Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
52/22.2YHLSB.L1-PICRS
Relator: ELEONORA VIEGAS
Descritores: MARCA
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: “rebuçados peitorais” e “amigos do peito” são expressões genéricas e correntes, referências de que ninguém pode reclamar o uso exclusivo, mesmo que as tenha utilizado em primeiro lugar na composição das marcas de que é titular.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A Fábrica de Rebuçados Bayard, Lda recorreu do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional n.º 660786 pedido pela Modelo Continente Hipermercados, SA para assinalar doces (rebuçados) medicinais, rebuçados para a tosse, rebuçados sem açúcar, rebuçados não medicinais, rebuçados não medicinais com mel, rebuçados não medicinais de menta e rebuçados não medicinais de açúcar.
Foi proferida sentença que julgou o recurso improcedente, mantendo o registo da marca.
Inconformada com a sentença dela apelou a Fábrica de Rebuçados Bayard, Lda, formulando as seguintes conclusões:
i. A sentença recorrida padece de nulidades e erro de julgamento.
ii. A concorrência desleal subjacente ao pedido de registo de marca apresentado pela Modelo Continente é o primeiro e principal fundamento de recusa do registo de marca invocado no recurso para o TPI - alínea h) do n.º 1 do art.º 232.º, e onde a Recorrente debruça parte substancial do seu recurso – 56 dos 70 artigos (artigos 14.º e seguintes).
iii. O Tribunal a quo na fundamentação da sentença recorrida não se pronunciou, propositadamente, sobre este motivo de recusa que é manifestamente a questão central apresentada ao Tribunal, alegada (e demonstrado), considerando não ser matéria nos autos (relegando-a para uma possível acção declarativa).
iv. Na parte da fundamentação de direito, a sentença recorrida analisa apenas se estão verificados in casu os requisitos da imitação de marca do art.º 238.º do CPI, apesar concorrência desleal pode verificar-se independentemente de existir ou não risco de confusão entre determinadas marcas.
v. Ao fazê-lo o Tribunal a quo, com o devido respeito, cometeu a nulidade prevista no art.º 615.º al. d), já que se impunha, pois, a apreciação deste fundamento na sentença recorrida, de forma autónoma e não condicionada ao preenchimento do conceito de imitação.
vi. Por outro lado, o Tribunal a quo não se pronunciou, o que também inquina a sentença em crise do vício de omissão de pronúncia, sobre o requerimento apresentado antes da citação da Recorrida, ao abrigo do art.º 423.º n.º 2 na qual solicitava a junção de documentos que demonstravam a publicidade levada a cabo através da sua marca prioritária e a difusão publicitária do slogan “O verdadeiro amigo do peito” por referência aos rebuçados Bayard.
vii. Na ausência de posição ou de decisão sobre matérias fundamentais, estamos perante, com o devido respeito, uma omissão que inquina a sentença com a sanção da nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC, que se alega, para todos os efeitos legais.
viii. A omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto à causa de pedir da concorrência desleal como fundamento de recusa do registo da marca acabou por ferir a matéria de facto dada como provada pelo TPI, a qual se apresenta manifestamente incompleta, tendo sido dado como provados apenas 13 factos – alíneas a) a m) os quais aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
ix. Há factos que relevam para a decisão a proferir, na medida em que são factos que foram alegados e demonstrados para sustentar o argumento e motivo de recusa da al. h) do art.º 232.º e art.º 311.º invocados pela Recorrente, e não foram alvo de impugnação por parte da Recorrida.
x. Verifica-se que o Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do art.º 607.º do Código de Processo Civil, ao não indicar os factos não provados nem especificar, de forma detalhada, crítica, circunstanciada, e explicativa, as razões e fundamentação daquela escolha, também em violação deste preceito.
xi. Apenas foi analisada uma das possíveis soluções de direito e não aquela que fundamentou primordialmente o recurso da Recorrente.
xii. Tendo em consideração que o instituto da concorrência desleal como motivo de recusa de uma marca tem como objectivo impedir registos de marcas contrárias às atitudes honestas em matéria industrial e comercial, todos os factores e circunstâncias do caso concreto deverão ser tidos em devida conta.
xiii. Tais como o uso que a Recorrida faz no mercado daquela marca, a forma como a apresenta aos consumidores e a lógica do mercado, bem como a relação comercial entre as partes, e que são relevantes para aferir da prática de actos de concorrência desleal, já que será enquadrada numa possível associação e uso desleal da marca controvertida, e do real ou possível objectivo do pedido de registo em causa – isto é, se há intuito desleal ou se este é, no mínimo, possível.
xiv. Não se compreende o critério que esteve subjacente à sentença recorrida de não considerar relevante a factualidade alegada relativamente ao uso da marca controvertida no mercado, e à relação comercial entre as partes, que não só não é matéria controvertida, como é, evidentemente, relevante e de especial interesse para a decisão do litígio. Em consonância, deverá o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditando à matéria de facto considerada provada os pontos/alíneas n) a u) melhor descritos no corpo das alegações (artigo 47) que se dão por reproduzidos por razões de economia processual.
xv. A sentença também está ferida de erro de julgamento ao entender que a marca n.º 576232 da Recorrente não se destina a publicidade de rebuçados nem está relacionada com estes, mas tão só publicidade geral, e, por cautela de patrocínio também desde já se alega que constitui (além de nulidade) erro de julgamento não ter sido analisado (ou erroneamente analisado) o instituto da concorrência desleal, respondendo directamente e de forma fundamentada e especificada às questões colocadas pela e aplicabilidade deste motivo de recusa no caso concreto.
