Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | MARCAS TRÉPLICA CONTRADITÓRIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/29/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - O facto de o CPI, aprovado pelo Decreto Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, restringir a intervenção das partes a apenas dois articulados não permite postergar os princípios constitucionalmente consagrados, como é o princípio do contraditório, o qual encontrou expressão, como se referiu, na lei ordinária - artigo 3º do Código de Processo Civil -, garantindo uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de lealdade processual que lhes impõe o dever de participar na decisão, em paridade, trazendo ao processo todos os elementos com relevo para a mesma. II – Não pode negar-se à recorrente - notificada da resposta apresentada pela recorrida ao recurso por si interposto da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu protecção à marca da recorrida, tendo esta invocado nesse articulado a nulidade do registo da marca de que a recorrente é titular e na qual esta fundou a sua pretensão de recusa do registo da recorrida - a oportunidade de tomar posição sobre tal questão, que constitui matéria de excepção, sob pena de violação do princípio do contraditório, posto que não lhe era razoavelmente exigível que previsse que a mesma iria ser suscitada pela recorrida na sua resposta e que a ela tivesse antecipadamente de responder no seu articulado de interposição de recurso. (F.G.) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: No recurso interposto no Tribunal de Comércio de Lisboa por Tintas, S.A., da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu protecção à marca nacional nº 370.275 “CINOXANO” requerida por … do Norte, S.A., agravou a recorrente do despacho proferido em 16 de Fevereiro de 2005 (fls. 126) que ordenou o desentranhamento do articulado réplica por si apresentado com fundamento em que “…os presentes autos consubstanciam um recurso de marca, regulado nos arts. 39º e segs. do Cód. da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec-Lei nº 36/2003, de 5 de Março”, não se lhe aplicando o disposto para o processo comum de declaração, e não havendo, por conseguinte, lugar a réplica. Alegou e formulou a seguinte síntese conclusiva: 1ª O princípio do contraditório tem o seu assento primeiro no artigo 20º da CRP, sendo recebido e desenvolvido pelo legislador ordinário no artigo 3º n.º 3, do CPC. 2ª O CPI aprovado pelo Decreto Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, omite a existência de articulado de resposta a excepções deduzidas na resposta da parte contrária; 3ª Porém, tal omissão, não significa que a lei não admita tal resposta. Ao contrário, impõe que a parte contra a qual a excepção é arguida possa responder-lhe, através do supra citado princípio do contraditório; 4ª No caso vertente, foi arguida excepção peremptória na resposta da parte contrária e a ora Agravante respondeu através de réplica; 5ª Tendo-se ordenado que a mesma fosse desentranhada com fundamento em não estar prevista nas normas do CPI 6ª Tal despacho ofendeu o disposto nos artigos 20º da CRP e 3º nº 3 do CPC, pelo que deve ser corrigido. Termos em que deve o presente recurso de agravo ser julgado procedente e ser provido, revogando-se o despacho recorrido com a consequente admissão da réplica. A agravada contra alegou, pugnando pela confirmação do despacho recorrido. Foram dispensados os vistos. 2. Fundamentos: Emerge das conclusões da alegação da agravante que uma única questão se coloca neste recurso, que consiste em saber se, prevendo o Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5 de Março, apenas dois articulados em caso de recurso de decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, era admissível nos autos um novo articulado ainda que destinado a assegurar o exercício do contraditório. Sobre o sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, entre outros, no Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000, no qual se escreveu: «O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão nº 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.)]. É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997) - o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão n.° 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.°, pp. 391 e segs.)» E, acrescenta-se no mesmo Acórdão, que «…a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa». Na mesma linha de pensamento, também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2005, p. 192) afirmam que a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, nº 4, postula «…a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas». Traçado o conteúdo essencial do princípio do contraditório, que tem consagração expressa nos nºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil, importa averiguar se, no caso vertente, deve ou não admitir-se o articulado tréplica apresentado pela recorrente. É seguro, à luz do disposto no Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5 de Março, que o recurso de decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial apenas comporta dois articulados, dispondo claramente o seu artigo 44º que: «1 - Recebido o processo no tribunal, é citada a parte contrária, se a houver, para responder, querendo, no prazo de 30 dias. (…) 3 – Findo o prazo para a resposta, o processo é concluso para decisão final, que é proferida no prazo de 15 dias (…)». Neste quadro de regulamentação processual do processo em questão, considerou o Exmo. Juiz inadmissível o articulado oferecido pela recorrente depois de apresentada a resposta pela recorrida e ordenou o seu desentranhamento. Salvo o devido respeito, o facto de aquele diploma restringir a intervenção das partes a apenas dois articulados não permite postergar os princípios constitucionalmente consagrados, como é o princípio do contraditório, o qual encontrou expressão, como se referiu, na lei ordinária - artigo 3º do Código de Processo Civil -, garantindo uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de lealdade processual que lhes impõe o dever de participar na decisão, em paridade, trazendo ao processo todos os elementos com relevo para a mesma. No caso, a recorrente, notificada da resposta apresentada pela recorrida ao recurso por si interposto da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu protecção à marca da recorrida, e tendo esta invocado nesse articulado a nulidade do registo da marca de que a recorrente é titular e na qual esta fundou a sua pretensão de recusa do registo da recorrida, pretendeu responder a esta questão nova sobre a qual não se tinha ainda pronunciado, ao menos no âmbito do recurso. E não pode negar-se à recorrente a oportunidade de tomar posição sobre tal questão, que constitui matéria de excepção, sob pena de violação do falado princípio do contraditório, posto que não lhe era razoavelmente exigível que previsse que a mesma iria ser suscitada pela recorrida na sua resposta e que a ela tivesse antecipadamente de responder no seu articulado de interposição de recurso. Com efeito, salvo se houver o poder/dever de impugnar antecipadamente a matéria de excepção levantada e se, impuser, por isso, à parte a obrigação de nessa previsão razoável tomar desde logo posição sobre a mesma num quadro de lealdade processual, sob pena de preclusão, situação que não ocorre no caso presente, tem de admitir-se em obediência ao princípio do contraditório que a recorrente, em paridade com a recorrida, possa tomar posição no processo sobre questão nova por esta levantada, trazendo ao processo todos os elementos, de facto ou de direito, com ela relacionados susceptíveis de relevar para a decisão. Extravasa-se o campo dos articulados em benefício do respeito do contraditório das partes e da justeza da decisão. Procedem, no essencial, as conclusões da alegação da agravante. 3. Decisão: Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita o articulado apresentado pela agravante. Custas pela agravada. 29 de Março de 2007 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes) |