Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
104/11.4TBNRD.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
NULIDADE
AUTORIZAÇÃO
CONTRATO
SUB-ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. A nulidade de um contrato de arrendamento rural meramente verbal não pode ser invocada pela parte que após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito; mas pode ser invocada por terceiros interessados no negócio – art. 4º.4 do DLR 29/2008/A, de 24 de julho.
2. O arrendatário rural não tem legitimidade para subarrendar um prédio rústico sem autorização escrita do senhorio, e ainda menos o empresário agrícola que, mediante acordo meramente verbal com o dono do prédio, o explora sem contrato reduzido a escrito – art. 13 do DLR 29/2008/A.

(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam noTribunal da Relação de Lisboa:


Relatório
O Tribunal Judicial do Nordeste julgou parcialmente procedente a ação de António M.(autor, recorrido) contra F S.A. (ré, recorrente) e em consequência condenou a ré a pagar ao autor € 4.665,60 com juros de mora à taxa legal, até 30 de setembro de 2011; e bem assim, nos juros vincendos, à taxa legal sobre aquele montante, até efetivo e integral pagamento; absolveu a ré do demais peticionado. Havia sido chamada ao processo Paula  (chamada), mas quanto a esta o tribunal decidiu que nenhum pedido havia a apreciar atenta a sua posição de interveniente acessória.
A ré apelou, pedindo que se revogue a sentença recorrida. O autor pediu que ela seja mantida. A chamada não se pronunciou.
Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir se a ré incorreu ou não em responsabilidade civil por ter deixado de pagar as compensações mensais estipuladas no “Acordo de Utilização” abaixo indicado. 


Fundamentos

Factos

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:
1. A Chamada Paula . é dona e legítima possuidora do prédio rústico, com área de 9740 m², sito às Lombinhas, freguesia da A.., concelho de .., inscrito na matriz predial sob o artigo .. e descrito na Conservatória do Registo Predial do ..sob o nº …
2. O prédio adveio à posse da Chamada por compra que dele fez aos anteriores possuidores em 3 de Janeiro de 2006.
3. O prédio vinha sendo ocupado e explorado pelo A., desde 1 de Novembro de 2002, mediante o pagamento anual da quantia de €350,00.
4. A Chamada recebeu a quantia referida em 3. pelos anos de 2007, 2008 e 2009.
5. A Chamada tem nesta ilha (..) como procurador o Senhor Heitor .. com poderes para gerir o contrato referido em 3.
6. Em Junho de 2009, o A. foi procurado pela R. para ceder, temporariamente, uma parte do prédio, para servir de estaleiro à R. nos trabalhos de construção das SCUTS.
7. O A. e R. celebraram um contrato epigrafado de “Acordo de Utilização de Prédio Rústico”, o qual tinha por objecto o prédio rústico e que se destinava a depositar terras sobrantes de escavação a efectuar na Obra de Construção da SCUT.
8. A R. acordou que pagaria ao A., como compensação, a quantia mensal de €388,80, líquido da retenção €337,50, com início em 11 de Junho de 2010 e fim com o das referidas obras, sempre com a obrigação de entregar a terra limpa e em condições de retomar a sua produtividade.
9. O último pagamento feito pela R. ao A. foi referente ao mês de Setembro de 2010.
10. Em 1 de Outubro de 2010, a R. e a Chamada celebraram um contrato epigrafado de “Acordo de Utilização de Prédio Rústico”, o qual tinha por objecto o prédio rústico e que se destinava a depositar terras sobrantes de escavação a efectuar na Obra de Construção da SCUT.
11. Pela cedência, a R. ficou obrigada a liquidar mensalmente à Chamada o montante de €337,50.
12. A R. passou, a partir de Outubro de 2010, a liquidar as rendas à Chamada.
13. Em 5 de Julho de 2011, o A. solicitou à Chamada que o contrato de arrendamento fosse reduzido a escrito.
14. O A. exerce a actividade de empresário agrícola.
15. A R. deixou o prédio livre e desocupado em 31 de Dezembro de 2011.


Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

a) Qualificação jurídica do contrato e incumprimento do mesmo:
Aqui chegados importa, desde já, descer ao caso concreto. Para tanto, consideramos necessário abrir, neste momento, um pequeno parêntesis, de molde a poder ser aquilatado todo o nosso percurso lógico.
Considerando os pontos 2. a 4. dos factos provados, os mesmos bastam para caracterizar a existência de um contrato de arrendamento rural, pois encontram-se reunidos todos os elementos essenciais que o caracterizam: a obrigação de uma das partes proporcionar ou conceder à outra o gozo de um prédio rústico para fins de exploração agrícola (ou pecuária); que esse gozo seja temporário e que a obrigação de conceder o gozo tenha como contrapartida a obrigação de pagar uma retribuição, nos termos dos artigos 1022 e 1023, primeira parte, do Código Civil e artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio (alterado pelo Decreto Regional nº 1/82/A, de 28 de Janeiro, e pelos Decretos Legislativos Regionais nºs 7/86/A, de 25 de Fevereiro, e 16/88/A, de 11 de Abril). Actualmente, o arrendamento rural dos Açores encontra-se regulado pelo Decreto Legislativo Regional nº 29/2008/A, de 24 de Julho (doravante simplesmente LARA08 e que revogou os diplomas legais anteriormente referidos – cfr. artigo 34), o qual entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 35) e aplica-se aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor (artigo 31, nº 1).
Tendo presente os pontos 5. a 9. dos factos provados, o A. e a R. celebraram um contrato epigrafado de “Acordo de Utilização de Prédio Rústico”, mediante o qual aquele cedia parte do prédio rústico identificado no ponto 1. e, como contraprestação, a R. obrigava-se a pagar uma quantia mensal.

Consideramos que estamos, na verdade, perante um contrato de sublocação, o qual está devidamente disciplinado nos artigos 1060 e segs. e, igualmente, nos artigos 1022 e segs. do CC, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo. Neste contrato, uma das partes está obrigada a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. (…)

Contudo, e relativamente ao locador ou a terceiros, a sublocação só produz efeitos a partir do seu reconhecimento pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038 (artigo 1061 do CC). (…)

Aqui chegados cumpre referir que a resolução, ou não, do contrato de arrendamento rural por parte da Chamada Paula … não está, aqui, em apreço, pois, por um lado, não faz parte do concreto objecto da presente acção e, por outro, tal situação não contende com a existência do contrato firmado entre o A. e a R. F.. Tanto mais que à data da celebração de tal contrato de sublocação – 11 de Junho de 2010 – o A. dispunha do gozo do prédio in casu e celebrou com esta tal contrato.
...
Contudo, e face ao caso concreto, a R. F.. não resolveu o contrato de sublocação que firmou com o A.
Nos termos do artigo 406, nº 1 do CC os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo que o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (artigo 798 do CC), incumbindo àquele (devedor) demonstrar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigo 799, nº 1 do CC). Com efeito, em matéria de responsabilidade contratual, na falta de cumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação presume-se a culpa do devedor, tendo o credor tão só que provar a existência do incumprimento, nos termos do disposto no artigo 342, nº 1 do CC, competindo por sua vez ao devedor ilidir a referida presunção.
Aqui chegados, e em face à factualidade provada, a R. apenas procedeu ao pagamento das rendas até Setembro de 2010 (ponto 9.), tendo apenas deixado o prédio livre e desocupado em 31 de Dezembro de 2011. Assim, não procedeu ao pagamento ao A. das rendas durante tal hiato temporal, incumprindo, assim, a contraprestação contratual a que estava adstrita no contrato bilateral a que se vinculou. Sendo certo que o A. apenas peticiona o pagamento de 12 (doze) rendas referentes a tal hiato temporal.

b) Obrigação de juros e sanção pecuniária compulsória:
De acordo com o nº 2 do artigo 804 do Código Civil (CC), o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe for imputável (requisito subjectivo – culpa), não realize a prestação no tempo devido (requisito objectivo – não cumprimento ilícito), continuando esta a ser possível.

