Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1837/14.9TTLSB-C.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: MÁ-FÉ
FACTOS PESSOAIS
RETRIBUIÇÕES
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I.– Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (art.º n.º 1 do art.º 542.º, n.º 2, alínea b) do CPC).

II.– Pese embora sejam factos pessoais e que por isso, em tese, deveriam ser do conhecimento da liquidante, esta não litiga de má-fé se logo no articulado inicial alegou que não sabia precisar o montante dos valores que recebera a título de retribuições por trabalho prestado a uma sociedade para quem trabalhou após a prolação da sentença liquidanda e das prestações de subsídio de desemprego que entretanto lhe foram pagas pela segurança social e ali requereu que fosse solicitado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que prestasse tais informações ao processo.

(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA deduziu incidente de liquidação contra CCC, Ld.ª, pedindo que se procedesse à liquidação da responsabilidade desta a seu favor de um crédito de € 24.586,29, respeitante às retribuições não auferidas, deduzido do valor do subsídio de desemprego, no montante de € 588,00 e do trabalho remunerado que auferiu após o despedimento, no montante de € 4.074,00.

Alegou, em resumo, que a sua retribuição compreendia, além da retribuição base, outros valores, que lhe eram mensalmente pagos de forma regular, que as retribuições que a Autora deixou de auferir por parte da Ré, desde a data do despedimento, 02-06-2014, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, 04/01/2016, perfazem o montante total de € 22.596,84, que a esta quantia acrescem juros de mora legais que até à presente data ascendem a € 1.989,45, perfazendo o total de € 24.586,29, que em Julho de 2014, a Autora recebeu de subsídio de desemprego a quantia de € 588,00 referente ao mês de Junho de 2014 e que entre 28-08-2014 e 11-05-2015 a Autora trabalhou na sociedade BBB, onde auferiu a retribuição mensal ilíquida de € 485,00, perfazendo o total de € 4.074,00.

Notificada, a requerida contestou, alegando que apenas deveria ser contabilizado o valor relativo a salário base.

Foi admitida a redução do pedido formulada pela Autora para o valor de € 16.406,43 a título de capital.

Foi lavrado despacho saneador, onde foi afirmada a validade e regularidade da instância.

Realizada a audiência de julgamento, foi preferida a sentença, a qual julgou o incidente parcialmente procedente, e consequentemente, decidiu:
– liquidar a quantia a pagar pela Ré/Empregadora à Autora/Trabalhadora, por força do Acórdão proferido nos autos principais e relativamente à condenação das «retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º  do CT, valor a apurar em incidente de liquidação», no valor global de € 6.198,21 (seis mil cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até e efectivo e integral cumprimento, à taxa legal de 4% ao ano e a outra que vier a ser legalmente fixada;
– absolver a Ré/Empregadora de demais contra si peticionada pela Autora/Trabalhadora;
– e condenar oficiosamente a Autora/Empregadora, como litigante de má fé, na multa correspondente a 4 (quatro) UC.

