Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
136/16.6T9VFC.L1-3
Relator: ANA PARAMÉS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: «A obrigação de pagar uma indemnização ao lesado, como condição de suspensão da execução da pena de prisão que está expressamente prevista na lei, no art. 51, nº1, al. a) do Código Penal e não se deve confundir nem pode ser entendida como uma cobrança imposta ao arguido de pagar a indemnização objecto do pedido cível.
Na verdade embora a condição de pagar uma indemnização não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da pena e no quadro da qual deve resultar o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime, assumindo uma função adjuvante da realização da punição e, não apenas, uma mera obrigação civil que tem uma função reparadora dos prejuízos causados.»
(sumário feito pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1. Nos autos acima referenciados, por sentença de 26 de Outubro de 2020, foi a arguida MR_____ condenada pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido, pelos artigos 205.°, n.° 1 e 4 al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com obrigação de pagar ao assistente a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) arbitrada a título de indemnização, no prazo de 5 (cinco) anos,  a contar da data do trânsito em julgado da sentença,  devendo fazer prova nos autos; 
- Mais foi a arguida/demandada civil condenada a pagar ao assistente AR_____ a quantia de 26 650,00€ (vinte e seis mil seiscentos e cinquenta euros) a título de indemnização, por danos patrimoniais, acrescida de juros devidos, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.
E, condenada, ainda, a pagar a quantia de 1000,00 (mil euros), a título de indemnização, por danos não patrimoniais, sendo absolvida do demais contra si peticionado.
 Inconformado, a arguida interpôs recurso circunscrito à condição que foi imposta como suspensão da execução da pena, isto é, à obrigação de pagar ao assistente a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) arbitrada a título de indemnização, no prazo de 5 (cinco) anos, por entender que tal condição é excessiva e desajustada, pelo que, deverá ser revogada a sentença na parte que impõe à arguida tal condição de suspensão de execução da pena.
2. O recurso foi admitido.
3. O MºPº respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento.
4. Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em sentido idêntico ao do seu Digno colega da 1ª instância.
5. Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº2 do C.P.Penal não tendo a arguida respondido.
6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR.
A. Alteração da pena imposta.
III – FUNDAMENTAÇÃO.
A. Alteração da pena imposta.
1. O tribunal “a quo” deu como assentes os seguintes factos:
« Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O assistente, AR_____ , irmão da arguida MR_____ , foi viver para a cidade de Fall River, Estado de Massachussets, nos EUA, em 27-02-2000, após ter-se aposentado da Guarda Nacional Republicana, no posto de cabo de infantaria.
2. Entre 27-01-1988 e 28-04-2016, o assistente, AR_ , foi o único titular da conta de depósito à ordem n.º 06…, pertencente à instituição bancária da Caixa Geral de Depósitos, onde era apenas depositada, mensalmente, a sua reforma, no montante global variável , longo dos anos, mas à volta de 851,45€.
3. Em 06-05-2003, após ter ido viver para os EUA, AR_ concedeu, à aludida entidade bancária, autorização de movimentação da sua supracitada conta bancária a favor da sua irmã, a ora arguida, MR_____ , tendo, para esse efeito, entregue à mesma a respectiva caderneta. A partir dessa data, perante a aludida instituição bancária, a arguida tinha autorização para movimentar a mencionada conta bancária, sendo a única com autorização para poder fazê-lo.
4. Contudo, o assistente acordou com a arguida, de modo verbal, que esta apenas podia movimentar a aludida conta bancária, nomeadamente efectuar levantamentos, mediante a sua ordem e autorização prévia.
5. Visto que AR_ se deslocava à ilha de S. Miguel com uma periodicidade não inferior a 3 anos, a referida ordem e autorização prévia deste para que a arguida procedesse a pagamentos e levantamentos era sempre efectuada por contacto telefónico.
6. No período temporal compreendido entre Agosto de 2012 e Novembro de 2015, em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2013, o assistente apenas autorizou a arguida a levantar da aludida conta bancária a quantia de 1400€, a qual lhe disse para distribuir da seguinte forma, o que a arguida fez:
a) 750€ para entregar à filha daquele, .
b) 400€ para entregar à Cooperativa de Artesanato e Solidariedade Social
Senhora da Paz, C.R.L., a fim de pagar uma toalha bordada; 
c) 150€ para entregar ao afilhado daquele,; 
d) 100€ para a arguida, como forma de recompensá-la pelo trabalho.
