.º 615.º, n. 1, al. a) CPC, a sentença é nula quando não contiver a assinatura do juiz, sendo que, nos termos do disposto pelo nº 2 e 3 da mesma disposição legal tal nulidade é suprível oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes.
O tribunal a quo, pronunciando-se sobre a invocada nulidade, considerou que a mesma não se verificava, pelo que, não fez uso daquela possibilidade de suprimento.
Vejamos.
Nos termos do disposto pelo art.º 153.º, n.º 1 CPC, “As decisões judiciais são elaboradas (…) no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que garante a sua datação, e assinadas pelo juiz ou relator, nos termos definidos pela portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (…).”
Nesta última disposição legal refere-se que “A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Tal Portaria é a n.º 280/2013 de 26/08, cujo art.º 19.º dispõe que:
1- Os atos processuais de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público são praticados no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com aposição de assinatura eletrónica qualificada ou avançada.
2- A assinatura eletrónica efetuada nos termos do número anterior substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais.”
Analisada a decisão final proferida em 1ª instância, bem como a cópia remetida à recorrente para notificação, verifica-se que a mesma, no canto superior esquerdo, contém a assinatura eletrónica da Mma. Juiz que proferiu a decisão, pelo que, não se descortina qual o fundamento para que a recorrente tenha sequer suscitado esta questão.
Improcede, pois, a nulidade do despacho final arguida pela recorrente.
A 2.ª questão suscitada pela recorrente é a relativa à preterição da audiência prévia, entendendo que foi a própria requerente que só agiu judicialmente passados 29 (vinte e nove) dias de ter conhecimento da sanção e do início do cumprimento da mesma e que, ao invés de tal inércia da requerente ter sido devidamente sancionada, o Tribunal “fez uso” ou sustentou-se dessa inércia da requerente para fazer precludir o direito de defesa da Requerida. Alega também que o cumprimento da sanção não constitui dano dificilmente reparável porque não existe qualquer carência de meios de subsistência.
A requerente contra alegou, dizendo que o procedimento cautelar foi intentado quando ficaram reunidas as condições para a elaboração da petição inicial, tendo a mesma dado entrada no tribunal dentro do prazo legal, tendo-se limitado o tribunal a cumprir a lei e que a alegação pela recorrente da inexistência de dano dificilmente reparável para a requerente se funda numa errada leitura da declaração de IRS da requerida.
Nos termos do disposto pelo art.º 3.º, n.º 2 CPC. “Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.”
Uma dessas situações é a prevista pela 2.ª parte do art.º 366.º, n.º 1 CPC, cuja aplicabilidade na situação dos autos, em que está em causa um procedimento cautelar comum, resulta do disposto pelo art.º 32.º CPT.
Consequentemente, tal como resulta daquele preceito do CPC, sendo a regra a audiência do requerido prévia à decisão, o juiz só a pode afastar se tiver elementos, face aos factos alegados no requerimento inicial e aos elementos constantes do processo, que lhe permitam concluir, com razoável grau de segurança, que a mesma é suscetível de pôr em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Como refere Abrantes Geraldes[2] «Quando a providência se destine a evitar uma lesão e a apreciação objetiva do circunstancialismo determine a inadmissibilidade de qualquer dilação, o juiz deve dispensar a audiência do requerido, valorando o “fim” da providência (razões objetivas)”. O fator de “eficácia” poderá ligar-se preferencialmente a razões de ordem subjetiva inerentes à pessoa do requerido, à semelhança do que ocorre nos arrestos.»
Deverá, pois, o juiz atender não só aos efeitos jurídicos derivados do decretamento da providência, mas ter ainda em atenção os seus efeitos práticos, que dependem, em grande parte, da celeridade que deve imprimir-se ao procedimento cautelar e da urgência com que devem ser tomadas determinadas medidas.[3]
Acresce que, como refere o mesmo autor [4] «Na ponderação dos diversos interesses, o juiz não deve deixar de tutelar os do requerido, mas só quando se convença que a sua audição vem beneficiar globalmente a decisão cautelar, nos planos da segurança e da justiça, mas igualmente, da celeridade e da protecção eficaz dos interesses do requerente.»
