Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23151/16.5T8SNT.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: PENHORA
EXCESSO
AGENTE DE EXECUÇÃO
ACTOS DE EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - A reclamação dos actos do agente de execução constitui um “meio de revogação de actos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade ou em erro de julgamento de factos que não sejam objecto de meio processual especial.
2 - A reclamação de acto do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado, prevalecendo, nessa situação, o meio processual de âmbito especial.
3 – Todavia, a reclamação constitui o meio residual de impugnação de actos de penhora, designadamente, para a dedução de oposição à penhora pelo próprio exequente, assim como será o meio adequado para a reclamação pelo exequente, executado ou terceiro dos actos de penhora praticados com violação dos deveres funcionais do agente de execução, que não configuram nulidades processuais, de modo a provocar a fiscalização por parte do juiz.
4 – Suscitada nos autos uma questão de excesso de penhora, seja sob a via de incidente de oposição à penhora (indevidamente tramitado nos autos de execução), seja sob a via de reclamação de acto de agente de execução, com fundamento, designadamente, na violação do princípio da proporcionalidade e no pagamento integral da quantia exequenda, a decisão que aprecie a verificação desse excesso e conclua pela restrição da penhora efectuada sem enunciar quaisquer factos, provados ou não provados, que reflictam os valores já entregues ao exequente e depositados no processo e não aduza qualquer fundamentação jurídica para tal conclusão, limitando-se a aderir à posição assumida pelo agente de execução, para além de se abster de conhecer da eventual satisfação integral da quantia exequenda, está ferida de nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito e omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ CAIXA …., S.A. ] apresentou requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra B [ AUGUSTO ……. ] e C [ JOÃO ……. ] com base em título executivo constituído por escritura pública de empréstimo com hipoteca e fiança, celebrada entre o exequente e os executados, com data de 22 de Janeiro de 2000, mediante a qual o primeiro concedeu ao executado B a importância de € 68 584,64, pelo prazo de 30 anos, posteriormente alterado, de que este se confessou devedor, a liquidar em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, tendo aquele, para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato, constituído hipoteca a favor do exequente sobre a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano, sito na freguesia de Falagueira-Venda Nova, concelho de Amadora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o n.º …. e inscrito na respectiva matriz sob o n.º 1825, tendo o executado C declarado que se responsabiliza como fiador e principal pagador por tudo quanto venha a ser devido à Caixa em consequência do referido empréstimo.
O valor total da quantia exequenda era de € 67 850,94, sendo € 64 410,00 o valor do capital em dívida, € 3 002,93, relativos aos juros vencidos entre 21-11-2014 e 18-11-2016, € 120,12 a título de imposto de selo e € 317,35 relativos a comissões.
Em 18 de Janeiro de 2017 foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés-do-chão frente do prédio urbano em propriedade horizontal, localizado à Rua Estevão Vasconcelos, n.º …, freguesia Mina de Água, Amadora, da titularidade do executado B.
Em 3 de Maio de 2017, o agente de execução proferiu decisão sobre a modalidade de venda do bem penhorado, tendo determinado que este fosse vendido através de leilão electrónico, fixando o valor-base em € 41 890,00 (correspondente ao valor patrimonial determinado em 2015), sendo o bem adjudicado àquele que apresentar melhor proposta, de valor não inferior a 85%, sendo o valor mínimo das propostas de € 35 606,50 (Ref. Elect. 9751878).
Realizado o leilão electrónico, em 15 de Setembro de 2017 o agente de execução proferiu decisão mediante a qual adjudicou ao proponente Rui ……, o imóvel penhorado, pelo valor de € 47 706,46, sendo emitido o respectivo título de transmissão, em 4 de Outubro de 2017 – cf. Ref. Elect. 10653850 (15-09-2017) e 10985671 (31-10-2017).
Em 19 de Outubro de 2017 foi efectuada entrega de resultados ao exequente no valor de € 46 195,67 (cf. Ref. Elect. 10903624).
Com data de 29 de Janeiro de 2018 foi consignada a alteração do valor da quantia exequenda para € 24 597,91 (cf. Ref. Elect. 11603033).
Em 29 de Janeiro de 2018 foi lavrado auto de penhora onde consta como dívida exequenda subsistente o valor de € 24 597,91, acrescido de € 2 459,79 a título de despesas prováveis, no total de € 27 057,70, tendo sido penhorados três depósitos bancários existentes junto do Banco Comercial Português, S.A., da titularidade do executado C, sob as verbas 1, 2 e 3, com os valores de € 1 750,50; € 10 000,00 e € 391,46, tendo sido consignado no campo “Observações” que a verba n.º 2 diz respeito a um depósito a prazo não mobilizável, com data de vencimento a 18-02-2019 (cf. Ref. Elect. 11603060).
A realização da penhora foi notificada ao executado C por expediente de 29 de Janeiro de 2018 (cf. Ref. Elect. 11603127).
Com data de 27 de Março de 2018 foi lavrado auto de penhora, com a referência à quantia exequenda de € 24 597,91, acrescida de despesas prováveis no valor de € 4 459,79, no total de € 29 057,70, que incidiu sobre três imóveis da titularidade do executado C:
Verba 1 – fracção autónoma designada pela letra D, rés-do-chão esquerdo e logradouro, sita na Calçada do Poço dos Mouros, n.º .., na freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número 1018 e inscrito na matriz predial pelo artigo 2143, com o valor de € 41 470,00;
Verba 2 – prédio urbano, edifício de rés-do-chão, sito no Lugar de Argueirinha, na freguesia de Unhais da Serra, concelho da Covilhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã, sob o número 1083 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 10, com o valor de € 2 223,47;
Verba 3 – fracção autónoma designada pela letra B, rés-do-chão direito, para comércio, com uma divisão ampla e duas casas de banho, sita na Rua Manuel de Arriaga, n.º 1367, na freguesia de Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o número 4880 e inscrito na matriz predial pelo artigo 8988, no valor de € 69 376,63.
Consignou-se no campo “Observações” que sobre o bem descrito na Verba 1 incidem os seguintes encargos: Ap. 16 de 1997/12/17 – Hipoteca voluntária - Sujeito activo: Banco Comercial Português, S. A. – Montante máximo: 15.033.900,00$; Ap. 21 de 1998/07/10 – Hipoteca voluntária – Sujeito activo: Banco Comercial Português, S. A. - Montante máximo: 5.545.990,00$; e Ap. 25 de 2004/09/28 – Hipoteca voluntária - Sujeito activo: Banco Comercial Português, S. A. – Montante máximo: 41.600,00€ (cf. Ref. Elect. 12072606).
Na mesma data foi o executado C notificado da penhora em referência (cf. Ref. Elect. 12041077).