xvi. No que respeita ao tipo de publicidade levada a cabo através da marca da Recorrente n.º 576232, é fácil de ver que esta marca contém a identificação dos produtos REBUÇADOS PEITORAIS pelos quais a Recorrente granjeou notoriedade no mercado nacional – família de marcas DR. BAYARD; a descrição/propósito do tipo de rebuçados em causa – tosse – rouquidão – vias respiratórias; reprodução parcial, quer numa vertente verbal quer numa vertente visual e conceptual, das outras marcas notórias da Recorrente ((alíneas d) a m)).
xvii. Analisado o sinal e os serviços assinalados, verifica-se que quer verbalmente quer conceptualmente está indicado que o produto relacionado ao serviço de publicidade é/são REBUÇADOS PEITORAIS, e é aposto o figurativo e designativo presente em todas as marcas de rebuçados da Recorrente, e como se não bastasse consta a descrição, a página online, o slogan publicitário utilizado há muito pela Recorrente e ainda uma imagem dos rebuçados Dr. Bayard.
xviii. Se “a publicidade é sempre um serviço associado a um qualquer produto que se queira divulgar” como refere a sentença recorrida, e o público, incluindo o consumidor, apreende a marca no seu conjunto, certamente que qualquer consumidor, qualquer concorrente, e mesmo qualquer examinador, quando confrontado com a marca supra reproduzida é imediatamente informado que se trata de publicidade de rebuçados peitorais, pois os próprios elementos do sinal assim os informam.
xix. Ora, a publicidade que a marca assinala é, e só pode ser, atenta à configuração do sinal e dos seus elementos, publicidade de rebuçados, e referir o contrário consubstancia uma interpretação desproporcional e redutora dos direitos conferidos por uma marca, desassociada e dissecada, desconsiderando os seus demais elementos, como se o serviço assinalado pudesse ser desassociado do sinal que será o elemento identificador no mercado.
xx. A fixação do sinal da marca objecto de registo determina, de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida pelo titular, como se prevê no art.º 208.º do CPI por referência ao serviço assinalado.
xxi. Um não poderá ser desassociado do outro como entendeu o Tribunal a quo, quando, aliás, é evidente que perante os elementos descritivos contidos na marca da Recorrente – o produto que se pretende divulgar e promover é o rebuçado.
xxii. Se um dos elementos distintivos da marca é um slogan publicitário, e a própria marca, quer no seu elemento nominativo quer figurativo identifica o produto, facilmente se verifica que os serviços de publicidade assinalados por aquela são serviços de publicidade de rebuçados peitorais da e pela Dr. Bayard, que, aliás, reitera-se goza de notoriedade no mercado.
xxiii. Há ainda que estabelecer, o que o Tribunal a quo não fez, pois omitiu um pronunciamento sobre uma questão essencial trazida a juízo – recusa da marca com base em concorrência desleal, que, de facto, existe uma relação de concorrência entre Recorrente e Recorrida, já que, para o que releva no caso em apreço, ambas são entidades que comercializam rebuçados peitorais.
xxiv. Da impugnação da matéria de facto e aditamento sufragado pela Recorrente resultou que a marca. º 576232 é utilizada para publicidade dos rebuçados (alínea s)), televisiva e que alcança um elevado número de espectadores (alínea t)) e que a Recorrente despendeu quase um milhão de euros na divulgação (alínea u)).
xxv. Mais resultou da impugnação à matéria de facto e aditamento sufragado, e que é relevante para uma adequada decisão, que a Recorrida utiliza a marca, e variantes da mesma, no mercado (alínea n)), que há semelhanças sérias na forma como apresenta o seu produto, nas embalagens e invólucros pois utiliza o mesmo esquema cromático e apresentação do que a Recorrente (alínea o)), nas quais inclui os dizeres “AMIGO DO PEITO” (alínea p)), que a marca impugnada e as marcas Dr. Bayard surgem (e são encontradas) lado a lado e inclusive no site da Recorrida (alínea q)), sendo vendidas a preço inferior (alínea r)).
xxvi. A conduta da Continente com o pedido de registo em causa e a forma como o utiliza e comercializa no mercado, é susceptível de causar confusão, em sentido lado, com a actividade e produtos da Dr. Bayard, inclusive com a sua estratégia promocional, gerando uma associação espontânea entre as duas entidades e as respectivas marcas.
xxvii. Não se poderia ab initio como fez o Tribunal a quo descartar qualquer perigo de confusão e de associação no mercado, incluindo por parte do consumidor, bem como qualquer possibilidade de concorrência desleal (independentemente de existir ou não confusão entre os sinais), apenas pela Recorrente não ter especificado no registo que a publicidade a que se refere a sua marca era, e é, uma publicidade para os rebuçados peitorais que estão fixados quer verbalmente quer visualmente na representação gráfica do sinal misto.
xxviii. É que a marca impugnada praticamente reproduz o slogan publicitário da marca da Recorrente, e a Recorrida, utiliza, convenientemente, uma “roupagem” semelhante à da recorrente, com o mesmo esquema cromático nos invólucros e embalagens que comercializa sob o sinal aqui impugnado ou variantes do mesmo.
xxix. De acordo com o art.º 232.º n.º 1 al. h) constitui fundamento de recusa do registo da marca “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção”
xxx. Este motivo de recusa é autónomo e independente dos demais e não implica que exista uma concreta confusão entre os sinais em confronto (e preenchimento da parte final do conceito de imitação).
xxxi. Daí a Recorrente ter sufragado o aditamento à matéria de facto provada das alíneas n) a u), nos termos melhor indicados supra, já que é necessária a exposição da situação de facto e circunstancialismos que indiquem a mera possibilidade de concorrência desleal.
xxxii. é necessária a exposição da situação de facto e circunstancialismos que indiquem a mera possibilidade de concorrência desleal.
xxxiii. A Recorrente Dr. Bayard e a Recorrida Continente, são concorrentes no mesmo ramo de actividade económica que para o ressente caso releva, e tendo em conta as actividades comerciais que exercem e pelas quais são conhecidas (o que é facto notório), no mercado e por parte de qualquer consumidor, e a concorrência também resulta do objecto da marca aqui controvertida, e de todas as marcas da titularidade da Recorrente, e dos respectivos usos no mercado.