Perante o quadro factual e normativo, conclui-se que o negócio celebrado entre A. e R. não tem natureza objectiva comercial, não sendo, em consequência, aplicável o regime previsto no citado artigo 471 do C.Comercial.
Deste modo, não é aplicável a taxa de juro estabelecida para os juros comerciais, nos termos do artigo 102 do C.Comercial, aplicando-se ao caso os juros civis (presentemente de 4% ao ano), contabilizados até ao dia 30 de Setembro de 2011 (data da distribuição) e, ainda, nos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Finalmente, quanto ao pedido de condenação na sanção pecuniária compulsória:
Resulta do nº 1 do artigo 829-A do Código Civil que: “[n]as obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”.
Daqui resulta que a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 1 deste dispositivo pressupõe uma obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.
Ora, e descendo ao caso concreto, verifica-se que a R. não irá ser condenada em prestação de facto infungível e, assim, terá de naufragar este concreto pedido.


Conclusões do recorrente
A  isto, opõe o recorrente as seguintes conclusões:

a)No âmbito do recurso da decisão proferida, salvo o devido respeito, não foi a mesma devidamente decidida e apreciada pelo Tribunal a quo., sendo que o Tribunal à revelia de tudo quanto deve representar, - Justiça - condenou a A. no pagamento de quantias que, já foram totalmente pagas.
b)O Tribunal recorrido de modo totalmente arbitrário e infundado, reconhece um direito de crédito ao A. quando resulta óbvio e totalmente assente que, este sequer gozava de qualquer legitimidade para o exigir ou sequer para receber.
c)Resultou evidenciado e/ou comprovado nos presentes autos que, o A. não foi legitimamente autorizado a subalugar, subarrendar ou ceder a terceiros, ainda que temporariamente, parte ou mesmo a totalidade do prédio rústico.
d)Não existe contrato que tenha sido celebrado com a proprietária, resultando evidente de toda a realidade que, a R. Recorrente, sempre actuou de boa-fé e pretendeu a todo o custo evitar que a questão se arrastasse ou que viesse a ter problemas judiciais por estar a ocupar um terreno sem o consentimento ou conhecimento e à revelia do proprietário do mesmo.
e)Razão pela qual, a R. suspendeu os pagamentos que até então efectuava directamente ao A, Recorrido, e que foi do pleno conhecimento daquele.
f) Não subsiste causa ou ciência para que R. Recorrente, tenha de as vir liquidar uma vez mais, ainda para mais, a quem, não tem legitimidade para as exigir.
g)A relação estabelecida entre os intervenientes envolvidos nos autos, encontra-se regulada por instrumentos escritos, os quais respondem na íntegra à questão que foi trazida e este Tribunal, devendo por isso considerar e relevar todos os documentos juntos aos autos e que se traduzem na carta datada de 28 de Setembro de 2010 remetida pela proprietária (doc. 1 Contestação), carta datada de 21 de Outubro de 2010 remetida pela R. Recorrente (doc. 2 Contestação), carta datada de 21 de Outubro de 2010 remetida pela R. Recorrente (doc. 3 da Contestação), contrato datado de 01 de Outubro de 2010 celebrado entre a R. Recorrente e a Chamada (doc. 4 da Contestação), documentos comprovativos de pagamento das rendas (doc. 5 a 15 da Contestação), carta datada de 23 de Setembro de 2010 remetida ao A. pela Chamada (doc. 2 da Contestação da Chamada), carta datada de 28 de Novembro de 2011 remetida pela Chamada à R. (doc. 5 da Contestação da Chamada).
h)         Na resposta à matéria controvertida, na qual assenta e se fundamenta a decisão recorrida, muitos são os equívocos, tudo porque o Tribunal a quo, ignorou a força e inequivocidade da prova documental, relevando em excesso e em exclusividade, o contrato celebrado entre o A. e a R. Recorrente.
i)A propósito da regulamentação das relações contratuais entre as partes, deverá atentar-se ao Decreto Legislativo Regional no 29/2008/A de 24 de Julho, de ora em diante simplesmente LARA08, que dispõe claramente que, o Contrato de Arrendamento Rural é obrigatoriamente reduzido a escrito, sob pena de nulidade (artigo 4º do referido diploma legal).
j)O artigo 13 do mesmo diploma prescreve que, Salvo acordo escrito do senhorio e nos casos não previstos no presente diploma, ao arrendatário é proibido subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a terceiros a sua posição contratual.
k)Inexistia qualquer contrato escrito entre o A. e a Chamada, sendo que o primeiro apenas em 2011, tomou a iniciativa de pretender formalizar semelhante relação, mesmo quando tal pretensão apenas foi iniciada sabendo e nem tendo como ignorar que, naquela data tal relação já havia sido resolvida pela proprietária.
l) O A. não negou em nenhum momento que, por conta da alegada exploração do terreno, apenas pagou à proprietária, as rendas correspondentes aos anos de 2007, 2008, 2009.
m)A iniciativa tomada à posteriori de formalizar uma qualquer relação com a proprietária, visava unicamente adquirir e sustentar uma legitimidade que lhe faltava – receber as rendas por parte da R. - quando bem sabia nem tinha como ignorar, que o pagamento devido pela ocupação de parte do prédio rústico era já efectuado pela R., à proprietária daquele terreno.
n)O A. Recorrido formulou e sustentou o seu pedido, assentando-o na qualidade de rendeiro do prédio rústico, quando na realidade a exploração feita por si naquele mesmo prédio, estava no limite, sustentada num contrato verbal, que conforme se veio a verificar, estaria na data resolvido.
o)Ora, desde logo, assentando o uso do prédio rústico em contrato verbal, o mesmo é nulo, por falta de forma, na medida em que contraria o carácter imperativo, da Cláusula 4a da LARA08.
p) Ao não provar, como não o fez, a redução a escrito do contrato, e por isso não se encontrando aquele em conformidade com o regime nele prescrito no tocante à exigência de forma escrita, não pode o A. defender que lhe assistia legitimidade quer para subarrendar quer mesmo para consequentemente, receber qualquer pagamento por conta da cedência de parte daquele prédio rústico.
q)Ainda que assistisse ao A., como aliás o fez, a prerrogativa de exigir da proprietária, ora Chamada, a redução a escrito de tal relação, a verdade é que não o foi, por motivo alheio à ora R. Recorrente, mas que tanto quanto resulta demonstrado em juízo, aquela mesma relação e consequente legitimidade de exploração tampouco se mantinha à data da interpelação que fez à proprietária para o efeito.
r)A sentença recorrida, parte dos factos assentes B), C) e D), para considerar e assim caracterizar, a existência de um contrato de arrendamento rural entre o A. e a Chamada, sendo que em simultâneo, faz tábua rasa de todos os demais elementares princípios de direito, e ignora por isso todo e qualquer formalismo legal a que, a relação contratual deveria imperativamente obedecer.
