Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
635/17.2T9LRS.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - Diferentemente do que se passa no processo civil, em que basta a existência de uma «probabilidade prevalecente», em processo penal deve adoptar-se um padrão mais exigente, nomeadamente o de origem anglo-saxónica, da «prova para além de qualquer dúvida razoável».
- O standard de prova exigido em processo penal é muito mais elevado do que o utilizado no processo civil.
- Se a versão dos factos narrada na acusação não encontra suporte nas provas que foram produzidas em audiência e por mais “circunstanciados” e “sem hesitações” que tenham sido os depoimentos prestados, não permitem formular, dada a notoriedade da existência de erro na apreciação da prova, a conclusão que foi alcançada pelo tribunal recorrido, com base numa mais que diminuta exigência quanto ao standard de prova necessário para uma condenação penal, quanto à ocorrência dos factos e à sua autoria pela arguida, impõe-se dar como “não provados” os factos impugnados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. – No processo comum perante tribunal colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 23, foi pronunciada, para julgamento A.,
imputando-se-lhe a prática, em concurso efectivo e na forma consumada, de cinco crimes de lenocínio, previstos e punidos pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
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O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110º, nº 1, alínea b), e nº 4 do Código Penal, requereu seja declarada a perda das vantagens obtidas pela arguida que computa em €58.680,00 (cinquenta e oito mil, seiscentos e oitenta euros) equivalente à parte do valor que recebeu das quantias entregues pelos clientes como pagamento das relações e actos sexuais mantidas pelas mulheres identificadas na acusação e que representaram um incremento patrimonial directo, no mesmo montante, e que não lhe era devido uma vez que provinham da actividade de prostituição de outras pessoas por si promovida e dirigida, montantes esses que a arguida integrou no seu património, em benefício próprio.
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A arguida não contestou, mas arrolou testemunhas.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, conforme consta da respectiva acta e, findo o julgamento, decidiu o tribunal colectivo em:
a) Absolver A. de cinco crimes de lenocínio, previstos e punidos pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
b) Condenar A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um único crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo mesmo período;
c) Condenar A. na perda a favor do Estado da quantia de €12.780,00 (doze mil, setecentos e oitenta euros) e, por insusceptível de transferência directa, substituir esta perda pelo pagamento ao Estado do respectivo valor;
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Não se conformando com a decisão, interpôs a arguida recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:

A- A arguida estava acusada da prática em co-autoria em concurso efectivo e na forma consumada de cinco crimes de lenocínio, previstos e punidos pelo art.º 169º nº 1 do Código Penal e um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo art.º 183º nº 2 da Lei nº 23/2007 de 04 de Julho.
E ainda,
B - Da perda a favor do Estado do valor global de €58.680,00 (cinquenta e oito mil seiscentos e oitenta euros), do montante correspondente à vantagem por si obtida com a prática dos factos ilícitos, nos termos do disposto no art.º 110º nº 1 b) e nº 4 do Código Penal.
C - Teve lugar o julgamento, o qual, ocorreu em diferentes sessões, vindo a ser proferido o douto acórdão em 11 de Dezembro de 2019.
D - Considerando a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal apresentada em audiência, foram estes os factos considerados provados:
"Da pronúncia
1º Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018, a arguida A. com o propósito de obter proventos económicos, decidiu oferecer a terceiros e a troco de remuneração em dinheiro, serviços sexuais prestados por outras pessoas, em especial mulheres.
2º O Para o efeito, a arguida contactou diversas mulheres para prestarem serviços de massagem e manterem, com terceiros, actos e relações sexuais tais como coito vaginal, sexo oral e masturbação na residência sita na Rua AB, Alto dos Moinhos, em Lisboa, de que era promitente adquirente.
3º De forma a angariar mulheres para prestarem tais serviços, colocou anúncios em jornais editados e publicados em Portugal, indicando o nº 967194770 e 939944649 para a realização de contacto prévio, o qual era seguido de entrevista com a candidata no qual lhe transmitia as regras de funcionamento do local bem como as condições de trabalho, designadamente o horário e retribuição.
4º A arguida estabeleceu que as mulheres que prestassem serviços sexuais na sua casa cumpririam um horário de trabalho, por norma aos dias úteis e de forma mais reduzida aos sábados.
5º Sem prejuízo de outro preço acordado entre a arguida, a prostituta e o cliente consoante o desejado por este, a arguida estatuiu, como norma, que para as massagens com relações sexuais vaginais ou orais, o preço a pagar pelo cliente seria de €60 a €80 (sessenta a oitenta euros) por uma sessão de 40 minutos ou €80 a €100 (oitenta a cem euros) por uma hora.
6º Mais decidiu a arguida que o preço respectivo seria entregue pelo cliente aquando da prestação do serviço à prostituta a qual teria, de seguida, de lhe entregar metade.
7º Entre final de 2016 e Julho de 2017 prestaram, diariamente, no apartamento mencionado, serviços de massagem com actos sexuais a diversos clientes, mediante acordo com a arguida e retribuição a dividir com esta nos termos mencionados, EA__ (conhecida por IM) e SS__.
8º A fim de publicitar a actividade e angariar clientes - uma vez que o prédio onde se situava a residência descrita era residencial - a arguida colocou anúncios em jornais editados e publicados em Portugal bem como criou páginas na internet, designadamente os "sítios" denominados "Doce Massagem" e "Massagem para o Corpo e Alma" nos quais constavam fotografias das diversas mulheres com indicação do seu nome e contacto telefónico a fim de os clientes escolherem aquela com quem pretendiam manter relações sexuais.
9º Por vezes, o cliente escolhia a mulher com quem pretendia manter relações sexuais na residência mencionada, sendo-lhe presentes, por norma, pela arguida, entre duas a cinco para escolha.
10º Na esmagadora maioria das vezes, o cliente, através de contacto telefónico para os números acima referidos, por norma atendido pela arguida, combinava o tipo de relação sexual, a mulher que prestaria o serviço e o preço, após o que se deslocava ao apartamento mencionado para a sua concretização, aí sendo recebido pela arguida que o encaminhava ao quarto e à mulher que escolhera.
11º Prestado o serviço, o cliente entregava o preço à mulher que o atendera, a qual de seguida entregava à arguida a metade que lhe cabia.
12º Na prossecução dessa actividade, a arguida A. contratou, em Janeiro de 2017, EA__, que usava o nome profissional de IM , de nacionalidade brasileira e que não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto, acordando um horário de trabalho de 7 horas diárias, manhãs e tardes dos dias úteis e mais reduzido ao sábado.
13º Na execução do contrato celebrado EA__ prestou serviços de massagem com relações sexuais vaginais e orais a diversos clientes entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018, cumprindo o horário fixado, recebendo, em média, dos clientes entre €1.000,00 a €1.300,00 (mil a mil e trezentos euros) mensais, metade dos quais entregou à arguida, como acordado entre ambas.
14º A arguida, no período em causa, recebeu, do pagamento das relações sexuais mantidas por EA__ com diversos homens, no seu apartamento, pelo menos a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros -15 meses x €650,00);
15º Na prossecução dessa actividade, a arguida contratou, no início de Dezembro de 2017, SS__, de nacionalidade brasileira, a fim de que esta mantivesse, sob remuneração de que lhe entregaria parte, relações sexuais com diversos clientes no mencionado apartamento.
16º A arguida fixou, ainda, um horário de trabalho das 11h às 18h durante os dias úteis e mais reduzido ao sábado.
17º SS__  aí prestou serviços sexuais a diversos clientes (relações sexuais de cópula, sexo oral e masturbação), entre os meses de Dezembro de 2017 e, pelo menos, Março de 2018, cumprindo o horário fixado, atendendo em média, pelo menos, 2 (dois) clientes por dia e recebendo o respectivo pagamento, pelo menos, € 60 (sessenta euros) por cada cliente, nos termos acima assinalados e entregando, no final de cada dia, metade desse dinheiro proveniente do pagamento das relações e actos sexuais pelos clientes, à arguida que assim, por dia, integrava, em média, €60, no seu património.
18º A arguida no período em causa recebeu, do pagamento das relações e actos sexuais mantidos por SS__ com diversos clientes, no seu apartamento, a quantia de € 5.280,00 (cinco mil, duzentos e oitenta euros - €60x22 diasx4meses).
19º Em início de 2017, a arguida A. e EA__ celebraram um contrato de trabalho como massagista por conta da empresa "CM , Unipessoal, Lda.", de que era única sócia e gerente.
20º A arguida inscreveu aquela como trabalhadora da mencionada sociedade na Segurança Social, a partir de 01-04-2017.
21º Era EA__ quem arcava com o pagamento das quotizações à Segurança Social, entregando para o efeito e mensalmente à arguida A., € 200,00;
22º A arguida quis e dinamizou, nos termos descritos, a actividade de prostituição de outras pessoas, mormente as mulheres acima identificadas, de forma a auferir vantagens económicas e obter lucro, fazendo de forma continua e fazendo da mesma a sua actividade profissional donde retirava proventos para fazer face às suas despesas.
23º Para tanto, contratou as referidas mulheres para realizarem massagens com relações sexuais com diversos clientes mediante a contrapartida monetária correspondente a metade do valor pago por cada cliente por cada relação sexual ou acto de masturbação, fixando as condições em que as mesmas ali manteriam os actos e relações sexuais, designadamente o horário que praticariam e o valor que seria cobrado, tanto mais que era a arguida que, por norma, era contactada por telefone pelos clientes e combinava com estes o tipo de serviço e o respectivo preço;
24º Para tanto, quis e proporcionou no apartamento mencionado, que lhe pertencia e que dotou do mobiliário, decoração, água e electricidade, as condições necessárias para que as mulheres identificadas acima nele mantivessem, com terceiros, relações e actos sexuais a troco de dinheiro, tudo com escopo lucrativo.
25º Ao longo do período descrito, a arguida integrou no seu património as quantias monetárias mencionadas provenientes do pagamento das relações sexuais mantidas pelas mulheres referidas com diversos clientes que se deslocaram para o efeito ao mencionado apartamento.
26º A arguida agiu, em tudo, livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei."
- Sobre as condições pessoais e socioeconómicas da arguida provou-se
27º A arguida é natural de Natal (Brasil), tendo obtido nacionalidade portuguesa em 2007. É a única filha da relação mantida entre os pais, tendo mais quatro irmãos, dois uterinos e dois consanguíneos.
28º Os pais imigraram para Portugal quando a arguida tinha dez anos de idade, tendo a arguida, no período infanto-juvenil desfrutado de condições materiais e afectivas para um adequado desenvolvimento. O processo de adaptação dos pais ao contexto português (quer ao nível laboral, quer residencial e estabelecimento de laços de pertença) decorrido sem problemas.
29º O pai era empresário no ramo da produção musical; a mãe assegurava a gestão doméstica, colaborando também com o pai na sua actividade empresarial e assumindo, após o falecimento deste em 1996, a sua actividade empresarial.
30º O percurso escolar foi iniciado no Brasil, onde concluiu o equivalente ao 1º ciclo do ensino básico, tendo em Portugal iniciado o percurso no 2º ciclo do ensino básico e abandonado a frequência escolar aos 23 anos, quando se encontrava no primeiro ano do curso de "gestão de transportes marítimos, portos e logística" da Escola Náutica Infante D. Henrique. Quando abandonou o curso realizou diversas formações na área multimédia. Mais tarde, e já após o nascimento do filho, reingressou na escola náutica, tendo novamente abandonado o curso na sequência de problemas graves de saúde daquele.
31º A par do investimento ao nível da sua qualificação profissional e académica, a arguida sempre pugnou por arranjar meios de subsistência próprio desde o período juvenil, procurando sempre ser autónoma, apesar da família ter condições para lhe proporcionar o bem-estar material necessário.
32º A. manteve-se ao longo da vida laboralmente activa, sendo a sua ocupação laboral por conta própria, quer como empresária, quer como prestadora de serviços.
33º A arguida tem um filho com cinco anos de idade, fruto de uma relação efémera, tendo assumido a tomada a cargo do filho, em exclusivo, pelo facto do pai ter recusado assumir a paternidade.
34º O filho da arguida tem problemas de saúde (doença de Hirschprung), com manifestações mais expressivas nos primeiros meses de vida (entre os 4 e os 18 meses), tendo sido submetido a uma colostomia e posteriormente à sua reversão. Durante este período, a arguida esteve limitada na sua actividade laboral, mas também académica, tendo suspendido a frequência do curso.
35º À data dos factos de que se encontra acusada, A. residia num imóvel arrendado em Lousa (Loures), com o filho que à data tinha cerca de dois anos de idade, pagando uma renda mensal de 300 euros, arrendando o espaço referido nos autos por € 800,00euros/mês;
36º À data, a arguida trabalhava como freelancer no ramo da estética e massagens, tendo em 2017 constituído a empresa "CM  Unipessoal, Lda.", altura em que alargou o ramo de negócio, para motorista da plataforma UBER. Aufere, como rendimento médio, cerca de € 1.800,00 euros/mês.
37º A. veio a casar-se em Agosto de 2018 com NB__, tendo a partir desta data passado a coabitar, tendo vindo a divorciar-se em Dezembro de 2018, sendo que as investigações por suspeitas de casamento por conveniência bem como a associada à presente situação judicial contribuíram para divergências insanáveis entre o casal, temendo a cônjuge vir a ser presa e optado por regressar ao Brasil.
38º Presentemente, A. reside com o filho, agora com cinco anos de idade, e com a mãe, ainda que esta não integre, em permanência, este agregado familiar.