xxxiv. No mercado a Recorrente é a entidade que utiliza a expressão AMIGO DO PEITO para promover os rebuçados peitorais (factos s) e t)), e a Recorrida vem agora utilizar expressão idêntica àquela na sua marca e nas suas embalagens comercializadas lado a lado com os produtos da Recorrente (factos n) a r)).
xxxv. O slogan “O Verdadeiro Amigo do Peito” presente em destaque na marca prioritária n.º 576232 denota um “play-on-words”, um trocadilho com a expressão original referente a uma pessoa amiga, aplicando-se neste caso à promoção dos rebuçados da Dr. Bayard.
xxxvi. Este slogan publicitário é uma construção frásica de determinada criatividade e que não é banal na composição de outras marcas nem é uma designação genérica ou descritiva do produto.
xxxvii. E essa expressão encontra-se a ser imitada por parte da Recorrida ao utilizar “O seu amigo do peito” na composição da marca requerenda e nas embalagens dos rebuçados peitorais que agora comercializa.
xxxviii. Atento à “notoriedade indiscutível”, nas palavras do INPI, e reconhecida pelo Tribunal a quo como facto (m)), de que aufere a Recorrente no sector respectivo, o consumidor não deixará de associar o uso daquele slogan à Recorrente.
xxxix. O elemento figurativo do sinal da Recorrente reforça este slogan publicitário, já que consiste na representação do bolso de uma camisa onde se visualizam dezenas de rebuçados (cujo esquema cromático se assemelha ao produto comercializado sob a marca impugnada – facto o)).
xl. A utilização pela Recorrida na marca impugnada, da expressão O SEU AMIGO DO PEITO, e o uso que dela faz no mercado, incluindo a forma como apresenta o produto, cria uma associação espontânea com a Recorrente e as suas marcas.
xli. Ambas as expressões inseridas numa simbologia que identifica os rebuçados peitorais, quer verbal quer visualmente, dificilmente as conseguirá distinguir, sendo facilmente induzido em erro que poderá incidir sobre a origem empresarial, crendo uma proveniência comum, ou ser fruto de uma associação dos respectivos sinais e entidades, crendo, erroneamente, que se trata de licença ou autorização por parte da Recorrente ou de um produto lançado no mercado e publicitado em conjunto pelas partes, pela referência comum a “O (seu) verdadeiro amigo do peito”.
xlii. Consequentemente há aproveitamento do re/conhecimento angariado pela Recorrente junto do público, aproveitando-se a Recorrida, quer com intenção quer não, do poder atractivo já assente e da notoriedade das marcas da Recorrente, publicitadas através do uso da expressão em comum.
xliii. No caso presente, a actividade da Continente que distribui os rebuçados da Dr. Bayard e comercializa sob marca própria os seus rebuçados peitorais toca a actividade da Dr. Bayard, que comercializa rebuçados peitorais e publicita rebuçados peitorais, ou seja, há uma relação de concorrência efectiva, à luz da qual deve ser analisada a susceptibilidade de confusão com os produtos/serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue as referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios, que constituem actos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica (art.º 311.º n.º 1 al. a) e c) do CPI).
xliv. Disputando a mesma clientela e os mesmos circuitos, existirá um acto desleal de concorrência quando a Recorrida Continente apresenta a registo uma “marca própria” que:
xlv. - inclui o slogan publicitário utilizado pela Recorrente Dr. Bayard no mercado dos rebuçados peitorais e que está, para mais, plasmado numa das suas marcas.
xlvi. - utiliza essa marca e comercializa esse produto de forma a gerar uma associação com a Dr. Bayard, aproveitando-se da reputação que esta aufere no mercado há 70 anos.
xlvii. No presente caso, há um padrão social de comportamento que não foi respeitado pela Recorrida, e violação autónoma de normas sociais e morais/éticas de conduta pois aquela não apenas registou a sua marca de rebuçados peitorais, também achou por bem inserir a mesma expressão ou slogan publicitário utilizado pela Recorrente para publicidade de rebuçados peitorais.
xlviii. E utilizar o mesmo esquema cromático da Dr. Bayard nos invólucros dos seus rebuçados, sendo que a realidade do mercado é que bastará o consumidor procurar um rebuçado peitoral que se depara com ambos.
xlix. São referências que o consumidor associa aos rebuçados Dr. Bayard que são a referência de rebuçados peitorais no mercado, atenta à sua antiguidade e notoriedade.
l. Exponenciando a que o consumidor imediatamente estabeleça a existência de uma associação e comunhão de origem, ou algum tipo de parceria de produção ou autorização entre as partes.
li. Tal acto da Recorrida imiscui-se no poder atractivo da estratégia de marketing da Recorrente e na forma como promove e publicita os seus produtos, e traduz-se num aproveitamento de uma estratégia comercial associada a um produto já conhecido no mercado, da qual faz parte a referência «o verdadeiro amigo do peito» conforme o mesmo é promovido na publicidade.
lii. O público se deparará com «o seu amigo do peito» aquando da procura do «o verdadeiro amigo do peito» e face às similitudes já reveladas, dificilmente não os irá associar, e no mínimo deduzirá que existe algum tipo de autorização, licenciamento ou estratégia publicitária conjunta.
liii. À luz do que fica exposto, a Recorrente considera que a conduta da Recorrida se enquadra nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 311.º, e consiste em actos de concorrência contrários às normas e usos honestos da actividade económica, idóneo a reduzir ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possivelmente.
liv. Deste modo, deverá a sentença que manteve o despacho de concessão da marca nacional n.º 660786 para as classes 05 e 30 e sem prejuízo da nulidade invocada, ser revogada por violação dos artigos 232.º n.º 1 al. h) e 311.º, todos do CPI, e substituída por outra, de recusa, do registo.