s)Impõe-se discordar e refutar do raciocínio em que o Tribunal recorrido se alicerça, porquanto, o litígio que se desenrola entre as partes, tem por base a sustentação de uma qualidade e consequente legitimidade do A., que decorreu obrigatoriamente do facto de se presumir que este era rendeiro daquele prédio e que, teria autorização da proprietária para, celebrar contratos de subarrendamento, ou quaisquer outros que implicassem a cedência do seu uso a terceiros.
t)                                                Foi na qualidade de arrendatário/rendeiro que o A. se apresentou e arrogou perante a R. Recorrente, surgindo por isso na veste de possuidor com legitimidade para celebrar semelhante contrato com a R. e nessa mesma qualidade receber o pagamento das respectivas rendas.
u)Por conseguinte, demonstrado que está que não existia qualquer contrato de arrendamento rural, que aquele inclusive desde 2009 que não liquidava qualquer quantia por conta da eventual exploração/utilização do prédio rústico, o A. não possui qualquer qualidade que lhe torne legitimo ou sequer válido, subarrendar ainda que parcialmente uma faixa de terreno à R., nem tampouco receber qualquer pagamento a título de renda.
v) A reforçar semelhante entendimento, temos a resposta negativa ao quesito 2º da BI, ou seja, não resultou provado que o A. tivesse em algum momento falado com Heitor .sobre a cedência referida em F) dos Factos Assentes, e que este último tivesse concordado com a mesma.
w)Por essa via, deveria ainda o Tribunal recorrido ter concluído, que ainda que se concebesse que tal relação contratual de arrendamento rural entre o A. e a proprietária, ora Chamada, pudesse de algum modo ser válida, o que apenas por mero absurdo se concebe, ainda assim, sempre assistiria ao primeiro falta de legitimidade para, sem a autorização escrita da proprietária proceder validamente à celebração de qualquer contrato que visasse subalugar, subarrendar ou ceder a terceiros, ainda que temporariamente, parte ou mesmo a totalidade do prédio rústico.
x)O Tribunal recorrido ignorou a invalidade e ineficácia do arrendamento ou cedência feita ao A., e por essa via, a consequente falta de legitimidade para este se arrogar do direito ao pagamento de rendas junto da R. Recorrida.
y) Tal legitimidade do A., assentava no pressuposto de que este estaria munido de, por um lado, um documento particular devidamente assinado entre o primeiro e a Chamada (proprietária), e por outro, de autorização escrita da última, no sentido de referir expressamente, uma autorização de cedência ou subarrendamento a terceiros, sob pena de esta não ter qualquer validade.
z)Do simples cotejo da documentação supra referida, resulta que apenas por não ter sido demonstrado à R. Recorrente esta mesma autorização, decidiu suspender os pagamentos das quantias decorrentes da utilização do terreno, até então efectuados ao A. Recorrido, sendo que tal convicção encaixa totalmente nas várias missivas trocadas entre as partes, porquanto destas resulta clara a posição do A. e da Chamada.
aa) O Tribunal recorrido, salvo devido respeito, não seguiu nesta matéria qualquer percurso lógico, ou susceptível de um enquadramento jurídico defensável, mais parecendo que dá às partes nada mais do que “uma no cravo e outra na ferradura”, sendo certo que no limite deveria a suspensão do pagamento das rendas feita pela R. Recorrente ter sido considerada justificada e por isso legítima!
bb)Porém, é certo que, ao decidir como decidiu, nada mais faz senão, premiar a actuação ilegítima e abusiva do A., que nada mais revela do que uma manifesta má-fé, traduzindo-se ainda num flagrante abuso de direito.
cc) Por um lado é verdade que a R. de facto celebrou um Contrato denominado “Acordo de Utilização de Prédio Rústico”, do qual resultou a obrigação de pagamento da quantia mensal de € 388,80, não é menos certo que, tal acordo assentou na qualidade e legitimidade do A. para ceder e como contrapartida receber o correspectivo pagamento.
dd)O próprio Tribunal recorrido, não obstante a decisão proferida, caracterizou a relação contratual estabelecida entre o A. e a R. Recorrente, como sendo um CONTRATO DE SUBLOCAÇÃO, devidamente disciplinado nos artigos 1060 e seguintes bem como, 1022 e seguintes do C. Civil.
ee)Nos termos do estatuído no artigo 1060 do Código Civil: A Locação diz-se sublocação quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo.
ff)                                              Acrescenta a propósito o artigo 1061 do Código Civil que, A sublocação só produz efeitos em relação ao locador ou a terceiros a partir do seu reconhecimento pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038o.
gg)                                             Tal enquadramento e caracterização de relação contratual pressupõe e assenta desde logo que, in casu, estejamos perante a manifestação do PRINCIPIO DO SUBCONTRATO ou seja, a posição do contratante está na dependência do contrato principal, sendo que este a extinguir-se ou a inexistir, o subcontrato não pode deixar de se extinguir precisamente porque foi feito nas forças e limites do contrato principal (Ac. de STJ de 22.10.1996 disponível in www.dgsi.pt).
hh) Essencial à figura da sublocação é não só que o locatário proporcione a outrem o gozo da coisa, como o seja mediante retribuição e tenha por base um contrato locativo anterior, o qual obviamente se pressupõe ter por válido e eficaz!
ii) Mais do que uma falta de autorização na “sublocação” com as demais consequências que tal facto per si comporta, temos pois e previamente a qualquer outro acontecimento, a total ausência de “forças e limites do contrato principal”, por totalmente inválido e inexistente.
jj)A sublocação/subarrendamento, não autorizado mais do que enfermar de ineficácia é ilícito (Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 3ª Edição, página 209)
kk)       Não obstante o A. na data da outorga do Acordo, possuir a detenção, ainda que ilícita, da coisa, tal facto não é por si, fundamento para que, se sustente que este possa à margem do direito e de todos os princípios, ser possuidor de um direito de crédito sob a R. Recorrente!
ll) Relembre-se que: O A. não dispunha de qualquer título, válido que sustentasse a ocupação e detenção do prédio rústico melhor identificado nos autos, que não era por essa via ou qualquer outra, proprietário ou arrendatário do prédio rústico, que não possuía qualquer autorização escrita ou verbal por parte da proprietária, que legitimasse a sua cedência, ainda que parcial, do gozo do imóvel a terceiros.