39º Mantém actividade laboral associada à empresa “CM, Unipessoal, Lda.”, referindo o rendimento médio actual de €1900 euros/mês, tendo como actividade profissional realização de serviços na área multimédia, motorista da plataforma UBER, e de massagens e estética.
40º A. identifica como principal impacto da presente situação judicial, perdas ao nível económico decorrentes dos cursos associados ao pagamento de defensor; a necessidade de despender tempo nas diligências associadas ao processo e preocupações associadas, que conjuntamente têm repercussões ao nível da sua disponibilidade para o trabalho, mas também em termos de saúde, com vivências de ansiedade que já obrigaram a assistência em serviço de urgência.
41º Do certificado de registo criminal relativo à arguida, emitido em 19 de Novembro de 2019, não constam quaisquer condenações."
E - Tendo-se determinado como factos não provados
a. "Nas circunstâncias descritas em 7º, prestaram ainda serviços outras mulheres, designadamente, NB__ e, pelo menos, outras duas cujas identidades não se apurou, mas que eram conhecidas por CT__ e ML__;
b. A arguida sabia que EA__ não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto;
c. A arguida recebeu, do pagamento das relações sexuais mantidas por EA__ com diversos homens, no seu apartamento, pelo menos a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros -15 x €650);
d. SS__ não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto, o que a arguida bem sabia;
e. SS__ prestou serviços sexuais até Julho de2018;
f. A arguida A. no período em causa recebeu, do pagamento das relações e actos sexuais mantidos por SS__ com diversos clientes, no seu apartamento, a quantia de €11.880 (onze mil oitocentos e oitenta euros) - € 60 x 22 dias x 9meses)
g. As demais mulheres que aí prestaram serviços atendiam, em média, o mesmo número de clientes com quem mantinham relações sexuais, auferindo, pelo menos, quantia idêntica mensal idêntica à de ES, pelo que no período mencionado entregaram, pelo menos, à arguida, a quantia global de € 37.050 (trinta e sete mil e cinquenta euros - 19mesesx€650x3)
h. Foi a arguida quem propôs a EA__ a celebração de um contrato de trabalho, agindo do modo descrito em 18º a 20º por saber que a existência de um contrato de trabalho era essencial à regularização da situação da permanência de EA__ em Portugal pois que assegurava que a mesma possuía meio de subsistência próprio e de modo a poder continuar a beneficiar financeiramente da sua presença em Portugal, através da actividade de prostituição descrita,
i. A única relação contratual que EA__ manteve com a arguida prendia-se com o exercício de prostituição.
j. O valor referido em 21º excedia o valor necessário para o pagamento da quotização aí descrita.
k. Com base na sua inscrição na Segurança Social como funcionária da mencionada empresa, EA__ requereu autorização de residência que lhe veio a ser deferida.
l. A arguida, ao celebrar um contrato de trabalho e inscrever EA__ como funcionária de uma empresa por si gerida, fê-lo com intenção de obter benefício económico para si, referente à diferença entre o valor das quotizações para a Segurança Social e o valor entregue o que logrou, bem como o de continuar a auferir a vantagem financeira que para si resultava da actividade de prostituição exercida por aquela."
F - O Tribunal a quo, fundou a sua convicção nos meios de prova disponíveis "considerando os dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados." (acórdão recorrido pág. 11).
G - Valorando os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal presente em julgamento, não pode a ora recorrente subscrever o entendimento do Tribunal a quo.
Sem prejuízo,
H - Há manifesta contradição no douto acórdão entre os factos dados como provados, sendo incompatíveis entre si e insanáveis alguns dos factos aí vertidos.
I - O primeiro facto provado do acórdão ora recorrido refere:
"Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018, a arguida A. com o propósito de obter proventos económicos, decidiu oferecer a terceiros e a troco de remuneração em dinheiro, serviços sexuais prestados por outras pessoas, em especial mulheres."
J - Desde logo o acórdão dá como provado para condenação da arguida uma data vaga e imprecisa.
K - Efectivamente dizer-se "em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 (...), é dar como possível que a arguida tenha começado a prática da sua actividade delituosa com uma imprecisão de 365 dias.
L - E será irrelevante para (no caso em virtude de condenação), entender-se que a prática dos factos começou no início ou no fim do ano?
M - "(...) a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento." (Ac. Tribunal da Relação do Porto de 15 de Junho de 2016, in www.dgsi.pt)
N - A imprecisão torna-se tão mais relevante quanto no cômputo da pena aplicada à aqui recorrente, "o lapso temporal em que perdurou a actuação" (página 39 do douto acórdão), foi tido em conta.
O - Ainda mais grave são os diferentes lapsos temporais que aparecem referidos e dados como provados no acórdão, e os quais são incompatíveis entre si.
P - Só um poderia ser dado como provado (como se verá).
Q - Como se disse, o art.º 1º dos factos provados refere data não apurada de 2016 até Julho de 2018.
Seguidamente,
R - O art.º 7º dos factos provados refere que a prática dos factos ocorreu entre "entre final de 2016 e Julho de 2017".
S - Depois o art.º 13º refere o "início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018".
E finalmente,
T - Na fundamentação do acórdão que diz respeito à medida da pena, refere-se na página 39, que o lapso temporal em que perdurou a actuação foi "final de 2016 a Julho de 2017".
U - É impossível que estas datas possam estar todas certas, e como tal, não pode o douto acórdão ora recorrido apelar a todas na sua fundamentação.
V - Se se conclui que não se provou, ou ao contrário, que só ficou provado que terão trabalhado no apartamento em liça nos autos EA__ e SS__ , o prazo temporal em que a actividade terá durado, teria obrigatoriamente que equivaler ao período em que as mesmas ali terão permanecido.
W - Se se dá como provado que EA__ terá prestado serviços "entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018" (art.º 13º dos factos provados), e que SS__ prestou serviços sexuais "entre os meses de Dezembro de 2017 e, pelo menos, Março de 2018".
X - O ano de 2016 nunca poderia ser referenciado e dado como provado, no que concerne ao período em que terão sido praticados os factos.
Y - O período entre Abril e Julho de 2018 não o poderia igualmente.
Z - Estamos perante o vício a que se refere o art.º 410º nº 2, b) do C.P.P., ou seja, contradição insanável da fundamentação e como se referiu supra, também entre a fundamentação e a decisão.
AA - Todos os artigos dos factos provados, bem como a fundamentação do acórdão só se poderão afiançar a esse período temporal, tendo obrigatoriamente que ser corrigidos em consonância os art.º 1º e 7º dos factos provados, bem como a fundamentação sobre a determinação da medida da pena, ser corrigida, no que concerne ao período aí referido, no 6º parágrafo da página 39 do douto acórdão.
BB - O Tribunal a quo funda a sua convicção maioritariamente na prova testemunhal, dando especial relevo aos depoimentos de EA__, SS__ e PC__.
CC - As duas primeiras que terão trabalhado no imóvel, prestando serviços sexuais e o terceiro que teria sido cliente do prostíbulo.
DD - De forma complementar referem-se os depoimentos dos inspectores do SEF, BR e FO.
EE - No que concerne às testemunhas apresentadas pela arguida, considera o Tribunal a quo, não tendo revelado "conhecimento directo sobre os factos em apreço" (primeiro parágrafo da página 18 do douto acórdão).
FF - E em particular a testemunha CR, não mereceu credibilidade por causa da conjugação do que disse "com os demais elementos probatórios." (segundo parágrafo da página 18 do douto acórdão).
GG - Não pode a aqui recorrente concordar com a apreciação da prova, mormente a testemunhal, tal como concebida pelo Tribunal.
HH - Entre os testemunhos que sustentaram o acórdão houve manifestas contradições que foram ignoradas pelo Tribunal.
II - Contradições entre o declarado entre si, como contradições no que afirmavam e a matéria dada como provada.
JJ - E ao contrário do afirmado pelo Tribunal, as testemunhas arroladas pela arguida tinham conhecimento directo sobre os factos.
KK - Pode ler-se no primeiro parágrafo da página 14 do Acórdão ora recorrido "(...) assumem particular acuidade os depoimentos de EA__, SS__ e PC__   (...)".
LL - Começando pela primeira, considera o Tribunal a quo, refere que "a mesma esclareceu, de modo distanciado e credível, apesar de a arguida ter dispensado os seus serviços por razões que desconhece (...)" (página 14 do acórdão, 20 parágrafo).
MM - No que se refere à testemunha SS__, afirma o Tribunal, que a mesma "esclareceu serena e tranquilamente, não denotando qualquer animosidade ou inimizade com a arguida (...)". (página 15 do acórdão recorrido, primeiro parágrafo).
NN - Evidentemente que, o Tribunal, como bem refere na página 11, 1º parágrafo do seu acórdão, funda a sua convicção "fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados" acrescentando que, "toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas."
00 - No entender da ora recorrente mal andou o Tribunal a quo na valoração que concedeu aos diferentes depoimentos prestados, porque como se referiu os mesmos são contraditórios entre si.
PP - Não é por isso livre apreciação, mas errónea qualificação e valoração dos mesmos.
QQ - A testemunha EA__, que prestou o seu depoimento na sessão de 30 de Outubro de 2019, e cuja gravação áudio está no registo das 10h24m09s, fez através de advogado que a acompanhou um requerimento prévio.
RR - Requerimento esse, na gravação áudio de 30/10/2019 pelas 10h21m53s, onde se diz "a testemunha EA__ por razões de natureza, enfim, pessoal e da sua vida, por elevado constrangimento e receio relativamente ao seu depoimento (...) requer (...) que o respectivo depoimento seja prestado sem a presença da arguida.
SS - Sendo um direito que assiste às testemunhas, em crimes, designadamente desta natureza, a testemunha no seu depoimento, referiu que era amiga da arguida, deixando de o ser quando foi despedida, porque a arguida não mais falou com ela desde então.
TT - Desde Março de 2018, que não mais tinha tido contacto com a arguida.
UU - Reconheceu e declarou que passou o Natal de 2017 em casa da arguida, tal a proximidade e relação entre ambas.
AA - Afirmou a testemunha que se prostituía porque lhe apetecia.
WW - Pergunta-se então que razões haveria para a testemunha querer prestar o seu depoimento sem a arguida presente? Onde estava o receio?
XX - Como pode o Tribunal a quo, considerar distanciado o depoimento de alguém que tem receio (que só pode ser da arguida)? Que foi despedida (minuto 17.50 da sua inquirição), afirmando desconhecer as razões do seu despedimento. E que era amiga da arguida, tendo deixado de o ser com o despedimento?
YY - São estas as circunstâncias objectivas e da "experiência comum e lógica do homem médio', para que se considere que alguém é distanciado no seu depoimento?
ZZ - Desde logo se entende que a testemunha, não prestou um testemunho objectivo e distanciado, dadas essas vicissitudes. Seguidamente,
AAA - E nas declarações que presta ao minuto 23 do seu depoimento, a propósito de explicar como supostamente funcionava o prostíbulo, a testemunha declara que "no acto que o cliente chegava, pedia o dinheiro e já dava para ela" (leia-se o "ela, a arguida).
BBB - Assim que o cliente chegava, antes mesmo de entrar pagaria logo e por sua vez, a testemunha, dava de imediato o dinheiro à arguida.
Por sua vez,
CCC - A testemunha SS__, a propósito da mesma questão de funcionamento e orgânica da casa, quando foi ouvida declarou que: "Pagavam a mim e eu levava, no fim de cada prestação de serviço". (gravação áudio do depoimento, de 2019.10.30 às 11h44m54s, minuto 7).
DDD - Daqui resulta que as duas testemunhas sobre a mesma questão declararam modos procedimentais completamente díspares.
Sendo que,
EEE - Por declarações das mesmas, e que estão inculcadas nos factos provados, ambas terão trabalhado para a arguida ao mesmo tempo, e deixado de trabalhar no local, com um espaçamento temporal de aproximadamente 30 dias.
FFF - Não é crível que por razões de "experiência comum e lógica do homem médio" o modo de recebimento e pagamento à arguida, fosse diferente num caso e noutro.
GGG - Saliente-se ainda, no caso da testemunha SS__, dois factos adicionais:
i) quando a Mma Juiz Presidente, considera que a testemunha é contraditória nas suas declarações (minuto 19.25s da inquirição da testemunha).
ii) a testemunha em causa, estar ilegal há diversos anos no país, situação que mantém à data, e que a mesma reconheceu. (gravação áudio do seu depoimento, minuto 9.50s).
HHH - A testemunha, ilegal no país, que não foi conduzida a abandonar território nacional por estar ilegal e supostamente estar a trabalhar num prostíbulo, é ouvida em Tribunal para corroborar uma acusação resultante de uma investigação do próprio SEF.
III - Que isenção poderia esta testemunha ter, ao prestar declarações, estando ilegal no país, sobre um caso de investigação do SEF?
JJJ - São estas considerações prévias sobre a credibilidade das duas testemunhas referidas que se invoca, acrescida com a manifesta contradição sobre o modo de funcionamento da casa.
KKK - Contradição essa que se torna ainda mais evidente quando confrontadas as declarações de ambas com as da testemunha PC__, cliente do suposto prostíbulo e com os factos que resultaram provados.
LLL - Ambas as testemunhas (EA__ e SS__), afirmaram peremptoriamente que a arguida se encontrava presente na casa todos os dias.
MMM - Que era quem atendia os telefones, no interior da própria casa.