7. Sucede que, a partir de Agosto de 2012, a arguida efectuou os seguintes levantamentos, em numerário, junto do balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos, sita em Vila Franca do Campo:
8. (...)
9. Deste modo, a arguida procedeu ao levantamento do montante global de
28.050,00€.
10. Assim, entre Agosto de 2012 e Novembro de 2015, a arguida procedeu ao levantamento, sem autorização prévia do assistente e sem o seu conhecimento e consentimento, do montante global de 26.650,00€.
11. Por esse motivo, em 31-03-2016, o assistente revogou a referida autorização de movimentação concedida a favor da arguida.
12. A arguida fez seus os montantes monetários acima descritos, dispondo   dos mesmos para fins não concretamente apurados, mas alheios à vontade e interesse do titular da referida conta bancária, o ora assistente, AR________
15. Ao actuar da forma descrita, a arguida sabia e quis fazer-se valer da autorização que o assistente lhe concedeu de movimentação da supracitada conta bancária, para fazer suas as referidas quantias monetárias, no montante global de 26.650,00€, depositadas na conta de depósito à ordem titulada por aquele, bem sabendo que as mesmas não eram suas, que pertenciam ao assistente, que não podia proceder ao seu levantamento sem a autorização prévia do mesmo e que actuava sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, o que quis e conseguiu.
16. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.
17. A arguida não tem antecedentes criminais.
18. Do relatório social resultou que:
19. MR_____, atualmente com 64 anos de idade, cujo processo de socialização decorreu no seio de um agregado constituído pelos progenitores, em que o pai era camponês e a mãe empregada de limpeza, pela própria, e por quatro irmãos.
20. Aos 25 anos de idade casou, teve dois filhos,  , atualmente com 38 e 36 anos de idade respetivamente. Divorciou-se há cerca de 28 anos, tento a arguida regressado com os filhos para a habitação do agregado de origem dela, onde vive sozinha. A referida habitação, que desde 2014 pertence à filha da arguida.
21. Habilitada com o 2º ano de escolaridade, MR_____ não sabe ler nem escrever, tendo começado a trabalhar muito nova, para ajudar na economia doméstica. Atualmente, a arguida desempenha funções de empregada de limpeza, na empresa B...& C..., Lda, onde permanece há cerca de 20 anos, onde é tida pela sua entidade patronal como uma excelente funcionária em quem deposita total confiança e que manterá o posto de trabalho, qualquer que seja a decisão judicial.  
22. A arguida subsiste apenas do rendimento que aufere do seu trabalho (667€ ilíquidos).
23. É referenciada na comunidade como uma pessoa exemplar e trabalhadora, não havendo qualquer tipo de situação negativa a seu respeito. Revela hábitos de trabalho, sendo este um fator de proteção, conseguindo gerir de forma responsável o seu quotidiano, mantém um quotidiano estruturado e organizado, vindo este a constituir-se como fator de estabilidade, quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional, permanecendo na mesma entidade patronal há cerca de 20 anos como empregada de limpeza. Ao nível das competências pessoais e sociais, a arguida apresenta um estilo de funcionamento, aparentemente adequado.
24. O assistente, quando teve conhecimento dos factos, teve dificuldades em conciliar o sono, ficou sobressaltado e sentiu-se angustiado com a perda da sua reforma.
*
Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
Que o assistente tenha passado vários meses sem dormir.
Que tenha tido discussões no seu casamento atendendo à crítica do cônjuge que o culpava da situação.
Tenha pago viagens dos EUA para Portugal para prestar declarações».
2. E fundamentou a tipologia e dosimetria das penas impostas, nos seguintes termos:
«Dispõe o artigoº 71.º, do CP, sob a epígrafe «Determinação da Medida da Pena», que:
1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é
feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou
motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua condição económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente
quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f)A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva (isto é, prevenção enquanto necessidade de protecção de bens jurídicos), que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, fornecendo uma «moldura de prevenção», que, por sua vez, fornece um quantum de pena, que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo – ligado ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente). Por último, dentro dos limites
consentidos pela prevenção geral positiva (entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável) podem e devem actuar, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade Neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Op. Cit., pág. 227 e ss., e ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pág. 478 e ss.
Tendo presente o modelo adoptado, importa infra eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.° 2 do artigo 71.° do Código Penal.