Em 9 de Abril de 2018 foi proferido despacho em que foi ordenada a notificação do agente de execução para se pronunciar sobre a suficiência ou insuficiência do bem hipotecado para satisfação do crédito exequendo (cf. Ref. Elect. 112420906).
Em 11 de Abril de 2018, o executado C dirigiu um requerimento aos autos de execução de reclamação de acto em que pede que seja ordenado o levantamento das penhoras que incidiram sobre os seus três prédios urbanos, a expensas da exequente, atendendo à manifesta inadmissibilidade da extensão com que foram realizadas, devendo ainda ter-se em consideração os valores liquidados nos autos, para o que alegou, em síntese, o seguinte:
ü Na sequência da venda do imóvel do executado B, a dívida exequenda saldou-se em € 20 144,48 e depois da penhora dos saldos bancários, no total de € 12 141,96, em € 8 002,52;
ü O imóvel descrito sob a verba 1 tem um valor não inferior a € 270 000,00, pelo que a penhora dos imóveis é inadmissível com a extensão com que foi efectuada, nos termos do art. 784º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil[1];
ü O executado/requerente procede, nessa data, ao pagamento da quantia de € 8 002,52, valor em falta, conforme documento que junta (cf. Ref. Elect. 12136119).
Em 17 de Abril de 2018, o agente de execução veio expor os actos praticados quanto à cobrança da quantia exequenda, fixada no valor de € 67 852,94, dando conta do valor alcançado com a venda do imóvel penhorado ao executado B e da situação dos saldos bancários penhorados, sendo que um se vencia apenas em 18-02-2019, sendo insuficientes para assegurar o valor em dívida, pelo que prosseguiu com as diligências de penhora, tendo efectuado as penhoras, conforme auto de 27 de Março de 2018, sendo que o excesso destas ficou a dever-se a manifesto lapso seu, que não atentou no valor em dívida, concluindo que o imóvel sob a verba número 3 seria suficiente para garantir o pagamento em falta.
Solicita que seja relevado o lapso e dá conta ainda que o executado C sempre foi notificado de todas as diligências praticadas no processo; refere que foi depositada na conta cliente do agente de execução, no dia 12-04-2018, a quantia de € 8 002,52, pelo que o valor em dívida ascende a € 18 800,62, conforme nota discriminativa provisória que anexa.
Mais refere que a soma dos saldos bancários penhorados ascende a € 12 141,96 e que o valor em dívida ascende a € 6 658,66, pelo que conclui que se torna necessária a manutenção do registo de penhora de um dos imóveis identificados no auto de penhora de 27-03-2018, que deverá ser o indicado na verba 3, porquanto o descrito em 1. está onerado com 3 hipotecas e o 2 tem um valor patrimonial tributário (2.223,47€) inferior ao valor em dívida.
Em anexo ao seu requerimento, o agente de execução apresentou a seguinte nota de honorários e despesas:



(cf. Ref. Elect. 121817758).
Notificado da pronúncia do agente de execução, veio o executado C, em 30 de Abril de 2018, apresentar novo requerimento onde reiterou que o valor em dívida após a venda do imóvel era de € 20 144,48, a que acrescem os juros de mora calculados desde 19-11-2016, sobre o valor de € 64 410,58 e até 4-10-2017 (data do pagamento do preço da venda), no montante de € 2 251,72; sobre a quantia de € 20 144,48, de 5-10-2017 a 11-12-2017 (data da penhora das contas bancárias), no valor de € 147,91 e sobre a quantia de € 8 002,52, de 12-12-2017 a 11-04-2018 (data do pagamento deste valor), no montante de € 105,24, tendo depositado nessa data a quantia de € 2 504,87, concluindo que nada mais era devido nos autos, para o que retoma, novamente, a questão de beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, considerando que não foi tido em conta na nota do agente de execução quer a penhora dos saldos, quer o facto de não ter de suportar o pagamento dos seus honorários.
Conclui, novamente, que está integralmente paga a quantia exequenda e os juros, pelo que deve ser ordenado o levantamento das penhoras efectuadas aos três imóveis e ser declarada extinta a execução (cf. Ref. Elect. 112724473).
Em 20 de Setembro de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Face ao teor da pronúncia do agente de execução, que expressamente reconhece excesso de penhora, existindo um valor em dívida cuja liquidação é discutida e não sendo este o momento de apurar a liquidação final mas de apreciar oficiosamente da penhora, entende-se adequado o declarado à finalidade da cobrança executiva, determinando-se a subsistência da penhora de imóvel nos termos da pronúncia do AE.
O levantamento das penhoras realizadas é um encargo que não pode ser imputado aos executados.
Notifique e comunique.”
É desta decisão que o executado/recorrente C recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
1ª) Vem o presente recurso interposto da douta decisão, datada de 20/09/2018 que julgou improcedente a oposição à penhora formulada pelo executado, versando o mesmo matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afectam a validade da decisão proferida, designadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas (cfr. artº 616º nº 2 al. a) do CPC).
2ª) Fundamentação: erro de julgamento, aplicação do direito aos factos/normas jurídicas violadas/ sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas: O douto despacho recorrido decidiu o seguinte: “Face ao teor da pronúncia do agente de execução, que expressamente reconhece excesso de penhora, existindo um valor em dívida cuja liquidação é discutida e não sendo este o momento de apurar a liquidação final mas de apreciar oficiosamente da penhora, entende-se adequado o declarado à finalidade da cobrança executiva, determinando-se a subsistência da penhora de imóvel nos termos da pronúncia do AE. (…)”
3ª) Em 02/04/2018, o ora recorrente foi notificado do auto de penhora elaborado pelo Agente de Execução (AE), do qual consta a penhora de três imóveis do mesmo, com o valor patrimonial global de 113.070,19€, sendo certo que, a quantia em dívida se cifrava 24.597,91€ (cfr. auto de penhora – referência CITIUS: 12072606, de 03/04/2018).
4ª) Por não concordar com tais penhoras, o recorrente veio, ao abrigo do disposto nos artºs 784º e 785º do CPC, requerer o levantamento das penhoras que incidiram sobre os seus três prédios urbanos a expensas da exequente, atendendo à manifesta inadmissibilidade da extensão com que foram realizadas, tendo em consideração os valores já liquidados nos autos, conforme requerimento com documentos apresentado nos autos no dia 11/04/2018 e que aqui se dá integralmente por reproduzido, por uma questão de economia processual (cfr. requerimento – referência CITIUS: 12130293, de 11/04/2018).
5ª) Como resulta do referido requerimento, o recorrente alegou, nomeadamente, que nos presentes autos a quantia exequenda constante do requerimento executivo apresentado em 29/11/2016, era no montante de 67.850,94€.
6ª) Posteriormente, pelo AE foi vendido o imóvel do executado B pelo valor de 47.706,46€, como se comprova pela decisão de adjudicação do imóvel, junta aos autos pelo AE em 15/09/2017, com a referência CITIUS: 10653966, encontrando-se em dívida apenas a quantia de 20.144,48€ e não a quantia de 24.597,91€.