NNN - E pelo que se referiu supra, em qualquer uma das versões das testemunhas, o dinheiro dos clientes era dado logo à arguida antes de entrarem para o quarto (versão de EA__) ou à saída do cliente (versão de SS__).
Ou seja,
OOO - Em que circunstância fosse e fosse qual fosse o modus operandi, a arguida tinha que estar na casa.
Acrescido do facto,
PPP - De cada uma das testemunhas afirmar que atendia em média dois a três clientes por dia, o que obrigava a que a arguida permanecesse na casa, tanto pelos telefonemas, como para receber o dinheiro por uma das duas formas que as testemunhas declararam.
QQQ - O art.º 11º dos factos provados refere “o cliente entregava o preço à mulher que o atendera, a qual de seguida entregava à arguida a metade que lhe cabia." (realce e sublinhado nosso)
RRR - O art.º 9º dos factos provados refere que “o cliente escolhia a mulher com quem pretendia manter relações sexuais na residência mencionada, sendo-lhe presentes, por norma, pela arguida, entre duas a cinco para escolha. (realce e sublinhado nossos)
SSS - O art.º 10º dos factos provados, por sua vez, refere que `o cliente, através de contacto telefónico para os números acima referidos, por norma atendido pela arguida, combinava o tipo de relação sexual, a mulher que prestaria o serviço e o preço, após o que se deslocava ao apartamento mencionado para a sua concretização, aí sendo recebido pela arguida que o encaminhava ao quarto e à mulher que escolhera." (realce e sublinhado nossos)
 - As testemunhas EA__ (minuto 39 a 41 do seu depoimento) e SS__ (minuto 15 do seu depoimento), nos depoimentos acima referidos, afirmaram peremptoriamente que cada uma tinha um telemóvel e número próprios, mas que os mesmos ficavam na casa, e eram atendidos pela arguida.
UUU - Há por isso duas questões aqui a valorar:
i) o atendimento das chamadas; e
ii) a presença física na casa para receber os clientes e apresentar as "meninas".
Ora,
VVV - Quanto ao atendimento das chamadas, há duas cotas nos autos, assinadas pelos inspectores do SEF MB e IC, a fls 129 e 130, resultantes de chamadas que ambos fizeram para os anúncios do site.
WWW - Em nenhum dos casos foi a arguida que atendeu as chamadas.
XXX - A testemunha PC__, suposto cliente do prostíbulo e que afirmou ter ligado muitas vezes para os números de contacto do site, afirmou peremptoriamente que quem o atendia ao telefone era uma voz portuguesa (declarações da testemunha de 2019.10.30, às 11h20m24s, com referência à questão aqui mencionada ao minuto 2.50s do seu depoimento e reforçado e reiterado ao minuto 11).
YYY - O Tribunal, no acórdão recorrido, na página 16 primeiro parágrafo, ainda tenta ver se "emenda a mão', ao citar a testemunha quando a mesma usou a expressão "sotaque português', olvidando que mais à frente o mesmo expressa convictamente que a pessoa era portuguesa. Ora,
ZZZ - A arguida é natural do Brasil, veio para Portugal com 12 anos e na sua voz e pronúncia percebe-se perfeitamente que não é portuguesa.
AAAA- A clarividência e peremptoriedade com que a testemunha afirmou que era atendido por uma vez portuguesa, não deixa dúvida.
Mas,
BBBB - Mais gritante ainda, é a questão da presença física na casa para receber os clientes e o próprio dinheiro.
É que,
CCCC - A testemunha PC__, único suposto cliente do prostíbulo ouvido em Tribunal, afirmou nunca ter visto a arguida e que a primeira vez que a viu foi ali em Tribunal.
DDDD - No seu depoimento, ao minuto seis da sua inquirição a testemunha, perguntado se conhece a arguida afirma:
"-Não senhor. Primeira vez que vi esta senhora, foi a primeira vez que vim a Tribunal.'
EEEE - A testemunha em causa, tem a certeza que foi três vezes ao suposto prostíbulo, mas admite que possa ter ido mais vezes. (minuto 5.30s das declarações prestadas)
FFFF - Mas nunca se cruzou ou viu a arguida.
GGGG - Como é possível dar como provados factos que as próprias bases de sustentação dos factos, as desmentem?
HHHH - Chamadas feitas e constantes dos autos. Documentos do próprio SEF demonstram que a arguida não atendia as chamadas.
IIII - O suposto cliente do prostíbulo nunca viu a arguida. No entanto,
JJJJ - As testemunhas EA__ e SS__, afirmam que era a arguida que recebia os clientes.
KKKK - Como se explica à luz da "experiência comum e lógica do homem médio', com que o Tribunal sustentou a sua decisão, que o cliente nas diversas ocasiões que foi à casa, nunca tenha visto a arguida? Posteriormente,
LLLL - O Tribunal tenta alicerçar e consolidar a sua convicção nos depoimentos dos inspectores do SEF, os quais, também são contraditórios entre si.
MMMM - A testemunha BR, afirma que nas vigilâncias que fez ao prédio onde funcionaria o prostíbulo, o chamou à atenção o facto de haver a entrar e sair no prédio "um número anormal de homens" (depoimento prestado na sessão de 2019.10.02 às 16h11m56 e cuja citação ora mencionada se encontra ao minuto 8.56s da mesma)
NNNN - Afirmou que esteve diversas vezes em vigilância no local, por períodos nunca superiores a duas/três horas (minuto 13 do depoimento prestado).
0000 - Perguntado o que para si era um número anormal de homens a entrar num prédio com sete andares, o mesmo respondeu que o máximo que terão visto "terá sido três" (minuto 13.30s do depoimento prestado). No entanto,
PPPP - De todas as vigilâncias, só tiraram fotografias a dois indivíduos e apresentado a juízo como testemunha e suposto cliente, apenas uma pessoa.
QQQQ - Pese embora tivessem sido emitidos diversos mandados de busca, nenhum foi levado a cabo.
E pasme-se,
RRRR - A razão invocada pela testemunha e inspector do SEF foi:
"nos dias em que nos deslocámos para cumprir os mandatos não havia um único cliente" (minuto 7.30s do depoimento prestado).
SSSS - Pese embora terem-se deslocado ao prédio em mais do que uma ocasião para cumprir o mandato, em nenhuma delas houve clientes.
TTTT - Fotografias a indivíduos foram duas e clientes apresentados em Tribunal, apenas um.
UUUU - No dizer da testemunha, o que o chamou à atenção para concluir que ali funcionava em prostíbulo, foi o número anormal de homens.
VVVV - Menos congruente se torna quando confrontado o seu testemunho, com o da testemunha FO, também inspector do SEF.
WWWW - Que afirmou que acompanhou o colega BR nas diligências de vigilância e que terão sido duas ou três.
XXXX - Esta testemunha, afirmou que se recordava "não sei se na mesma vigilância ou em duas distintas, ter-mos presenciado duas pessoas" (depoimento prestado em 2019/10/17 pelas 11h13m43s, e cujo facto em apreço referiu ao minuto 3.40s da referida gravação), que adiante identificou uma como civil e outro como militar.
Ora,
YYYY - Como é possível os dois investigadores que realizaram a vigilância vêm coisas diferentes. Um vê número anormal de homens e o outro vê dois ao todo, no conjunto das vigilâncias que realizaram, admitindo como possível que tenha visto os dois homens em dias distintos.
ZZZZ - Tudo isto só é congruente se atentarmos ao que a testemunha FO referiu que:
"este não era um inquérito prioritário".
"fomos fazendo nos intervalos dos outros inquéritos"
(minuto oito do depoimento da testemunha)
AAAAA - Acrescentando mais à frente:
"(...) eu tenho presente de ter estado, não foi o dia inteiro, não foi das oito da manhã às oito da noite, como se fosse, passo um termo, um processo (...), a sério (...)".
(minuto nove e meio da gravação áudio do depoimento)
BBBBB - Todas estas incongruências e contradições, resultantes de versões diferentes das testemunhas, entre os inspectores do SEF entre si, entre as supostas trabalhadoras da casa e entre as supostas trabalhadoras da casa e o suposto cliente, deveriam ter acautelado o Tribunal e conduzido a outra ponderação sobre a prova produzida.
Nomeadamente,
CCCCC- Dando outro relevo e credibilidade às testemunhas que a arguida apresentou, quando ponderadas com os outros meios de prova existentes e com a prova que havia sido requerida, nomeadamente escutas telefónicas e buscas, sendo que estas últimas o SEF não realizou.
DDDDD - Culminando naquilo que a equipa investigatória do SEF afirma, sobre o inquérito em causa não ser "prioritário", feito no "intervalo dos outros", não sendo um processo a "sério".
EEEEE - Com a assumpção por parte do inspector MB, quando confrontado com a cota por si elaborada e assinada a folhas 129 dos autos, de que a mesma tinha sido feita por pessoa com pouca experiência.
-Respondendo:
- "Sim!"
(depoimento de 2019/10/17 às 10h57m26s, ao minuto 7.30s da gravação áudio)
FFFFF - Nas testemunhas de defesa, CR, trabalhou na casa.
GGGGG - O depoimento da referida testemunha, ocorrido em 2019/11/27, com a gravação áudio a ter lugar às 11h18m06s, foi claro e clarividente.
HHHHH - Sem hesitações e sem ter merecido por parte do colectivo, como havia ocorrido com a testemunha SS__, a observação de que estava a ser "contraditória".
IIIII - E pese embora, a testemunha em causa, ter afirmado ter trabalhado na "casa" e ao mesmo tempo que a testemunha EA__, o Tribunal a quo, optou por desvalorizar o seu depoimento.
JJJJJ - O acórdão dispensa à mesma uma referência de apenas duas linhas.
"Não pode merecer credibilidade o depoimento quando conjugado com os demais elementos probatórios".
KKKKK - Não pode merecer credibilidade porque contradiz outros elementos.
LLLLL - A função da prova e contraprova é essa mesma, ser contraditória.
MMMMM - Não se pode é desvalorizar o depoimento de uma testemunha somente porque não vai de encontro ao que anteriormente foi dito pelas testemunhas de acusação, ou do que possa ser a convicção do Tribunal.
NNNNN - Ainda para mais, quando conforme se afirmou e referiu supra, entre as testemunhas de acusação existiram diversas e graves (em termos de suporte probatório) contradições.
00000 - Não merecer credibilidade quando o depoimento da testemunha foi claro, só poderia levar à conclusão que a mesma mentiu, porque diz o oposto, no caso de EA__, com quem aquela trabalhou.
PPPPP - O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09 de Janeiro de 2018, que teve por relator o Venerando Desembargador Martinho Cardoso (in, www.dsi.pt), refere que "a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente."
Ora,
QQQQQ - No caso vertente para lá das contradições e também lacunas acima referidas, os depoimentos das testemunhas de acusação, preenchem em muito as falhas acima apontadas e que deveriam conduzir o Tribunal a quo, a diferente valoração da prova.
RRRRR - O depoimento da testemunha CR, assume particular relevo, quando não só por ter trabalhado no suposto prostíbulo, refere que o modus operandi, era diferente do anteriormente relatado, tratando-se de uma casa de massagens normal.
SSSSS - Como igualmente, ao referir que o motivo pelo qual EA__ havia sido despedida, tinha a ver com o facto de ter pretendido ter envolvimento sexual com um cliente.
TTTTT - Atente-se que a testemunha de acusação EA__, reconheceu que havia sido despedida, que tinha sido esse o motivo para o fim da sua amizade com a arguida e que desconhecia qual o motivo do despedimento.
UUUUU - É crível, que um trabalhador, seja em que função for não saiba o motivo pelo qual foi despedido, ainda para mais se havia relação de amizade com a entidade patronal? À luz das aludidas "regras da experiência comum e lógica do homem médio', que o acórdão invoca, é natural esse desconhecimento?
VVVVV - E a testemunha CR ao identificar o motivo, dá uma clara causa para poder, pelo menos, questionar a isenção da testemunha EA__ .
WWWWW - A referida testemunha de forma isenta e fluida, afirmou ter começado a trabalhar com a arguida em "Janeiro de 2017" (minuto 5.35 da gravação áudio do seu depoimento).
XXXXX - Que o trabalho de massagens que fazia tinha lugar "na casa dela". (leia-se arguida) (minuto 7 da gravação áudio do seu depoimento) e que nela trabalhou durante quatro a cinco meses, até fins de maio.
YYYYY - Que a casa em questão, para além de local de trabalho, era "morada de família da A.".
ZZZZZ - Morando na habitação "A A., o filho e a minha sogra" (minuto 9 da gravação áudio do seu depoimento).
AAAAAA - Esta afirmação final da testemunha CR, que desmente e contradiz as testemunhas EA__ e SS__, é também relevante, quando somado ao afirmado pelas demais testemunhas de defesa, quanto àquilo que era a casa da arguida.
BBBBBB - O Tribunal entendeu convictamente que o imóvel era um prostíbulo, não sendo casa de morada de família da arguida, pelo menos durante o período em que durou a actividade, tal como enquadrada na acusação e resultada provada pelo acórdão ora recorrido.
CCCCCC - Se pegarmos no primeiro dos factos dado como provados, teríamos que "em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018", seria este o período de funcionamento do prostíbulo.
DDDDDD - A questão é tão mais relevante, pelo facto de as testemunhas ouvidas e arroladas pela defesa, terem sido peremptórias na afirmação que se tratava de casa de morada de família da arguida.
EEEEEE - A respeito das demais testemunhas de defesa o Tribunal a quo, considerou que as mesmas "não revelaram, porém, conhecimento directo sobre os factos em apreço (...)".