Inconformada, a requerente do incidente recorreu da sentença, pedindo que fosse anulada, por violação dos artigos 3.º, n.º 3 e 615, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC ou, se assim não fosse entendido, revogada, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
"1.– A condenação da Autora como litigante de má-fé constitui uma decisão surpresa e, como tal, absolutamente ilícita, por flagrante violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
2.– O Tribunal conheceu, assim, de questão de que não podia tomar conhecimento, sem ter sido oferecida à Autora a oportunidade de exercer o contraditório, sendo, por isso, a decisão de a condenar como litigante de má-fé, nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.
3.– O dever processual da Autora no incidente de liquidação era apenas o de invocar e demonstrar o direito a receber as retribuições que deixara de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento; as deduções a essas retribuições constituem uma modificação do direito invocado, cujo ónus da prova não competia à Ré (artigo 342.º, n.º 2, do C.C.).
4.– Porém, o Tribunal, em despacho proferido em 03-10-2017, exigiu à Autora que, além de concretizar 'qual o período temporal durante o qual recebeu subsídio de desemprego e o respectivo valor total', concretizasse também qual o período temporal durante o qual recebeu retribuição de outra entidade empregadora e o respectivo valor total', acrescentando tratar-se de um facto pessoal relativamente ao qual não podia alegar desconhecimento e que, 'sem a alegação concreta daqueles factos, jamais se poderia concluir pela procedência da pretensão em causa'.
5.– A Autora não teve intenção de escamotear a verdade, uma vez que, desde logo, quer no seu requerimento inicial, quer no requerimento inicial corrigido, requereu que fosse oficiado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para que informasse os valores pagos à Autora entre 02.06.2014 e 4.01.2016, a título de subsídio de desemprego e de trabalho dependente, assim revelando que não pretendia levar o Tribunal a tomar uma decisão errada quanto aos valores por si efectivamente recebidos naquele período.
6.– Por outro lado, ao contrário do que refere a decisão recorrida, a conduta da Autora não deu azo a que o Tribunal desenvolvesse qualquer actividade instrutória adicional, porquanto, a única diligência instrutória realizada – a obtenção de informação da Segurança Social - era essencial para apurar os valores de dedução em causa, tendo sido requerida tanto pela Autora como pela Ré.
7.– Somente quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má-fé.
8.– Não existiu da parte da Autora intenção maliciosa ou negligência de tal modo grave ou grosseira que se aproximasse da actuação dolosa, que justificasse um elevado grau de reprovação ou de censura, por evidenciar uma violação dos deveres de probidade, cooperação e de boa-fé.
9.– A decisão recorrida violou, assim, o artigo 542.º do CPC".

Para tal notificada, a requerida não contra-alegou.

O Mm.º Juiz admitiu o recurso e sustentou assim a validade da sentença:
"Uma vez que não foi expressa e separadamente no requerimento de recurso (mas sim e apenas nas respectivas alegações de recurso), o que contraria expressamente o estatuído no art.º 77.º/1 do C.P. Trabalho, a nulidade arguida pela Ré deverá por esta razão improceder.
Mas mais acresce que, independentemente do supra referido, a nulidade em causa não se verifica. Com efeito, como resulta expressamente da decisão em causa (4.º parágrafo, da página 77 e nota 10), no caso em apreço, uma vez que a litigância de má fé resulta da alteração dos factos alegados na própria petição incidental, entendemos não existir qualquer razão e ou necessidade para fazer funcionar o princípio do contraditório.
Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, nos termos do art.º 617.º/1 do C.P. Civil de 2013, aplicável ex vi do art.º 1.º/2a) do C.P. Trabalho, indefere-se a nulidade da sentença arguida pela Ré/Recorrente".

Nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer (apenas) no sentido de se não conhecer da nulidade.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:

i.– na nulidade:
– a sua admissibilidade;
– sendo admissível, se o tribunal conheceu de questão de que não podia;

ii.– na apelação:
– a má fé da apelante.
***

II Fundamentos.

1.Factos julgados provados:
"1)– Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16/12/2013, para além do mais, a Ré/Empregadora foi condenada «a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º  do CT, valor a apurar em incidente de liquidação».
2)– A Ré/Empregadora promoveu o despedimento da Autora/ /Trabalhadora em 02/06/2014.
3)– À data do despedimento, a Autora/Trabalhadora auferia a retribuição-base de € 615,00, sem qualquer diuturnidade, subsídios de férias e de Natal, subsídio de refeição, comissões nas vendas, complemento de merchandising no valor de € 50,00, e subsídios de trabalho nocturno e de trabalho aos Domingos quando eram prestados.
4)– Relativamente ao Acórdão referido em 1), a Secretaria do Tribunal da Relação de Lisboa expediu, por correio registado, notificação aos mandatários da Autora/Trabalhadora e da Ré/Empregadora na data de 21/12/2015.
5)– Entre Junho de 2014 e Agosto de 2014, a Autora recebeu da Segurança Social o valor total de € 2.280,85, a título de «equivalência por prestação de desemprego total».
6)– Entre Agosto de 2014 e Junho de 2015, a Autora recebeu da sociedade BBB, Ld.ª o valor total de € 6.213,45, a título de rendimentos auferidas como trabalhadora por conta de outrem.
7)– Para além dos valores recebidos em 5) e 6), a Autora não auferiu, a esses mesmos títulos, outras quantias no período compreendido entre Junho de 2014 e Janeiro de 2016".