Há assim que ponderar:
Contra a arguida depõem:
- O grau de ilicitude dos factos, que se afigura acima da média, atendendo ao modo como os mesmos foram praticados pela arguida;
- o dolo, como directo que é, encontrando-se no expoente máximo do grau da culpa, pela sua intensidade;
- As necessidades de prevenção especial, que se mostram elevadas, uma vez que a arguida não demonstra, por qualquer meio, ter interiorizado o desvalor das suas condutas, qualquer laivo de arrependimento, portanto, antes fazendo recair o odioso da questão sobre terceiras pessoas, assumindo-se como vítima de um qualquer sentimento que não se conseguiu vislumbrar.
- o facto de ter defraudado de forma grave os especiais deveres de lealdade quer lhe assistiam atenta à sua relação de proximidade e parentesco com o assistente, que vinham pesistindo há longos anos na gestão daquela conta dele.
- o longo período de tempo em que os factos ocorreram (de Agosto de 2012 a Novembro de 2015).
- o valor com que se locupletou.
A favor da arguida militam:
- As suas condições pessoais e sociais, que resultaram provadas e aqui se dão por integralmente reproduzidas.
- a ausência de antecedentes criminais.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação à arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança, de uma pena de 2 (dois) anos de prisão.
*   
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Dispõe o artigo 50.º do Código Penal:
1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Assim, o pressuposto formal do instituto da suspensão da execução é o da condenação prévia do agente em pena de prisão até cinco anos. Já o pressuposto material do instituto é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente do crime e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida, sendo que este juízo de prognose reportar-se-á, não à data da prática do crime, mas sim ao momento da decisão.
As modalidades da suspensão da execução da pena são as seguintes:
[1] suspensão da execução da pena tout court,
[2] suspensão da execução da pena com deveres,
[3] suspensão da execução da pena com regras de conduta,
[4] suspensão da execução da pena com deveres e com regras de conduta,
[5] suspensão da execução da pena com regime de prova.
No caso concreto, considerando que a arguida não tem antecedentes criminais, bem como a sua idade, o facto de não haver nota de deficiente integração social, são as razões pelas quais entende este Tribunal que ainda pode fazer um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro da arguida, servindo de suficiente alerta a censura do facto e a ameaça da pena, pelo que se decide pela suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada à arguida, pelo período de 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão (artigo 50.°, n.° 5 do Código Penal.
O pagamento da «indemnização devida ao lesado» como condição da suspensão da execução da pena, tem como finalidade, como a lei expressamente refere, «reparar o mal do crime».
Deste modo, na realização da finalidade assinalada, a indemnização devida que, como dispõe o artigo 129° do Código Penal, é regulada pela lei civil, tem de ser fixada segundo os critérios próprios da lei civil, não podendo, consequentemente, exceder tais critérios.
A indemnização fixada e cujo pagamento ao lesado pode constituir uma das condições de suspensão da execução da pena, tem a sua fonte no facto ilícito que constitui o crime e não pode, por isso, exceder o que resulta da aplicação dos critérios para a fixação de indemnização pelos danos resultantes do facto que integra o crime, segundo o nexo de causalidade entre o facto e o dano: são os pressupostos fixados no artigo 483° do Código Civil.
Sobre a questão de saber se a indemnização devida ao lesado a que se   refere o artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal tem diferente natureza da que é objecto do pedido de indemnização cível, debruçou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 305/2001, processo n.° 412/2000, de 27 de Junho de 2001, in Diário da República, 2.ª série, n.° 268, de 19 de Novembro de 2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.° vol., p. 715, onde se analisa a jurisprudência do STJ sobre o tema e recorda o Acórdão do TC n.° 596/99, retirando-se que a «indemnização» ou «compensação» é tida - bem ou mal - como que um “tertium genus”, com uma natureza jurídica própria (cumprindo a «função adjuvante da realização da finalidade da punição»), onde desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.(vide aqui Acórdão de fixação de Jurisprudência 8/2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges, in DR, 206, série I de 24.10.2012).
Conforme se pode ler no Acórdão de 2 de Novembro de 1999, relatado no processo n.° 162/97, e publicado no Diário da República, II.ª Série, de 22 de Fevereiro de 2000:
“I – A “obrigação” de pagar uma indemnização, imposta nos termos do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro da qual o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição.
II – De forma que o montante da indemnização a arbitrar como integrando o conteúdo desse dever imposto como condição da suspensão de execução da pena, embora deva, naturalmente, ser fixado tendo em atenção os critérios regulados pela lei civil, por forma a corresponder o mais possível ao que resulta da consideração desse critérios e a não os exceder, deve obedecer em tudo o mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, á sua referida função no quadro do mencionado instituto.”
