Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
714/22.4T9SNT-A.L1-9
Relator: BRÁULIO MARTINS
Descritores: CONCEITO DE OFENDIDO
CRIME DE INFIDELIDADE
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
SÓCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08/04/2023
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O conceito de ofendido tem suscitado entre nós viva controvérsia, não sendo raros os casos de clara divergência de entendimentos, de tal modo que a situação tem levado até à intervenção uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça.
II. Numa situação de normal desenvolvimento da vida social de um ente coletivo, a sua autonomia jurídica patrimonial e pessoal relativamente aos sócios justifica plenamente o entendimento segundo o qual estes não têm legitimidade para intervir nas questões processuais penais cujo conteúdo respeita a matérias em relação às quais seja, tecnicamente, ofendido.
III. Numa sociedade dissolvida e em liquidação, o facto de não haver qualquer património para partilhar pode ser revertido se os crimes denunciados (v.g., infidelidade, falsificação) forem demonstrados, bem como sobre que património foram levados a cabo, podendo este, eventualmente, retornar à esfera jurídica da dita sociedade.
IV. O crime de infidelidade, “(…) pressupõe uma relação de confiança”; ora, essa relação de confiança apenas se pode estabelecer entre os gerentes/administradores do ente coletivo (porque seus representantes legais) e o infiel, ou entre os sócios e o infiel (que, enquanto tal, o elegem ou nomeiam), já não entre o liquidatário e o infiel, uma vez que aquele intervém posteriormente.
V. O processo de tipo acusatório não se restringe apenas à separação rigorosa entre acusação/pronúncia e julgamento, mas também apela, por exemplo, à intervenção dos particulares na sua tramitação.
VI. Na dúvida, é de admitir a intervenção dos particulares no processo penal, seja como assistentes, seja como demandantes civis, pois isso em nada pode prejudicar a tramitação processual, podendo até beneficiá-la.
VII. Os sócios de uma sociedade dissolvida e em liquidação - a qual, portanto, os gerentes/administradores já não comandam - podem constituir-se como assistentes num processo penal em que esta seja ofendida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA

I
RELATÓRIO
1
Nos autos de inquérito que com o n.º 714/22.4T9SNT foram presentes no Juízo de Instrução Criminal de Sintra – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido despacho que indeferiu o pedido de constituição de assistente apresentado por AA.
2
Não se tendo conformado com a decisão, a requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Enquanto sócia de uma sociedade atingida no seu património pela conduta do arguido sócio CC, a recorrente, a outra sócia, requereu tabelarmente a sua constituição como assistente, o que lhe foi negado sob o fundamento do direito à constituição de assistente pertencer diretamente à sociedade, enquanto pessoa coletiva e distinta dos sócios, gerentes ou herdeiros
2.ª Por requerimento seguinte, de 11/01/2023, a recorrente formulou novo requerimento com diferente sustento, a saber, a circunstância da sociedade se encontrar dissolvida e extinta e para tanto, invocando a superveniência da sua legitimidade como liquidatária. 3.ª Sobreveio o despacho objeto do recurso, que se reedita:
A questão já foi apreciada e decidida por despacho de 05/12/2022, nada mais havendo a apreciar ou decidir a tal respeito.
As discordância com as decisões judiciai manifestam-se pelos meios processuais próprios, o que não é o caso, pelo que não conheço do exposto.
[...]
4.ª No ver da recorrente, as razões do novo requerimento são novas, apoiam-se na invocação e prova da dissolução e extinção da sociedade e sob este diferente paradigma, nada impede a formulação de novo ou novos requerimentos, de harmonia com o regime regulado nos art.º’s 68.º e 69.º do Cód. Proc. Penal.
5.ª Impunha-se, no ver da recorrente, uma nova decisão e já no sentido de admitir a intervenção da assistente como liquidatária, por aplicação do regime previsto no art.º 162.º do Cód. da Soc. Comerciais e na esteira do raciocínio de Raúl Ventura, in Comentário ao Código das Sociedade Comerciais, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Edição Almedina 1993, pág. 467.
6.ª A sociedade substituída pela generalidade dos sócios é a regra, para os casos normais, o que não acontece quando bem da sociedade caiba a um sócio, porquanto o outro, no caso arguido, terá sido o autor da conduta criminalmente punível que o atingiu.
7.ª Solução oposta contrariava de modo inconcebível os mais elementares princípios de justiça material, do respeito pela propriedade privada, redundando ainda numa inexplicável decisão em benefício do infrator.
8.ª Como assim, por diferente interpretação e aplicação, a douta decisão recorrida violou os art.º’s 68.º e 69.º do Cód. Proc. Penal, 162.º do Cód. das Soc. Comerciais e art.º’s 20.º 1, 4 e 5 e, 62.º n.º 1 da C.R.P.
Termos em que e nos mais direito que como habitual será suprido, deve o presente recurso ser admitido, ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, no sentido de admitir a intervenção da recorrente no procedimento, na qualidade de assistente.
3
O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, nos seguintes termos:
A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto, onde elenca os argumentos pelos quais entende dever o mesmo ser considerado improcedente.
Reconhecemos que a nossa lei parte de um conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas que têm legitimidade para intervirem como assistentes – Dt° Processual Penal , I Volume, pág. 512, Figueiredo Dias.
Contudo, não obstante a proficiente argumentação enunciada, afigura-se-nos, com todo o respeito pela opinião contrária, que o recurso deverá merecer provimento.
É certo que por douto despacho datado de 5 de dezembro de 2022 o Sr° Juiz do tribunal recorrido havia indeferido, e bem, o pedido de constituição de assistente.
Contudo, posteriormente, a 26 de dezembro de 2022, a sociedade «BB », foi dissolvida e encerrada.
A extinção da sociedade em causa efectivou-se com o registo do encerramento da liquidação, cessando consequentemente a sua personalidade jurídica.
Contudo, podem persistir ou sobrevir dívidas sociais pré-existentes ou estar pendente a necessidade de dirimir interesses de natureza patrimonial não resolvidos, conexionados com a actividade daquela pessoa colectiva.
Sublinhe-se que, após o encerramento da sociedade, as obrigações que vinculam aquele ente societário transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios, porquanto estes continuam a responder, pessoal e solidariamente, pelo passivo social não acautelado e isto porque, uma vez extinta a sociedade, os sócios sucedem-lhe na titularidade das respectivas relações jurídicas.
E é manifesto, face ao novo quadro jurídico resultante do encerramento da sociedade, que existe um legítimo interesse dos sócios no acompanhamento de um processo crime, como o dos autos, em que se investigam actos com relevância criminal que afectaram o património da sociedade e que doravante os poderão afectar patrimonialmente na sua esfera jurídica.
Emite-se, pois, parecer no sentido da concessão de provimento ao recurso, afigurando-se que a recorrente pode ser considerada titular de interesse tutelado pela incriminação ( art° 68°, n° 1, al a) do CPP ).
Com efeito, desaparecida a sociedade, mantendo-se pendentes interesses patrimoniais da sociedade, só os sócios podem ser titulares desse activo, o que lhe confere legitimidade como assistentes.
5
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito.
6
Os autos reúnem condições para que seja proferida decisão sumária.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1
Objeto do recurso:
Os sócios de uma sociedade dissolvida e em liquidação podem constituir-se como assistentes num processo penal em que esta seja ofendida?
2
Decisão recorrida:
“Requerimento para constituição como assistente de AA:
Tal como é apresentada a denúncia AA não é ofendida para os efeitos do disposto no art.º 68.º do CP, pois as pessoas coletivas envolvidas na prática dos atos denunciados constituem entidades juridicamente distintas das pessoas físicas ainda que sócios, gerentes ou herdeiros de quotas.
Pelo exposto, por falta de legitimidade, indefiro a requerida constituição como assistente de AA.
Notifique e devolva.”
3
O direito.
A tramitação da questão a decidir está corretamente sintetizada na resposta ao recurso apresentada na primeira instância, pelo que, por economia processual, aqui se reproduz:
“Por despacho de 05-12-2022 (ref.a 141225908), indeferiu o Juízo de Instrução Criminal de Sintra (J1) o pedido de constituição como assistente de AA, porquanto tal como era apresentada a denúncia, não era aquela ofendida para efeitos do disposto no artigo 68.° do Código de Processo Penal, dado que as pessoas colectivas envolvidas na prática dos factos denunciados constituem entidades juridicamente distintas das pessoas físicas ainda que sócios, gerentes ou herdeiros de quotas.
Entretanto, no dia 11-01-2023 (ref.a 22523531), veio a denunciante renovar o pedido de constituição como assistente apresentado, alegando, desta vez que, a sociedade ofendida tinha sido dissolvida e encerrada no dia 26-12-2022, e que o disposto no artigo 164.°, do Código das Sociedades Comerciais, lhe conferia legitimidade para intervir nos autos com a qualidade assistente.
Acontece que, por despacho de 19-01-2023 (ref.a 142040591), o Tribunal a quo assumiu o entendimento de que a questão suscitada pela requerente já tinha sido anteriormente apreciada e decidida, pelo que nada mais havia a apreciar ou a decidir a tal respeito.”
Ora, esta algo enviesada situação processual deve levar-nos a entender que, verdadeiramente, a decisão recorrida é a que foi proferida em 19/01/2023, sendo, todavia, o seu conteúdo jurídico o do despacho prolatado em 05/12/2022; teria sido mais curial por parte do tribunal recorrido apreciar os novos fundamentos invocados para o pedido de constituição de assistente e decidir sobre eles, eventualmente, tanto quanto se pode deduzir, indeferindo, por entender ser irrelevante a alteração de facto invocada, em vez da tão enxuta decisão. Assim, e para uma mais rápida solução da questão, entender-se-á que o tribunal recorrido deu por reproduzido o despacho de 05/12/2022 quando prolatou a meteórica decisão de 19/01/2023.
Vejamos o que diz o Código de Processo Penal:
Do assistente
Artigo 68.º
Assistente
1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;
c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adoptados, ascendentes e adoptantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime;
d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime;
e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.
(…)
Ora, não há dúvida que o segmento legal “ (…) ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos” tem suscitado entre nós viva controvérsia, não sendo raros os casos de clara divergência de entendimentos, de tal modo que a situação tem levado até à intervenção uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça – veja-se, por exemplo, o AUJ de 16/01/2003, relatado pelo Exmo. Conselheiro o Simas Santos segundo qual “no procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do art.º 256º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente, tem legitimidade para se constituir assistente".
De qualquer modo, no caso presente, podemos partir do pacífico princípio de que numa situação de normal desenvolvimento da vida social de um ente coletivo, a sua autonomia jurídica patrimonial e pessoal relativamente aos sócios justifica plenamente o entendimento segundo o qual estes não têm legitimidade para intervir nas questões processuais penais cujo conteúdo respeita a matérias que o pode prejudicar – ou melhor, em relação às quais seja, tecnicamente, ofendido -, pois para o representar nesse campo existem os gerentes ou administradores, esses sim portadores da dita legitimidade no âmbito do desempenho das suas funções e atribuições decorrentes da composição orgânica do dito ente.
Concorda-se, por isso, como é evidente, com o que se diz na resposta ao recurso a este respeito:
“In casu, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a única ofendida com o crime de infidelidade, quando em causa esteja a má administração do património social, é a própria sociedade comercial — o que, mutatis mutandis, se estende aos crimes de burla e de falsificação ou contrafacção de documento de que uma sociedade comercial seja vítima.”
Todavia, o caso que cumpre decidir é diferente da normalidade da vida do ente social, como, justamente, o parecer junto aos autos refere.
Na verdade, diz-se naquela peça processual que:
É certo que por douto despacho datado de 5 de dezembro de 2022 o Sr° Juiz do tribunal recorrido havia indeferido, e bem, o pedido de constituição de assistente.
Contudo, posteriormente, a 26 de dezembro de 2022, a sociedade «BB », foi dissolvida e encerrada.
A extinção da sociedade em causa efectivou-se com o registo do encerramento da liquidação, cessando consequentemente a sua personalidade jurídica.
Contudo, podem persistir ou sobrevir dívidas sociais pré-existentes ou estar pendente a necessidade de dirimir interesses de natureza patrimonial não resolvidos, conexionados com a actividade daquela pessoa colectiva.
Sublinhe-se que, após o encerramento da sociedade, as obrigações que vinculam aquele ente societário transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios, porquanto estes continuam a responder, pessoal e solidariamente, pelo passivo social não acautelado e isto porque, uma vez extinta a sociedade, os sócios sucedem-lhe na titularidade das respectivas relações jurídicas.
E é manifesto, face ao novo quadro jurídico resultante do encerramento da sociedade, que existe um legítimo interesse dos sócios no acompanhamento de um processo crime, como o dos autos, em que se investigam actos com relevância criminal que afectaram o património da sociedade e que doravante os poderão afectar patrimonialmente na sua esfera jurídica.
Quase como que antevendo esta arguta argumentação, na resposta ao recurso afirmou-se que:
De outra banda, salvo melhor entendimento e ao contrário do que defende a recorrente, o normativo do artigo 162.°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais, plasmado no capítulo "liquidação da sociedade", não consagra um direito, ainda que implícito, quer dos sócios, quer dos liquidatários de intervirem no âmbito do processo penal com a qualidade de assistentes, antes estatui que as acções em que a sociedade seja parte continuam após a sua extinção, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
É verdade, mas também não é menos certo que não é habitual encontrar na lei o direito expressamente consagrado de alguém se constituir como assistente, decorrendo muitas vezes essa conclusão da interpretação e aplicação do conceito de ofendido acima mencionado, que nem sempre é fácil ou  unívoca, como se vê.
No caso presente, e a título de mero exemplo, está em causa, entre outros, o crime de infidelidade, o qual “(…) pressupõe uma relação de confiança” – cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pag. 363, Coimbra Editora. Ora, essa relação de confiança apenas se pode estabelecer entre os gerentes/administradores do ente coletivo (porque seus representantes legais) e o infiel ou entre os sócios e o infiel (que, enquanto tal, o elegem ou nomeiam). Na verdade, por mais que se possa tergiversar sobre a autonomia jurídico-ontológica do ente coletivo, parece seguro que a relação de confiança é algo que apenas pode existir entre seres humanos - no máximo, entre alguns seres humanos e alguns animais irracionais, como o cão e o cavalo, por exemplo. E, ainda no caso presente, atenta a fase em que se encontra a vida do ente, é também seguro que os administradores/gerentes já se não encontram aos seus comandos, sendo certo que o liquidatário não terá, igualmente, estabelecido, qualquer relação de confiança com quem foi denunciado por infidelidade. Finalmente, o facto de não haver qualquer património para partilhar, pode ser revertido se os crimes denunciados forem demonstrados, bem como sobre que património foram levados a cabo, podendo este, eventualmente, retornar à esfera jurídica da dita sociedade, já moribunda, mas ainda remexendo, tal como o rabo do lagarto no monumental Tabacaria de Fernando Pessoa – e esse remexer bole diretamente com os sócios, como é evidente, e cristalinamente enunciado no parecer junto aos autos.
Por outro lado, louva-se ainda o espírito de abertura do parecer emitido nos autos, consonante com o tão propalado e defendido processo de tipo acusatório – na verdade, este tipo de procedimento penal não se restringe apenas à separação rigorosa entre acusação/pronúncia e julgamento, mas também apela, por exemplo, à intervenção dos particulares na tramitação, sendo certo que o processo de tipo acusatório puro (que vigora, por exemplo, na Grã-Bretanha e EUA)  é quase um processo de partes – cfr. José António Barreiros, Processo Penal I, Almedina, pag. 11 e segs. O nosso processo penal, indubitavelmente de tipo misto, não deve renegar, e muito menos recear, aquela “(…) participação popular (…)” – cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 13 -, auxiliadora de da acusação e do julgador, muito menos com base em rigorismos formalistas de base puramente jurídica que nem sempre conseguem penetrar na verdadeira realidade das coisas. Deve até afirmar-se que, na dúvida, é de admitir a intervenção dos particulares no processo penal, seja como assistentes, seja como demandantes civis, pois isso em nada pode prejudicar a tramitação processual, podendo até beneficiá-la, cumprindo a quem tiver a competência para dirigir a tramitação dos autos controlar rigorosamente a dita intervenção, mantendo-a sempre dentro dos limites legalmente previstos – se isto não ocorrer, aí sim, poderá existir prejuízo para a tramitação, mas a responsabilidade não será dos particulares mas antes de quem manda ou tem obrigação de mandar.

Assim sendo, julga-se procedente o recurso e revoga-se o despacho que indeferiu o pedido de constituição de assistente apresentado por AA, que deverá ser substituído por outro que autorize a sua intervenção nos autos com esse estatuto, salvo se ocorrer qualquer outro motivo que determine o seu indeferimento.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa 04-08-2023,
António Bráulio Alves Martins