7ª) Por carta datada de 29/01/2018, o recorrente foi notificado do auto de penhora dos seus saldos bancários no montante global de 12.141,96€ (cfr. notificação - referência CITIUS: 11603127, de 29/01/2018 e auto de penhora – referência CITIUS: 11603060, de 29/01/2018)
8ª) Referindo o recorrente que o valor em dívida se cifra apenas em 8.002,52€, pelo que, foi com enorme estupefação e incredibilidade que recebeu a notificação efetuada pelo AE, datada de 27/03/2018, com um auto de penhora de 3 imóveis urbanos propriedade do mesmo, com o valor patrimonial global de 113.070,10€ (!!!), sendo dois deles completamente livres de quaisquer ónus ou encargos e de valor real muito acima do seu valor patrimonial, como é o caso, por exemplo, do prédio urbano, que constitui a única casa de habitação do recorrente, sita em Lisboa, na freguesia da Penha de França, cujo valor não será nunca inferior a 270.000,00€ que é o valor actual de venda de casas idênticas na mesma zona.
9ª) Assim, só por manifesta má-fé o AE procedeu à penhora destes imóveis, face à inadmissibilidade da extensão com que a mesma foi realizada (cfr artº 784º nº 1 al. a) do CPC), requerendo o recorrente que se ordenasse o seu levantamento, a expensas da exequente e que se tivesse em consideração os valores já liquidados nos autos.
10ª) Mais referiu o recorrente que nunca foi notificado para se pronunciar sobre a modalidade e o valor da venda do imóvel do executado B, o que muito o tem prejudicado face ao irrisório valor pelo qual foi posto à venda, atendendo ao valor de mercado de imóveis idênticos na mesma zona (Amadora).
11ª) Não obstante, o recorrente procedeu ao pagamento da quantia que considerava ainda em falta, no montante de 8.002,52€ através das referências para pagamento constantes da última notificação efectuada AE (cfr. docºs nºs 1 e 2 juntos ao requerimento de 11/04/2018).
12ª) Em 17/04/2018, o AE veio pronunciar-se sobre a extensão da penhora realizada, alegando que tal tinha ocorrido por mero lapso, o que não se aceita, referindo que a quantia em dívida se cifrava em 6.658,66€, juntando ainda a Nota de Honorários e Despesas do processo, como se comprova pela resposta e nota de honorários e despesas do AE que aqui se dão por reproduzidas (cfr. referência CITIUS: 12181758, de 17/04/2018).
13ª) Em 20/04/2018, o ora recorrente foi notificado da resposta e da Nota de Honorários e Despesas apresentadas pelo AE, para querendo, em 10 dias, dizer o que se lhe oferecer, o que este fez por requerimento datado de 30/04/2018, o qual se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. requerimento – referência CITIUS: 12259834, de 30/04/2018).
14ª) No âmbito do referido requerimento de 30/04/2018, o recorrente referiu, nomeadamente, que, ao contrário do referido pelo AE, sendo a quantia exequenda de 67.850,94€ e tendo o imóvel penhorado nos autos ao executado B sido vendido por 47.706,46€, após a respetiva venda do imóvel a quantia em dívida cifrou-se apenas em 20.144,48€ (67.850,94€ – 47.706,46€ = 20.144,48€).
15ª) O ora recorrente demonstrou ainda o que considera estar em dívida, mencionando no seu requerimento que ao referido valor acrescem as quantias devidas a título de juros de mora, à taxa legal, desde 19/11/2016, tal como peticionado no requerimento executivo, calculadas nos seguintes termos: -sobre a quantia de 64.410,58 – de 19/11/2016 a 04/10/2017 (data indicada pelo AE – presumindo-se que seja a data do pagamento do preço devido pela venda do imóvel penhorado), no montante de 2.251,72€ -sobre a quantia de 20.144,48€ - de 05/10/2017 a 11/12/2017 (data da penhora das contas bancárias do executado no montante de 12.141,96€ - cfr. documentos nºs 1 e 2 juntos ao requerimento de 30/04/2018), no montante de 147,91€ -sobre a quantia de 8.002,52€ (20.144,48€ – 12.141,96€ = 8.002,52€) – de 12/12/2017 a 11/04/2018 (data do pagamento deste valor), no montante de 105,24€ Perfazendo o valor devido a título de juros de mora a quantia global de 2.504,87€
16ª) O recorrente depositou na data em que apresentou o seu requerimento (30/04/2018), de acordo com as referências indicadas pelo AE, a quantia supra mencionada de 2.504,87€, pelo que nada mais é devido (cfr. docº nº 4 junto ao requerimento de 30/04/2018).
17ª)Mais referiu o recorrente que solicitou o benefício do apoio judiciário por carta registada expedida a 15/03/2018 e recebida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. a 16/03/2018, tendo, aliás, tal pedido sido deferido, conforme documento junto aos autos em 23/05/2018 (cfr. ofício da Segurança Social – referência CITIUS: 12426291, de 23/05/2018)
18ª) O recorrente mencionou, também, que o AE junta ao seu requerimento uma nota de honorários e despesas onde, além de faltar a indicação da penhora dos saldos bancários, reclama para si o pagamento de 2.298,55€.
Salvo o devido respeito, gozando o executado do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não tem que pagar as despesas e encargos com o processo nem os honorários e encargos com o AE.
19ª) Nos termos do artº 529º do CPC “as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (nº1), sendo que “são encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa” (nº3) e “as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” (nº4).
20ª) Compreendem-se nas custas de parte, nomeadamente, as taxas de justiça pagas; os encargos efectivamente suportados pela parte; as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas (artº 533º nº2 als. a), b) e c)do CPC).
21ª) O artº 25º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais prevê que na acção executiva a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, designadamente as quantias efetivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução e as quantias pagas a título de honorários de agente de execução (als. c) e d) respetivamente).
22ª) De acordo com o artº 26º do mesmo Diploma legal, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas (nº 1), sendo que a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento, a título de custas de parte, designadamente, dos valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento (nº 2, al. a)); dos valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução (nº 2 al. b)); dos valores pagos a título de honorários de agente de execução (nº 2 al. d)).
23ª) Nos termos do nº 7 do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais a contrario, nos casos de insuficiência económica nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
24ª) Considerando que o ora recorrente beneficia de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que as despesas e honorários devidos ao AE constituem custas de parte, as quais integram-se no âmbito das custas processuais e estão abrangidas pela isenção de custas, entende o mesmo que o pagamento dos referidos honorários e despesas do agente de execução não devem ser suportados pelo executado, mas sim pelo exequente ou, caso assim se entenda, pelo IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça).