O montante dessa indemnização deve ser fixado tendo em atenção os critérios que emanam da lei civil, sem excesso, obedecendo, no mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade de pagamento, à referida função, no quadro do instituto da suspensão da execução da pena.
Distinguindo-se a indemnização pedida nos termos da lei civil dessa obrigação de indemnizar que tem por fundamento não apenas o dano mas a realização ou o fortalecimento das finalidades da pena, não existe qualquer contradição quando o tribunal desatende, por razões formais, os pedidos de indemnização civil, mas fixa, na decisão final, aquela obrigação.
É certo também que a imposição de um dever de natureza pecuniária (nos termos do disposto no art. 51º do Código Penal) tem características próprias inerentes à aplicação das penas, e já atrás referidas e não visa em primeira linha servir de meio, se assim se poderá qualificar, para “executar” tal crédito com vista à satisfação do credor, o qual tem titulo executivo bastante, tendo por finalidade a aplicação das penas nomeadamente, nas suas vertentes pedagógicas e reeducativas, visando atingir o condenado e incutindo-lhe tais de modo a que este possa interiorizar o mal praticado, desiderato que não se lobriga, por desajustado e no caso concreto dos autos na imposição daquele dever ao arguido. A sua génese (suspensão da execução da pena) enraíza-se em princípios bem diversos destes, tal é inquestionável, e tendo a sua “ratio” em conteúdos reeducativos e pedagógicos, subjacentes à aplicação em concreto das penas, havendo aqui que considerar por não ser despiciendo o tempo entretanto decorrido.
Mais cabe acrescentar que a imposição destes deveres/condições de ordem pecuniária, para além de terem de obedecer em primeira linha ao estatuído no nº 2 do art. 51º do Código Penal, ou seja “não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, estando aqui mais que evidenciado um juízo de razoabilidade na imposição deste dever. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo12517/05.6TDLSB.L1 -9, de 21-05-2015).                            
Assim, tudo ponderando decide-se condicionar aquela suspensão ao pagamento ao assistente da quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) a título de indemnização no prazo de 5 (cinco) anos (art.° 51°, n°1, al. a) do Código Penal).
3. A recorrente do seu recurso extraiu as seguintes conclusões:
1º) Refere a sentença recorrida «que a imposição de um dever de natureza pecuniária (nos termos do disposto no art. 51 do Código Penal) tem características próprias inerentes à aplicação das penas, e já atrás referidas e não visa em primeira linha servir de meio, se assim se poderá qualificar, para “executar” tal crédito com vista à satisfação do credor, o qual tem titulo executivo bastante, tendo por finalidade a aplicação das penas nomeadamente, nas suas vertentes pedagógicas e reeducativas, visando atingir o condenado e incutindo-lhe tais de modo a que este possa interiorizar o mal praticado”.
Todavia;
2ª) Condena a arguida, ora recorrente, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.°, n.° 1 e 4 al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5  (cinco) anos, a contar da data do trânsito
em julgado da presente decisão com obrigação de pagar ao assistente a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) arbitrada a título de indemnização, no prazo de 5 (cinco) anos, devendo fazer prova nos autos. 
Deste Modo;
3ª) Ao condicionar a suspensão da pena à arguida ao pagamento a quantia de 20.000,0 € a pagar ao assistente para além de estar em contradição com os seus próprios termos a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação daqueles normativos legais.
 (acumulando ainda com o montante de pedido de indemnização civil na parte em que este foi julgado parcialmente procedente)
Sem prescindir;
4ª) Consta da matéria de facto assente que arguida recorrente “subsiste apenas com os rendimentos que aufere do seu trabalho 667€ ilíquidos – ponto 22 da m.f., o que corresponde ao salário mínimo regional – Cfr. http://ccipd.pt/en/salariominimo/).
5ª) Determina o n° 2 do artigo51° do CP que «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir». Ora;
6ª) Mesmo que procura-se fazer uma poupança mensal para pagar ao fim de 5 anos (60 meses) os 20.0000,00 € que foi condição de suspensão da execução da pena arguida teria de poupar 333,333 euros por mês (20.000,00 euros/60), ou seja tinha que sobreviver com cerca de metade do salário mínimo regional!