E,
FFFFFF - "No que respeita a terem-se deslocado à fracção, referindo ser a casa da arguida e seu filho, dir-se-á que, atento o carácter episódico de tais visitas, e tendo a actividade da arguida, cessado em meados de 2018, é de admitir que tenham ocorrido em período não coincidente com o desenvolvimento de tal actividade."
(acórdão recorrido, página 18, primeiro parágrafo) Ou seja,
GGGGGG - O douto acórdão recorrido, entende como de "experiência comum e lógica do homem médio" que durante um período de dois anos, nenhuma das testemunhas arroladas tivesse ido a casa da arguida.
HHHHHH - Era possível ter esta convicção face ao depoimento das mesmas? Não!!
IIIIII - Diga-se que a testemunha EA__, afirmou ter passado o Natal do Ano de 2017 em casa da arguida. (afirmação essa que consta do seu depoimento ao minuto 18)
 JJJJJJ - Há que convir, por regras de experiência comum, que o Natal é uma época passada em família, e que se passa em casa.
Seguidamente,
KKKKKK - A testemunha CR, conforme se referiu supra, e que era também cunhada da arguida, afirmou ter trabalhado com esta entre janeiro a Maio de 2017, e que era a casa de morada de família. Posteriormente,
LLLLLL - A Mãe da arguida, MCC, afirmou que a filha mora no imóvel desde há "três anos" (gravação de 2019/11/27 às 11h59m30s, com o respectivo registo ao minuto nove do depoimento). E que,
MMMMMM - Quando está em Portugal, onde vem três a quatro vezes por ano, permanece na casa da arguida aí ficando por períodos de um mês ou mais, como resulta da gravação atrás mencionada.
NNNNNN - A testemunha CS, que prestou o seu depoimento na mesma data de 2019/11/27 com registo da gravação das suas declarações às 10h14m21s afirmou que na casa para além da mãe e filho da arguida "às vezes via a tia".
000000 - E perguntado expressamente se todos os anos ia a casa da arguida afirmou que sim.
PPPPPP - Perguntado expressamente se foi à casa em 2018 a resposta foi:
- "Também lá fui!"
- Se foi à casa em 2017 a resposta foi:
- "Também lá fui!"
Ou seja,
QQQQQQ - Não havia como o acórdão ora recorrido poder concluir que as mesmas tivessem "ocorrido em período não coincidente com o desenvolvimento de tal actividade."
Mais,
RRRRRR - A ida das pessoas/testemunhas arroladas teria que as fazer ter "conhecimento directo sobre os factos em apreço", não podendo conduzir a que o Tribunal a quo afirmasse exactamente o contrário. Pelo que,
SSSSSS - Resulta claro que existiu uma errónea valoração da prova produzida, mormente no caso concreto na prova testemunhal.
TTTTTT - No que respeita à prova documental, pode ler-se na página 11 do douto acórdão recorrido logo no primeiro parágrafo e sobre a motivação da convicção, que "o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, considerando os dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos".
UUUUUU - Mais à frente, a fls. 19 do acórdão diz-se que a prova documental tida em conta foram "os elementos constantes de folhas 123 a 128 e de folhas 136 a 140 (extraídas da página electrónica http://www.makeamassae.com tal como se encontrava quando acedida a 16 de Novembro e 15 de Dezembro de 2017 e referentes a estabelecimento denominada Massagem para a mente e corpo), a transcrição de conversações telefónicas, com relevo a mantida a 03-07-2018, entre as 14:07:07 e 14:10:16, (sessão 260) a folhas 10 a 12, do respectivo apenso e, ainda, os extraídos do url - http://-net/forum/viewtopic.php?f=4&t=57610, acedido a 12 de Junho de 2018, alicerçaram a convicção do tribunal quanto à factualidade dada por provada.
VVVVVV - Na perspectiva da recorrente a prova documental obtida é absolutamente inócua e em nada suporta os depoimentos prestados.
WWWWWW - Não é crível que num processo desta natureza, com uma investigação de dois anos, a prova documental sobre a qual o Tribunal se alicerça serem:
i)   fotografias de um site;
ii)  uma conversa telefónica absolutamente inócua; e
iii) um fórum da internet de pessoas anónimas
XXXXXX - Esquecendo-se o Tribunal de valorar a "não prova" que os documentos abundantemente perpassam os autos sustentam.
YYYYYY - À luz das tais "regras da experiência comum e lógica do homem médio" que o Tribunal invoca, como é possível que em dezenas e dezenas de escutas telefónicas nenhuma fale de sexo?
ZZZZZZ - Como é possível que em nenhuma das escutas, única prova documental na qual o Tribunal a quo se sustenta que é certa, no sentido de não ser adulterada ou interpretável (como as fotografias ou comentários anónimos no fórum), em dezenas de gravações em horas e horas de chamadas gravadas, se fale de sexo?
AAAAAAA - Expressões como "vaginal', "oral', "masturbação', "sexo', façam parte do léxico das diferentes conversas gravadas?
BBBBBBB - É isto que é crível à luz da experiência, que em chamadas telefónicas com o intuito único de ter massagem com sexo, nada se fale sobre isso?
CCCCCCC - Que o Tribunal se agarre à gravação em que se pergunta:
"e as massagistas que lá tem são gordas, novas, velhas, magras'
Por sua vez,
DDDDDDD - Pior se torna quando o Tribunal a quo se sustenta ainda no fórum gp.
EEEEEEE - Foi junto um parecer sobre a fiabilidade do site, que demonstrou que qualquer pessoa pode fazer o registo, incluindo menores.
FFFFFFF - Que as pessoas são anónimas, podendo fazer os comentários e considerações que lhes aprouver.
GGGGGGG - É citada no acórdão a expressão "abelha-mestra', como referenciada por um dos utilizadores.
(página 19 do acórdão, segundo parágrafo)
HHHHHHH - A conjugação do referenciado no site com a demais prova produzida, teria sempre que concluir pela dúvida e consequentemente absolvição da arguida.
IIIIIII - Se a testemunha de acusação e único suposto cliente da casa, afirmou nunca ter visto a arguida e foi várias vezes à casa, onde estava a abelha-mestra?
JJJJJJJ - Ou a testemunha mentiu e não é credível, ou se não mentiu e falou verdade (que é o entendimento do Tribunal), como pode pelo menos em três vezes que se deslocou à casa, nunca se ter cruzado com a arguida?
KKKKKKK - Veja-se igualmente as cotas dos inspectores do SEF, que lavraram os respectivos documentos das chamadas telefónicas que fizeram, também elas, prova documental, mostram como a acusação é infundada.
LLLLLLL - Porque também aqui ao contrário do afirmado e constante dos factos provados, a arguida não atendia telefones.
MMMMMMM - Como é possível que nos elementos probatórios chave, tudo tenha falhado?
NNNNNNN - A arguida não era conhecida de ninguém.
OOOOOOO - Os inspectores do SEF, com excepção de quem a havia inquirido, não conheciam a arguida.
PPPPPPP - O cliente do suposto prostíbulo não conhecia ou jamais tinha visto a arguida.
QQQQQQQ - A arguida não atendeu os telefonemas realizados pelos inspectores do SEF.
RRRRRRR - As escutas telefónicas realizadas não falam sobre sexo, de forma sequer indirecta.
SSSSSSS - A prova documental na qual aqui o Tribunal a quo se sustenta para complementar a deficiente prova testemunhal, existia em sede de inquérito e ainda assim foi considerada por quem conduzia a investigação, como prova insuficiente.
TTTTTTT- Quem acusou considerou que a prova documental existente era inócua, vindo o Tribunal a quo a valorá-la.
UUUUUUU - Encontra-se a fls 226, 229, 231, 260, 261 dos autos a determinação e ordem para a realização de buscas.
VVVVVVV - Foram ordenadas em mais do que uma ocasião. Contudo,
XXXXXXX - Não foram realizadas.
ZZZZZZZ - A justificação dada pelos inspectores do SEF no decurso do inquérito foi falta de janela de oportunidade.
AAAAAAAA - Em julgamento, que havia pouco movimento na casa, e que eventualmente não haveria clientes no seu interior.
BBBBBBBB - Pode ler-se nos diferentes despachos para realização das buscas, que as mesmas referem o recurso a arrombamento.
Ou seja,
CCCCCCCC - Pressupõem as referidas ordens uma de duas hipóteses:
i)   que a porta não fosse aberta; ou
ii)  não houvesse ninguém no seu interior
Mais,
DDDDDDDD - O facto de não haver clientes ou ninguém no seu interior era absolutamente irrelevante para a entidade que supervisionava a investigação, de tal modo que se fala em vasculhar, anexos, garagens, arrecadações, caixas do correio.
EEEEEEEE - Mas mais relevante ainda, diz-se "PARA EFECTIVA APREENSÃO de todos os objectos relacionados com a prática do indiciado crime, designadamente documentos, equipamentos informáticos, suportes informáticos/audiovisuais, ou qualquer outro objecto que possa estar relacionado com o referido crime".
(mandado de busca e apreensão a fls 231)
FFFFFFFF - E reiterada a fls. 260 e 261.
GGGGGGGG - O despacho de fls. 226, refere que "aquando das buscas realizadas é provável que existam no local computadores ou outros objectos que configurem sistemas informáticos e que possuam informação relevante e é susceptível de apreensão."
Acrescentando ainda,
HHHHHHHH - "nesses sistemas informáticos é expectável que, além de outros elementos probatórios, exista registo de mensagens de correio electrónico ou de comunicações de natureza semelhante, por exemplo mensagens de correio electrónico trocadas entre a denunciada e as mulheres que se prostituem referentes aos termos em que tal actividade é levada a cabo ou sms da mesma natureza."
IIIIIIII - Os diferentes despachos e mandados não falam ou referem, mas a lista poderia ser infindável:
- diário com lista de clientes;
- gravações de vídeo;
- objectos sexuais;
- roupas; etc
JJJJJJJJ - O Ministério Público considerava que as provas recolhidas nas buscas eram "imprescindíveis para a prova dos factos" (fls. 226 dos autos). (realce e sublinhado nosso)
KKKKKKKK - Como passou a imprescindibilidade probatória que o Ministério Público considerava e que não foi realizada, para prova suficiente?
LLLLLLLL - Quando o Ministério Público considerou as buscas como imprescindíveis já toda a prova que foi carreada para julgamento existia já havia fotos dos sites. Já tinham sido recolhidas as conversas e considerações do fórum gp. Escutas telefónicas realizadas. As testemunhas identificadas e ouvidas.
MMMMMMMM - Também aqui mal andou o Tribunal a quo, ao não ter valorado devidamente a não realização das buscas, tal como foi pedido pelo Ministério Público e com a consideração de imprescindibilidade probatória que havia considerado.
NNNNNNNN - Sem prejuízo de tudo quanto acima se referiu, ainda que V. Exas. tivessem entendimento diverso do aqui apresentado, e consequentemente que o Acórdão recorrido está devidamente sustentado.
00000000 - É convicção da aqui recorrente que o crime de lenocínio simples tal como previsto no art.º 169º do Código Penal, e pelo qual a arguida foi julgada e condenada, é inconstitucional.
Com efeito,
PPPPPPPP - Cada vez mais a referida tese, que tem como seu mais eminente defensor o Juiz Conselheiro Costa Andrade recolhendo adeptos.
QQQQQQQQ - As duas testemunhas arroladas pela acusação e que supostamente trabalhavam no prostíbulo ainda hoje se prostituem e têm fotografias em sites.
RRRRRRRR - À parte disso, resultou do seu depoimento que as duas desenvolviam outras valências e actividades profissionais, tiravam cursos de esteticistas, massagistas.
SSSSSSSS - A testemunha SS__ afirmou que trabalhava num lar de idosos.
TTTTTTTT - As testemunhas em causa fariam da prostituição um "trabalho" de horas vagas para complementar salário.
UUUUUUUU - Não uma necessidade e/ou carência monetária que fosse aproveitada, no caso pela arguida para explorar o trabalho daquelas e dessa forma obter lucros.
Aliás,
VVVVVVVV - A esse respeito a afirmação de EA__ a dizer que foi para o suposto prostíbulo porque "quis ir" (gravação áudio de 2019/10/30 às 10h24m09s, ao minuto 26.45).
XXXXXXXX - Acrescentando logo de seguida, quando questiona se prostituía porque lhe apetecia, respondeu:
"- Sim!"
YYYYYYYY - Face a tudo isto, na suposição por raciocínio, que os factos constantes da acusação eram verdade, deveria a arguida ser condenada quando quem se prostitui o faz de livre e espontânea vontade.
ZZZZZZZZ - Nestas circunstâncias não faz sentido a previsão do art.º 169º do Código Penal.
E efectivamente,
AAAAAAAAA - Ainda recentemente, o Tribunal de Coimbra, em Acórdão de 27 de Setembro de 2019, pugnou pelo entendimento da inconstitucionalidade da norma
BBBBBBBBB - "o bem jurídico é a liberdade sexual de quem se prostitui e consente na criminalização da conduta de aproveitamento económico da prostituição enquanto comportamento que põe em perigo a autonomia e liberdade do agente que se prostitui."
CCCCCCCCC - "este entendimento tornaria o crime em causa num crime de perigo abstracto, pois considera-se que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas e que os comportamentos de fomento, favorecimento ou facilitação dessa actividade implicam uma exploração da necessidade económica ou social de quem se prostitui."