A Modelo Continente Hipermercados, SA contra-alegou concluindo o seguinte:
A) Da impugnação da decisão sobre matéria de facto
1. A Recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto considerada provada o que alegou nas alíneas n) a u) a Petição Inicial.
2. A factualidade que a Recorrente pretende que seja dada por provada nada tem a ver com o objeto do recurso que suporta os autos, que é o despacho do INPI que concedeu o registo da marca em apreço e nada mais que isso.
3. O Tribunal a quo teve em consideração a alegação feita na P.I. de que a Recorrida está a fazer “concorrência desleal” contra a Recorrente (alegação essa que foi rejeitada na Contestação), e admitiu no processo os documentos que a Recorrente apresentou depois da P.I., para tentar provar tal tese, tendo concluído: «(…) foi entendida pelo tribunal como sendo matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo para a decisão a proferir, em face das possíveis soluções de direito».
4. O que a Recorrente alegou, para provar a sua tese, foi somente um conjunto de alegações retóricas e conclusivas, recheadas de “considerações” e “comparações”, que não obedeciam à mais rudimentar técnica processual de alegação de factos.
5. Essas “considerações” e argumentos conclusivos foram devidamente contestados na resposta ao recurso – vd. artigos 43.º a 51.º desta.
6. Bem se andou na sentença, por um lado, em se considerar que tal matéria de facto não foi provada, e, por outro, que não tem nenhuma relevância para a decisão dos presentes autos.
B) Da alegada nulidade, por omissão de pronúncia
7. A Recorrente alega longamente que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão da concorrência desleal, enquanto motivo de recusa do registo.
8. A questão da concorrência desleal foi bem abordada na sentença recorrida, enquanto motivo de recusa do registo, e que se concluiu não verificado, por a marca submetida a registo não ser confundível com as marcas da Recorrente, e, em relação a uma delas (a marca n.º 576232, destinada a assinalar serviços de publicidade), nem sequer ser possível a concorrência leal, quanto mais a desleal.
IV. Da marca nacional n.º 576232, destinada a serviços de publicidade
9. É manifesto que, à falta de melhor argumento, a Recorrente invocou a imitação de marca com base na “quantidade” e não na “qualidade”, invocando várias marcas que não têm qualquer semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra com a marca que a Recorrida pretende registar.
10. Entre essas marcas a Recorrente invocou a marca nacional n.º 576232, que está registada para assinalar serviços de “publicidade; publicidade através de todos os meios de comunicação públicos; publicidade radiofónica e televisiva; publicidade em painéis eletrónicos”, da classe 35.
11. Pese embora a Recorrente não perca uma oportunidade para dizer que essa marca é usada, conhecida, etc, assim como a frase publicitária que dela consta – sem que nada disso tenha sido dado por provado… -, sempre se dirá que está em tramitação no INPI um processo de caducidade dessa marca, por falta de uso nos últimos cinco anos.
12. A tese defendida pela Recorrente da “relação” entre os serviços para que está registada a sua marca (publicidade, em geral) com os produtos (rebuçados peitorais) citados no sinal, assenta em premissas que não têm guarida legal.
13. À questão de direito da verificação de identidade ou afinidade entre produtos ou serviços responde-se com base na lista de produtos ou serviços para que uma marca está registada.
14. O uso de uma marca de serviços de publicidade, destina-se a publicitar produtos ou serviços de terceiros, e não produtos ou serviços próprios – do mesmo modo que uma marca de produtos se destina à venda dos mesmos no mercado e não ao consumo próprio.
15. Não tendo fundamento a alegação da Recorrente, resta concluir que em relação à marca nacional n.º 576232, não está preenchido o requisito de imitação de marca relativo à identidade ou afinidade entre produtos ou serviços – o que tanto basta para que não se verifique a imitação de marca.
16. E, se a marca da Recorrida visa assinalar produtos que não concorrem com os serviços assinalados por aquela marca da Recorrente, é forçoso concluir que, por estar afastada a possibilidade de concorrência leal, por maioria de razão não se coloca a possibilidade da desleal.
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II. Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, as questões a decidir são as seguintes:
Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
Impugnação da matéria de facto;
Erros de julgamento.
*
III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
a) Por despacho de 22/12/2021, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, concedeu o registo da marca nacional n.º 660786, com a seguinte configuração:

b) A marca referida foi pedida para assinalar os seguintes produtos/serviços das seguintes classes de NICE:
5 - doces (rebuçados) medicinais; rebuçados para a tosse.
30 - rebuçados sem açúcar; rebuçados não medicinais; rebuçados não medicinais com mel; rebuçados não medicinais de menta rebuçados não medicinais de açúcar.
c) A recorrente é titular, entre outras da marca nacional nº 576232, concedida em 24 de abril de 2017, para assinalar na classe 35 de Nice, publicidade; publicidade através de todos os meios de comunicação públicos; publicidade radiofónica; e televisiva; publicidade em painéis eletrónicos, com a seguinte configuração:

d) A recorrente é titular marca nacional nº 514111, concedida a 13 de agosto de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:

e) A recorrente é titular da marca nacional n.º 519054, concedida a 10 dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:

f) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519106, concedida a 12 dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:

g) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519111, concedida a 12 dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:

h) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519113, de tipologia nominativa, concedida a 12 de dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:
ONDE CHEGAM OS REBUÇADOS PEITORAIS...DR. BAYARD...A TOSSE DESAPARECE
i) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519114, concedida a 12 de dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:
DR. BAYARD - TOSSE, ROUQUIDÃO, VIAS RESPIRATÓRIAS, ALTEIA E MEL, PLANTAS MEDICINAIS
j) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519114, concedida a 12 de dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:
DR. BAYARD - EFEITOS RÁPIDOS E SEGUROS NA TOSSE ROUQUIDÃO E TODAS AFECÇÕES DOS ÓRGÃOS RESPIRATÓRIOS
k) A recorrente é titular da Marca Nacional n.º 519112, concedida a 17 de dezembro de 2013, na classe 30, com a seguinte configuração:
DR. BAYARD – NÃO SOFRA MAIS
l) A recorrente é titular do logótipo n.º 14714, concedido a 03 de dezembro de 10 1956 com a seguinte configuração:
FÁBRICA DE REBUÇADOS BAIAR
m) Na decisão proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, este instituto reconheceu a notoriedade da marca da recorrente - Cfr. teor da decisão constante do processo de registo, remetido aos autos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
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III.2. Do mérito do recurso
2.1. Nulidade da sentença
A Recorrente alega que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre o que considera ter sido o primeiro e principal fundamento de recusa do registo de marca que invocou no seu recurso, o da concorrência desleal. Entende que a sentença não apreciou este fundamento de forma autónoma, tendo ficado condicionado ao preenchimento do conceito de imitação.
Alega ainda que a sentença incorreu também em omissão de pronúncia, sendo por isso nula, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º1, al. d) do CPC, no que respeita ao requerimento por si apresentado antes da citação da Recorrida, solicitando a junção de documentos que, alega, demonstravam a publicidade da sua marca prioritária e a difusão publicitária do slogan “O verdadeiro amigo do peito” por referência aos rebuçados Bayard.
Sem razão, adianta-se.
Com efeito, quanto à questão da concorrência desleal escreveu-se na sentença:
Quanto à concorrência desleal, também invocada pela recorrente, e pelos motivos que já ficaram expostos, é de afastar o risco da sua verificação. Este instituto ocorreria num cenário de associação dos sinais ao mesmo comerciante. Ora, a diferença verificada nos sinais, em causa, permite, sem dificuldade afastar o risco de concorrência desleal.
Sem prejuízo, impõe-se notar que, no seu requerimento recursivo, a recorrente alega diversos factos relativos a comportamentos da recorrente que considera configurarem práticas de concorrência desleal e potenciadores do risco de confusão e transferência de clientes – factos que não foram considerados relevantes nesta ação, pelos fundamentos que ficaram expressos no excerto desta decisão dedicado à análise da matéria de facto.
Reitera-se que tais factos não relevam para a decisão nestes autos, porque o que aqui se apreciam são pressupostos de registo de marca, a analisar em abstrato e de forma independente dos comportamentos que os operadores comerciais tenham. Esses comportamentos, a verificarem-se, devem ser analisados em sede de processo próprio, diverso deste, que visem analisar condutas passíveis de intervenção judicial, à luz dos critérios da violação dos direitos de propriedade intelectual, máxime violação de marca e/ou concorrência desleal. Isto é, se é certo que essa análise não deve ter lugar neste processo, nada impede que o seja em processo próprio que analise a violação de diretos que a aqui recorrente assim considere.
Ou seja, há que concluir, a sentença pronunciou-se sobre a questão invocada pela Recorrente, da verificação do motivo relativo de recusa do registo da marca previsto no art.º 232.º, n.º 1, al. h) do Código da Propriedade Industrial (CPI). Se devia tê-la apreciado “autonomamente”, ou mesmo julgado este motivo de recusa verificado, constituirá eventual erro de julgamento, que não omissão de pronúncia.