mm)O Tribunal a quo, ignorou flagrantemente, todos os documentos supra descritos, tal como desvalorizou a posição assumida pelo próprio A. e pela Chamada, com todas as consequências jurídico-práticas que os mesmos elementos comportam;
nn)Os factos resultantes dos autos, são demonstrativos de que, não pode sobrevir da conduta da R. qualquer consequência nem tão pouco ser assacada alguma responsabilidade pelo pagamento duma qualquer quantia;
oo)A suspensão do pagamento das quantias mensais junto do A. apenas o foram após a R. tentar obter uma demonstração da legitimidade daquele em as cobrar e da validade do próprio contrato celebrado;
pp)A actuação da R. Recorrente não enquadra um qualquer incumprimento culposo, mas antes sim, um cumprimento adequado das prestações a que estava obrigada, junto de quem tinha legitimidade para as exigir;
qq)Com os documentos que integram a carta remetida pela Chamada/proprietária e demais correspondência subsequente, foi suscitada e criada na esfera jurídica da R. Recorrente, a séria e legitima expectativa de que, o pagamento da renda devida pela ocupação de parte do terreno caberia à proprietária, e foi nesse pressuposto que em 01 de Outubro de 2010, assinou o referido contrato com a CHAMADA.
rr)Tal convicção, assegurada e formalizada pela própria proprietária do prédio rústico, levou a que a R. Recorrente após confrontar sem sucesso o A., se visse forçada a suspender o pagamento daquelas rendas, isto até que resultasse demonstrada a sua legitimidade no seu recebimento.
ss)Sustentar e defender que o A. é detentor de um direito de crédito desta natureza, quando a R. de boa-fé, na obediência dos mais elementares princípios de direito, bem como de transparência nas suas relações, liquidou esses mesmos montantes junto da Chamada (proprietária), é aceitar que o A., sem qualquer causa justificativa, enriqueça à custa da R. Recorrente, concretizando claramente uma situação de enriquecimento sem causa e de flagrante abuso de direito.
tt) O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, confere ao A. o direito de, sem causa justificativa, enriquecer à custa da R. Recorrente (artigo 473 do C. Civil), encontrando-se com tal decisão preenchidos todos os requisitos do enriquecimento sem causa, como sejam: 1) existência de um enriquecimento, concretizado pela condenação da R. no pagamento da quantia correspondente a 12 rendas, já liquidadas à proprietária; 2) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, como seja dizer, da aqui R. Recorrente; 3) a ausência de causa justificativa para tal enriquecimento, porquanto do enquadramento jurídico e legal defensável não é suficiente caracterizar e/ou invocar a existência de um contrato de sublocação que assenta e pressupõe um contrato de locação que in casu, inexiste ou, a conceber a sua existência, é inválido e por isso ineficaz (vide Acórdão da Relação do Porto, de 26.10.2009).
uu)                                            Não se aceita ou sequer concebe que possa o Tribunal a quo concluir que a R. Recorrente faltou culposamente, ao cumprimento da obrigação, tornando-se assim responsável perante o A., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 798 e 799 do Código Civil.
vv)Tal como na responsabilidade extracontratual ou delitual, na responsabilidade contratual são quatro os pressupostos: o facto ilícito (constituído pela omissão do zelo exigível), a culpa (que aqui se presume – art.799/1, C.C.), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
ww)Ainda que se conceba, o que não se aceita ou sequer se equaciona, senão por mera hipótese de raciocínio, que existiu por parte da R. Recorrente um incumprimento, sempre se dirá que o mesmo não se poderá caracterizar como sendo ilícito.
xx)Mais, o pagamento das quantias em que foi agora condenada, foram na prática efectivamente entregues e por isso liquidadas à Chamada, ora proprietária do prédio rústico.
yy)      No que concerne à culpa, sustenta-se como aliás já escreve, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31 de Março de 1993, que, para se apurar que o agente teve culpa, compara-se a sua conduta com a que teria um bonus paterfamilias, que é um homem abstracto. Como notam Pereira Coelho (in Obrigações, 1966, 150 a 152) e Antunes Varela (in obrigações, 1967, pág. 381), no funcionamento prático do critério é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas; como teria procedido um bonus paterfamilias colocado nas mesmas circunstâncias externas, e só nestas, em que o agente procedeu (Col. Jur. (Acs. STJ, Ano I, tomo II; pág. 48).
zz)No caso dos autos, não há dúvidas que quer no antes, com a suspensão do pagamento das rendas ao A., quer no após, com o pagamento das quantias devidas junto da proprietária, a R. Recorrente, teve uma conduta diligente e zelosa, já que no «antes» interpelou e desenvolveu um conjunto de medidas não só junto da Chamada mas também do A., visando sempre o seu pontual e cabal cumprimento.
aaa)A Ré Recorrente, desde sempre que teve uma actuação, igualmente, diligente, transparente e de boa-fé, não podendo por razões que se prendiam directamente com a actividade que ali desenvolvia na região, suspender os trabalhos ou mesmo correr o risco de ser envolvida num procedimento de entrega do prédio rústico em causa.
bbb)                                          Salvo melhor e mais balizada opinião, a matéria de facto dada como provada demonstra que, o A. não sofreu qualquer prejuízo na medida em que tampouco liquidou as rendas que alegadamente deveriam ser devidas à proprietária desde 2009.
ccc)O A. no caso dos autos, apenas não foi ressarcido de um montante que por direito e facto não lhe era devido, pelo que não resulta dos autos, elementos que possam estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo sofrido, razão pela qual o A. não pode de algum modo, sustentar a legitimidade de ser ressarcido de qualquer montante!
ddd)Ainda para mais, quando resultou demonstrado que desde 2009 que aquele não liquidava qualquer quantia junto da Chamada, por conta da alegada utilização do terreno!
eee) Por fim e ainda que se possa defender, o que não se aceita ou concebe, que a Ré Recorrente entrou em incumprimento contratual, sempre se dirá que, tal incumprimento não lhe poderá de todo ser assacado muito menos como culposo, na medida em que, repete-se, toda a sua actuação no antes e depois foi toda ela de grande responsabilidade e não só liquidou a quem de direito, as quantias em que foi agora condenada, como o fez de atempadamente e de modo justificado a quem legalmente caberia o seu recebimento.
fff) Pela factualidade alegada e provada pela R.. Recorrente, pela prova testemunhal e demais documentos juntos aos autos, deverá concluir-se no sentido de absolver a R. da totalidade do pedido.




Conclusões do recorrido
Mas o recorrido conclui o seguinte:
a) Em face da factualidade provada, a R. apenas procedeu ao pagamento das rendas até SET2010 (9FP) tendo apenas deixado o prédio livre e desocupado em 31DEZ2011. Assim, nesse lapso de tempo, não procedeu ao pagamento das rendas ou contraprestações ao A, incumprindo assim a obrigação a que estava pelo contrato que se vinculou com o autor e por este invocado e provado nestes autos.
Deste modo;
b) A sentença recorrida que condenou a Apelante nesse pagamento e respectivos juros de mora ao Autor nenhuma censura merece, porquanto fez correcta aplicação do direito aos factos apurados.


A recorrente não pediu alteração da matéria de facto apurada
Quando impugna a decisão sobre a matéria de facto, é ónus do recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – art. 640.1.a :CPC (novo).
Todos esses concretos pontos de facto são os que estão elencados acima, sob os números 1. a 15.
A ré faz extensas considerações sobre a atitude do Tribunal recorrido, que “ignorou flagrantemente todos os documentos supra descritos, tal como desvalorizou a posição assumida pelo próprio A. e pela Chamada, com todas as consequências jurídico-práticas que os mesmos elementos comportam” (conclusões g e mm). Mas não tira daí essas consequências: o que é que se devia ter dado como provado e como não provado? qual a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas?   Assim, face ao disposto no art. 640.1.a/c :CPC, está este Tribunal impedido de sindicar a matéria de facto apurada.


O autor não tinha um contrato escrito de arrendamento rural com a chamada
Como refere o Tribunal recorrido, o autor recebeu o prédio da chamada para fins de exploração agrícola.
O contrato era meramente verbal e devia ter sido reduzido a escrito – art. 4º.1 da LARA/2008, aplicável retroativamente (art. 31.1). A nulidade não podia ser invocada pela chamada Paula de Melo, mas pode ser invocada pela F.., que não era parte (art. 4º.4), o que ela fez nos arts. 13 a 16 da contestação.
Deste modo, do ponto de vista das relações entre o autor e a ré, o autor não era arrendatário rural, mas um mero detentor sem título do prédio rústico que foi objeto do  “Acordo de Utilização de Prédio Rústico” assinado – facto 7.
Se não era arrendatário rural, não tinha legitimidade para celebrar tal Acordo de Utilização invocando a qualidade de rendeiro do prédio rústico em causa.
E, como observa a 1ª Instância, mesmo que fosse arrendatário rural, não podia subarrendar ou ceder por comodato o prédio arrendado sem acordo escrito do senhorio, que não o deu – art. 18.f  :LARA08, aplicável retroativamente.
Portanto, o “Acordo de Utilização de Prédio Rústico” –  pelo qual a F..  S.A. era autorizada, mediante uma “compensação mensal”, a utilizar o prédio rústico como estaleiro da sua atividade de construção rodoviária, e deixá-lo depois limpo (factos 6, 7, 8, 9) – era inválido do ponto de vista das relações entre o autor e a ré.
O que acontece é que a F, informada de que que tinha celebrado aquele Acordo com quem não tinha legitimidade para tal, não o denunciou (nem precisava: o Acordo era nulo), e foi celebrar um novo “Acordo de Utilização de Prédio Rústico”, desta vez com a senhoria, dona do terreno – facto 10.  Deixou de pagar ao rendeiro rural a “compensação” mensal líquida estipulada  de € 377,50, e passou a pagá-la à senhoria, nos  termos do novo contrato – factos 9 a 12.