Com o presente procedimento cautelar pretende a requerente a suspensão da decisão disciplinar da requerida de aplicar àquela a sanção de 15 (quinze) de suspensão do trabalho com perda de antiguidade e retribuição, a ser executada nos dias, 7, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25 e 26 de agosto de 2023.           Alega a requerente que, vivendo do seu salário, retirar-lhe um terço do valor diário do trabalho, por 15 dias, representa para a mesma sobreviver nesse período com grandes dificuldades económicas que certamente se repercutirão ainda após tal mês, ao que acresce o abalo por sempre ter trabalhado com brio e zelo, percecionando a requerente a sanção aplicada como injusta, manchando o registo limpo que sempre teve, podendo tal repercutir-se negativamente em termos profissionais a médio, longo prazo, pelo que se pretende tal também evitar (lesões futuras) e minimizar as já verificadas através de uma decisão célere.
Depreende-se desta alegação e do alegado no art.º 46.º do requerimento inicial[5] que a requerente funda a sua pretensão de decretamento da providência no fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável, traduzida nas dificuldades económicas que lhe advirão da perda da retribuição e nas consequências negativas do registo da sanção.
Assim, o fim da providência requerida é, em primeira linha, evitar que a requerente fique sem a retribuição correspondente aos 15 dias da suspensão do trabalho, enquanto não for proferida decisão definitiva sobre a legalidade da sanção disciplinar.
No caso em análise a audição prévia da requerida foi dispensada pelo tribunal nos seguintes termos:
“A sanção cuja execução se pretende seja suspensa será aplicada, de acordo com a mesma, nos dias 7, 10 a 13, 16 a 20 e 22 a 26 do mês de agosto de 2023. Significa isto que o início previsto é já na próxima segunda-feira.
Se o contraditório fosse exercido antes do decretamento da providência, naturalmente que esta perderia eficácia, dada a proximidade da data da execução da sanção disciplinar.
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 366.º, n.º 1 do CPC, ex vi do art.º 32.º, n.º 1 do CPT, dispensa-se a audição prévia da requerente.”
Concorda-se com a decisão.
Na verdade, se fosse dada à requerida a possibilidade de exercer o contraditório antes do decretamento da providência, caso em que a oposição seria apresentada até ao início da audiência final nos termos do art.º 32.º, n.º 1, al. b) CPT e considerando quer a data de entrada do requerimento inicial (28/07/2023), quer o prazo imprescindível à marcação de data para o efeito, para mais durante o período de férias judiciais, com salvaguarda de pelo menos 10 (dez) dias para apresentação da oposição (arts. 293º, n.º 2 e 365.º, n.º 3, ambos do CPC) e do tempo necessário à eventual notificação das testemunhas, não seria expectável que a decisão pudesse ser proferida antes do final do mês de agosto de 2023, e consequentemente antes do início da execução da sanção e antes do pagamento da retribuição relativa ao mês de Agosto, o que equivaleria, afinal, a que se produzisse o efeito que se pretendia evitar com a providência cautelar e inviabilizaria o fim a que a mesma se destina.
Se tal efeito tem gravidade bastante para que a providência seja decretada é questão atinente ao mérito da decisão, não à dispensa da audiência da requerida, pois, o risco sério para o fim ou eficácia da providência não se confunde como o dano grave e dificilmente reparável que constitui requisito para o decretamento da providência.
Por outro lado, o facto de o procedimento cautelar ter sido intentado 29 (vinte e nove) dias depois de a requerente ter conhecimento da decisão disciplinar, não pode ser valorado negativamente para este efeito, já que, por si só, e nada mais foi alegado pela recorrente a esse respeito, não põe em causa a urgência do decretamento da providência. Acresce que a requerente não incumpriu qualquer prazo que se lhe impusesse e recorreu ao tribunal antes do início da execução da sanção (nove dias antes).