2.O direito.

2.1.A nulidade.
Vejamos então se a nulidade foi desadequadamente arguida pelo requerente, tal como sustentou o Mm.º Juiz a quo e a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação de Lisboa.

A requerente apresentou a reclamação juntamente com a alegação do recurso e não separadamente deste, sequer no requerimento em que o interpôs.

O art.º 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho estabelece que "a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso". Daqui decorre o entendimento, pacificamente seguido pela doutrina e pela jurisprudência, de que as nulidades da sentença devem ser enunciadas[5] e motivadas expressa e separadamente pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso,[6] vale dizer, "com explanação dos factos que consubstanciam essas nulidades, não se podendo relegar para as alegações".[7] O que se funda, por um lado na circunstância do requerimento ser "dirigido ao tribunal que proferiu a decisão [enquanto que] as alegações dirigem-se ao tribunal que há-de apreciar o recurso"[8] e, por outro, "em motivos de economia, celeridade e racionalidade processuais, e não elimina nem dificulta de modo particularmente oneroso o direito ao recurso, nem tolhe o direito de acesso aos tribunais, nem viola a ideia de Estado de Direito",[9] "não bastando, portanto, a mera referência ao nomem juris da nulidade arguida ou à alínea do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, que a define".[10] Em consequência, sempre que isso ocorra, não deve conhecer-se da nulidade invocada.[11]

Baixando ao caso concreto, vemos que não foi isso que ocorreu pois que a reclamante apresentou a reclamação juntamente com a alegação do recurso e não separadamente deste, sequer no requerimento em que o interpôs, ali desenvolvendo a sua motivação e as conclusões com as do recurso.

Assim sendo e com os fundamentos atrás expostos, não poderá esta Relação de Lisboa dela conhecer.

2.2.A apelação.
Para além dos factos julgados provados na sentença apelada, convém deixar aqui uma breve resenha do que constituiu o decurso do processo.