Quanto ao requerimento junto aos autos pela Recorrente solicitando a junção de documentos, o facto de não ter sido objecto de despacho não é susceptível de inquinar a sentença de nulidade por omissão de pronúncia. A ter sido cometida alguma nulidade processual mostra-se há muito sanada, uma vez que a Recorrente interveio posteriormente nos autos e nada disse.
A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes Ac. STJ de 10.12.2020, proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1.
A questão colocada pela Recorrente é a de que o requerente do registo da marca pretende fazer concorrência desleal ou esta é possível independentemente da sua intenção (motivo de recusa do registo da marca, nos termos do art.º 232.º, n.º 1 al. h) do CPI). Questão que foi conhecida na sentença. Se devia ou não ter sido apreciada “autonomamente” desligada da confundibilidade das marcas, poderá constituir eventual erro de julgamento, mas não omissão de pronúncia.
Pelo que, conclui-se, a sentença não padece de qualquer nulidade, improcedendo o recurso, nesta parte.
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2.2. Impugnação da matéria de facto
Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do art.º 607.º do Código de Processo Civil, ao não indicar os factos não provados nem especificar, de forma detalhada, crítica, circunstanciada, e explicativa, as razões e fundamentação daquela escolha, também em violação deste preceito.
A sentença considerou que “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. Também não foi considerada matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo.”. Concretizando que, “Particularmente, não foi considerada relevante, para a decisão destes autos, a matéria constante dos artigos 47 e ss. do requerimento, dado a mesma respeitar, na ótica da recorrente, a práticas desleais da recorrida, por não ser esse o escopo deste processo, que visa tão só a análise da verificação dos pressupostos legais, ou falta deles, para a concessão da marca.
Ou seja, toda a matéria constante dos requerimentos, não considerada nos factos provados, foi entendida pelo tribunal como sendo matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo para a decisão a proferir, em face das possíveis soluções de direito.”
Mostra-se, assim, devidamente fundamentada a decisão de não fixar concreta matéria de facto não provada.
A Recorrente discorda da matéria de facto que foi fixada, requerendo que sejam aditados à matéria de facto considerada provada os pontos/alíneas n) a u) melhor descritos no corpo das alegações (artigo 47):
n) A Recorrida já comercializava e continua a comercializar, nas prateleiras dos supermercados Continente, e online, os produtos assinalados pela marca e variações da mesma.

o) A “roupagem” do produto apresentava, e apresenta, um esquema cromático idêntico aos rebuçados vendidos pela Recorrente, nomeadamente as cores azúis, branco e vermelho em formas geométricas com a seguinte configuração:
Da Recorrida: Da Recorrente:

p) Nas embalagens dos “rebuçados peitorais” da Recorrida estava incluída a frase “o seu amigo do peito”:
q) Os produtos da Recorrente são apresentados nas mesmas prateleiras que os da Recorrida, e surgem como produtos associados ou relacionados em pesquisas por rebuçados peitorais no Google e na página oficial da Recorrida:


r) Os produtos comercializados sob a marca ora controvertida são colocados no mercado por valor inferior aos produtos da Recorrente, e no próprio website da Recorrida constam ambos lado a lado:




No seu recurso judicial da decisão do INPI a Recorrente invocou a verificação do motivo de recusa previsto a al. h) do art.º 232.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial: o reconhecimento de que o requerente do registo da marca pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção. Alegando para tanto, nomeadamente, o que acima se reproduziu (art.ºs 47.º e segs. da petição inicial).
Tal matéria, alegada na petição e não impugnada na contestação, não era irrelevante para apreciar a alegada intenção da Recorrida de fazer concorrência desleal. Devendo por isso, em tudo o que constituir um facto (que não mera conclusão), constar da matéria de facto provada ou não provada.
Quanto aos factos que a Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto e que identifica como als. s), t) e u) - A marca n.º 576232 (que inclui a expressão “o verdadeiro amigo do peito”) é utilizada para publicidade de rebuçados; A referida marca é uma campanha/anúncio publicitário denominado ‘Dr. Bayard – O verdadeiro amigo do peito’ emitido em 2017, foi emitido 362 vezes na TVI e TVI24 durante programas com elevado número de espectadores; O total das despesas com a publicidade televisiva na TVI e TVI24 ascendeu a cerca de um milhão de euros - não foram alegados na petição inicial. Nem, refira-se, no requerimento com a Refª Citius 41433371, com que juntou dois documentos. Pelo que não devem ser aditados à matéria de facto, provada ou não.
Assim, procede-se à alteração da matéria de facto aditando os seguintes factos à matéria de facto provada:
n) A Recorrida já comercializava, nos supermercados Continente e online, os produtos assinalados pela marca nacional n.º 660786 e variações da mesma antes do seu registo.
r) Os rebuçados comercializados pela Recorrida surgem no seu website da seguinte forma:



p) A Recorrida usa a frase “o seu amigo do peito” nas embalagens dos produtos de que comercializa:
o) O invólucro dos rebuçados comercializados pela Recorrida e pela Recorrente têm a seguinte apresentação:
Da Recorrida: Da Recorrente:

q) Os produtos da Recorrida surgem, em pesquisas no Google e na página oficial da Recorrida, da seguinte forma:

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2.3. Erro de julgamento
Dispõe o artigo 232.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial (CPI) que constitui fundamento de recusa do registo de marca:
a) (…)
b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
(…)
h) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
Quanto ao conceito de imitação ou de usurpação, dispõe o art.º 238.º, n.º 1 do CPI que a marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
No caso, nenhuma das marcas prioritárias titularidade da Recorrente apresenta semelhanças com a marca registada, sejam gráficas, figurativas, fonéticas ou outras, que induzam facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Relativamente à marca nacional nº 576232 , os serviços que assinala (publicidade, publicidade através de todos os meios de comunicação públicos, radiofónica, televisiva ou em painéis electrónicos) não são idênticos ou afins dos produtos que a marca nacional n.º 660786 se destina a assinalar (doces (rebuçados) medicinais, para a tosse, sem açúcar, não medicinais, não medicinais com mel, não medicinais de menta e não medicinais de açúcar).
Independentemente da composição da marca , a mesma mostra-se registada para assinalar serviços de publicidade em geral. Distinguindo dessa forma os serviços de publicidade assinalados com a marca dos serviços de publicidade prestados por outros concorrentes no mercado.
O registo desta marca confere à Recorrente o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina, conforme dispõe o art.º 210.º, n.º 1 do CPI. Bem como o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de atividades económicas, qualquer sinal idêntico à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo, ou for usado em relação a produtos ou serviços afins aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo ou se esse sinal for semelhante à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo, caso exista um risco de confusão ou associação no espírito do consumidor; ou ainda, se esse sinal for idêntico ou semelhante à marca e for usado em relação a produtos ou serviços abrangidos ou não pelo registo, caso a marca goze de prestígio em Portugal ou na União Europeia, se for uma marca da União Europeia, e o uso do sinal tire partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los, tudo conforme dispõe o art.º 249.º, n.º 1 do CPI.
O que não é o caso da marca registanda.
Para distinguir rebuçados e caramelos, produtos que são semelhantes aos que a marca se destina a assinalar, tem a Recorrente registadas as outras marcas que constam dos pontos d) a k) da matéria de facto, ONDE CHEGAM OS REBUÇADOS PEITORAIS...DR. BAYARD...A TOSSE DESAPARECE; DR. BAYARD - TOSSE, ROUQUIDÃO, VIAS RESPIRATÓRIAS, ALTEIA E MEL, PLANTAS MEDICINAIS; DR. BAYARD- EFEITOS RÁPIDOS E SEGUROS NA TOSSE ROUQUIDÃO E TODAS AFECÇÕES DOS ÓRGÃOS RESPIRATÓRIOS; e DR. BAYARD- NÃO SOFRA MAIS. Sendo que nenhuma destas marcas é confundível (seja por erro ou por associação) com a marca .
Passemos à analise do motivo de recusa previsto na al. h) do n.º1 do art. 232.º do CPI, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.