25ª) […]
26ª) Mais referiu o recorrente que, comprovou o pagamento integral da quantia exequenda e juros, pelo que deve ser ordenado o levantamento das penhoras efetuadas aos três imóveis do mesmo declarando-se extinta a execução de acordo com o supra exposto.
27ª) No que respeita à penhora dos 3 imóveis do executado, de valor patrimonial e real muito superior ao da alegada dívida, sempre se dirá que, ao contrário do que o AE refere ao vir alegar que se trata de “manifesto lapso”, certo é que, se o executado não tivesse vindo aos autos reportar tal excesso de penhora, possivelmente ver-se-ia despojado de tais bens, os quais seriam vendidos por valores muito inferiores aos seus valores reais, como se verificou com o imóvel que pertencia ao executado B que foi posto à venda por 35.606,50€ (valor muito inferior ao da avaliação feita pela CGD) e foi vendido por apenas 47.706,46€, sendo certo que, imóveis idênticos na mesma zona custam valor não inferior a pelo menos 80.000,00€.
28ª) Ao contrário do que o AE pretende fazer crer, o ora executado não recebeu as notificações juntas aos autos pelo mesmo em 04/05/2017 e em 18/09/2017, tendo sido devolvidas ao AE, como este não pode ignorar (cfr. docs. nºs 5 a 8 juntos ao requerimento de 30/04/2018).
29ª) O recorrente terminou o seu requerimento pedindo a dispensa do pagamento dos honorários e despesas com o agente de execução, invocando na altura o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e pedindo que se ordenasse o levantamento das penhoras efetuadas aos imóveis do executado, considerando-se extinta a presente execução pelo pagamento da quantia exequenda.
30ª) Porém, ao contrário do exposto e requerido pelo recorrente, o tribunal a quo decidiu, sem qualquer fundamento de facto e de direito, que este não era o momento de apurar a liquidação final, determinando a subsistência da penhora de imóvel nos termos da pronúncia do AE.
31ª) Salvo o devido respeito, tendo o recorrente impugnado os valores constantes da nota de honorários e despesas do AE e procedido ao depósito das quantias que considera estar em dívida, a fim de evitar ver o seu património imobiliário delapidado, é óbvio que tal decisão lhe acarreta enormes e irreparáveis prejuízos, sendo certo que, ao não se pronunciar sobre tal questão, verifica-se a existência de omissão de pronúncia.
32ª) Ao contrário do referido pelo tribunal a quo, este é o momento para se apreciar tal questão, pois não é plausível, nem aceitável, esperar que se venda o imóvel do recorrente ora penhorado para se apreciar a nota de honorários e despesas, com liquidação da execução, apresentada pelo AE, já que tal acarretaria prejuízos avultados e irreparáveis ao recorrente.
33ª) Apreciar tal questão em momento posterior não irá trazer de volta o imóvel do recorrente que entretanto venha a ser vendido para pagar uma quantia que este considera que já não existem valores em dívida, o que não faz sentido e viola os seus legítimos direitos e interesses, uma vez que este não o quer vender o seu património.
34ª) Assim, a questão a decidir prende-se com a conformação dos poderes do juiz de execução, na aferição da legalidade de acto de penhora por ofensa do princípio da proporcionalidade, tendo em conta a dívida exequenda.
35ª) Face ao supra exposto, a penhora realizada não obedece ao princípio da proporcionalidade, pois o recorrente já pagou os montantes que são devidos, devendo ordenar-se o levantamento da penhora e julgar-se extinta a execução, sendo o recorrente dispensado do pagamento das custas e encargos com o processo, bem como dos honorários do AE.
36ª) Ao não decidir assim, a douta decisão violou, nomeadamente, o disposto nos artºs 529º, 533º, 784º e 785º todos do CPC, bem como, nos artºs 4º nº 7, 25º nº 3 e 26º do Regulamento das Custas Processuais, porquanto, fez errada interpretação e aplicação das referidas normas ao caso em apreço, como decorre do que se deixou dito, considerando o Recorrente que as mesmas deviam ter sido interpretadas e aplicadas nos termos constantes do supra exposto, julgando-se o presente incidente procedente por provado, ordenando-se o levantamento da penhora e julgando-se extinta a execução, sendo o recorrente dispensado do pagamento das custas e encargos com o processo, bem como dos honorários do AE.
Conclui, pedindo que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue o incidente procedente por provado e ordene o levantamento da penhora e julgue extinta a execução, sendo o recorrente dispensado do pagamento das custas e encargos com o processo, bem como dos honorários do AE, por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A exequente/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida por não se verificar qualquer uma das situações descritas na alínea a) do n.º 1 do art. 784º do CPC e ser necessária a penhora, que se mantém para pagamento da quantia ainda em dívida.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do executado/recorrente há que apreciar:
a) A nulidade da decisão;
b) A violação do princípio da proporcionalidade da penhora efectuada.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O executado/apelante pretende ver revogada a decisão que determinou a subsistência da penhora que incidiu sobre o imóvel descrito sob a verba número 3 do auto de penhora lavrado com data de 27 de Março de 2019, pela seguinte ordem de fundamentos:
o Face ao conteúdo da alegação do recorrente quer quanto ao montante dos valores em dívida, quer relativamente à sua responsabilidade pelo pagamento dos honorários do agente de execução, a decisão do tribunal a quo ao entender, sem qualquer fundamentação de facto ou de direito, que este não era o momento de apurar da liquidação final padece de omissão de pronúncia;
o Estando impugnados os valores constantes da nota de honorários apresentada pelo agente de execução e estando pagos os valores que são realmente devidos, a manutenção da penhora sobre o imóvel identificado na verba número 3 viola o princípio da proporcionalidade.
A propósito da nulidade imputada à decisão recorrida, em 7 de Outubro de 2019 foi proferido despacho em que se consignou o seguinte:
Da análise dos autos e apesar da decisão não ter sido proferida pela signatária, entendo não se verificar qualquer nulidade, não procedendo a qualquer retificação, contudo, os Venerandos Desembargadores melhor decidirão.” (cf. Ref. Elect. 121482007).
Da nulidade da decisão
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
A nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC é reconduzida à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito ou a sua ininteligibilidade, o que tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência como abrangendo apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente ou o desacerto da decisão.
Tal vício emerge, pois da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 208º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no art. 154º do CPC.
Na verdade, dispõe o n.º 1 deste preceito que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
E acrescenta o n.º 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Esta disposição indicia, pois, que o dever de fundamentação das decisões judiciais conhece diferentes graus, consoante o tipo de decisão a proferir e a sua complexidade.
O grau máximo da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é representado pela sentença em acção contestada (art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC), sendo a lei processual menos exigente, por exemplo, no caso das acções não contestadas (cf.. art. 567º, nº 3 do CPC), e nas decisões relativas aos incidentes da instância e procedimentos cautelares (cf. art.ºs 295º e 365º, nº 2 do mesmo Código).