DDDDDDDDD - "não se pode presumir, de forma categórica que quem fomente, favoreça ou facilite a prostituição, ao fazê-lo, pura e simplesmente, põe em risco a liberdade sexual de quem se prostitui." Ora,
EEEEEEEEE - No caso dos autos, quando quem supostamente se prostituía afirma que o faz porque lhe apetece.
FFFFFFFFF - A conclusão só pode ser a de que o faz por livre e espontânea vontade.
GGGGGGGGG - Pode punir-se quando há total e completa autonomia e liberdade do agente?
HHHHHHHHH - Pelo que há que concluir pela inconstitucionalidade da norma.
IIIIIIIII - Mais uma vez por mero dever de cautela e patrocínio, caso V. Exas. venham a considerar correcta a fundamentação do Tribunal a quo, não se poderá concordar com a medida da pena aplicada.
JJJJJJJJJ - No caso concreto à arguida foi aplicada uma pena de um ano e seis meses de prisão, ainda que, suspensa na sua execução por igual período.
KKKKKKKKK - Sustenta o Tribunal a quo, que para a medida da pena, há a "considerar a intensidade do dolo, algo acentuada, considerando o lapso temporal em que perdurou a actuação - final de 2016 e Julho de 2017 - o desvalor da sua conduta, que envolveu duas pessoas, tudo a que acresce o facto de ter agido movido por interesses de carácter económico."
(acórdão recorrido, página 39, sexto parágrafo)
LLLLLLLLL - Desde logo, importa aqui salientar a questão da intensidade do dolo e que o Tribunal a quo, relaciona com o lapso temporal da conduta.
Ora,
MMMMMMMMM - Em momento nenhum houve prova que quem quer que fosse tivesse prestado serviços no decurso do ano de 2016.
NNNNNNNNN - A actividade em causa, nunca pode ter o seu início nesse período e consequentemente o lapso temporal que sustentou a medida da pena aplicada terá que ser corrigido.
000000000 - Quanto ao termo, que aqui em sede de determinação da medida da pena é referido como Julho de 2017.
Ainda que,
PPPPPPPPP - Não caiba à ora recorrente interpretar lapsos e erros do acórdão, como sempre se referiu 2018 como o ano em que a actividade cessou, será por lapso de escrita essa referência neste caso.
Contudo,
QQQQQQQQQ - Ainda que assim seja, a referência a Julho mais uma vez não se encontra sustentada em prova.
RRRRRRRRR - se a última das trabalhadoras a sair do suposto prostíbulo (SS__) afirmou ter saído em Março ou Abril de 2018, nunca a medida da pena, pode equacionar como período de actividade, o mês de Julho.
SSSSSSSSS - Na própria justificação da medida da pena com referência ao lapso temporal, diz-se expressamente que "envolveu duas pessoas".
TTTTTTTTT - Sem prejuízo de ao longo do acórdão o período referido até ser mais extenso, e nessa medida ser crível que a medida aplicada à arguida possa também ter bebido dessa contradição e errada contabilização.
UUUUUUUUU - À parte e para lá de o lapso temporal invocado e que serviu de base de sustentação à medida da pena aplicada, não se pode concordar com a aplicação de uma pena de ano e meio de prisão, quando analiso o caso concreto.
VVVVVVVVV - O juízo de desvalor não pode ser o mesmo quando as pessoas se prostituem porque assim o entendem.
WWWWWWWWW - Porque o decidem de livre vontade fazer. Ou,
IXIXIXIXIXIXIXIXIX - Quando são exploradas ou usadas por terceiros face a situações de necessidade ou carência.
- Objectivamente terá que ser tida em conta essa diferenciação, que o acórdão recorrido na sua fundamentação não faz ressaltar.
ZZZZZZZZZ - Pugnando-se por entendimento diverso do aqui expresso, nunca a pena aplicada poderia ser tão elevada face às circunstâncias acima referidas e que serviram de base à medida aplicada.
AAAAAAAAAA - A que acrescem todas as circunstâncias de a arguida ser jovem, estar socialmente integrada e nunca ter praticado qualquer facto ilícito.
Pelo que,
BBBBBBBBBB - Nesta específica circunstância, deverá a medida da pena aplicada ser revista.
CCCCCCCCCC- Caindo a condenação penal, como entende a ora recorrente e porque não resulta provado a prática de qualquer crime e consequentemente qualquer proveito económico da arguida.
DDDDDDDDDD - Terá que cair o pedido de indemnização no qual a arguida foi condenada e também aqui o recurso merecer provimento.

*
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou a sua contra motivação, concluindo:

1 – Carece de razão a recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação, e sendo que o tribunal recorrido fez uma criteriosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e uma judiciosa aplicação do Direito;
2 – Outrossim, se nos afigura ter sido feita uma salutar aplicação in casu do princípio processual basilar da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do C.P.Penal;
3 - Contrariamente ao sustentado pela recorrente, da leitura do Acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais pequena obscuridade ou contradição, daí que o texto da decisão se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, e sendo que o mesmo não enferma de qualquer vício, nomeadamente, dos previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal;
4 - O acórdão recorrido fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discricionária e subjetiva; nem está ferido de qualquer nulidade que o invalide;
5 - Da leitura do acórdão recorrido constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação do tribunal, nos termos do disposto no art.º 127.º do Código de Processo Penal;
6 - O acórdão recorrido de forma alguma pode ser tido como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova foi corretamente apreciada e não ocorreu qualquer erro de julgamento;
7 - Acrescendo que na douta motivação apresentada, a recorrente não dá cumprimento aos mandamentos contidos no art.º 412º do mesmo diploma, não indicando com precisão nas conclusões apresentadas quais as normas jurídicas violadas pelo tribunal a quo;
8 - De igual modo se nos afigura não assistir razão à recorrente no concernente à alegada inconstitucionalidade da norma do art.º 169º nº 1 do Código Penal, bem tendo decidido o Tribunal a quo ao declarar entender não existir qualquer inconstitucionalidade da referida norma incriminadora, de acordo com o expendido, designadamente, no acórdão nº 144/2004 do Tribunal Constitucional;
9 – Por último, atento o quadro factual e jurídico amplamente descrito na decisão em apreço e os bens jurídicos em causa, entendemos que a pena aplicada, suspensa na sua execução, não só não é excessivamente dura, como até pode ser considerada benevolente, atendendo à moldura penal abstrata cominada pelo art.º 169º nº 1 do C. Penal;
10 - Consequentemente, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida.
*
Neste Tribunal o Ex.mo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da adesão à resposta formulada pelo Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso. 
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2. – A sentença recorrida fixou a matéria de facto e a respectiva motivação, bem como o madida da pena aplicada, da seguinte forma:

II. Fundamentação fáctica
a) Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa provou-se que:
Da pronúncia
1.º Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018, a arguida A. com o propósito de obter proventos económicos, decidiu oferecer a terceiros e a troco de remuneração em dinheiro, serviços sexuais prestados por outras pessoas, em especial mulheres.
2.º Para o efeito, a arguida contactou diversas mulheres para prestarem serviços de massagem e manterem, com terceiros, actos e relações sexuais tais como coito vaginal, sexo oral e masturbação na residência sita na Rua AB Alto dos Moinhos, em Lisboa, de que era promitente adquirente.
3.º De forma a angariar mulheres para prestarem tais serviços, colocou anúncios em jornais editados e publicados em Portugal, indicando o n.º 967194770 e 939944649 para a realização de contacto prévio, o qual era seguido de entrevista com a candidata no qual lhe transmitia as regras de funcionamento do local bem como as condições de trabalho, designadamente o horário e retribuição.
4.º A arguida estabeleceu que as mulheres que prestassem serviços sexuais na sua casa cumpririam um horário de trabalho, por norma aos dias úteis e de forma mais reduzida aos sábados.
5.º Sem prejuízo de outro preço acordado entre a arguida, a prostituta e o cliente consoante o desejado por este, a arguida estatuiu, como norma, que para as massagens com relações sexuais vaginais ou orais, o preço a pagar pelo cliente seria de €60 a €80 (sessenta a oitenta euros) por uma sessão de 40 minutos ou €80 a €100 (oitenta a cem euros) por uma hora.
6.º Mais decidiu a arguida que o preço respectivo seria entregue pelo cliente aquando da prestação do serviço à prostituta a qual teria, de seguida, de lhe entregar metade.
7.º Entre final de 2016 e Julho de 2017 prestaram, diariamente, no apartamento mencionado, serviços de massagem com actos sexuais a diversos clientes, mediante acordo com a arguida e retribuição a dividir com esta nos termos mencionados, EA__ (conhecida por IM) e SS__.
8.º A fim de publicitar a actividade e angariar clientes – uma vez que o prédio onde se situava a residência descrita era residencial – a arguida colocou anúncios em jornais editados e publicados em Portugal bem como criou páginas na internet, designadamente os “sítios” denominados “Doce Massagem” e “Massagem para o Corpo e Alma” nos quais constavam fotografias das diversas mulheres com indicação do seu nome e contacto telefónico a fim de os clientes escolherem aquela com quem pretendiam manter relações sexuais.
9.º Por vezes, o cliente escolhia a mulher com quem pretendia manter relações sexuais na residência mencionada, sendo-lhe presentes, por norma, pela arguida, entre duas a cinco para escolha.
10.º Na esmagadora maioria das vezes, o cliente, através de contacto telefónico para os números acima referidos, por norma atendido pela arguida, combinava o tipo de relação sexual, a mulher que prestaria o serviço e o preço, após o que se deslocava ao apartamento mencionado para a sua concretização, aí sendo recebido pela arguida que o encaminhava ao quarto e à mulher que escolhera.
11.º Prestado o serviço, o cliente entregava o preço à mulher que o atendera, a qual de seguida entregava à arguida a metade que lhe cabia.
12.º Na prossecução dessa actividade, a arguida A. contratou, em Janeiro de 2017, EA, que usava o nome profissional de IM , de nacionalidade brasileira e que não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto, acordando um horário de trabalho de 7 horas diárias, manhãs e tardes dos dias úteis e mais reduzido ao sábado.
13.º Na execução do contrato celebrado EA__ prestou serviços de massagem com relações sexuais vaginais e orais a diversos clientes entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018, cumprindo o horário fixado, recebendo, em média, dos clientes entre €1.000,00 a €1.300,00 (mil a mil e trezentos euros) mensais, metade dos quais entregou à arguida, como acordado entre ambas.
14.º A arguida, no período em causa, recebeu, do pagamento das relações sexuais mantidas por EA__ com diversos homens, no seu apartamento, pelo menos a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros – 15 meses x €650,00);
15.º Na prossecução dessa actividade, a arguida contratou, no início de Dezembro de 2017, SS__, de nacionalidade brasileira, a fim de que esta mantivesse, sob remuneração de que lhe entregaria parte, relações sexuais com diversos clientes no mencionado apartamento.
16.º A arguida fixou, ainda, um horário de trabalho das 11h às 18h durante os dias úteis e mais reduzido ao sábado.
17.º SS__  aí prestou serviços sexuais a diversos clientes (relações sexuais de cópula, sexo oral e masturbação), entre os meses de Dezembro de 2017 e, pelo menos, Março de 2018, cumprindo o horário fixado, atendendo em média, pelo menos, 2 (dois) clientes por dia e recebendo o respectivo pagamento, pelo menos, €60 (sessenta euros) por cada cliente, nos termos acima assinalados e entregando, no final de cada dia, metade desse dinheiro proveniente do pagamento das relações e actos sexuais pelos clientes, à arguida que assim, por dia, integrava, em média, €60, no seu património.
18.º A arguida no período em causa recebeu, do pagamento das relações e actos sexuais mantidos por SS__ com diversos clientes, no seu apartamento, a quantia de € 5.280,00 (cinco mil, duzentos e oitenta euros – €60x22 diasx4meses).
19.º Em início de 2017, a arguida A. e EA__ celebraram um contrato de trabalho como massagista por conta da empresa “CM, Unipessoal, Lda.”, de que era única sócia e gerente.
20.º A arguida inscreveu aquela como trabalhadora da mencionada sociedade na Segurança Social, a partir de 01-04-2017.
21.º Era EA__ quem arcava com o pagamento das quotizações à Segurança Social, entregando para o efeito e mensalmente à arguida A., €200,00;
22.º A arguida quis e dinamizou, nos termos descritos, a actividade de prostituição de outras pessoas, mormente as mulheres acima identificadas, de forma a auferir vantagens económicas e obter lucro, fazendo de forma continua e fazendo da mesma a sua actividade profissional donde retirava proventos para fazer face às suas despesas.
23.º Para tanto, contratou as referidas mulheres para realizarem massagens com relações sexuais com diversos clientes mediante a contrapartida monetária correspondente a metade do valor pago por cada cliente por cada relação sexual ou acto de masturbação, fixando as condições em que as mesmas ali manteriam os actos e relações sexuais, designadamente o horário que praticariam e o valor que seria cobrado, tanto mais que era a arguida que, por norma, era contactada por telefone pelos clientes e combinava com estes o tipo de serviço e o respectivo preço;
24.º Para tanto, quis e proporcionou no apartamento mencionado, que lhe pertencia e que dotou do mobiliário, decoração, água e electricidade, as condições necessárias para que as mulheres identificadas acima nele mantivessem, com terceiros, relações e actos sexuais a troco de dinheiro, tudo com escopo lucrativo.
25.º Ao longo do período descrito, a arguida integrou no seu património as quantias monetárias mencionadas provenientes do pagamento das relações sexuais mantidas pelas mulheres referidas com diversos clientes que se deslocaram para o efeito ao mencionado apartamento.