Assim:
i.– em 30-08-2017: o requerente do incidente / apelante apresentou em juízo o requerimento de liquidação da sentença, no qual alegou, no que ao caso releva:
"(…)
6.º
A Autora auferiu de subsídio de desemprego a quantia de € 588,00.
7.º
Após o encerramento da discussão na 1ª instância, em 10 de Novembro de 2014, a Autora auferiu retribuições do trabalho, provenientes da sociedade BBB, cujo montante exacto não consegue actualmente precisar.
(…)
Prova:
Requer-se:
(…)
b)– Que seja oficiado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para que informe os valores pagos à Autora entre 02.06.2014 e 4.01.2016, a titulo de subsídio de desemprego e de trabalho dependente.
(…)".
ii.– em 03-10-2017: o Mm.º Juiz determinou o aperfeiçoamento desse requerimento inicial;
iii.– em 09-10-2017: o requerente do incidente / apelante apresentou em juízo requerimento de liquidação da sentença aperfeiçoado, no qual alegou, no que ao caso releva:
"(…)
6.º
Em Julho de 2014, a Autora recebeu de subsídio de desemprego a quantia de € 588,00, referente ao mês de Junho de 2014.
7.º
Entre 28 de Agosto de 2014 e 11 de Maio de 2015, a Autora trabalhou na sociedade BBB, onde auferiu a retribuição mensal ilíquida de € 485,00, perfazendo o total de € 4.074,00.
(…)
Prova:
Requer-se:
(…)
b)– Que seja oficiado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para que informe os valores pagos à Autora entre 02.06.2014 e 4.01.2016, a titulo de subsídio de desemprego e de trabalho dependente.
(…)".
iv.– em 17-10-2017: o Mm.º Juiz determinou o aperfeiçoamento desse requerimento inicial, advertindo que o fazia pela última vez.
v. em 24-10-2017: o requerente do incidente / apelante apresentou em juízo requerimento de liquidação da sentença novamente aperfeiçoado, no qual alegou, no que ao caso releva:
"(…)
6.º
Em Julho de 2014, a Autora recebeu de subsídio de desemprego a quantia de € 588,00, referente ao mês de Junho de 2014.
7.º
Entre 28 de Agosto de 2014 e 11 de Maio de 2015, a Autora trabalhou na sociedade BBB, onde auferiu a retribuição mensal ilíquida de € 485,00, perfazendo o total de € 4.074,00.
(…)
Prova:
Requer-se:
(…)
b)– Que seja oficiado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para que informe os valores pagos à Autora entre 02.06.2014 e 4.01.2016, a titulo de subsídio de desemprego e de trabalho dependente.
(…)".
vi.– em 30-10-2017: o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
"Notifique a ré / requerida para, no prazo de 10 dias, deduzir oposição ao incidente de liquidação, advertindo de que, não o fazendo, serão considerados confessados os factos articulados pela autora - art.os 292.º, 293.º, 359.º e 360.º do C.P. Civil de 2013, aplicáveis ex vi do art.º 1.º/2 a) do C.P. Trabalho".
vii. em 13-11-2017: a requerida deduziu oposição à liquidação, onde, no que ora importa, alegou e requereu o seguinte:
"(…)
8.
A este valor sempre teria que ser deduzida a quantia de 4074 € recepcionada a título de trabalho dependente, ou um valor superior que se vier a apurar.
(…)
Da Prova:
1– Requer a notificação do Instituto de Segurança Social, sito na Av. Manuel da Maia n.º 58, 1049 – 002 Lisboa, com vista a informar os autos de que valores recebeu a Requerente a título de subsídio de desemprego entre 02.06.2014 e 1.01.2016, para prova do artigo 7.º do presente articulado.
2– Caso o Instituto de Segurança Social não preste tal informação, requer-se a notificação do Instituto do Emprego e Formação Profissional do Barreiro sita R. José Elias Garcia 35, 2830-355 Barreiro com vista a informar os autos de que valores recebeu a Requerente a título de subsídio de desemprego entre 02.06.2014 e 1.01.2016, para prova do artigo 7.º do presente articulado.
3– Requer a notificação do Instituto de Segurança Social, sito na Av. Manuel da Maia n.º 58, 1049 – 002 Lisboa, com vista a informar os autos de que valores recebeu a Requerente a título de trabalho dependente entre 02.06.2014 e 01.01.2016 para prova do artigo 8.º do presente articulado.
(…)".
viii.– em 14-12-2017: o Mm.º Juiz proferiu despacho saneador, onde de relevante para a questão sub iudicio determinou o seguinte:
"VII– Apresentação de Documento/Informação – Pedido formulado pela Ré
Nos termos dos art.os 7.º, 417.º/1, 436.º e 437.º do C.P. Civil de 2013, aplicáveis ex vi do art.º 1.º/2 a) do C.P. Trabalho, determina-se a notificação das entidades identificadas no final da contestação para, no prazo de 10 dias, prestarem e juntarem aos autos as informações/documentos referidos na parte final da contestação, com a expressa advertência de que, não o fazendo, para além do mais, será condenada em multa".

ix.– em 08-01-2018: a secretaria judicial juntou aos autos correio electrónico enviado pelo Instituto da Segurança Social, I. P. Lisboa e pelo Conselho Distrital de Segurança Social de Lisboa dando conta que:
– o primeiro, que a requerente no período de 23-06-2014 a 27-08-2014, recebeu subsídio de desemprego no valor diário de € 29,65 e no período de 28-08-2014 a 30-06-2015 esteve enquadrada na entidade BBB, Ld.ª com o salário base de e 505,00;
– o segundo, que a requerente recebeu quantias monetárias daquelas proveniências, descriminando-as mensalmente de modo concordante com os factos provados 5 a 7 (para além da retribuição base, constavam outras retribuições).

