Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17895/19.7T8SNT-B.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: EXECUÇÃO
ENTREGA DE BEM IMÓVEL
LEI N.º 1-A/2020
DE 19 DE MARÇO
SUSPENSÃO
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A alínea c), do nº 7, do art.º 6º-E, da Lei nº 1-A/2020, de 10 de março, na redação introduzida pela Lei 13-B/2021, de 5/04 (ainda em vigor), prevê um regime especial para a entrega de coisa imóvel arrendada ou ex-arrendada, no período transitório a que se reporta a norma (ainda que aquela possa constituir a casa de morada de família do executado) ficando a suspensão do ato de entrega dependente da procedência de incidente que o executado terá de deduzir na ação executiva, ao abrigo do regime previsto nos art.ºs 292º, a 295º, do Código de Processo Civil e no âmbito do qual terá de alegar e demonstrar que em consequência da decisão de entrega pode ser colocado em situação de fragilidade, por falta de habitação própria, ou por outra razão social imperiosa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Z…., residente na Rua …, Amadora, propôs ação executiva contra T….., com residência na Rua …., em Queluz, apresentando como título executivo sentença judicial proferida em ação de despejo, que decretou a resolução do contrato de arrendamento relativamente à fração autónoma designada pela letra “D”, de que aquela era arrendatária, sita na Rua ….., em Queluz e a condenou a entregar à Autora, aqui Exequente, o locado, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como ao pagamento das rendas vencidas até maio de 2017, no montante total de €1.400,00; das rendas vencidas desde junho de 2017, até à entrada da petição inicial em janeiro de 2018, no montante de €3.200,00; e das rendas vincendas (cada uma no montante de €400,00), até à efetiva entrega do imóvel.
A execução visa a entrega do locado e o pagamento das rendas.  
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Por sentença proferida em 7 de março de 2020 foi julgado, improcedente, por não provado, o incidente de diferimento de desocupação do locado deduzido pela Executada (cf. referência citius 124189706 do processo execução).
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Em 18 de março de 2020, a Executada dirigiu requerimento ao processo executivo, requerendo o diferimento da desocupação do locado, face às contingências vivenciadas pela doença Covid-19, ao decretamento do estado de emergência, e à circunstância de se encontrar em situação de quarentena voluntária devido ao grave risco de saúde (cf. referência citius 16592577 do processo de execução).
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Tal requerimento foi objeto da seguinte decisão proferida em 6 de abril de 2020:
“Atentas as razões invocadas (actual estado de emergência nacional, por força da situação de pandemia por Covid-19), não se afigura que a executada, com o requerimento em apreço, pretenda efectivamente o «diferimento de desocupação do locado», pedido que dá origem ao incidente urgente regulado no artigo 864.º do CPC.
Com efeito, a executada já deduziu nos autos tal incidente processual, que foi apreciado e julgado improcedente por sentença de 07/03/2020, já transitada em julgado.
A questão que importa decidir é, pois, a de saber se a entrega do imóvel deve ser suspensa, apesar do trânsito da referida sentença.
A resposta é claramente afirmativa.
De acordo com a alínea b) do n.º 6 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, na parte relevante, ficam suspensos quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente as entregas judiciais de imóveis, até ao termo da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar por decreto-lei (artigo 7.º, nºs. 1 e 2, do citado diploma legal).
Embora a requerida suspensão decorra imediatamente da lei, sem necessidade de prévio despacho judicial que o autorize, não há razões que obstem a que o Tribunal profira decisão nesse sentido.      
Pelo exposto, defiro o requerido e, em consequência, determino que a diligência de entrega do imóvel, objecto da presente execução, não seja executada até à data que vier a ser definida, como termo da referida situação excepcional, pelo decreto-lei a que alude n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
Notifique.
Comunique ao AE.” (cf. referência citius 124677660 do processo de execução).
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Em 8 de abril de 2022 a Exequente veio solicitar a entrega do imóvel.