26.º A arguida agiu, em tudo, livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Das condições pessoais e socioeconómicas da arguida:
27.º A arguida é natural de Natal (Brasil), tendo obtido nacionalidade portuguesa em 2007. É a única filha da relação mantida entre os pais, tendo mais quatro irmãos, dois uterinos e dois consanguíneos.
28.º Os pais imigraram para Portugal quando a arguida tinha dez anos de idade, tendo a arguida, no período infanto-juvenil desfrutado de condições materiais e afectivas para um adequado desenvolvimento. O processo de adaptação dos pais ao contexto português (quer ao nível laboral, quer residencial e estabelecimento de laços de pertença) decorrido sem problemas.
29.º O pai era empresário no ramo da produção musical; a mãe assegurava a gestão doméstica, colaborando também com o pai na sua actividade empresarial e assumindo, após o falecimento deste em 1996, a sua actividade empresarial.
30.º O percurso escolar foi iniciado no Brasil, onde concluiu o equivalente ao 1.º ciclo do ensino básico, tendo em Portugal iniciado o percurso no 2.º ciclo do ensino básico e abandonado a frequência escolar aos 23 anos, quando se encontrava no primeiro ano do curso de “gestão de transportes marítimos, portos e logística” da Escola Náutica Infante D. Henrique. Quando abandonou o curso realizou diversas formações na área multimédia. Mais tarde, e já após o nascimento do filho, reingressou na escola náutica, tendo novamente abandonado o curso na sequência de problemas graves de saúde daquele.
31.º A par do investimento ao nível da sua qualificação profissional e académica, a arguida sempre pugnou por arranjar meios de subsistência próprio desde o período juvenil, procurando sempre ser autónoma, apesar da família ter condições para lhe proporcionar o bem-estar material necessário.
32.º A. manteve-se ao longo da vida laboralmente activa, sendo a sua ocupação laboral por conta própria, quer como empresária, quer como prestadora de serviços.
33.º A arguida tem um filho com cinco anos de idade, fruto de uma relação efémera, tendo assumido a tomada a cargo do filho, em exclusivo, pelo facto do pai ter recusado assumir a paternidade.
34.º O filho da arguida tem problemas de saúde (doença de Hirschprung), com manifestações mais expressivas nos primeiros meses de vida (entre os 4 e os 18 meses), tendo sido submetido a uma colostomia e posteriormente à sua reversão. Durante este período, a arguida esteve limitada na sua actividade laboral, mas também académica, tendo suspendido a frequência do curso.
35.º À data dos factos de que se encontra acusada, A. residia num imóvel arrendado em Lousa (Loures), com o filho que à data tinha cerca de dois anos de idade, pagando uma renda mensal de 300 euros, arrendando o espaço referido nos autos por € 800,00 euros/mês;
36.º À data, a arguida trabalhava como freelancer no ramo da estética e massagens, tendo em 2017 constituído a empresa “CM, Unipessoal, Lda.”, altura em que alargou o ramo de negócio, para motorista da plataforma ‘UBER’. Aufere, como rendimento médio, cerca de €1.800,00 euros/mês.
37.º A. veio a casar-se em Agosto de 2018 com NB__ , tendo a partir desta data passado a coabitar, tendo vindo a divorciar-se em Dezembro de 2018, sendo que as investigações por suspeitas de casamento por conveniência bem como a associada à presente situação judicial contribuíram para divergências insanáveis entre o casal, temendo a cônjuge vir a ser presa e optado por regressar ao Brasil.
38.º Presentemente, A. reside com o filho, agora com cinco anos de idade, e com a mãe, ainda que esta não integre, em permanência, este agregado familiar.
39.º Mantém actividade laboral associada à empresa ‘CM, Unipessoal, Lda.’, referindo o rendimento médio actual de € 1900 euros/mês, tendo como actividade profissional realização de serviços na área multimédia, motorista da plataforma ‘UBER’, e de massagens e estética.
40.º A. identifica como principal impacto da presente situação judicial, perdas ao nível económico decorrentes dos cursos associados ao pagamento de defensor; a necessidade de despender tempo nas diligências associadas ao processo e preocupações associadas, que conjuntamente têm repercussões ao nível da sua disponibilidade para o trabalho, mas também em termos de saúde, com vivências de ansiedade que já obrigaram a assistência em serviço de urgência.
41.º Do certificado de registo criminal relativo à arguida, emitido em 19 de Novembro de 2019, não constam quaisquer condenações;
b)        Factos não provados
Com relevo para a decisão, não se provou que:
a. Nas circunstâncias descritas em 7.º, prestaram ainda serviços outras mulheres, designadamente, NB__ e, pelo menos, outras duas cujas identidades não se APUROU, mas que eram conhecidas por Ct e ML;
b. A arguida sabia que EA__ não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto;
c. A arguida recebeu, do pagamento das relações sexuais mantidas por EA__ com diversos homens, no seu apartamento, pelo menos a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros – 15 x €650);
d. SS__ não se encontrava habilitada a prestar qualquer actividade remunerada em Portugal por não ser possuidora do respectivo visto, o que a arguida bem sabia;
e. SS__ prestou serviços sexuais até Julho de 2018;
f. A arguida A. no período em causa recebeu, do pagamento das relações e actos sexuais mantidos por SS__ com diversos clientes, no seu apartamento, a quantia de € 11.880 (onze mil oitocentos e oitenta euros) - € 60 x 22 dias x 9 meses)
g. As demais mulheres que aí prestaram serviços atendiam, em média, o mesmo número de clientes com quem mantinham relações sexuais, auferindo, pelo menos, quantia idêntica mensal idêntica à de ES, pelo que no período mencionado entregaram, pelo menos, à arguida, a quantia global de € 37.050 (trinta e sete mil e cinquenta euros - 19 mesesx€650x3).
h. Foi a arguida quem propôs a EA__ a celebração de um contrato de trabalho, agindo do modo descrito em 18.º a 20.º por saber que a existência de um contrato de trabalho era essencial à regularização da situação da permanência de EA__ em Portugal pois que assegurava que a mesma possuía meio de subsistência próprio e de modo a poder continuar a beneficiar financeiramente da sua presença em Portugal, através da actividade de prostituição descrita,
i. A única relação contratual que EA__ manteve com a arguida prendia-se com o exercício de prostituição.
j. O valor referido em 21.º excedia o valor necessário para o pagamento da quotização aí descrita.
k. Com base na sua inscrição na Segurança Social como funcionária da mencionada empresa, EA__ requereu autorização de residência que lhe veio a ser deferida.
l. A arguida, ao celebrar um contrato de trabalho e inscrever EA__ como funcionária de uma empresa por si gerida, fê-lo com intenção de obter benefício económico para si, referente à diferença entre o valor das quotizações para a Segurança Social e o valor entregue o que logrou, bem como o de continuar a auferir a vantagem financeira que para si resultava da actividade de prostituição exercida por aquela.
Inexistem outros factos não provados ou a provar com relevo para a decisão, sendo que o não consignado na matéria de facto provada e não provada reveste natureza conclusiva, designadamente o ponto 29.º da acusação, mais se devendo a redacção adoptada quanto à factualidade controvertida e acima consignada à necessidade de expurgação de considerações da mesma natureza e irrelevantes para a decisão.
c) Motivação
Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, considerando os dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados.
Deste modo, toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, salvo quando a lei dispuser diferentemente (cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Liberdade de apreciação não se confunde com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, exigindo-se antes, uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência.
Dispõem os artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que a sentença deve conter, para além da enumeração dos factos provados e não provados, a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, e uma exposição, tando quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
Para apurar a factualidade assente, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo que se expresse o modo como se alcançou essa convicção, descrevendo o processo racional seguido e objectivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se conheça a motivação que fundamentou a opção por certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados tiveram no processo decisório, ou proceder à explanação do percurso lógico do Tribunal até chegar à decisão fáctica, para permitir aos destinatários da decisão e aos cidadãos em geral, um controle externo e democrático sobre o exercício da justiça (cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2006, proferido no âmbito do Proc. n.º 5/14.4GMLSB deste Juízo Central Criminal de Lisboa).
Transpondo tais noções para o caso concreto, quanto à factualidade controvertida e dada por assente, o Tribunal alicerçou a sua convicção na totalidade da prova produzida valorada à luz das regras da experiência.
No que tange às declarações da arguida, a mesmo negou a prática dos factos que lhe foram imputados. Referiu ter constituído a empresa “CM , Lda.”, em 2017 (para o que se valorou a certidão permanente de folhas 525 e ss.) com o propósito de desenvolver a actividade de massagem e estética, tendo sido neste contexto e para o efeito que arrendou o imóvel referido nos autos e contratou EA__ , CR__  e SS__  a fim de prestarem serviços da mesma natureza. Conheceu a primeiros anos antes, ao que julga em 2012, ocasião em que trabalharam juntas num estabelecimento sito no Chiado, e a última através da primeira, sendo que ambas tinham horário de trabalho enquanto para si trabalharam. EA__ trabalhava entre as 14.30 horas e as 18 horas e SS__ trabalhava cerca de 2 a 3 horas por dia, recebendo ambas um salário. Referiu, ainda, ter apenas suspeitado que EA__ poderia manter relações sexuais com clientes pois um dos seus clientes de estética, em Março de 2018, contou-lhe que aquela, aquando da realização de um trabalho de estética, havia proposto prestar-lhe serviços de natureza sexual mediante o pagamento de um preço, razão pela qual a despediu. Esclareceu que o preço de uma massagem de uma hora era €60,00, enquanto, em caso de aquisição de um pacote de massagens, cada uma delas teria um preço unitário de €30,00. Mais declarou que, inclusivamente, chegou a residir no aludido apartamento com o seu filho, sendo que a sua ex-mulher NB__, também a ajudava no referido negócio. Confrontada com os elementos constantes de folhas 123 a 128 e de folhas 136 a 140 (extraídos da página electrónica http://www.makeamassage.com tal como se encontrava quando acedida no dia 16 de Novembro e 15 de Dezembro de 2017 e referentes a estabelecimento denominado Massagem para a Mente e Corpo), referiu que o domínio de tal sitio foi por si criado e era seu, realizando trabalho de retaguarda (backoffice), tendo também um anúncio aos serviços pro si prestados no sitio “Doce Massagem”, porém, os utilizadores do primeiro anunciavam o que queriam, não procedendo à fiscalização dos conteúdos nele apostos. Não obstante, reconheceu ser a pessoa retratada a folhas 124, terceira imagem na linha de baixo, e folhas 128, e encontrar-se na mesma folha e a folhas 125-127 a imagem de EA__, fazendo o uso do nome IM, mais admitindo que o número de telefone 967194770 era seu. Questionada sobre o motivo pelo qual a própria e EA__, na qualidade de massagistas, se encontravam a envergar vestuário arrojado e sugestivo, inclusivamente apresentando-se a própria em roupa interior a folhas 124, não habitualmente utilizado por terapeutas de massagem, e de que modo tal seria relevante para os serviços de massagem prestados, referiu tratar-se de uma técnica de marketing agressivo, com vista a estimular os contactos e posteriores vendas dos serviços.
Negou ter conhecimento de que a aludida Eunice se encontrasse em situação ilegal em Portugal porque a mesma tinha NIF, fazia descontos para a Segurança Social e tem uma filha portuguesa, trabalhando há largos anos em Portugal.
Se as declarações da arguida, na parte em que nega o conhecimento que EA__ não tivesse a sua situação regularizada em Portugal, designadamente que não tivesse autorização de residência, nos mereceram credibilidade pelos fundamentos que seguidamente enunciaremos, o mesmo não sucede no remanescente quando conjugadas com a demais prova produzida, apreciada à luz das regras da experiência e ponderada à luz de critérios de normalidade.
A este propósito, assumem particular acuidade os depoimentos de EA__, SS__ e PC__, nos moldes que passamos a expor.
No que respeita a EA__, que também usa o nome “IM ”, a mesma esclareceu, de modo distanciado e credível, apesar de ter a arguida ter dispensado os seus serviços por razões que desconhece, ter conhecido a arguida previamente, quando trabalharam noutro estabelecimento, por conta da qual veio a trabalhar desde Janeiro de 2017, quando esta montou o seu negócio, até Março de 2018. O negócio, segundo descreveu, consistia na prestação de serviços de massagem com relações sexuais (masturbação e cópula vagina e oral), variando os preços entre €60,00, €80,00 e €100,00, consoante a duração de 30 minutos, uma hora ou mais. Os clientes pagavam-lhe e, desse dinheiro, pagava 50% à arguida, dona da casa, que suportava os custos de renda, anúncios, etc. Mais esclareceu que, durante o período em que trabalhou por conta da arguida, auferia cerca de €3.000,00 mensais, dos quais entregava a aludida metade à arguida, trabalhando cinco dias por semana e atendendo em média 2 a 3 clientes por dia. Quanto ao modo como eram acordados os serviços com os clientes, esclareceu que os mesmos contactavam a arguida para os números colocados nos anúncios, sendo apenas excepcionalmente, quando a mesma não se encontrava em casa, é que as pessoas que aí trabalhavam falavam directamente com o cliente. No que respeita às características da fracção que ocupavam, esclareceu tratar-se de um apartamento de tipologia T1, no qual a sala teve aproveitamento como quarto, sendo, como tal, os dois quartos utilizados para a prestação dos serviços, não residindo aí ninguém.