De resto, tendo a requerente atuado dentro do prazo de que dispunha para o efeito, não pode constituir critério da decisão de dispensar ou não a audiência do requerido a maior ou menor celeridade do requerente na instauração do procedimento, nem tal decisão pode constituir, como parece insinuar a recorrente, um mecanismo para “castigar” a atuação, mais ou menos diligente, da requerente, no caso patrocinada pelo Ministério Público e, repete-se, durante o período de férias judiciais.
Nestes termos, por se considerar que, de acordo com os elementos constantes do processo, a audiência da requerida era suscetível de pôr seriamente em causa, quer o fim, quer a eficácia da providência, conclui-se que a decisão recorrida não merece reparado, improcedendo, nesta parte o recurso.
Enfrentemos agora a 3ª questão supra enunciada, relativa à verificação dos requisitos para o decretamento da providência.
A este respeito, importa desde já, resolver uma questão relativa à matéria de facto relevante para a apreciação do recurso interposto pela requerida.
Com efeito, nas suas alegações a apelante não impugna expressamente a decisão da matéria de facto, mas pretende, em abono da procedência do recurso que o tribunal considere factos que não constam da decisão recorrida, nem do alegação da recorrida no requerimento inicial do procedimento cautelar, quando alega que a requerente tem outras fontes de rendimento, presta trabalho subordinado à Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A. e Sodimalveira - Supermercados, Lda, em 2022 auferiu ao serviço destas um total de € 15.638,14 (correspondente ao somatório de € 6.299,05 + € 3.316,33 + € 6.022,76), num valor mensal de € 1.117,01 (mil, cento e dezassete euros e um cêntimo), que acrescido do montante que a requerente aufere ao serviço da requerida, no valor de € 573,75, demonstra que a requerente aufere mensalmente o montante de € 1.690,76, no global.
Ora, uma vez decretada a providência sem contraditório prévio, atento o disposto pelo art.º 372.º CPC, a requerida tinha à sua disposição dois mecanismos de defesa, alternativos:
a)-recurso de apelação com vista à impugnação da decisão da matéria de facto, para o que teria de cumprir os ónus a que se refere o art.º 640.º CPC ou com vista à discussão de questões puramente de direito;
b)-oposição, se pretender alegar outros factos ou produzir outros meios de prova suscetíveis de infirmar os fundamentos da anterior decisão ou de determinar a sua redução.
A apelante optou por recorrer em vez de deduzir oposição e nas suas alegações não manifestou discordância relativamente a nenhum dos factos considerados provados na decisão recorrida, mas pretende que, para além desses, o tribunal tenha em conta outros que, no seu entender, demonstram que no caso não estão verificados os requisitos para o decretamento da providência, nomeadamente, a existência de dano grave e dificilmente reparável.
Como vimos supra, o recurso não é o meio de defesa adequado para alegar factos novos, factos diferentes dos alegados no requerimento inicial e dos considerados provados na decisão que decretou a providência. De resto, a ampliação da matéria de facto em sede de recurso tem sempre como limite a factualidade alegada no momento e meio processuais próprios, atento o disposto pelo art.º 662.º, n.º2, al. c), in fine CPC e não se confunde com disposto pelo art.º 5.º, n.º 2, al. b) CPC.
Assim, para que os factos agora alegados pela recorrente e que têm a natureza de factos complementares face ao disposto pelo art.º 5.º, n.º 2, al. b) CPC, pudessem ser introduzidos nos presentes autos, em vez de recorrer, teria aquela de ter deduzido oposição.
Não o tendo feito, os factos em causa não poderão ser atendidos por este tribunal.

Sendo assim, os factos relevantes para apreciação do recurso, são apenas os constantes do requerimento inicial e os constantes da decisão recorrida e já reproduzidos supra.

*

Os procedimentos cautelares, em geral, estão configurados como o mecanismo jurídico destinado a prevenir violações de direitos, graves ou de difícil reparação, ou a conferir a antecipação de determinados efeitos das decisões judiciais ou ainda a prevenir prejuízos que advêm da demora da decisão definitiva.
A possibilidade de recurso ao procedimento cautelar comum, ainda que por aplicação do regime estabelecido no CPC, encontra-se expressamente prevista no foro laboral, como resulta do disposto pelo art.º 32º, nº 1 do CPT.
Assim, o procedimento cautelar comum laboral, para ser decretado, encontra-se sujeito à verificação das condições gerais da tutela cautelar a que aludem os arts. 362º, nº 1 e 368º, ambos do CPC, ou seja, a probabilidade séria, assente em mero juízo de verosimilhança, da existência do direito invocado e o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao direito, decorrente da demora da decisão judicial.
A aparência do direito verifica-se quando é possível um juízo positivo de que a decisão definitiva a proferir no processo principal, será favorável ao autor. Trata-se de um juízo de probabilidade, de previsibilidade e não da convicção absoluta da procedência da pretensão do autor, que apenas tem o seu lugar próprio no processo principal.
No que respeita ao segundo dos requisitos enunciados, manifestação do requisito comum a todas as providências do “periculum in mora”, importa referir que se torna necessário demonstrar, para lá do mero juízo de verosimilhança, que a demora da decisão a proferir no processo principal vai acarretar para o requerente um prejuízo grave de difícil reparação, devendo a gravidade e a dificuldade reparação da lesão previsível ser aferida em função da repercussão que terá na esfera jurídica do requerente por critérios tão objetivos quanto possível.
A gravidade da lesão, reporta-se a uma caraterística quantitativa. Como refere Rita Lynce de Faria[6] «A gravidade da lesão mede-se em função da dimensão dos danos que ela possa provocar. Apenas a lesão que possa vir a desencadear danos de montante considerável deverá ser considerada grave. Sendo os danos de montante reduzido, a lesão não se poderá subsumir neste conceito. / Esta análise da gravidade da lesão, todavia, deverá obedecer a uma ponderação concreta, que tenha em conta a relevância concreta do dano na esfera jurídica do requerente.» -
No que tange à difícil reparação, a mesma pode ser entendida segundo um critério subjetivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente, pelo que a lesão será dificilmente reparável sempre que o requerido, em virtude da respetiva situação patrimonial, não possa suportar os encargos de uma indemnização para reparação da lesão, sendo deste modo provável que a lesão que o requerente venha a sofrer fique por ressarcir. Preferível a este critério subjetivo (que levanta dúvidas quanto ao que deverá considerar-se património suficiente do requerido) será um critério objetivo que reporta a dificuldade da reparação ao tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente. A lesão será dificilmente reparável, ou não, consoante o tipo de reparação que seja suscetível, necessariamente dependente da natureza do direito lesado.
Retomando as palavras de Rita Lynce de Faria «Assim, podem considerar-se dificilmente reparáveis aquelas lesões que não sejam suscetíveis de reintegração específica ou cuja reintegração in natura seja difícil, nomeadamente, porque a valoração dos danos é muito difícil ou porque, devido à situação económica do lesante, não é possível obter a reconstituição no caso concreto».[7][8]
Por outro lado, importa considerar que o receio de lesão grave ou dificilmente reparável tem de ser fundado, ou seja, sustentado em factos concretos que permitam reconhecer, com a imprescindível objectividade, a necessidade de adoção de medidas que evitem o prejuízo.
Na verdade, como refere Abrantes Geraldes, [9]«a admissão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, não pode nem deve servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas”.
Finalmente é ainda de referir que o ónus da prova dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar impende sobre o requerente (art.º 5.º, n.º 1 CPC e art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Retomemos o caso dos autos.