Assim, a falta de pagamento das compensações mensais ao autor não configura facto ilícito
Se a ré deixou de pagar ao autor as compensações previstas no “Acordo de Utilização”, tal era justificado por tal acordo ser nulo por ilegitimidade da contraparte, pelo que não há facto ilícito.
Nem culpa, nem dano, nem prejuízo.
E portanto não há responsabilidade civil da ré.
O recurso é manifestamente procedente, como é improcedente a ação.

 

Em suma:
1. A nulidade de um contrato de arrendamento rural meramente verbal não pode ser invocada pela parte que após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito; mas pode ser invocada por terceiros interessados no negócio – art. 4º.4 do DLR 29/2008/A, de 24 de julho.
2. O arrendatário rural não tem legitimidade para subarrendar um prédio rústico sem autorização escrita do senhorio, e ainda menos o empresário agrícola que, mediante acordo meramente verbal com o dono do prédio, o explora sem contrato reduzido a escrito – art. 13 do DLR 29/2008/A.



Decisão

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar inteiramente procedente o recurso, e revogamos a decisão recorrida, absolvendo do pedido a ré
Custas pelo autor/recorrido, em ambas as instâncias.
Processado e revisto.

Lisboa, 2014.4.10

João Ramos de Sousa

Manuel Ribeiro Marques

Pedro Brighton