A dada altura, entre si e a arguida foi celebrado, a seu pedido, um contrato de trabalho uma vez que a testemunha era massagista, suportando a mesma o pagamento das quotizações, cujo valor enunciou, porém, não foi com base nesse contrato que veio a obter autorização de residência, mas sim por ter uma filha portuguesa e ter requerido a autorização com fundamento em reagrupamento familiar. O teor do depoimento foi corroborado por MJV, pai da filha da testemunha, e que enunciou os fundamentos subjacentes ao requerimento realizado por esta para obtenção da autorização de residência. Dadas as características do depoimento, conjugadas com as declarações da arguida e a certidão extraída do processo de residente n.º 1951880, relativo à cidadã, de folhas 425 a 479, e donde resulta que a mesma obteve a autorização de residência por força na nacionalidade portuguesa da sua filha, não constando de tal processo qualquer contrato de trabalho celebrado pela arguida e a testemunha e apresentado pela mesma perante o SEF, teve o tribunal por provado os factos consignados em 19.º a 21.º e não provados os factos consignados em h. a k.
Do mesmo modo, a testemunha SS__ , que utiliza o nome “P… Vulcão”, com conhecimento directo dos factos a que depôs por ter prestado serviços para a arguida entre Dezembro de 2017 a Março/Abril de 2018, esclareceu serena e tranquilamente, não denotando qualquer animosidade ou inimizade com a arguida, ter tido conhecimento do estabelecimento da arguida através de um anúncio, na sequência do que se dirigiu à morada indicada nos autos onde foi entrevistada pela arguida tendi acordado prestar serviços por conta da mesma, o que ocorreu. Tais serviços consistiam na realização de massagens com cópula vaginal ou oral. Referiu, ainda, os preços dos aludidos serviços, em consonância com o referido pela antecedente testemunha, mais esclarecendo o horário por si praticado. Habitualmente, era a arguida quem recebia os contactos telefónicos, sendo, porém, que cada uma das mulheres que lá trabalhava tinha um telemóvel associado, constante do anúncio a si relativo, pago por A. e exclusivamente usado para o atendimento de eventuais clientes, e que era deixado no apartamento quando as mesmas terminavam o seu horário de trabalho. Algumas vezes, os contactos eram realizados pelo cliente para o número de telefone da mulher com quem pretendiam manter relações sexuais.
No que respeita ao depoimento da testemunha PC__, com conhecimento directo dos factos a que depôs por ter sido cliente do estabelecimento referido nos autos. O mesmo relatou, de modo distanciado, demonstrando total alheamento ao desfecho da causa, ter chegado à morada referenciada através de um site, ao que crê denominado “Doce Massagem” ou só “Massagens”, desde logo se tendo apercebido, pelo conteúdo, não se tratar de massagens meramente terapêuticas mas envolvendo serviços de natureza sexual, tendo estabelecido contacto telefónico para o número aí indicado, tendo sido atendido por pessoa do sexo feminino, com “sotaque português”, que o informou do tipo de serviços prestados e valores associados. Tais serviços consistiam em massagem com masturbação manual e cópula vaginal, variando o preço em conformidade com o tempo de duração do serviço. Frequentou o espaço pelo menos três vezes, e aquando da chegada foram-lhe apresentadas mulheres – por pessoa que não a arguida, que não reconheceu - que se encontravam no local, aí procedendo à escolha daquela de quem pretendia manter relações sexuais, e pagando à mesma directamente.
No atinente ao depoimento das testemunhas BR, inspector da PJ responsável pela investigação nos autos, e que explicitou o modo como a mesma foi despoletada, corroborando o teor da cota elaborada a folhas 122, tendo sido a partir do momento em que constatou pelo teor das fotografias apostas no site que identificou, serem as mesmas pouco consentâneas com a prestação de serviços de massagem (designadamente o vestuário envergado), foram realizadas diligências, traduzidas em dois contactos telefónicos por inspectores no âmbito dos quais foram informados que os serviços prestados consistiam em massagem com contacto intimo. Mais explicitou ter procedido a vigilâncias externas, cujos relatórios se encontram juntos aos autos a folhas 192/3; 202 a 209 e teor foi igualmente valorado, no âmbito das quais observou que a morada indicada pela arguida se tratava de um prédio com pouca habitação (salientando-se a este respeito, que a existência de contratos de fornecimento de água não conduz à conclusão que as fracções estejam efectivamente ocupadas), e tendo observado um movimento pouco comum de homens, designadamente passando e comunicando ao telefone após o que se dirigiam ao prédio em causa e tocavam à campainha, assim indiciando que estava à procura da morada e, depois de realizar o telefonema é que subiam à fracção. Mais referiu ter observado, às janelas da fracção, mulheres envergando trajes diminutos, não usados habitualmente por profissionais de massagem e estética. O teor do depoimento foi integralmente corroborado pela testemunha FO, inspector da Polícia Judiciária que acompanhou a antecedente testemunha nas diligências externas realizadas. No atinente aos depoimentos de PC__   e IC, à data inspectores estagiários e subscritores, respectivamente, das informações lavradas nas cotas de folhas 129 e 130, com as quais foram confrontados, os mesmos não lograram recordar-se de nenhum outro facto para além dos por si consignados à data, tendo atestado a informação quanto aos contactos telefónicos que realizaram.
No que concerne ao depoimento da testemunha CS, amigo da arguida, o mesmo referiu, de modo espontâneo e isento, tê-la conhecido a mesma uma vez que aquela presta serviços de tradução, sabendo que a mesma é também massagista e recorrido aos seus serviços, nesta área de actividade, para recuperação de uma lesão nas costas. Referiu, igualmente, ter-se deslocado à morada referida nos autos por uma vez, e tratar-se da habitação da arguida. Do mesmo modo, a testemunha PM, amigo da arguida, esclareceu ter recebido massagens desta para tratamento de uma bursite e tê-la visitado em tal habitação por uma vez. Já no que tange à testemunha FN, esclareceu ter conhecido a arguida em contexto profissional por tê-la contratado para realização de serviços de web design. A testemunha elaborou, igualmente, o relatório de análise de fiabilidade ao site gp-pt.net, junto a folhas 864 a 877, no qual conclui que o mesmo apresenta riscos em termos de fiabilidade, de resto comuns à maioria das redes sociais, permitindo, designadamente, a criação de vários registos de utilizador pelo mesmo individuo e a publicitação de mensagens sem validação de conteúdo, circunstâncias que colocam reservas à fiabilidade das informações nele apostas.
Tais testemunhas não revelaram, porém, conhecimento directo sobre os factos em apreço, sendo que o por si declarado em nada contende com os mesmos: não é pela circunstância de a arguida prestar serviços de massagem ou ter outras valências profissionais que exclui a prática dos factos ora apreciados e dados por provados. No que respeita a terem-se deslocado à fracção, referindo ser a casa da arguida e seu filho, dir-se-á que, atento o carácter episódico de tais visitas, e tendo a actividade da arguida cessado em meados de 2018, é de admitir que tenham ocorrido em período não coincidente com o desenvolvimento de tal actividade.
Quanto ao depoimento da testemunha CR , companheira do irmão da arguida, e que referiu ter exercido funções de massagista no espaço em causa ao mesmo tempo que EA__ , negou a mesma que no local se prestassem serviços de natureza sexual, e que aquela foi despedida por ter sugerido a um cliente uma massagem com “final feliz”. Não pode merecer credibilidade o depoimento quando conjugado com os demais elementos probatórios.
Com efeito, o relato circunstanciado da dinâmica do negócio, serviços prestados e os actos sexuais praticados, pelas testemunhas EA__ , SS__  e PC__, que depuseram sem hesitações, em moldes escorreitos e sem qualquer indício de animosidade para com a arguida ou interesse pessoal no desfecho da causa (salientando-se que no caso da primeira, não obstante a arguida ter dispensado os seus serviços não se evidenciou qualquer parcialidade, nem se vislumbra que a testemunha pudesse obter qualquer vantagem depondo do modo que depôs), conjugado com a prova documental junta aos autos, designadamente, os elementos constantes de folhas 123 a 128 e de folhas 136 a 140 (extraídos da página electrónica http://www.makeamassage.com tal como se encontrava quando acedida no dia 16 de Novembro e 15 de Dezembro de 2017 e referentes a estabelecimento denominado Massagem para a mente e corpo), a transcrição de conversações telefónicas, com relevo a mantida em 03-07-2018, entre as 14:07:07 e 14:10:16, (sessão 260) a folhas 10 a 12, do respectivo apenso e, ainda, os extraídos do url – http://gp-net/forum/viewtopic.php?f=4&t=57610, acedido a 12 de Junho de 2018, alicerçaram a convicção do tribunal quanto à factualidade dada por provada.
É da conjugação de todos os elementos – especialmente os depoimentos aludidos - que o tribunal conclui que os serviços prestados por conta da arguida eram não só de massagem, mas também de masturbação, sexo oral e vaginal, não se demonstrando minimamente plausível, atentos os depoimentos prestados e o modo como o foram, conclusão diversa.
Não ignora o tribunal as reservas apontadas à fiabilidade do site gp-pt.net, em cujo fórum se desenvolvem comentários de utilizadores sobre os serviços sexuais prestados, aludindo-se à arguida como “abelha-mestra”, mas conjugando esse elemento com o modo como as prestadoras de serviço se apresentavam nos anúncios de serviços –o tipo de vestuário sugestivo e ousado – o cenário em que são tiradas – numa habitação, onde se pode ver letreiro com os dizeres “Paixão” em destaque – a transcrição de conversação telefónica já referida, onde um dos potenciais clientes indaga das características físicas da prestadora de serviços, de resto completamente irrelevantes num verdadeiro terapeuta, em nada são compatíveis, ponderados à luz as reras da experiência e critérios de normalidade, com a prestação de massagens terapêuticas. De resto, é sabido que no meio dos efectivos prestadores de massagem terapêuticas, conhecedores de que a prestação de serviços relacionados com os cuidados do corpo é uma actividade delicada, susceptível de ser procurada por quem, não tendo real intenção de utilizar tais serviços pretenda assumir comportamentos de cariz sexual, são assumidos cuidados ao nível da apresentação, inclusivamente da própria comunicação dos serviços, para que não restem dúvidas sobre a sua natureza (repare-se, a título de exemplo, nas fardas ou uniformes usados, nos cuidados com a divulgação dos produtos utilizados, na transmissão de uma ideia de serenidade e bem-estar).
Quanto aos valores apurados como proveito auferido pela arguida no exercício de tal actividade, atendeu o tribunal ao depoimento de EA__ e de SS__  tendo considerado o valor mínimo de cada serviço, o número mínimo de clientes por si atendidos diariamente, o número de dias que trabalhavam semanalmente e o lapso temporal em que prestaram os serviços e a comissão de 50% recebida pela arguida, tendo concluído nos moldes consignados nos pontos 13.º, 14.º, 17.º e 18.º e cálculos aí exarados.
No atinente aos factos dados por provados a respeito das condições pessoais e socioeconómicas do arguido valorou-se, igualmente, as declarações da própria e o relatório social junto aos autos, a folhas 767 a 771, cujo teor a mesma esclareceu. Mais valorou o tribunal os depoimentos de LA, amiga da arguida, e MMC, mãe da mesma, que depuseram acerca do carácter daquela, esclarecendo ser a mesma pessoa extremamente trabalhadora e altruísta.
A ausência de antecedentes criminais da arguida encontra-se certificada nos autos a folhas 881.
No atinente aos factos não provados, a decisão resulta da ausência de prova, suficiente e adequada, sobre a sua verificação.
No que tange aos factos consignados em b. a f. e h. a l., a decisão resulta da valoração dos depoimentos das testemunhas EA__ e SS__, inexistindo, nos autos, qualquer elemento probatório, designadamente de natureza documental, que imponha decisão diversa.
Já no respeitante aos factos consignados em a. e g., a decisão resulta da ausência de prova bastante sobre a sua verificação. Com efeito, pese embora as aludidas testemunhas refiram a existência de outras mulheres a prestar serviços da mesma natureza, o que é corroborado pelas várias imagens utilizadas pela arguida para publicitação dos serviços prestados, certo é que não lograram explanar quantas pessoas o fariam, sendo certo que todas tinham horários de trabalho diferenciado.
Considerando as referidas insuficiências probatórias, nestes concretos pontos, teve-se tal factualidade por não provada.
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III. Fundamentação jurídico-conclusiva
a) Do(s) tipo(s) de ilícito
a.1)   Do crime de lenocínio
À arguida é imputada a prática, no que ora releva, em concurso efectivo e na forma consumada, de cinco crimes de lenocínio, previstos e punidos pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.
Tem sido entendido pela jurisprudência e doutrina que no citado normativo não se tutela, actualmente, a liberdade sexual – único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter – nomeadamente de quem pratica a prostituição. O que está em causa é, antes, a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente (Ac. do TRP, de 29-05-2002, www.dgsi.pt).
Com efeito, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, eliminou-se do n.º 1 do tipo a referência à prática de actos sexuais de relevo, sendo, por isso, mais claro que é apenas a facilitação à prostituição como actividade que é objecto de censura penal.
De acordo com a actual redacção do preceito tal crime existe ainda que aquele que pratica a prostituição o faça livremente, sem quaisquer constrangimentos.
Se a pessoa que se prostitui, maior idade e no perfeito estado das suas faculdades, pretende exercer a prostituição, o favorecimento que outro fizer dessa actividade, com intuito lucrativo, não contende com a sua liberdade de autodeterminação sexual.