7ª) Tal como anota Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao n° 2 do artigo 51º do CP «Os deveres não podem violar os direitos fundamentais do condenado, o que aconteceria no caso de dever cujo cumprimento pusesse em causa os direitos fundamentais do condenado, o que aconteceria no caso do dever cujo cumprimento pusesse em causa o mínimo necessário para a subsistência do condenado (acórdão do Tribunal de Relação de Évora, de
1.4.208, in CJ, XXXIII, 270). Este mínimo necessário inclui não apenas o direito à alimentação, vestuário, e calçado, mas também o próprio direito à habitação e saúde. (autor citado, Comentário do Código Penal, 3° Edição, pág. 309). E;
8°) Como aí ainda conclui o mesmo autor “não são admissíveis as condições excessivas”.
9ª) É o que sucede na sentença recorrida que viola o disposto no artigo 51º, nº 2 al. a) do CP. Aliás;
10º) Faz mesmo daquele normativo, interpretação materialmente inconstitucional, Com efeito:
Da proibição do excesso e da exigência da proporcionalidade.
11ª) A proibição do excesso (ou a proporcionalidade em sentido amplo) tem vindo a ser reconhecido como princípio geral de limitação do poder público, pertinente para sindicar atuações públicas que interfiram, por exemplo, com direitos económicos, sociais e culturais. Tal aponta decisivamente para uma base normativo-constitucional daquele princípio que seja o mais abrangente possível. Nesse sentido, o Acórdão n.º 187/2001, afirmou que
«[r]elativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito.
12ª) O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um “Estado proporcional”» (cfr. o Acórdão n.º 387/2012; itálico aditado). Por isso, as atuações dos poderes públicos, justamente pelo facto de não poderem ser ilimitadas nem arbitrárias, são perspectivadas em cada caso concreto, real
ou representado, como meios para atingir um certo fim – pressupondo-se naturalmente a legitimidade constitucional tanto dos primeiros como do segundo.» (Cfr. ACÓRDÃO Nº 587/2019 do Tribunal constitucional).
Deste modo;
13ª) A quantia arbitrada de 20.0000,00 como condição da suspensão da execução da pena à arguida ora recorrente fez uma interpretação do nº2 do artigo 51º do CP que viola os princípios da proibição do excesso e da proporcionalidade violando materialmente os artigos 2º e 18º, nº 2 da CRP.
Sempre sem prescindir;
14º) Como refere a sentença recorrida “No caso concreto, considerando que a arguida não tem antecedentes criminais, bem como a sua idade, o facto de não haver nota de deficiente integração social, são as razões pelas quais entende este Tribunal que ainda pode fazer um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro da arguida” pelo que não se entende a gravosa e excessiva medida a que foi condicionada a suspensão da sua execução de pena que deverá ser revogada por esse douto Tribunal «Ad quem». 
4. Apreciando.
A arguida, ora foi condenada nos presentes autos  pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º nº1 e 4, al. b) e 202º al. b) do Código Penal confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.°, n.° 1 e 4 al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com obrigação de pagar ao assistente a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) arbitrada a título de indemnização, no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença,  devendo fazer prova nos autos; 
A arguida no seu recurso não pôs em causa a escolha e a medida da pena de prisão que foi fixada em dois anos nem a suspensão da execução desta pena por 5 anos.
Igualmente conformou-se com a sua condenação no montante da indemização civil em que foi condenada a pagar ao o lesado.
Apenas se insurge quanto à condição que lhe foi imposta como condição de suspensão da pena, isto é, «pagar ao assistente a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros) arbitrada a título de indemnização, no prazo de 5 (cinco) anos».
Para tanto afirma a existência de uma contradição na sentença, porquanto, nesta se afirma  que a imposição de um dever de natureza pecuniária não visa servir como meio para executar o crédito com vista à satisfação do credor, o qual tem título executivo bastante, acabando, no entanto,  por  condicionar o pagamento da quantia por de 20.000,00 euros arbitrada como indemnização como condição da sua pensão da execução da pena e que a sentença recorrida ao decidir como  fez violou o art. 51° nº 2 do C. Penal quando dispõe que "os deveres impostos ao arguido não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente pedir", o que sucede no caso concreto, já que a arguida aufere 667euros líquidos e para pagar a indemnização teria de poupar por mês 333,33 euros, para em 5 anos pagar a indemnização, o que se traduz numa violação dos direitos fundamentais da arguida. Conclue afirmando que foram violados os art.s 2° e 18° n° 2 da Constituição da República Portuguesa.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Na verdade, ao contrário do que afirma a recorrente não se vislumbra que a sentença contenha qualquer contradição.
