Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7938/2006-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Para efeito de ponderação de insuficiência económica, justificando a atribuição da casa de morada de família (artigos 1793.º do Código Civil e 1413.º do Código de Processo Civil), não é atendível que o salário líquido auferido pela parte enquanto sócio-gerente da sociedade seja a sua única fonte de rendimento, provando-se despesas que excedem tal montante, provando-se também que a sociedade lhe afectou veículo cuja renda mensal excede aquela quantia.
II- É, assim, inteiramente justificado o entendimento, com base em presunção judicial (artigo 351.º do Código Civil), de que o interessado na atribuição da casa de morada de família dispõe de proveitos muito superiores àquela quantia ainda que se desconheça a sua origem.
III- Se assim não fosse, e considerando que a requerida declarou com exactidão os ganhos por si auferidos e provou ainda as despesas que suporta, desrespeitar-se-ia o princípio da igualdade de tratamento de ambas as partes no processo, beneficiando quem escamoteia realidades que são do seu conhecimento e prejudicando quem actua com lisura processual.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO

Por apenso à acção de divórcio litigioso que se encontrava a correr termos entre Carlos […] e Paula […] veio o primeiro incidentalmente, no âmbito de processo especial de jurisdição voluntária, requerer a atribuição da casa de morada de família daquela que foi a casa comum durante a vigência do casamento.

Para o efeito alegou que a casa em questão é um bem comum, tendo a requerida abandonado aquele local levando os filhos e a mobília, passando a habitar um outro espaço. Acrescentou ainda que não tem qualquer outra casa nem condições económicas que lhe permitam arrendar casa para além de que, a aquisição do mobiliário a que teve de proceder, após a saída da Requerida, representou já um elevado esforço económico.

Frustrada a tentativa de conciliação, a requerida apresentou oposição em que alegou, em súmula, que necessita da casa que foi morada comum do casal, sendo certo que o Requerido tem uma situação económica mais desafogada do que a sua. Por outro lado, encontra-se a pagar uma renda elevada na actual casa, em que vive com os filhos comuns. Concluindo pela improcedência do pedido do Requerido, em reconvenção requer para si a atribuição da casa de morada de família.

Notificado, o Requerente sustentou a inadmissibilidade processual de dedução do pedido reconvencional neste tipo de procedimento.

Por razões de economia processual o pedido reconvencional deduzido pela Requerida foi objecto de deferimento.

Inconformado o Requerente interpôs recurso de tal decisão, no âmbito do qual apresentou as seguintes conclusões:
1. O incidente de atribuição de casa de morada de família tem a natureza de incidente processual, sendo regulado nos termos dos arts.1413º e 302° a 305° CPC, aplicáveis mercê do art.1409º, n°1, do mesmo Código;

2. Atento o disposto nos arts.1413º e 303° do CPC não é admissível a dedução de reconvenção em sede de articulado de oposição, que, igualmente, não comportam a admissão de réplica, pelo que sempre tal via estaria vedada ao Agravante para exercício bastante do direito de defesa do mesmo Agravante;

3. O pedido reconvencional deduzido pela agravada a ser admitido, como de facto o foi, pelo Mmº Juiz "a quo", em sede de despacho de fls., configura um pedido novo formulado contra o Agravante, pelo que se impõe que lhe seja conferido igualdade de tratamento em relação ao pedido que o Agravante formulou inicialmente contra a Agravada, o que implica, designadamente a notificação do Agravante para, querendo, deduzir oposição e apresentar os respectivos meios de prova, sob pena de violação do art.3-A do CPC, como sucede, ir caso.

4. A decisão ora recorrida, na medida em que considera a exposição junta pelo Agravante a fls.7l como constituindo o exercício do contraditório pelo Agravante, o qual se limitou na referida sede a qualificar a "Contestação com Reconvenção"-apresentada pela Agravada, como processualmente inadmissível, sem impugnar especificadamente ou requerer meios de prova, e que, por via disso, indefere a notificação do Agravante para, querendo, deduzir oposição, viola a letra e o espírito do art.3 do CPC.

A Requerida contra-alegou pedindo a manutenção da decisão em causa.