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC – aplicável aos despachos atento o estatuído no art. 613º, n.º 3 deste diploma legal -, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
Assim, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-06-2016, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1 acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[2]:
“As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º […] ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)). O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos […] Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada.”
A figura da nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui, assim, uma figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Já o Prof. José Alberto dos Reis esclarecia que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.» - cf. Código de Processo Civil Anotado, V Volume, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 140.
Significa isto que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011, relator Pereira Rodrigues, processo n.º 2/08.9TTLMG.P1.
Já quanto à omissão de pronúncia sobre questões suscitadas ou sobre pretensão deduzida, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas partes ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, relator Sousa Peixoto, processo n.º 05S2137 esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.”
Antes de se apreciar, em concreto, a nulidade imputada à decisão recorrida cumpre enquadrá-la processualmente.
Nos termos do art. 817º do Código Civil, se o devedor não cumprir voluntariamente uma obrigação a que se encontre vinculado, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.
A penhora, enquanto “garantia especial das obrigações” consiste numa apreensão judicial do património do executado com vista à sua posterior venda executiva e subsequente satisfação da obrigação exequenda através do produto dessa alienação forçada.
Todos os bens e direitos do devedor que sejam susceptíveis de penhora respondem, em regra, pela obrigação (exceptuam-se os bens legalmente qualificados como absoluta, relativa ou parcialmente impenhoráveis ou quando se verifique a autonomia patrimonial decorrente da separação de patrimónios – art.ºs 736º a 739º e 740º a 745º do CPC) – cf. art. 601º do C. Civil e 735º, n.º 1 do CPC.
A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, seja através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais daquele devedor ou da realização, por terceiro devedor, em favor da execução, da prestação – cf. art.º 10º, n.º 4 do CPC e art.º 817 do Código Civil.
Tal como decorre do disposto no art. 735º, n.º 1 do CPC, a regra geral no âmbito do processo executivo é a de que só podem ser penhorados bens que pertençam ao devedor, posto que a execução seja movida contra este.
Não existe actualmente uma imposição legal atinente a uma ordem de prioridade em relação aos bens que devem ser penhorados, estatuindo o art. 751º, n.º 1 do CPC, que a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de “mais fácil realização” e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
Existem cinco formas de reacção contra a penhora ilegal: a oposição por simples requerimento (art. 764º, n.º 3), o incidente de oposição à penhora (arts. 784º e 785º), os embargos de terceiro (arts. 342º e ss.), a acção de declaração da titularidade do direito que obste à realização ou ao âmbito da penhora (arts. 10º, n.º 3, al. a) e 346º) e a acção de reivindicação (arts. 1311º do C. Civil, 346º, 840º e 841º).
Em processo executivo o executado pode defender-se por dois meios: opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efectivar, através de embargos de executado (cf. art. 728º e seguintes do CPC); ou opondo-se à penhora, quando entenda que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser, quer porque não devem, em concreto, ser apreendidos, quer porque o foram para além do permitido pelo princípio da proporcionalidade (cf. art. 784º e seguintes do CPC).
O incidente de oposição à penhora previsto no art.º 784º do CPC cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada. O incidente de oposição à penhora é, conforme refere Rui Pinto, a «acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável». – cf. apud acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1.
O art. 785º, n.º 2 do CPC estipula que o incidente de oposição à penhora segue os termos dos art.ºs 293º a 295º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 732º do mesmo diploma legal.
Nos art.ºs 293º a 295º prevêem-se as disposições gerais sobre os incidentes da instância, no que respeita à oposição, indicação de provas, limite do número de testemunhas, registo dos depoimentos, alegações orais e decisão, a observar na falta de regulamentação especial – cf. art. 292º do CPC.
Por seu turno, o art. 732º do CPC regula os termos da oposição à execução, determinando, no respectivo n.º 1, que os embargos devem ser autuados por apenso, sendo liminarmente indeferidos por algum dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do mesmo preceito.
Assim, por remissão expressa do art. 785º, n.º 2 do CPC para o n.º 1 do art. 732º, o requerimento de oposição à penhora deve, pois, ser autuado por apenso aos autos de execução, seguindo depois a sua tramitação naquele apenso.
A oposição à penhora por meio de simples requerimento, apresentado nos próprios autos de execução, só está prevista na situação descrita no art. 764º, n.º 3 do CPC (apresentação de prova documental inequívoca do direito de propriedade de terceiro sobre os bens móveis não sujeitos a registo penhorados), admitindo-se a oposição por este meio quando tenha por fundamento a questão da impenhorabilidade do bem – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pág. 373; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-11-2018, relatora Deolinda Varão, processo n.º 2706/11.0TBSTS-D.P1.
O executado/recorrente, tendo invocado expressamente as previsões normativas vertidas nos art.ºs 784º e 785º do CPC atinentes à oposição à penhora, ao invés de deduzir um concreto incidente de oposição à penhora realizada em 27 de Março de 2018, optou por dirigir aos autos de execução, em 11 de Abril de 2018, um requerimento de reclamação de acto de agente de execução, vindo a ser proferido, em 20 de Setembro de 2018, o despacho sob recurso.
Ora, ainda que o requerimento em apreço tenha sido apresentado nos próprios autos de execução, tal não seria fundamento para o seu indeferimento mas, acaso tivesse o senhor juiz a quo entendido que se tratava de um incidente de oposição à penhora, deveria ter ordenado o seu desentranhamento e a sua autuação por apenso, para posterior prosseguimento dos seus trâmites normais, atento o estatuído nos art.ºs 6º e 193º, n.º 3 do CPC.
Não foi isso o que fez o tribunal recorrido.
Confrontado com a pronúncia do agente de execução, remetida aos autos em 17 de Abril de 2018, onde este reconheceu a existência de excesso de penhora, limitou-se a 1ª instância a entender que importava apreciar oficiosamente a penhora efectuada, decidindo que esta se manteria nos termos da pronúncia do agente de execução, ou seja, que se manteria apenas a penhora incidente sobre o imóvel descrito sob a verba 3 do auto de penhora de 27 de Março de 2018.
No entanto, tal decisão não poderia ter sido tomada sem ter presente o âmbito das questões suscitadas pelo executado, ora recorrente, no âmbito da reclamação que deduziu.
Com efeito, ainda que o executado tenha enveredado, aparentemente, pela invocação de um fundamento de oposição à penhora - inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos atenta a extensão com que foi realizada -, certo é que concluiu o seu requerimento com um pedido de revogação desse acto, com levantamento da penhora que incidiu sobre os três imóveis de que é proprietário, o que fez louvando-se nos montantes já arrecadados para os autos e no valor que, em 11 de Abril de 2018, depositou na conta do agente de execução para pagamento daquele que considerava ser, então, o valor ainda em dívida relativamente à quantia exequenda.