O que se verifica é que a recorrente limitou-se a extrair, dentro do contexto da fundamentação de direito, uma das considerações jurídicas aí expressas pelo tribunal «a quo», supra referida, esquecendo –se, porém, de transcrever o contexto em que tais afirmações foram proferidas.
Na verdade, o que se afirma, e de forma acertada, na sentença recorrida é que a obrigação de pagar uma indeminização ao lesado, como condição de suspensão da execução da pena de prisão que está  expressamente prevista na lei, no art. 51, nº1, al. a) do Código Penal, não se deve confundir  nem pode ser entendida como uma cobrança imposta ao arguido de pagar a indemnização objecto do pedido cível, pois que, embora a condição de pagar uma indemnização não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da pena e no quadro da qual deve resultar o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime, assumindo uma função adjuvante da realização da punição e, não apenas, uma mera obrigação civil que tem uma função reparadora dos prejuízos causados.
Relativamente ao valor dessa indemnização, enquanto condição da suspensão da execução da pena de prisão, afirma a recorrente que a mesma é atentatória dos seus direitos fundamentais por ser excessiva e na prática deixá-la numa situação de impossibilidade de a cumprir, face às suas condições económicas.
Como se provou, a arguida desempenha funções de empregada de limpeza, na empresa B… & C…, Lda, onde permanece há cerca de 20 anos sendo considerada uma excelente funcionária e manterá o posto de trabalho, qualquer que seja a decisão judicial.
Mais se provou que a arguida vive sozinha em casa que pertence, desde 2014, à filha desta, não tendo, portanto, quaisquer encargos com renda de casa.
Ora, mesmo retirando do seu salário mensal a quantia de 333,33 euros (sendo que tal quantia será sempre inferior, porque a arguida aufere 14  salários por ano e não apenas 12 que foi a premissa de onde partiu) necessária para em 5 anos pagar a indemnização ao assistente e tendo em conta o salário que aufere de 667€ ilíquidos (aqui sem ter em conta os aumentos do salário mínimo nacional que ocorrem anualmente) restar-lhe-á,  ainda,  no pior dos cenários, cerca de 333,00 euros para as despesas básicas, designadmente, àgua, electicidade, alimentação e vestuário.
É uma quantia pequena, efectivamente, e corresponderá, seguramente, a um sacrifício da parte da arguida mas não representa para si uma obrigação cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Por outro lado tendo em conta que a arguida vive sozinha e não tem despesas com a renda  de casa  é uma quantia que lhe permite viver, embora de  forma modesta.
Não se pode aqui olvidar o valor elevado da quantia global de 26.650,00€ pertença do assistente, seu irmão, que correspondia ao valor da poupança das suas reformas mensais, devidas por uma vida de trabalho a custo, certamente, de muitos sacrifícios pessoais, dada a situação económica modesta do assistente, com a qual a arguida se apropriou, no período compreendido entre Agosto de 2012 e Novembro de 2015 e cujo destino que deu a tal quantia se desconhece.       
Acresce que a arguida não está sozinha e tem beneficiado do apoio da sua filha que a vem ajudando, deixando-a viver, gratuitamente, em casa pertença desta que adquiriu em 2014. 
Não se verifica, assim a violação do disposto no n° 2 do artigo 51° do CP nem a violação de qualquer direito fundamental da arguida, designadamente, dos art.s 2° e 18° n° 2 da Constituição da República Portuguesa invocados pela arguida. 
Acresce que, se no decurso ou no fim do período da suspensão da pena e caso a arguida não lograr cumprir na totalidade este dever imposto tal não implica automaticamente a revogação da suspensão da pena cabendo ao tribunal «a quo» apreciar, no caso concreto, as medidas a tomar, nos termos do arts. 55º e 56º do Código Penal- cfr. nesse sentido o Acr. do TRE 495/13.2GBTMR.E1 publicado in DGSI e o acórdão do STJ 06P3116 de 13-12-2006, publicado in DGSI
Assim sendo, cabe concluir pela improcedência do recurso pelo que tal condição deve ser mantida “qua tale”.
 
IV – DECISÃO.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida MR_____ e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Vai a recorrente condenada na TJ de 3 UC e nas custas.
 
Lisboa, 8 de Setembro de 2021
Ana Paramés
Maria da Graça Santos Silva
Decisão Texto Integral: