Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7000/2004-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
URGÊNCIA
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Nos procedimentos cautelares, a natureza urgente não finda com decisão cautelar, acompanhando toda a tramitação posterior, sem exclusão da fase de recurso.
Decisão Texto Integral: I – No procedimento cautelar de arresto que
SOTRANSIL–SOCIEDADE DE TRANSACÇÕES IMOBILIÁRIAS, Ldª,
move contra
TRIUNFO INTERNACIONAL – SOCIEDADE TÊXTEIS, Ldª,
foi proferido o despacho que consta de fls. 1520 a 1522 que, com fundamento na prolação de um acórdão desta Relação que julgou improcedente a acção principal, decretou a revogação do arresto anteriormente decretado e contra o qual fora deduzida oposição.
Desse despacho foi interposto recuso de agravo, em 9-3-04 (fls. 1602), o qual foi admitido por despacho de fls. 1610.
Do despacho de admissão foi notificado o Exmº mandatário da agravante por carta registada remetida em 19-3-04 (fls. 1616).
Mas as respectivas alegações foram apresentadas apenas em 13-4-04 (fls. 1623).
A agravada veio suscitar a extemporaneidade das alegações e requerer a declaração de deserção do agravo por entender que o prazo respectivo corria também durante o período de férias judiciais de Páscoa (fls. 1660 e segs. e 1667 e segs.).
Tal questão foi decidida favoravelmente à requerida, tendo sido julgado deserto o recurso por extemporaneidade das alegações de recurso (fls. 1720).

De tal despacho foi interposto pela requerente recurso de agravo (fls. 1762), concluindo nos termos que constam de fls. 1800 a 1802.
Das alegações resultam fundamentalmente as seguintes questões:

a) A natureza urgente do procedimento cautelar termina com a prolação da decisão que decreta a providência, não se estendendo à fase de recurso.
b) Tendo sido decretado o levantamento do arresto o processamento deixou de ter carácter de urgência.
c) Notificada a agravante do despacho de admissão do recurso m 22-3-04, o prazo de 15 dias apenas terminou em 16-4-04, suspendendo-se no período de férias judiciais entre 3-4-04 e 12-4-04, pelo que devem considerar-se tempestivas as alegações apresentadas por telecópia em 13-4-04.

A agravada contra-alegou, suscitando ainda a questão da inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que foi entretanto proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que confirmou o acórdão da Relação em que se fundou o despacho que ordenou o levantamento do arresto.

II - Decidindo:
1. A única questão que verdadeiramente importa discutir é se a natureza urgente dos procedimentos cautelares apenas persiste até à decisão que decrete a providência ou se, ao invés, acompanha toda a tramitação posterior, maxime a fase de recurso.
Pese embora a junção aos autos pela requerida do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e a dedução da questão da inutilidade superveniente da lide, esta não pode ser decidida tendo em conta, por um lado, que extravasa o objecto do presente agravo e, por outro, que aquele acórdão ainda não transitou em julgado.

2. Nos termos do art. 382º, nº 1, do CPC, “os procedimentos revestem sempre carácter urgente”. Por seu lado, segundo o art. 144º, a suspensão da contagem dos prazos processuais referentes a “actos a praticar em processos que a lei considere urgentes” não abarca o período de férias judiciais.
A clareza dos preceitos, com realce para o primeiro, não permite o entendimento defendido pela agravante, antes sustenta o assumido na decisão recorrida.
Sem dúvida alguma que a natureza urgente do procedimento abarca o período que decorre entre a sua instauração e a prolação da decisão em primeira instância.
Mas a emissão da decisão cautelar, seja no sentido da procedência, seja da improcedência, não determina a cessação daquela característica na tramitação procedimental, tendo em conta que mesmo depois disso se mantêm os interesses e os motivos que estão subjacentes à previsão dos meios de tutela cautelar como instrumentos que visam atenuar ou anular os efeitos negativos decorrentes da morosidade natural ou anormal dos meios jurisdicionais comuns.
Quanto à tramitação imediatamente posterior à decisão na primeira instância, a necessidade de eventualmente se praticarem actos de execução demanda a mesma celeridade que caracteriza a tramitação anterior. Outrotanto se diga relativamente ao processamento da oposição, nos casos em que a providência é decretada sem audiência contraditória.
E, com especial ligação ao caso presente, o mesmo ocorre na fase de recurso de qualquer decisão que tenha sido proferida e que tenha afectado os interesses do requerente ou do requerido.
 Com efeito, considerando que o art. 382º, nº 1, alude, sem quaisquer outras referências, aos “procedimentos cautelares”, deve entender-se que a natureza urgente acompanha toda a instância procedimental, sem exclusão da fase de recurso, pois que também os valores fundamentais que orientam o procedimento cautelar - a celeridade e a eficácia – se impõem nesta fase.
É, aliás, este o entendimento que tem a adesão da maioria da doutrina mais recente: v. g. Lebre de Freitas, CPC anot., vol. II, pág. 14, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, pág. 277, e Célia S. Pereira, Arbitramento de Reparação Provisória, pág. 46.
Quanto à jurisprudência, pese embora diverso entendimento que foi defendido no âmbito da legislação anterior (por exemplo, no Ac. da Rel. de Évora, de 8-3-84, CJ, tomo II, pág. 269), é mais curial a doutrina explanada no Ac. do STJ, de 12-1-99, BMJ 483º/157, onde expressamente se assume a natureza urgente dos procedimentos cautelares e a contagem do prazo para alegações e contra-alegações em períodos de férias judiciais, como forma de obviar às consequências negativas emergentes da demora na obtenção da decisão definitiva.[1]

III – Em conclusão:
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida que julgou deserto o recurso de agravo interposto pela requerente.
Custas a cargo da agravante.
Notifique.

Lisboa, 4-8-04

António Santos Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado
António Valente
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[1] No mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 28-9-99, BMJ 489º/277, o Ac. da Rel. de Coimbra, de 5-2-02, CJ, tomo I, pág. 30, e o Ac. da Rel. do Porto, de 30-1-03 (www.dgsi.pt), relatado por Alves Velho. Contra: o Ac. da Rel. de Coimbra, de 16-1-01, CJ, tomo II, pág. 5.