A Recorrente é titular do registo das marcas e ONDE CHEGAM OS REBUÇADOS PEITORAIS...DR. BAYARD...A TOSSE DESAPARECE, que contêm os elementos “rebuçados peitorais” e assinalam rebuçados e caramelos. Bem como do registo da marca , que contém os elementos “rebuçados peitorais” e “o verdadeiro amigo do peito”, assinalando serviços de publicidade.
REBUÇADOS PEITORAIS são elementos descritivos quer do produto em si (são rebuçados) quer das suas características ou propridades (são rebuçados “para o peito”, para ajudar a aliviar a tosse, desobstruir as vias respiratórias). AMIGO DO PEITO, para além de ser uma expressão corrente ou popular, significando um amigo querido ou especial, constitui, no caso das expressões O VERDADEIRO AMIGO DO PEITO e O SEU AMIGO DO PEITO, um trocadilho alusivo à característica ou propriedades dos rebuçados. São rebuçados “peitorais”, “amigos do peito”. Trata-se, em ambos os casos, de expressões comuns e de uma referência de que a Recorrente não tem o exclusivo, mesmo que a tenha usado em primeiro lugar.
Sublinhando-se que a única marca titularidade da Recorrente que contém a expressão “amigo do peito” é a marca nacional n.º576232, que assinala serviços de publicidade. A composição da marca, com os elementos DR. BAYARD, REBUÇADOS PEITORAIS e O VERDADEIRO AMIGO DO PEITO é, naturalmente, susceptível de criar no consumidor dos serviços de publicidade uma associação entre todos aqueles elementos. Mas tal não significa que um terceiro não possa usar a expressão “amigo do peito” numa composição diferente, como é O SEU AMIGO DO PEITO, para distinguir os seus rebuçados dos de outros concorrentes no mercado desses produtos.
Sendo que no caso da marca CONTINENTE, a expressão “amigo do peito” é antecedida dos elementos O SEU e, no caso da marca DR. BAYARD, dos elementos O VERDADEIRO. O destaque dado a estes elementos na composição das duas marcas em confronto é também diferente, muito maior na marca titularidade da Recorrente, a que acrescem os elementos figurativos dos rebuçados colocados dentro do bolso do peito da camisa. Acresce, como começamos por referir, que a marca é CONTINENTE (os rebuçados são peitorais e “do CONTINENTE”, são “marca CONTINENTE”), e a marca DR.BAYARD (os serviços de publicidade são “do/da DR. BAYARD”, os REBUÇADOS PEITORAIS são DR. BAYARD). São esses os elementos mais distintivos nos sinais, a referência que o consumidor mais facilmente retém na memória, e que usa na oralidade para se referir à marca e aos produtos: “rebuçados (peitorais) Dr. Bayard” e “rebuçados (peitorais) Continente”. Tal como outros conhecidos no mercado, por ex. “rebuçados (peitorais) Santo Onofre”. Sem que o consumidor seja induzido em qualquer erro, confusão ou risco de associação relativamente aos produtos ou às entidades empresariais. Nem que, pelo uso da mesma expressão “amigos do peito”, haja o risco de um desvio de clientela.
Como referido na decisão do INPI, pese embora a existência de uma referência parcialmente comum – as expressões “rebuçados peitorais” e “amigos do peito” – trata-se de expressões genéricas e correntes neste género de produtos que a reclamante não pode reclamar o uso exclusivo, «mesmo que esta a tenha utilizado primeiramente na composição das marcas de que é titular» – v. neste sentido Ferrer Correia, Direito Comercial, I, p. 330, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1992, in BMJ, n.º 420, p. 600.
Dispõe o artigo 311.º, n.º1 al. a) do CPI sobre a concorrência desleal (o Recorrente não alegou factos susceptíveis de integrar as situações previstas nas restantes alíneas):
1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
Não resulta da matéria de facto que a Recorrida tenha intenção, pretenda, dolosamente, fazer concorrência desleal à Recorrente ao pedir o registo da marca para distinguir os seus rebuçados. Nem que o registo da marca possibilite ou favoreça a prática de actos dessa natureza. As marcas não têm semelhanças susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão ou que criem o risco de associação, e o uso das expressões REBUÇADOS PEITORAIS e AMIGO DO PEITO não é susceptível de criar qualquer confusão com os produtos, os serviços e a empresa ou estabelecimento da Recorrente. Como expusemos acima, os rebuçados peitorais assinalados com a marca registanda serão, sem dúvida, vistos e referidos pelo consumidor como sendo do CONTINENTE, ou “marca branca” do CONTINENTE, enquanto que os rebuçados peitorais assinalados pelas marcas da Recorrente continuarão a ser vistos e referidos como “rebuçados Dr. Bayard”.
O facto de os produtos da Recorrente serem apresentados nas mesmas prateleiras que os da Recorrida e surgirem na mesma pesquisa por rebuçados peitorais no Google e na página oficial da Recorrida não surpreende, dado tratar-se dos mesmos produtos. Quer os rebuçados peitorais da Recorrente quer os da Recorrida, como outros, de outras marcas, por exemplo os rebuçados peitorais SANTO ONOFRE, que também surgem na mesma pesquisa. Mantendo a Recorrida um serviço de venda de produtos online, é natural que todos os rebuçados peitorais que tem à venda surjam na mesma página, lado a lado, como acontecerá com outros produtos com natureza semelhante, como iogurtes ou produtos de limpeza; assim como que, nos seus estabelecimentos comerciais, sejam colocados nas mesmas prateleiras e ao preço que cada uma das entidades empresariais decida praticar, não estando aqui em causa eventual violação de normas concorrenciais. Quanto às cores usadas no material que reveste os rebuçados comercializados pela Recorrida, semelhantes às usadas pela Recorrente, não constitui indício de que haja uma intenção de praticar concorrência desleal ao pedir o registo da marca . Existirá certamente concorrência, o que é desejável, mas que não será desleal devido ao registo da marca ou, melhor, não será o registo desta marca que propiciará a prática de actos de concorrência desleal.
Resta, assim, concluir pela improcedência do recurso.
*
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (art.º 527.º do CPC).
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Lisboa, 21.12.2022
Eleonora Viegas
Ana Mónica Mendonça Pavão
Luís Ferrão
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[1] Ac. STJ de 10.12.2020, proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1