Para decidir que a apelante agiu com má fé, o caso sub iudicio o Mm.º Juiz considerou o seguinte:
"Como decorre da petição incidental aperfeiçoada, a Autora alegou expressamente que «Em Julho de 2014, a Autora recebeu de subsídio de desemprego a quantia de € 588,00, referente ao mês de Junho de 2014… Entre 28 de Agosto de 2014 e 11 de Maio de 2015, a Autora trabalhou na sociedade BBB, onde auferiu a retribuição mensal ilíquida de € 485,00», só que vislumbra-se, perante a factualidade que resultou provada, que nos presentes autos está demonstrado que a mesma auferiu, a ambos os títulos, quantias muito superiores àquelas que alegou, isto é, ficou demonstrado que entre Junho de 2014 e Agosto de 2014, a Autora recebeu da Segurança Social o valor total de € 2.280,85, a título de «equivalência por prestação de desemprego total» e entre Agosto de 2014 e Junho de 2015, a Autora recebeu da sociedade BBB, Ld.ª o valor total de € 6.213,45, a título de rendimentos auferidas como trabalhadora por conta de outrem (cfr. factos provados n.º s. 5 e 6).

Nestas circunstâncias, verifica-se que, ao produzir aquelas alegações como fundamento da sua pretensão, o Autor alterou a verdade dos factos, sendo certo que não podia desconhecê-los (tratam-se de factos pessoais, sendo que as alegações que produziu no requerimento de redução do pedido – cfr. fls. 60 – não têm qualquer cabimento legal, já que se não tinham os elementos em causa, em vez de alegar uma ' coisa qualquer'  e de alegar 'algo cuja veracidade desconhecia', impunha-se-lhe que primeiro obtivesse os elementos sobre quais os valores que efectivamente auferiu, para só depois alegar com base nesses elementos), pelo que ao actuar desta forma, actuou, pelo menos, com negligência grosseira - cfr. art.º 542.º /2b) do C. P. Civil de 2013, aplicável ex vi do art.º. 1.º /2a) do C. P. Trabalho.

Esta atitude processualmente assumida de alterar a verdade dos factos para efeitos de defesa, afronta óbvia e manifestamente o dever de boa fé processual.

Consequentemente, justifica-se, como atitude pedagógica mesmo de forma oficiosa (salientando-se que esta litigância e má fé resulta de actos praticados logo nos articulados), e até porque a sua conduta deu azo a que o Tribunal desenvolvesse a sua actividade (nomeadamente, instrutória) relativamente à apreciação e decisão sobre a verificação de factos que não tinha qualquer razão de ser, ocupando tempo que podia ser aproveitado no trabalho de muitos outros processos pendentes, a sua condenação como litigante de má fé, nos termos do art.º. 542.º do C. P. Civil de 2013 e, por via disso, deverá aquela ser condenada numa multa cujo valor que se nos afigura adequado é de 4 UCs (art.º. 27.º /3 do R. C. Processuais)".

O n.º 1 do art.º 390.º do Código do Trabalho estabelece que "sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento" e o n.º 2, no que ora interessa, que a essas retribuições se deduzem "a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento" e "c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social".

Por outro lado, interessa ainda ter presente que o n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil determina que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado" e o n.º 2 que "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita".

Tem sido considerado que os factos comprovativos do direito do trabalhador aos salários intercalares são constitutivos do seu direito e por isso o ónus da alegação e prova dos mesmos corre por conta dele;[12] e que as importâncias que tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e as que lhe tenha recebido a título de subsídio de desemprego são factos modificativos / extintivos do direito por ele ajuizado e, por conseguinte, o ónus da sua alegação e prova corre por conta do empregador.[13]

Por outro lado, o n.º 1 do art.º 542.º do Código de Processo Civil estatui que "tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir" e o n.º 2 que "diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: (…) b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (…)".