O Sr. Juiz de 1ª Instância admitiu o recurso, como sendo de Agravo, a subir a final e com efeito meramente devolutivo, tendo sustentado a respectiva decisão, nos termos do despacho proferido a fls. 11229 dos autos.
                                                                                                           
Após audição das testemunhas arroladas foi proferida decisão que atribuiu a casa de morada de família à Requerida até à partilha dos bens comuns, mediante o pagamento de uma renda mensal correspondente a tal utilização durante esse período temporal.

Inconformado também com esta decisão, o Requerente interpôs recurso de Apelação da mesma no âmbito do qual apresentou as seguintes conclusões:

1. O Apelante, desde já, vem indicar manter interesse no recurso de agravo cujas alegações foram juntas aos autos na data de 05.03.2003, nos termos e para os efeitos previstos no art.°748, n°1 do C.P.C., ordenando-se a notificação do Apelante para contestar, querendo, o pedido reconvencional deduzido pela Apelada, contra o Apelante, admitido por despacho a fls. dos presentes autos;

2. Ao estabelecer uma presunção judicial de que o Apelante beneficia da distribuição de lucros que a sociedade C., Lda. promoverá, alegadamente, quando consta da resposta aos quesitos que não se provou que o Apelante aufira outros rendimentos para além da retribuição de gerente, a douta sentença violou os art.349° e 351° do C.C., por contradição evidente;

3. Ao estabelecer uma presunção judicial de que o Apelante beneficia da distribuição de lucros que a sociedade C.[…] Lda. promoverá, alegadamente, em montante que permita equiparar os rendimentos auferidos pelo Apelante aos rendimentos da Apelada, Eur.2.800,00, quando a prova documental junta aos autos não permite sustentar tal presunção, a douta sentença violou os arts.349° e 351° do C.C.;

4. O M.mo Juiz "a quo" utiliza as presunções judiciais para presumir factos. Ora, o facto de o Apelante ser sócio gerente de uma sociedade comercial não é sinónimo de obtenção de lucros e que estes sejam distribuídos pelos sócios, pelo que a douta sentença violou os arts. 349º e 351º do CC.

5. A douta sentença violou o art.°1793 do C.C., dado que não considerou o facto da Apelada dispor de duas habitações, ambas sitas em Lisboa, uma arrendada sita na Rua […] e o direito de utilização e habitação do prédio sito na Av.[…] […] em Lisboa, por via da respectiva quota social na sociedade M.[…] Lda., cfr. certidões do registo predial e comercial, respectivamente, juntas aos autos na data de 02.06.2003;

6. A douta sentença ora posta em crise viola o art. 1793° do CC., dado que não considerou a superior capacidade financeira da Apelada, em face do Apelante, logo, com melhores possibilidades para adquirir ou arrendar outra habitação, como de resto já sucede, desde 02.07.2002, do que o Apelante;

7. A douta sentença ora posta em crise viola o art.1793° do C.C., na parte em que a referida norma legal determina considerar os interesses dos menores filhos do anterior casal, dado que não ponderou os efeitos nocivos que a mesma terá para os menores em face do desequilíbrio fundamental, em termos de condições de habitação, que forçosamente se verificará entre a habitação na qual terão de conviver com o Pai, aqui Apelante, no período que com ele estão, nos termos da sentença proferida nos autos de regulação do poder paternal, e a habitação na qual viverão com a Mãe, e aqui Apelada, pois a real capacidade financeira do Apelante, o qual aufere uma retribuição mensal no valor de Eur.340,00, não permitirá a aquisição, ou arrendamento, de uma habitação com características sequer remotamente parecidas com as da anterior casa de morada de família;

Como questão prévia manifestou ainda o sue interesse na apreciação do recurso de Agravo antes interposto.

A Requerida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão.

II. FACTOS PROVADOS

1. O Requerente e a Requerida contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, em 04/10/1992,

2. Na constância do casamento nasceram-lhes dois filhos, F.[…], em 13/01/1996 e M.[…], em 21/01/1999,

3. O exercício do poder paternal relativo a estes menores encontra-se regulado por sentença de 29/10/2002, tendo os menores sido confiados aos cuidados e guarda da mãe e tendo-se fixado a pensão alimentar que o pai paga por ambos os filhos em 600,00 (seiscentos) Euros mensais;

4. Durante a constância do matrimónio e até 02/07/2002, data em que a Ré saiu da referida casa, o Requerente e a Requerida habitaram na fracção imóvel sita na Rua A.[…] em Lisboa com os filhos de ambos, nela comendo, dormindo, convivendo e recebendo amigos e familiares;

5. Tal fracção foi comprada pela Requerida, por escritura de 06/01/1995, pelo preço de Pte. 37.500.000$00 (Trinta e sete milhões e quinhentos mil escudos), com Pte. 17.839.540$00 (Dezassete milhões, oitocentos e trinta e nove mil, quinhentos e quarenta escudos), que já possuía antes do casamento com o Requerente, Pte. 660.460$00 (Seiscentos e sessenta mil, quatrocentos e sessenta escudos), provenientes de uma conta poupança habitação do Requerente e com um empréstimo bancário, concedido a ambos no montante de Pte. 19.000.000$00 (Dezanove milhões de escudos);

6. No dia 02/07/2002 a Requerida saiu de casa de morada de família levando consigo os filhos e a maior parte das mobílias que serviam a casa de morada de família, sendo que essas mobílias lhe haviam sido dadas pelos seus pais antes do casamento;

7. E passou a habitar, com os filhos, na casa sita na Rua P.[…] em Lisboa, que arrendou e pela qual paga , actualmente, a renda mensal de 1.046,12 Euros (Mil e quarenta e seis Euros e doze cêntimos);

8. O Requerente continua a habitar na casa referida em 4), tendo tido que comprar novas mobílias;

9. Por sentença de 19/04/2004, a fls. 290 a 294 do apenso de divórcio, foi decretado o divórcio entre o Requerente e a Requerida tendo ambos sido declarados culpados;

10. Tal sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/01/2005, a fls. 360 a 373 do apenso de divórcio, que transitou em julgado;

11. A casa referida em 4) tem maior área, mais divisões e acabamentos de maior qualidade do que a referida em 7) sendo que o prédio onde aquela se insere dispõe de uma piscina e de um lugar de garagem para a referida casa;

12. A Requerida passa mais tempo em casa do que o Requerente;

13. Requerente é actualmente sócio-gerente da "C. Lda.", auferindo o salário declarado mensal líquido de cerca de 340,00 (Trezentos e quarenta) Euros;

14. Pela mesma Sociedade está-lhe distribuído um veículo cuja renda mensal é de cerca de 488,00 (Quatrocentos e oitenta e oito) Euros;

15. Tem pago, desde Agosto de 2003, metade da prestação mensal relativa ao empréstimo contraído para pagamento da casa referida em 4), no montante de cerca de 260,00 (Duzentos e sessenta), Euros;
 
16. A Requerida tem, actualmente, o salário mensal líquido de cerca de 2.800,00 (Dois mil e oitocentos), Euros;

17. A Requerida tem encargos com o pagamento de empréstimos, incluindo os contraídos para pagamento da casa adquirida na constância do matrimónio, de cerca de 1.020,00 (Mil e vinte) Euros mensais.


III. FUNDAMENTAÇÃO

Tendo sido interposto recurso de Agravo e de Apelação pelo Requerente do presente incidente, a ordem de conhecimento dos mesmos será efectuada pela ordem da sua interposição – art. 710º/1 do CPC.

Assim, no que ao Agravo importa a questão colocada pelo Requerente é a de se saber se foi ou não violado o princípio do contraditório quando, conforme afirma, por razões de economia processual, o Sr. Juiz de 1ª Instância admitiu o pedido reconvencional de atribuição da utilização da casa de morada de família formulado pela Requerida, sem que tivesse sido concedido prazo ao Requerente para apresentar a respectiva defesa.

Importa reter que o pedido de atribuição de casa de morada de família constitui um incidente, que processualmente segue as regras de um processo especial de jurisdição voluntária, em que são apresentados dois articulados – petição inicial e oposição – arts. 1413º/1, 302º/ss e 1409º do CPC.

Pode a outra parte demandada, por sua vez, apresentar também um incidente com o mesmo objecto, ou seja, pedindo que a atribuição da casa seja feita a si e não ao outro cônjuge ou ex-cônjuge.

No presente caso esse pedido foi formulado pela Requerida na própria oposição que deduziu, não se tendo apresentado formalmente como um incidente autónomo.  Tratou-se, porém, de questão formal e não de fundo, uma vez que o Requerente foi notificado e pronunciou-se sobre tal articulado, conforme se pode aferir do requerimento por si apresentado a fls. 71/ss dos autos, com o que foi exercido o contraditório.

Se em tal articulado queria dizer mais, menos ou algo diferente do que disse, trata-se de uma questão de estratégia de defesa que não cumpre, nesta sede apurar, sendo certo que o direito ao contraditório foi, inquestionavelmente, exercido.
 
Assim, não assiste razão ao Agravante uma vez que, em tempo, exerceu o seu direito de resposta ao articulado da Requerida, não havendo lugar a um segundo prazo para se pronunciar, isso sim, violador do princípio da igualdade processual das partes.

Entende-se, pois, que não foi feito qualquer agravo ao Requerente.

***

As questões colocadas no recurso de Apelação cingem-se fundamentalmente, a saber:

1. Se o Tribunal podia ou não estabelecer uma presunção judicial “de que o Apelante beneficia da distribuição de lucros que a sociedade C. […] Lda., promoverá” e, com base em tal presunção, equipar os seus rendimentos aos da Requerida, para efeitos de comparação entre a situação económica de ambos, sendo este um dos critérios a serem atendidos na atribuição da utilização da casa de morada de família.

2. Se o Tribunal podia, como o fez, descurar que a Apelada pode dispor de duas habitações, uma arrendada e o direito de utilização e habitação do prédio que identifica, “por via da respectiva quota social na sociedade M.[…], Lda.”, conforme documentos juntos aos autos.

Ora, antes de mais, cumpre referir que as questões colocadas pelo Apelante não se apresentam, exactamente, com os contornos que foram assumidos na decisão em apreciação.

Com efeito, está o Apelante a esquecer-se que sobre o mesmo recai o ónus de alegar e provar os factos que consubstanciam a necessidade actual da casa, nos termos do art. 1793º/1 do CC.

Essa necessidade deve traduzir-se também, entre outros factos, na ausência de outra casa que possa ser habitada pelo Requerente, prova que não foi realizada, e na capacidade económica de que dispõe para se aferir da atribuição ou não da utilização da casa de morada de família.

É exactamente quanto a este ponto que o Apelante discorda da apreciação realizada pelo Tribunal. Entendemos, no entanto, que não lhe assiste razão, senão vejamos:

O ora Apelante paga, desde 29 de Outubro de 2000 (data da sentença que regulou o exercício do poder paternal dos dois filhos comuns), a quantia de € 600,00 mensais àquela data e que actualmente encontra-se actualizada face aos índices da inflação. Paga ainda a quantia de € 260,00 mensais correspondente a metade do empréstimo hipotecário contraído para aquisição da casa de morada de família. Terá necessariamente de pagar as despesas decorrentes da vida normal de qualquer cidadão, respeitantes à água, luz, gás e, eventualmente, de telefone. Como tem carro (embora da empresa, com a prestação mensal de € 488,00), terá de pagar a gasolina, uma vez que não referiu que se tratava de benefício que lhe fosse concedido e, como tal, somasse ao seu vencimento.

Terá também, necessariamente, de pagar as despesas decorrentes do condomínio do prédio em que habita, cujo montante se desconhece, mas que será de valor algo significativo, até porque o condomínio dispõe de piscina. Tem de proceder ao pagamento das demais despesas decorrentes da manutenção de uma casa de habitação, bem como com a alimentação própria e dos filhos quando estão na sua companhia, bem como com o vestuário próprio, saúde e lazer, entre outras.

Para todo este leque de despesas o Requerente apresenta como único rendimento o seu vencimento como sócio gerente, no valor declarado de € 340,00 mensais!

O Sr. Juiz de 1ª Instância referiu na sentença proferida que é de presumir que os pagamentos em causa sejam realizados por recurso à distribuição de lucros que a sociedade de que o Apelante é sócio gerente realiza, mas não afirma que é efectivamente dali que lhe advenham tais recursos, como não o poderia fazer.  Competia, sim, ao Apelante, alegar e provar como fazia face a todos esses encargos, o que não fez.