Note-se que, após a pronúncia do agente de execução e apresentação por este da nota de honorários e despesas que acima se transcreveu, o executado reiterou a sua pretensão de ver cancelada a penhora, aludindo expressamente à extinção da execução por via dos pagamentos pelo próprio efectuados (e de que já dera conta no primeiro requerimento, mas aduzindo agora um novo pagamento), com satisfação integral da quantia exequenda, o que sustentou impugnando os valores consignados pelo agente de execução naquela nota e afastando a sua responsabilidade pelo pagamento das despesas ali elencadas (cf. requerimento de 30 de Abril de 2018 - Ref. Elect. 112724473).
Daqui se retira que a pretensão do executado/recorrente C não se cingia, afinal, a um pedido de redução da penhora, pretendendo também que o tribunal ponderasse, no juízo a efectuar sobre a adequação desta, os valores entretanto depositados no processo, visando alcançar a extinção da execução e o cancelamento do acto de apreensão, acoplando ainda, quando confrontado com ela, a impugnação da nota de honorários e despesas (note-se que esta pode ser objecto de reclamação para o juiz, sendo esse o seu concreto meio de impugnação, tal como se retira do disposto no art. 721º, n.º 5 do CPC e do art. 46º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto).
A intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária relativamente à da secretaria e do juiz, embora este último não detenha um poder geral de controlo sobre a actuação daquele, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no art.º 723º do CPC.
Esta disposição legal prescreve o seguinte no seu n.º 1:
“Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar e graduar em os créditos, no prazo máximo de três messes contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.”
A competência fundamental do agente de execução é a prática de actos materiais de realização coactiva da prestação, o que abrange, claramente, o acto de penhora – cf. art.ºs 719º, n.º 1 e 755º e seguintes do CPC.
No entanto, ainda que não estando em reserva de jurisdição, a actuação do agente de execução está vinculada ao respeito pelos direitos e garantias fundamentais.
Daqui resulta que as partes ou outros terceiros intervenientes, que com eles se sintam afectados, podem reclamar dos actos ou impugnar as decisões dos agentes de execução (no prazo de 10 dias a contar da sua notificação ou conhecimento – cf. art.º 149º, n.º 1 do CPC).
Os despachos do agente de execução podem estar afectados de ilegalidade por violação de lei substantiva ou violação de lei de processo, incluindo nulidades exclusivamente decisórias (artigo 615º nº 1 als. b) a e) do CPC - exemplo de nulidade por violação de lei de processo: o agente de execução profere decisão para a qual não tem competência) ou por erro de julgamento de factos processualmente relevantes, por exemplo, erro no julgamento dos pressupostos da admissão de reforço da penhora (cf. artigo 751º n.º 4) ou no julgamento da ocorrência efectiva de uma causa de extinção da execução, nos termos do artigo 849º do CPC.
Nestas situações, a impugnação disponível é a de tipo reclamatório para o juiz, não cabendo, em princípio, recurso da decisão que incida sobre aquela – cf. art. 723º, n.º 1, c) do CPC.
O tribunal da execução é o competente para receber e julgar a reclamação ou impugnação – cf. art.ºs 723º, n.º 1, c) e 91º, n.º 1 do CPC.
A alínea c) do n.º 1 do art. 723º do CPC prevê dois meios distintos de defesa contra a actuação do agente de execução: a reclamação de actos deste e a impugnação das suas decisões.
Mas para além deste meio específico de defesa perante actos processuais do agente de execução, existem outros meios de defesa como sejam a oposição à penhora, os embargos de terceiro ou a arguição de nulidades; quando se esteja no contexto destes, não há lugar à reclamação do acto do agente de execução.
Assim, a reclamação dos actos do agente de execução deve ser encarada como “meio de revogação de atos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade ou em erro de julgamento de factos que não sejam objecto de meio processual especial” – cf. Rui Pinto, A Acção Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 113.
Existindo ilegalidades e actos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa e não sendo de pressupor que o legislador pretendeu deixar ao interessado a livre escolha entre a reclamação e os outros meios, deve aceitar-se que a reclamação de acto do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado, ou seja, nesse caso, prevalece o meio processual de âmbito especial.
Assim, no que diz respeito às ilegalidades materiais da penhora devem estas ser objecto de oposição à penhora ou embargos de terceiro.
No entanto, a reclamação constitui o meio residual de impugnação de actos de penhora, designadamente, para a dedução de oposição à penhora pelo próprio exequente, com fundamento em os bens não pertencerem ao próprio ou em qualquer outra ilegalidade objectiva ou subjectiva, sobremaneira, quando os bens tenham sido indicados pelo executado, nos termos do art. 750º, n.º 1, segunda parte do CPC.
Será esse ainda o meio adequado para a reclamação pelo exequente, executado ou terceiro dos actos de penhora praticados com violação dos deveres funcionais do agente de execução, que não configuram nulidades processuais, de modo a provocar a fiscalização por parte do juiz – cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 779.
Já se referiu que quando se penhoram bens para além do limite do necessário ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, verifica-se uma violação do limite objectivo de penhorabilidade que decorre do disposto no art. 735º, n.º 3 do CPC.
Logo, tratar-se-á de uma penhora ilegal contra a qual se reage ao abrigo do disposto no art. 784º, n.º 1, a), segunda parte do CPC – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-09-2019, relator Pedro Martins, processo n.º 4720/03.0YYLSB-A.L1-2 e de 14-07-2011, relator Maria Amélia Ribeiro, processo n.º 28450/08.7YY.LSB-A.L1-7.
Sucede, contudo, que a impugnação do executado/recorrente dirigida contra o acto de penhora que incidiu sobre os seus três imóveis não se cinge apenas à sua extensão, por desadequada ao montante da quantia exequenda, mas, mais do que isso, vem colocar em crise a necessidade do reforço da penhora e a existência de valores depositados que, no seu entender, são suficientes para garantir o pagamento da quantia exequenda.
Na verdade, tal como se retira do relatório supra, no âmbito da execução cuja quantia exequenda inicial era de € 67 850,94, em 18 de Janeiro de 2017, foi penhorado um imóvel pertencente ao co-executado Augusto Pereira, que foi vendido pelo preço de € 47 706,46 (com entrega de resultados ao exequente no valor de € 46 195,67) e, posteriormente, foram penhorados saldos bancários, no valor global de € 12 141,96.
O agente de execução entendeu serem de penhorar três outros imóveis da titularidade do ora recorrente, a que atribuiu um valor patrimonial global de € 113 070,10.
Foi contra este reforço da penhora que o recorrente se insurgiu, efectuando cálculos que visavam demonstrar que a essa data, 11 de Abril de 2018, estariam apenas em dívida € 8 002,52, a cujo pagamento então procedeu.
Quando confrontado com os valores vertidos na nota de honorários apresentada pelo agente de execução em anexo à sua resposta, o executado impugnou os valores que nela foram considerados como tendo sido utilizados para pagamento da quantia exequenda, sustentando que os valores em dívida não são os indicados pelo agente de execução, efectuando um novo cálculo quanto a juros de mora e procedendo ao pagamento da quantia de € 2 504,87.
Ora, a decisão recorrida não apreciou nenhuma destas questões.
Pelo contrário, limitou-se a considerar que aquele não era o momento de apurar a liquidação final da execução mas apenas de apreciar oficiosamente a penhora e aderiu à posição assumida pelo agente de execução, fazendo-o sem qualquer justificação factual ou jurídica, concluindo pela subsistência da penhora do imóvel, tal como propugnado por este último.
Quer o senhor juiz a quo se tenha limitado a apreciar, conforme disse, oficiosamente, a regularidade da penhora, quer o tenha feito na sequência do requerimento do executado de 11 de Abril de 2018, enquanto incidente de oposição à penhora (indevidamente tramitado nos próprios autos de execução), certo é que nessa sua apreciação não elencou quaisquer factos que pudessem conduzir à sua conclusão de manutenção da penhora do imóvel, assim como não atendeu aos factos novos que tinham sido trazidos ao processo por via desse requerimento.
Por expressa remissão do art. 785º, n.º 2 do CPC, a decisão a proferir no incidente de oposição à penhora deve observar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 607º do CPC – cf. art. 295º do CPC (o que é extensível a qualquer decisão que aprecie um incidente autónomo deduzido na causa).
Nos termos do n.º 3 do art. 607º do CPC, por fundamentos da sentença devemos entender os factos que o Tribunal considera provados e não provados, e as razões de Direito decorrentes da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes.
Na situação sub judice, a decisão recorrida, para além de não conter relatório, ou seja, identificação das partes e do objecto do litígio, como decorre do disposto no nº 2 do art. 607º do CPC, não contém nenhum elenco de factos provados e não provados, como deveria conter em cumprimento do estatuído nos n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito legal.
Certo é que nessa decisão se refere “face ao teor da pronúncia do agente de execução, que expressamente reconhece excesso de penhora”, para daí concluir “entende-se adequado o declarado à finalidade da cobrança executiva, determinando-se a subsistência da penhora de imóvel nos termos da pronúncia do AE”, mas dela não consta em que se traduz esse excesso de penhora, expressão meramente conclusiva, face à ausência de enunciação de qual seja o montante da quantia exequenda ainda em dívida e sem qualquer ponderação sobre o valor dos imóveis (expressamente impugnado pelo executado no seu requerimento de reclamação).
Assim, outra ilação não é possível que não a de, em conformidade com o acima expendido, concluir que a decisão recorrida carece em absoluto de fundamentação de facto.
De igual modo, tal decisão não contém também qualquer fundamentação de direito, dado que não indica uma única disposição legal, nem qualquer fundamento jurídico, que justifique a decisão e menos ainda qualquer fundamento para que se tenha entendido que aquele não era o momento de efectuar a liquidação do julgado.
Não se olvida, conforme supra explanado, que a figura da nulidade da decisão/sentença por falta de fundamentação constitui uma figura de muito difícil verificação e que esta não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
Todavia, ainda que ponderando a especificidade da nulidade em referência, crê-se que a conclusão há-de ser, necessariamente, a da sua verificação pois que, a decisão colocada em crise não contém, de todo, a indicação dos factos e as razões de direito em que se estriba para considerar adequado que se mantenha a penhora que incidiu sobre o imóvel identificado sob a verba 3 do autos de penhora de 27 de Março de 2018.
Acresce que, ainda que assim não fosse, tal decisão sempre padeceria do vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, ao momento em que foi proferida tal decisão o executado já havia suscitado a ilegalidade da penhora atenta a extensão com que foi efectuada, e, além disso, é evidente que no seu requerimento de reclamação pretendeu que o tribunal apreciasse e determinasse que a quantia exequenda se encontrava totalmente paga, face aos valores já cobrados nos autos e ao pagamento a que procedeu, o que conduziria à extinção da execução.
Pretensão, aliás, reiterada expressamente em sede de requerimento subsequente à resposta do agente de execução.
Ora, o senhor juiz a quo nenhuma palavra disse sobre tal pretensão, entendendo, sem ter aduzido qualquer fundamentação jurídica nesse sentido, que existia “um valor em dívida cuja liquidação é discutida […] não sendo este o momento de apurar a liquidação final”.
Não sendo o momento de apurar a liquidação final, seria seguramente o momento de apurar a liquidação provisória, quer para efeitos de ponderação do alegado excesso de penhora, quer para efeitos de apreciação do pedido de extinção da execução, por pagamento integral da quantia exequenda.
Note-se, aliás, que o executado C, quer na reclamação deduzida em 11 de Abril de 2018, quer no seu requerimento de 30 de Abril de 2018, revelou clara intenção de proceder ao pagamento integral do montante que ainda se encontrasse em dívida, tendo efectuado o pagamento dos valores que, de acordo com os cálculos que apresentou (distintos dos do agente de execução), corresponderiam, na sua perspectiva, ao pagamento total da quantia exequenda.
Como tal, para além da apreciação da ilegalidade da penhora, o requerimento deduzido pelo executado pretendia algo mais, ou seja, visava o levantamento da penhora também por via do reconhecimento do pagamento integral da quantia exequenda e consequente extinção da execução.
Tendo presente o estatuído nos art.ºs 846º e 847º do CPC, sempre se imporia a liquidação da responsabilidade do executado, para efeitos de apreciação da sua pretensão de ver extinta a execução, competindo ao juiz do tribunal da execução ordenar a elaboração da conta para esse efeito, tal como lho permitia o art. 29º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
O tribunal recorrido não tomou qualquer posição quanto a essa pretensão, sendo certo que, nos termos do art. 723º, n.º 1, c) do CPC, sempre seria da competência do senhor juiz apreciar, seja a validade do acto de penhora face à alegada satisfação integral da quantia exequenda[3], seja o bem-fundado da nota de honorários e despesas apresentada pelo agente de execução, quer no que concerne à responsabilidade do executado pelo pagamento daqueles, seja quanto aos valores ali reflectidos como tendo sido destinados ao pagamento do montante exequendo.
Ora, o senhor juiz a quo limitou-se a reduzir a amplitude da penhora decorrente do auto de 27 de Março de 2018, restringindo-a à verba 3, sem ter aduzido qualquer fundamentação, de facto ou de direito, que suporte essa sua decisão, ancorando-se na pronúncia do agente de execução, para que remeteu sem qualquer outro tipo de explicação, em manifesta violação do estatuído no art. 154º, n.º 2 do CPC, e sem atender a qualquer um dos novos factos introduzidos nos autos pelo reclamante, sejam os atinentes aos valores por si pagos, sejam os relativos à sua responsabilidade pelas custas do processo, onde se incluem os honorários e despesas do agente de execução (cf. art.ºs 529º, 532º e 533º do CPC).