Baixando ao caso concreto, vimos que apesar de se não encontrar onerada com a alegação do recebimento de importâncias recebidas e que de outro modo não receberia não fosse o despedimento e de prestações de subsídio de desemprego, certo é que a requerente do presente incidente logo alegou que auferiu € 588,00 a título de subsídio de desemprego e ainda, após o encerramento da discussão em 1.ª instância, a 14-11-2014, retribuições para o trabalho que prestou para a BBB que não conseguia precisar; depois, acedendo a despacho de aperfeiçoamento, que em Julho de 2014 auferiu € 588,00 a título de subsídio de desemprego e que entre 20-08-2014 e 11-05-2015 retribuições para o trabalho que prestou para a BBB no valor mensal de € 485,00 e total de € 4.074,00; por fim, acedendo a novo despacho de aperfeiçoamento, que em Julho de 2014 auferiu € 588,00 a título de subsídio de desemprego e entre 20-08-2014 e 11-05-2015 retribuições para o trabalho que prestou para a BBB no valor mensal de € 485,00 e total de € 4.074,00. E em qualquer dos casos pediu que o valor que lhe foi pago a título de subsídio de desemprego fosse confirmado junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

É certo que se provou que entre Agosto de 2014 e Junho de 2015 recebeu da sociedade BBB, Ld.ª o valor total de € 6.213,45, a título de rendimentos auferidas como trabalhadora por conta de outrem, o que corresponde a um valor superior ao que alegara ter percebido. Porém, também alegou que recebia uma retribuição mensal no valor de € 485,00 e isso já está em linha com o que efectivamente aconteceu nos primeiros meses em que trabalhou para aquela empresa, como se constata do documento enviado para os autos pelo Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, não sendo assim, ao contrário do assinalado pela sentença recorrida, "uma coisa qualquer". E também é verdade que entre Junho de 2014 e Agosto de 2014, a Autora recebeu da Segurança Social o valor total de € 2.280,85, a título de 'equivalência por prestação de desemprego total'

Assim sendo, pese embora o requerimento inicial e os aperfeiçoados não espelharem integralmente a realidade e que, em tese, sendo factos pessoais deveriam ser do conhecimento da requerente, não nos parece que tal discrepância seja dolosa ou gravemente negligente. É que se assim fosse desde logo seria incompreensível não só que tivesse alegado tais factos sem que para isso estivesse onerada como também logo tivesse esclarecido que não sabia precisar o montante dos valores que recebera a título de retribuições por trabalho prestado à dita sociedade e das prestações de subsídio de desemprego e, sobretudo, concomitantemente tivesse requerido que fosse solicitado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que o esclarecesse.

Por fim, como de resto assinala a apelante, as diligências instrutórias levadas a cabo pelo Tribunal foram (também) requeridas pela parte contrária, a qual, como vimos, lhe competia também alegar os factos, pelo que nessa medida cremos que tal não deveria ter siso relevado na decisão recorrida.
Deste modo, não sendo um caso evidente de má fé, nessa medida não deve manter-se a condenação da apelante.
***

IIIDecisão.
Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e revogar a sentença recorrida no que tange à condenação da apelante como litigante de má fé.
Custas pela apelada (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
*


Lisboa, 11-07-2018.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)



[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2011, página 211 e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-07-2015, no processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, Relação de Lisboa, de 07-10-2015, no processo n.º 1535/14.3TTBRR.L1-4, da Relação de Coimbra, de 30-04-2015, no processo n.º 949/13.0TTLRA.C1 e da Relação de Évora, de 25-06-2015, no processo n.º 145/14.0TTPTM.E1, de 14-05-2015, no processo n.º 158/14.1TTEVR.E1 e de 30-04-2015, no processo n.º 407/13.3TTTMR.E1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[6]Em Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2011, página 211.
[7]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2002, no processo n.º 01S1963, publicado em http://www.dgsi.pt.
[8]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-03-2002, no processo n.º 3720/01-4.ª, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_busca.php?buscajur=&areas=3&ficha=2626&pagina=&exacta=.
[9]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-03-2002, no processo n.º 599/01-4.ª, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_busca.php?buscajur=&areas=000&ficha=16976&pagina=&exacta=.
[10]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2002, no processo n.º 1963/01-4.ª, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_busca.php?buscajur=&areas=000&ficha=16976&pagina=&exacta=.
[11]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-03-2002, no processo n.º 3720/01-4.ª, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_busca.php?buscajur=&areas=3&ficha=2626&pagina=&exacta=.
[12]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-04-1993, recurso n.º 3.409, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 1993, tomo II, página 262.
[13]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-06-2012, no processo n.º 493/06.2TTBCL.P2.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.