Há, no entanto, um ponto incontornável: o Apelante satisfaz essas despesas. Se o faz com recurso à distribuição de lucros e/ou por recurso a quaisquer outras actividades é elemento que não pode ser considerado na análise em questão, mas que apenas acontece pelo comportamento que o próprio Apelante entendeu dever optar: não revelou ao Tribunal a fonte de tais proventos.  No entanto, a verdade é que satisfaz tais compromissos e, nessa medida, não podem ser deixados de considerar, sob pena de violação do próprio princípio da igualdade de tratamento de ambos as partes no processo.

Com efeito, a Requerida declarou o vencimento auferido e provou os custos que suporta e, nessa medida, tratou-se apenas de muito sumariamente, quanto à mesma, realizar as contas de somar e subtrair que se impunham, por recurso aos montantes apurados e cuja origem se conhecem, matéria que não foi objecto de impugnação no presente recurso.

Assim, entende-se que é questão que não assume qualquer relevo para a decisão proferida saber qual é a proveniência do dinheiro com que o Apelante satisfaz as despesas que actualmente tem e que se reportam como assumidas desde, pelo menos, a data da saída da Requerida da casa de morada de família, ou seja, desde 02 de Julho de 2002, sendo certo que desde tal data, ou seja, há vários anos, o ora Apelante não tem pago qualquer contribuição por essa mesma utilização.

Esclarecida essa questão cumpre referir que também a alegação de que a Requerida supostamente dispõe de duas habitações constitui também uma incorrecta apreciação da situação.

Com efeito, desde que saiu de casa com os filhos, a Requerida vive num apartamento arrendado pelo qual paga a quantia de € 1.046,00 mensais, apartamento esse que tem menor área, menos divisões e inferior qualidade de construção do que aquela em que vive o Requerente que, para além de tais características, tem ainda piscina e garagem. Se atentarmos que o agregado da Requerida é composto por três pessoas (sendo duas delas os filhos menores e comuns de ambos) e que só o Requerente habita a antiga casa de morada de família, teremos de concluir, conjuntamente com os demais dados já acima mencionados, que a sua situação deste último é muito mais desafogada.

Se a todos esses factos somarmos ainda a circunstância de a Requerida suportar mensalmente o pagamento de uma quantia de cerca € 1.020,00 respeitante a empréstimos contraídos, nomeadamente com a casa em apreciação, sempre teríamos de concluir que a sua situação económica não deixa muita margem para viver com os dois filhos menores.

Por outro lado, a alegada segunda habitação da Requerida, que o Requerente identifica como sendo o “direito de utilização e habitação do prédio sito […] em Lisboa, por via da respectiva quota social na sociedade M.[…] Lda.”, não tem correspondência com qualquer possibilidade de utilização de tal local para arrendamento. Trata-se, sim, de um espaço destinado a uma sociedade, não tendo sido realizada qualquer prova quanto à possibilidade da sua utilização para qualquer outro fim, nomeadamente, o da habitação, não sendo, pois, lícito ao Apelante invocar um fundamento que sabe não ter sido objecto de qualquer prova positiva.

Concluindo, face aos rendimentos e proventos económicos de cada um dos ex-cônjuges, os respectivos encargos, bem como à situação familiar de cada um deles e, em concreto, o interesse dos filhos comuns, actualmente com sete e dez anos de idade, afigura-se, pois, que a Requerida se apresenta como a mais carenciada da casa que foi morada de família devendo, pois, ser protegida a sua estabilidade de habitação familiar.

Assim, sempre seria de concluir, como o fez a sentença sob recurso, que a utilização da casa de morada de família deve ser deferida à ora Apelada, em regime de arrendamento, nos termos decididos.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em não dar provimento ao Agravo e julga-se também improcedente a Apelação apresentada, mantendo-se ambas as decisões proferidas pelo Tribunal de 1ª Instância.

Custas pelo Apelante/Agravante.

Lisboa, 07 de Novembro de 2006.

(Dina Monteiro)
(Luís Espírito Santo)
(Isabel Salgado)