Tal decisão mostra-se, assim, também por esta razão, nula por omissão de pronúncia.
Note-se que o conteúdo da decisão recorrida nem permite discernir qual o meio processual seguido pelo senhor juiz, ou seja, se a entendeu como decisão sobre um incidente de oposição à penhora erroneamente enxertado na própria execução ou se como decisão de um incidente de reclamação de acto de agente de execução, mencionando apenas que apreciava “oficiosamente” a penhora, sem indicar ao abrigo de que norma legal o fazia.
Ainda que se releve para efeitos de recurso o meio processual (reclamação de acto) pelo qual o executado/apelante formalmente optou (sendo certo que é contra a decisão de 20 de Setembro de 2019 que este se insurge e que tal decisão, conforme se retira do despacho de admissão de recurso, corresponde ao culminar da sequência processual iniciada com o requerimento do executado de 11 de Abril de 2018 – cf. despacho de 29-11-2018 - Ref. Elect. 116418712), sempre se deverá concluir pela admissibilidade do presente recurso, não obstante o vertido no art. 723º, n.º 1, c) do CPC.
Na verdade, apesar de a competência do juiz da execução ser uma competência restrita, tipificada e residual, sendo opção do legislador que a actuação do agente de execução seja objecto de um único nível de controlo jurisdicional, ficando reservado ao juiz da execução o julgamento “das questões em que exista um litígio de pretensões”, a verdade é que o incidente suscitado pelo apelante (seja considerado como incidente de oposição à penhora indevidamente tramitado nos autos de execução, como mero requerimento de oposição à penhora, ou como requerimento para liquidação e extinção da execução) introduziu nos autos uma controvérsia acerca do montante da quantia exequenda ainda em dívida e, bem assim, acerca da responsabilidade do executado pelos honorários e despesas do agente de execução.
Tal controvérsia contende necessariamente com a subsistência ou não do acto de penhora, e, sendo o caso de esta dever manter-se, com a sua adequação e proporcionalidade, estando pois instalado um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património do executado, por parte do exequente neste procedimento executivo.
A agressão do património do executado só é permitida enquanto seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente, na realização da prestação e do executado, na salvaguarda do seu património.
Como acima se explanou, no processo executivo vigora o princípio segundo o qual não deve ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação, de modo que a actuação do credor pode configurar uma situação de abuso de direito quando promove a penhora de bens de valor consideravelmente superior ao montante da dívida – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 332, nota 1176.
O princípio da proporcionalidade tem uma génese constitucional posto que a faculdade de penhorar bens do devedor (ou de terceiro) representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias – cf. art.ºs 817º e 818º do Código Civil e art.ºs 18º, n.º 2 e 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 526.
Por esta razão, estando em causa a afectação do património do executado num contexto em que este demonstra o pagamento de valores para além daqueles que já se mostram arrecadados nos autos e em que suscita estarem verificadas as condições para a extinção da execução, sempre se justificaria uma interpretação restritiva da alínea c) do n.º 1 do art. 723º do CPC, pois que “uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria […] com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP) - (defendendo também uma interpretação restritiva da al. c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, vide J. H. Delgado de Carvalho, Jurisdição e caso estabilizado, Quid Juris, 2017, pp. 188 e seguintes).” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019, relator Jorge Leal, processo n.º 13644/12.9.YYLSB-C.L1-2.
Tendo-se concluído pela verificação dos vícios apontados à decisão recorrida que a tornam nula, competiria a esta Relação prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, n.º 2 do CPC. Porém, o tribunal ad quem apenas o poderá fazer quando dispuser dos elementos necessários para o efeito.
Ora, a total ausência de fundamentação de facto de que padece a decisão recorrida inviabiliza qualquer apreciação do mérito do recurso, porquanto restam por apurar, desde logo, todos os valores que devem ser tidos como existentes nos autos para satisfação do crédito exequendo e, bem assim, todos aqueles que foram já objecto de entrega de resultados ao exequente (note-se que, não obstante a informação que consta da nota de honorários e despesas apresentada pelo agente de execução, em 17 de Abril de 2018, fica sem se saber qual o destino dos montantes correspondentes aos saldos bancários penhorados), assim como não existiu qualquer pronúncia sobre o montante pago pelo executado C em 30 de Abril de 2018, o que se revela fundamental para determinar qual o montante, a existir, da quantia exequenda que ainda está em dívida, mas, mais do que isso, para aferir da adequação da penhora ou do seu necessário cancelamento.
Em consonância, há que declarar a nulidade da decisão proferida na 1ª instância, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, devendo os autos baixar àquele Tribunal de modo a que, realizadas as diligências que se revelem pertinentes, seja proferida nova decisão que, enunciando os factos provados e não provados relevantes para a apreciação das questões suscitadas pelo executado/recorrente (nomeadamente, as relativas ao montante da quantia exequenda em dívida e ao valor patrimonial dos bens penhorados), conclua pelo alcance da responsabilidade do executado e pela subsistência ou não da penhora e respectiva extensão.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória do recorrente merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam cargo do exequente/recorrido, parte vencida no recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em declarar nula a decisão impugnada e, em consequência, ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido, a fim de que profira nova decisão que sane os vícios apontados.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 19 de Novembro de 2019[4]

Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[3] Note-se que o Prof. Lebre de Freitas sustenta, atento o disposto no actual art.º 723º n.º 1, c) e d) do CPC C, que, na falta de outro meio de impugnação da penhorabilidade do bem apreendido ou a apreender, fundamentalmente depois da penhora efectuada pelo agente de execução e veiculando novos elementos de facto, o executado pode, desde que o juiz não tenha conhecido da questão concreta da penhorabilidade, introduzir no processo elementos que permitam ao juiz melhor conhecer da referida questão – cf. A Acção Executiva à Luz do Código de 2013, 6ª ed., pg. 315; também o Prof. Anselmo de Castro, admitia, como afloramento do princípio geral do conhecimento por forma simples e abreviada das questões para as quais se mostre, em princípio, desnecessário o uso de meio mais complexo, a admissibilidade do simples requerimento de oposição à penhora para a apreciação de questões de mero direito e nas de facto, a provar por documento ou, noutros casos, em função de uma confissão do exequente, questões essas para as quais não tenha existido um contraditório prévio, fornecendo-se assim ao tribunal a possibilidade de um contraditório postcipado –cf. A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pgs. 326ss apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-05-2019, relator Vieira e Cunha, processo n.º 1213/13.0TBVNG-B.P1.
[4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.