A executada, apesar de notificada, não apresentou resposta.
Em 9 de maio de 2002 foi proferida decisão nos seguintes termos:
“(…)
Entretanto, a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 10 de Março, o artigo 6-ºE, que determina, no seu n.º 7, o seguinte:
«Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
(…)
c) Os actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito dos (…) processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou outra razão social imperiosa».
A executada, que está devidamente patrocinada, não veio aos autos, após a entrada em vigor do citado diploma legal (06/04/2021), alegar e comprovar que se encontrava, nessa altura, na situação prevista no citado preceito legal.
Mais: notificada do requerimento em apreço, em que a exequente pede que lhe seja finalmente entregue o locado, volvidos cerca de três anos desde a data da prolação da sentença exequenda, a exequenda nada respondeu, continuando sem invocar, como lhe competia, que actualmente se encontra na situação prevista nesse mesmo preceito legal.
Assim sendo, deve a executada entregar o imóvel em causa à exequente, como foi condenada a fazer desde 14/05/2019, data do acórdão que confirmou a sentença nesse sentido proferida pela primeira instância.
Pelo exposto,
a) concedo à executada o prazo de 30 dias para entregar voluntariamente o locado à exequente;
b) Não ocorrendo a entrega voluntária do imóvel, no aludido prazo, autorizo, desde já, o Sr. Agente de Execução, nos termos do n.º 4 do artigo 757.º do CPC, aplicável ex vi artigos 626.º, n.º 3, e 861.º, n.º 1, do mesmo código, a solicitar o auxílio das autoridades policiais para a concretização coerciva da entrega do imóvel aos exequentes, que deverá ser feita com estrita observância do disposto nos artigos 757.º, n.º 5, 861.º, nºs. 3 e 6 do CPC.
(…)”.
A notificação deste despacho foi remetida em 9 de maio de 2022, conforme certificação citius com referência 137271692 do processo de execução.
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No dia 30 de junho de 2022, a Executada dirigiu o seguinte requerimento ao processo:
“No dia 24 de junho de 2022 recebi notificação da ordem de despejo que deverá ocorrer no dia 12 de julho às 11h00. Desde janeiro de 2020 que procuro alternativa habitacional mas com os meus rendimentos tem sido particularmente difícil encontrar casa. Estou a fazer os meus melhores esforços para encontrar um quarto onde me possa hospedar, de acordo com os meus rendimentos.
Entretanto, a minha filha A…. tem 17 anos e está a estudar na Escola …., em Lisboa, onde continua em período de aulas até meados do próximo mês. Esta situação não é da sua responsabilidade e temo que lhe possa prejudicar os estudos e, consequentemente, o seu futuro profissional. O choque da notícia da iminência de despejo fez, inclusive, com que ficasse doente.
Por tudo aquilo que ficou exposto, peço a V. Exa. que me dê um pouco mais de tempo para encontrar outra casa com a ajuda das instituições e organizações que me estão a apoiar neste momento de graves dificuldades.
(…)”. – referência citius 21362579 do processo de execução.
Com este requerimento apresentou uma declaração, emitida pela Câmara Municipal de Sintra, atestando que aquela tinha comparecido junto daquela edilidade em 27 de junho de 2022, para tratar de pedido de habitação social.
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No âmbito do exercício do contraditório, a Exequente opôs-se ao sobredito pedido – cf. referência citius 21414096 do processo de execução.
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Em 11 de julho de 2022 foi proferida decisão nos seguintes termos:
“O pedido incidental de diferimento da desocupação do locado foi já julgado improcedente, por sentença de 07/03/2020, transitada em julgado.
Por outro lado, por despacho de 09/05/2022, também transitado em julgado, o Tribunal decidiu conceder à executada o prazo de 30 dias para entregar voluntariamente o locado à exequente, ponderando, além do mais, que a mesma, apesar de devidamente patrocinada, não deduziu o incidente previsto no artigo 6.º-A, n.º 7, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção vigente, quando notificada do pedido de entrega do locado então formulado pela exequente.
Ora, a situação que a executada invoca no requerimento em apreço não sobreveio ao referido despacho, pelo que não pode o Tribunal reapreciar de novo, agora em sentido contrário à pretensão da exequente, a questão de saber se há razões que, nos termos da lei, obstem à entrega do locado.
Acresce que, atenta a diminuição das exigências de defesa da saúde pública evidenciadas na suspensão de praticamente todas as medidas restritivas que até aqui vigoravam, no descrito contexto pandémico, não se justifica, à luz do referido regime legal, comprimir por essa razão (defesa da saúde) - a única legalmente relevante - o direito de propriedade da exequente, pelas razões agora (tardiamente) invocadas pela executada, sendo certo que aquela já está privada do imóvel de que é proprietária desde 14/05/2019, data do acórdão que confirmou a sentença da primeira instância que condenou a executada a devolvê-lo à exequente.
Pelo exposto, indefiro o requerido, sem prejuízo do disposto nos artigos 757.º, n.º 5, e 861.º, n.ºs 3 e 6 do CPC, aplicáveis.” – cf. referência citius 138675095 do processo de execução.
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A Executada não se conformou com esta decisão e dela veio recorrer, tendo, após, alegações, formulado as seguintes conclusões:
I - O título executivo da ação executiva em causa é uma decisão judicial condenatória no âmbito da qual, entre o demais, a recorrente foi condenada a proceder à entrega do locado que constitui a sua casa de morada de família;
II - Conforme resulta dos autos,
III - A Executada é mãe solteira, está desempregada, recebe, mensalmente, o rendimento social de inserção, no montante de €284,49, e o abono de família para crianças e jovens, na quantia de €101,14;
IV - Ou seja, na presenta data, o rendimento mensal da recorrente e do seu agregado familiar totaliza o montante total de €385,63;
V - Atento os seus baixos rendimentos a ora recorrente está com muitas dificuldades e encontrar uma alternativa habitacional;
VI Assim, em 30.06.2022, juntou aos autos um requerimento a peticionar a prorrogação/suspensão da entrega do locado;
VII - Tendo, o Tribunal a quo entendido que inexistem razões, nos termos da lei, que obstem à entrega do locado;
VIII - Não pode a ora recorrente concordar com esta decisão, já que de acordo com o artigo 7º, alínea b) da lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, atualmente com a redação dada pela Lei n.º 91/2021, de 17 de Dezembro, encontram-se suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no referido preceito os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização e diligências de entrega da casa de morada de família;
IX - A referida norma encontra-se em vigor;
X - Pelo que, deverá a decisão recorrida ser revogada, e determinar-se a suspensão da entrega do locado, que constitui casa de morada de família da recorrente, até, pelo menos, à revogação do regime excecional e transitório supra identificado.
Termos em que deverá ser admitido o presente recurso e, em consequência ser-lhe concedido integral provimento, revogando-se a douta decisão de 11.07.2020 mantendo-se suspensa a entrega do locado que é casa de morada de família da Executada em cumprimento da Lei, tudo nos termos peticionados, assim se fazendo tão só a habitual e sã Justiça!”.
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A exequente não respondeu ao recurso.
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Admitido o recurso e cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe decidir se o ato de entrega do imóvel deve ser suspenso ao abrigo do artigo 7º, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
III. Fundamentação de Facto
Os factos a atender são os descritos no Relatório.
IV. Fundamentação de Direito
A presente execução destina-se, além do mais, à entrega de imóvel arrendado, a que são aplicáveis as regras da execução para entrega de coisa certa, com as especificidades decorrentes dos art.ºs 863º a 866º, como resulta do art.º 862º, todos do Código de Processo Civil.
O art.º 863º prevê a possibilidade de suspensão da execução para entrega do imóvel, mediante o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, incidente que foi inicialmente suscitado nos autos e julgado improcedente por decisão transitada em julgado.
A situação pandémica causada pela doença Covid-19 ditou a publicação da Lei 1-A/2020, de 19/03, que decretou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, e à luz da qual, em 16 de abril de 2020 foi decretada a suspensão da entrega do imóvel no âmbito deste processo executivo, em conformidade com o disposto na alínea b), do n.º 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.
O referido art.º 7º, relativo à suspensão de prazos e diligências, dispunha, então, no seu nº 6º, al. b), que ficavam suspensos “Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.” – sublinhados nossos.
O dito art.º 7º foi revogado pela Lei 4-B/2021 de 1/02, que introduziu alterações à Lei 1-A/2020 e que lhe aditou o art.º 6º-B, o qual, na parte com relevo para os autos dispôs o seguinte:
“(…)
6- São também suspensos:
(…)
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.”
Quando em 9 de maio de 2022 foi decidido o pedido de entrega do imóvel, deduzido pela Exequente em 8 de abril do mesmo ano, estava em vigor a Lei nº 1-A/2020, já na redação entretanto introduzida pela Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril e que se mantém em vigor quanto ao preceito que importa ponderar e que por aquela foi introduzido – o art.º 6º -E - (que não sofreu qualquer alteração com a entrada em vigor da Lei nº 91/2021, de 17/12, que operou a última alteração à Lei 1-A/2020).
O dito 6º-E, estabeleceu um regime processual excecional e transitório, nos seguintes termos:
“(…):
7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
(…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
 (…)”. – sublinhado nosso.
Na sequência destas alterações introduzidas pela Lei 13-B/2021 à Lei 1-A/2020, não é aplicável ao caso dos autos o disposto na alínea b), do nº 7, do art.º 6º-E, mas, antes, o disposto na alínea c), do mesmo nº 7, que regula especificamente a execução de entrega de imóveis locados, ainda que os mesmos se destinem à habitação do executado e da sua família, aferindo-se, a partir de tal especificidade, que as situações de suspensão previstas na alínea b), abrangem, apenas, os imóveis próprios do executado, ou que por ele sejam ocupados por virtude de outro ato, que não o de arrendamento ou ex-arrendamento, e que constituam a sua casa de morada de família.
Esta alteração não importou a desproteção do devedor – arrendatário ou ex-arrendatário – na medida em que lhe foi reconhecido o direito de suscitar a suspensão do ato de entrega, nos termos da parte final da referida alínea c), do nº 7, do art.º 6º E.
A referida alínea c) prevê, deste modo, um regime especial para a entrega de coisa imóvel arrendada no período transitório a que se reporta a norma em questão, ainda que esta possa constituir a casa de morada de família do executado. Neste sentido, que perfilhamos, escreve Delgado de Carvalho[1], que no que diz respeito ao ato de entrega de coisa imóvel, importa distinguir as seguintes situações: se nas execuções o imóvel pertencer ao executado e for a casa de morada de família deste, não se pratica o ato de entrega durante o período de vigência da dita lei, funcionando, assim, a regra da suspensão dos atos (al. b) do n.º 7 do art.º 6.º-E), já no que tange aos  processos de execução para entrega de imóvel arrendado, ainda que o mesmo seja destinado à habitação e constitua casa de morada de família, o ato de entrega pratica-se, em regra, se não for demonstrada, incidentalmente, a situação de fragilidade do arrendatário ou ex-arrendatário.
Deste modo, o ato de execução da entrega do imóvel arrendado só fica suspenso no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no art.º 6º-E, quando, por força da decisão final a proferir no referido procedimento, o arrendatário possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, que o próprio tem de vir alegar e demonstrar – a alínea c) não é de aplicação automática - mediante a dedução de incidente que correrá no próprio processo de execução e que deverá ser decidido depois de facultado o contraditório ao exequente. Neste sentido, escreve Higina Castelo[2], que “ … o tribunal só deverá apreciar a questão da suspensão se a mesma for suscitada pela parte que nela tem interesse, com indicação dos factos que a fundamentam, e dando oportunidade à parte contrária de exercer o contraditório. Trata-se de um incidente enxertado na marcha do processo a que se aplicarão os artigos 292º a 295º do CPC”.
Neste sentido, entre outros, vejam-se os seguintes acórdãos: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2022 (processo nº 17696/21.2T8LSBL1-6); Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2022 (processo nº 17115/20.1T8PRT.P1), ambos acessíveis no sítio da internet, www.dgsi.pt.
No caso dos autos, e considerando o pedido de entrega do imóvel formulado pela Exequente já no âmbito da vigência daquele normativo legal (A Lei nº 13-/2021 entrou em vigor no dia 6 de abril de 2021 – cf. o seu art.º 7º) a executada, que dele foi notificada e que se encontrava representada por mandatária, não só não respondeu, como não suscitou, ela própria, o incidente a que vimos aludindo, alegando os factos e apresentando desde logo as provas (cf. art.º 293º, nº 1, do Código de Processo Civil) suscetíveis de conduzirem à prolação de uma decisão de suspensão da prática do ato ao abrigo do regime jurídico que vimos enunciando.
 A decisão proferida no p. p. dia em 9 de maio de 2022, que decidiu pela concretização da entrega da fração imobiliária que tinha sido objeto de contrato de arrendamento e onde residia, ainda, a ex-arrendatária, transitou em julgado.
Relativamente ao requerimento que a Executada dirigiu posteriormente ao processo, e sobre o qual versou, então, a decisão recorrida, temos de concluir, e em consequência do que já se deixou exposto, que tal decisão não violou a norma apontada pela recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso (alínea b), do nº 7, do art.º 6ºE), na medida em que a mesma é inaplicável ao caso dos autos.
E através do dito requerimento a Executada não suscitou, sequer, e na realidade, o incidente de suspensão a que vimos aludindo, pois limitou-se a pedir mais prazo para arranjar habitação – ou seja, prazo acrescido para além daquele que lhe foi concedido em 9 de maio de 2022 para desocupar o imóvel.
Já neste recurso, a Executada veio deduzir factos novos (cf. conclusões III, IV e V) – que não alegou no referido requerimento-, não obstante não desconheça que não é este o momento e o local adequado para suscitar a apreciação de matérias (ou incidentes) que não suscitou em 1ª instância, e que, por isso, não foram nem poderiam ter sido objeto de apreciação, nomeadamente, para efeitos de ali se ponderar a possibilidade de se estar perante a dedução de incidente ora exigido pelo art.º 6º-E, nº 7, al. c), do diploma legal a que nos vimos reportando.
O tribunal de recurso reaprecia a decisão posta em crise, estando-lhe vedado o conhecimento de matérias novas, razão pela qual não podem ser aqui objeto de discussão os elementos contidos nas sobreditas conclusões. “Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.”[3]
Não merece, assim, reparo, a decisão recorrida, que pelos fundamentos expostos não violou a norma que a recorrente indicou nas suas conclusões de recurso, nem qualquer outra.
V. Decisão
Tendo presentes os fundamentos enunciados e ao abrigo do enquadramento jurídico que se deixou traçado, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente por não provada a apelação, e em manter a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pela apelante (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.

Lisboa, 6 de dezembro de 2022
Cristina Lourenço
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
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[1] “O Regime Processual Transitório e Excecional estabelecido pela L 13-B/2021, de 5/4 -Incidências na Ação Executiva -, in, blog IPPC, abril 2021, págs. 13-15.
[2] “ O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020, RMP, Número Especial Covid-19/2020, a págs. 337.
[3] Acórdão STJ de 8/10/2020, Processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.