A decisão recorrida considerou estar verificada a aparência do direito por a sanção disciplinar de 15 (quinze) dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade ser desproporcional à gravidade dos factos imputados.
E considerou estar verificado o “periculum in mora” dizendo apenas que o mesmo «é patente, pois a sanção de suspensão está para ser aplicada já no próximo dia 07-08-2023».
Ora, se quanto à aparência do direito, face aos factos imputados à requerente no procedimento disciplinar (e outros nunca poderão vir a ser considerados, estando o tribunal limitado aos constantes da decisão final do procedimento disciplinar), e ao disposto pelos arts. 328.º, n.º 1 e 330.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, ao contrário do sustentado pela recorrente, a decisão recorrida se afigura acertada ao referir que «(…) aplicar a segunda sanção mais grave a uma trabalhadora com mais de 17 anos de antiguidade, sem ter qualquer infração disciplinar no seu registo, por ter, uma única vez e até ver, sido negligente num atendimento, é manifestamente desproporcional. Pelo que a probabilidade de a sanção vir a ser revogada mediante a ação própria existe e é elevada.», já quanto ao “periculum in mora” a decisão do tribunal a quo, afigura-se-nos precipitada.
Com efeito, para sustentar o “periculum in mora” a requerente alegou não só a proximidade da data a partir da qual se iniciaria a execução da sanção, como também que aufere o salário de € 573,75, que vive do seu salário, que é com o mesmo que faz face às despesas do seu agregado familiar e dos seus dependentes e que a perda da retribuição correspondente a 15 (quinze) dias representa para a mesma sobreviver nesse período com grandes dificuldades económicas que certamente se repercutirão ainda após tal mês.
A propósito desta alegação da requerente nada foi considerado na decisão recorrida, tendo o tribunal a quo, proferido a decisão final, após ter dispensado a audição de testemunhas, afirmando na fundamentação da decisão da matéria de facto que «Atento o momento em que vai ser proferida a presente decisão, ainda há outros factos alegados e que não estão indiciariamente provados. Porém, para alcançar a eficácia desta providência, pelas mesmas razões que levaram ao afastamento da audição prévia da requerida, os factos que já estão indiciariamente provados são suficientes» e concluindo que o «periculum in mora é patente pois a sanção de suspensão está para ser aplicada já no próximo dia 07-08-2023.»
É desta asserção de suficiência, para a decisão, dos factos que foram considerados como indiciariamente provados, que discordamos, carecendo a matéria de facto de ser ampliada ao abrigo do art.º 662.º, n.º 2, al. c), parte final CPC, nos termos que a seguir explicaremos.
Na verdade, o “periculum in mora”, tal como o deixámos caracterizado supra, não se basta com o perigo de demora da decisão, sendo necessário que tal perigo seja suscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável, o que tem de ser aferido em cada caso pelas consequências que tal demora pode causar na esfera jurídica do requerente da providência e que tem de se consubstanciar em factos concretos.
Ora, tal como afirmado no Ac. RL de 04/11/2009[10], citado pela recorrente as suas alegações, que secundamos «(…) a privação ou redução de vencimentos só constitui prejuízo de difícil reparação se dela resultar a impossibilidade de satisfação das necessidades do agregado familiar (…)»
Nessa perspectiva, no caso dos autos, a matéria de facto constante como provada da decisão recorrida é manifestamente insuficiente para afirmar a existência do “periculum in mora”, pois dela nada consta que permita sustentar que a perda da retribuição de 15 (quinze) dias de trabalho geraria para a requerente a impossibilidade de satisfação das necessidades do seu agregado familiar, ou seja um dano suficientemente grave e de difícil reparação.
De facto, o tribunal a quo, apesar de alegado pela requerente, não considerou sequer indiciariamente provado o valor da retribuição mensal ou que a requerente vive do seu salário, presumindo-se que tais factos tenham sido incluídos naqueles «outros factos alegados e que não estão indiciariamente provados».
Por outro lado, a requerente alegou ainda que é com o seu salário que faz face às despesas do seu agregado familiar e dos seus dependentes e que a perda da retribuição resultará em grandes dificuldades financeiras, fazendo-o, contudo de forma conclusiva.
Temos, pois, que a requerente, para além dos factos que o tribunal a quo fez constar da decisão como indiciariamente provados, alegou factos e conclusões que, ao contrário do considerado no despacho recorrido, são necessários à verificação dos requisitos para o decretamento da providência cautelar e que, sendo concretizados, podem levar à densificação, em concreto, da existência de “periculum in mora”, nos termos expostos, pois não estamos perante uma total ausência de factos, mas sim perante uma alegação imperfeita e deficiente, relativamente à qual se impõe proferir despacho de aperfeiçoamento nos termos do art.º 590.º, n. 4 CPC.
É a situação a que se referem Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro[11], quando escrevem que «A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.»
E no mesmo sentido veja-se o que dizem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[12], que «O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos.»
Por conseguinte, para a referida ampliação da matéria de facto, no caso dos autos, apresenta-se como necessário, não apenas que o tribunal a quo se pronuncie sobre os concretos pontos da matéria de facto alegados e não considerados na decisão (valor da retribuição mensal e a circunstância de ser com tal salário que a requerente faz face às despesas do agregado familiar) como o aperfeiçoamento do requerimento inicial, com vista à concretização da natureza e despesas do agregado familiar da requerente, dos elementos que compõem o agregado familiar da requerente e dos rendimentos de cada um.
Para tanto, ao abrigo do comando do art.º 662.º, n.º 2, al. c) e n.º 3 CPC, impõe-se anular a decisão proferida em 1ª instância, com vista à ampliação da matéria de facto, devendo ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial nos termos sobreditos e após serem praticados os atos necessários à prolação do despacho final no qual o tribunal a quo se deverá pronunciar sobre a prova indiciária dos factos que venham a ser concretizados e dos factos já alegados no requerimento inicial também acima identificados.
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da 4.ª questão supra enunciada relativa à sanção pecuniária compulsória aplicada (art.º 608.º, n.º 2 CPC).

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Decisão

Por todo o exposto decide-se:
- julgar improcedente a arguição da nulidade, por falta de assinatura, do despacho final proferido no presente procedimento cautelar;
- julgar improcedente o recurso do despacho que dispensou a audiência da requerida prévia ao decretamento da providência;
- anular o despacho final do presente procedimento cautelar, com vista à ampliação da matéria de facto, nos termos supra identificados, sem prejuízo da manutenção da matéria de facto indiciariamente provada na parte não viciada nos termos do n.º 3, al. c) do art.º 662.º CPC.
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Custas pela recorrente na proporção de ¼, sendo as custas quanto à restante proporção pagas a final, conforme decisão definitiva que se venha a proferir.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
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Lisboa, 08/11/2023


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(Maria Luzia Carvalho)
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(Manuela Fialho)
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(Francisca Mendes)



[1]«Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronuncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. “Argumentos” não são “questões”, e é a estas que essencialmente se deve dirigir a atividade judicativa.» - António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed. Atualizada, pág. 136.
[2]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª ed. Pag. 445
[3]Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, pag. 163
[4]Idem, pag. 164.
[5]“Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 362.º e seguintes do Código de Processo Civil, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.”
[6]A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português, Universidade Católica Editora, 2016, pag. 144-145.
[7]Ac. RL de 08/02/2022 (proc. 16334/21.8T8LSB-A.L1, Relator Luís Filipe Pires de Sousa), em www.dgsi.pt
[8]A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português, Universidade Católica Editora, 2016, pag. 163.
[9]“Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III, pag. 87.
[10]Proc. 2471/09.0TTLSB.L1, Relatora Isabel Tapadinhas.
[11]Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2014, páginas 521-522.
[12]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª ed., pág. 704.