Do exposto resulta que na actual redacção do artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal, ao delimitar-se o tipo, recortando-o apenas em função da acção de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, com intenção lucrativa e eliminando a exigência da exploração de uma situação de abandono ou de necessidade económica, assim como a referência à prática de actos sexuais de relevo, não se puna a ingerência na formação da vontade de quem se prostitui mas sim o aproveitamento que alguém faz de uma prática.
Ao punir todo e qualquer aproveitamento do lucro obtido à custa da prostituição de outros, o legislador pune essencialmente uma actividade, uma profissão e não uma corrupção da vontade livre. Trata-se, no tipo de lenocínio simples, de tutelar uma determinada concepção de vida inconciliável com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição.
A diferença específica entre o lenocínio simples consagrado no artigo 169.º, n.º 1 e o lenocínio agravado consagrado no seu n.º 2 radica na natureza do relacionamento entre quem explora e quem se prostituiu, isto é, na existência ou não da corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o lenocínio é agravado (Ac. do TRC de 28-02-2018, www.dgsi.pt).
“Considerando que «a ratio do direito penal, como último instrumento para proteger bens jurídicos e sobretudo as situações justificadas à luz da Constituição da República Portuguesa como passíveis de serem criminalizadas só o podem ser se compatíveis com o princípio da Última ratio e sobretudo da proporcionalidade e necessidade estabelecido no artigo 18º, nº 2 da Constituição. Ainda mais se se entender que a ordem jurídica comunitária, através de decisões do próprio Tribunal de Justiça das Comunidades, estabelece que a prostituição é «uma actividade de prestação de serviços remunerada e abrangida pelo conceito de actividade económica não assalariada e actividade não assalariada» - cf. Proc. C-268/99 de 20-11-2001.» - Ac. Rel. Coimbra de 30 de Junho de 2010 (relator Des. Mouraz Lopes), impõe-se aceitar que após as reformas de 1998 e 2007, no n.º 1 do artigo 169.º, é tutelado como bem jurídico, uma determinada concepção de vida inconciliável com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição. (...)” (Ac. do TRC de 28-02-2018, cit.).
Intimamente conexas com as questões que vimos enunciando, prende-se a da possível inconstitucionalidade da norma do artigo 169.º, n.º 1 do Cód. Penal.
A questão vem sendo debatida no Tribunal Constitucional, na doutrina - e na sociedade em geral - com acuidade.
É ainda maioritária a tese de que se consegue divisar um específico bem jurídico-penal atinente à liberdade e protecção de “uma autonomia para a dignidade” dos profissionais do sexo e, pese embora os argumentos aduzidos nas teses contrárias, é sabido que o Tribunal Constitucional tem rejeitado a tese da inconstitucionalidade (e.g., os acórdãos n.ºs 144/2004, 203/2012, 149/2014 e 641/2016, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
A fundamentação da tese maioritária defendida (não obstante os votos de vencido) está explicitada, em moldes que seguiremos, no Acórdão n.º 1444/2004 (Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma) ainda relativamente ao artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal na redacção prévia à que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, mas cujos fundamentos se mantêm no atinente ao artigo 169.º, n.º 1, em que se refere:
“(...)subjacente à norma do artigo 170.º, n.º 1, está inevitavelmente uma perspectiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (cf. sobre a prostituição, nas suas várias dimensões, mas caracterizando-o como “fenómeno social total” e, depreende-se, um fenómeno de exclusão, JOSÉ MARTINS BRAVO DA COSTA, “O crime de lenocínio. Harmonizar o Direito, compatibilizar a Constituição”, em Revista de Ciência Criminal, ano 12, nº 3, 2002, p. 211 e ss.; do mesmo autor e LURDES BARATA ALVES, Prostituição 2001 – O Masculino e o Feminino de Rua, 2001). Tal perspectiva não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de acção, situações e actividades cujo “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como puro instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impele, desde logo, o artigo 1º da Constituição, ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade da pessoa humana. E, é nesta linha de orientação que Portugal ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Lei nº 23/80, em D.R., I Série, de 26 de Julho de 1980), bem como, em 1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem (D.R., I Série, de 10 de Outubro de 1991).
É claro que a esta perspectiva preside uma certa ideia cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do valor da sexualidade, bem como o reconhecimento do valor científico das análises empíricas que retratam o “mundo da prostituição” (e note-se que neste terreno tem sido longo o percurso que conduziu o pensamento sociológico desde a caracterização da prostituição como anormalidade ou doença – assim, C. LOMBROSO e G. FERRO, La femme criminelle et la prostituée, 1896, e, no caso português, os estudos de TOVAR DE LEMOS, A prostituição. Estudo anthropologico da prostituta portuguesa, 1908, e, sobre as concepções da ciência acerca da prostituição no início do século, cf. MARIA RITA LINO GARNEL, “A loucura da prostituição”, em Themis, ano III, nº 5, 2002, p. 295 e ss. – até ao reconhecimento de que as prostitutas são vítimas de exploração e produto de uma certa exclusão social). Mas tal horizonte de compreensão dos bens relevantes é sempre associado a ideias de autonomia e liberdade, valores da pessoa que estão directamente em causa nas condutas que favorecem, organizam ou meramente se aproveitam da prostituição.
Não se concebe, assim, uma mera protecção de sentimentalismos ou de uma ordem moral convencional particular ou mesmo dominante, que não esteja relacionada, intrinsecamente, com os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem, valores esses protegidos pelo Direito enquanto aspectos de uma convivência social orientada por deveres de protecção para com pessoas em estado de carência social. A intervenção do Direito Penal neste domínio tem, portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspectiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. O significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da protecção da liberdade e de uma “autonomia para a dignidade” das pessoas que se prostituem. Não está, consequentemente, em causa qualquer aspecto de liberdade de consciência que seja tutelado pelo artigo 41º, nº 1, da Constituição, pois a liberdade de consciência não integra uma dimensão de liberdade de se aproveitar das carências alheias ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheia. Por outro lado, nesta perspectiva, é irrelevante que a prostituição não seja proibida. Na realidade, ainda que se entenda que a prostituição possa ser, num certo sentido, uma expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, o certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), na medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para os fins dele próprio, mas para fins de terceiros. Aliás, existem outros casos, na Ordem Jurídica portuguesa, em que o autor de uma conduta não é incriminado e são incriminados os terceiros comparticipantes, como acontece, por exemplo, com o auxílio ao suicídio (artigo 135º do Código Penal) ou com a incriminação da divulgação de pornografia infantil [artigo 172º, nº 3, alínea e), do Código Penal], sempre com fundamento na perspectiva de que a autonomia de uma pessoa ou o seu consentimento em determinados actos não justifica, sem mais, o comportamento do que auxilie, instigue ou facilite esse comportamento. É que relativamente ao relacionamento com os outros há deveres de respeito que ultrapassam o mero não interferir com a sua autonomia, há deveres de respeito e de solidariedade que derivam do princípio da dignidade da pessoa humana. (... )”
Pela inconstitucionalidade do normativo, pugnou o Conselheiro Manuel Costa Andrade, em voto de vencido no já citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 641/2016:
“Votei vencido por estar convencido de que a norma de incriminação e punição do Lenocínio constante do n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal é contrária à Constituição, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República. E, é assim porquanto a incriminação da conduta típica não está preordenada à salvaguarda – menos ainda é para tanto necessária – de quaisquer “direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Ou dito em linguagem da doutrina penal, não é necessária à proteção de qualquer bem jurídico. Bem jurídico que não se descortina na pertinente área de tutela típica. Noutra perspetiva, estamos perante uma manifestação concreta dos chamados “crimes sem vítima”, no sentido criminológico do termo, na linha da E. SHUR (victimless crimes ou crimes without victims Cf. EDWIN SCHUR, Crimes Without Victims: Deviant Behavior and Public Policy, Prentice Hall inc.1965).
É seguramente assim a partir da reforma de 1998. Que inter alia eliminou o inciso – “exploração de situação de abandono ou de necessidade económica” – constante da versão originária (de 1982/1995). E deste modo abriu deliberadamente mão do momento da factualidade típica que associava a infração à ofensa à liberdade sexual e deixou atrás de si uma incriminação exclusivamente votada à punição de “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar” uma prática em si mesma irrelevante e indiferente para o direito penal – a prostituição. Assim, o afastamento da liberdade sexual da área de proteção da norma deixa apenas em campo a prevenção ou repressão do pecado, um exercício de moralismo atávico, com que o direito penal do Estado de Direito da sociedade secularizada e democrática dos nossos dias nada pode ter a ver.
Uma consideração das coisas contra a qual não pode pertinentemente invocar-se a ideia de obviar a perigos contra a dignidade ou a autonomia das pessoas – homens ou mulheres – envolvidas na prostituição. Na certeza de que a incriminação é que pode, ela própria, configurar um atentado perverso à dignidade ou autonomia das pessoas. Que sendo adultas, esclarecidas e livres – no fundo a situação típica pressuposta pela incriminação – devem poder legitimamente escolher conduzir a sua vida tanto à sombra da “virtude” como do “pecado”. Uma escolha insindicável, que devem poder levar à prática, inteiramente resguardados contra a intromissão do direito penal. De outro modo e acolhendo-nos à síntese de FIGUEIREDO DIAS, “teríamos uma situação absolutamente anormal e incompreensível: a de o direito penal, pretendendo tutelar o bem jurídico da eminente dignidade (sexual) da pessoa, sacrificá-lo ou violá-lo justamente em nome daquela dignidade. Pois é claro que pertence à liberdade da vontade da pessoa dedicar-se ou não ao exercício da prostituição. O que colocaria o Estado (detentor do jus puniendi) na mais contraditória e perversa das situações: a de sacrificar a integridade pessoal invocando como legitimação o propósito de a tutelar!” (FIGUEIREDO DIAS, “O ‘direito penal do bem jurídico’ como princípio jurídico-constitucional implícito”, RLJ, ano 145.º, maio-junho de 2016, p. 261). Nesta linha não podemos acompanhar o entendimento que a este propósito vem sendo sistematicamente sufragado pelo TC. Que tem procurado apoiar a legitimação material da incriminação na sua relação “com os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem”, como se sustenta, entre outros, no Acórdão n.º 144/2004 (no mesmo sentido, Acórdãos n.ºs 170/2006, 396/2007, 141/2010, 559/2011, 203/2012, 149/2014). Explicitando que a “intervenção do Direito Penal neste domínio tem, portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspetiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. O significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da proteção da liberdade e de uma ‘autonomia para a dignidade’ das pessoas que se prostituem”. Uma consideração das coisas que é posta em crise quando confrontada com o recorte típico da incriminação. Que pune os factos mesmo nas constelações fácticas em que as pessoas que se prostituem, sendo maiores, o fazem com toda a liberdade e autonomia. O que obriga o TC a acolher-se a uma insustentável razão de paternalismo. Argumentando que “ainda que se entenda que a prostituição possa ser, num certo sentido, uma expressão de livre disponibilidade da sexualidade individual, o certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), na medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para fins dele próprio, mas para fins de terceiro” (id. ibid). Para além desta (suposta) tutela da autonomia e da liberdade – contra o (efetivo) sacrifício da autonomia e da liberdade –, sobra ainda a ideia de prevenção do risco de exploração. Assim e ainda nos termos do mesmo acórdão: “o facto de a exploração legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desproteção social” (ibid). Em vez de uma incriminação preordenada à tutela da autonomia e da liberdade sexual, teríamos então uma infração, concebida como crime de perigo abstrato e apostada em obviar ao perigo de um “modo social de exploração de uma situação de carência e desproteção social”. Bem podendo, por isso, acontecer que a prevenção do perigo abstrato de uma forma desviante de comportamento ou de condução da vida se faça à custa do sacrifício da liberdade e da autonomia sexual. Afinal de contas, à custa do sacrifício do único bem jurídico em nome do qual o legislador pode incriminar comportamentos humanos relacionados com a vida sexual das pessoas.
É por isso que não posso acompanhar o entendimento de que a norma constante do artigo 169.º do Código Penal na versão vigente satisfaz as exigências de que a Constituição da República faz depender a legitimação material da criminalização.”
Reconhecendo-se a valia da argumentação desenvolvida, a verdade é que entendemos que o fundamento legitimador da criminalização do lenocínio radica na violação do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição, que leva a que a intervenção do Direito Penal neste domínio tenha um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspectiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito.
Sufraga-se, assim, entendimento do citado Acórdão do TC n.º 144/2004, relatado pela Conselheira Maria Fernanda Palma e entende-se não existir qualquer inconstitucionalidade da referida norma.
Dir-se-á, a título de nota final neste ponto, que pode, porventura, defender-se, de iure condendo, que a solução mais adequada passaria pela descriminalização da conduta; de iure condito, porém, a conduta em questão constitui crime, posto que 'descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática' - artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal, sendo tal a vontade inequívoca do legislador que assim o considerou, continuando a tipificar a conduta nas sucessivas revisões ao Código Penal.
Tecidas estas considerações quanto ao bem jurídico protegido, são elementos constitutivos do tipo objectivo do crime de lenocínio previsto no artigo 169.º do Código Penal: a) o fomento, o favorecimento ou a facilitação do exercício por outra pessoa de prostituição; b) a prática pelo agente de tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa.
No atinente ao elemento subjectivo, exige-se o dolo, traduzido no conhecimento e vontade de praticar o facto, abrangendo todos os elementos do tipo objectivo.
Transpondo tais noções para o caso em apreço, da materialidade provada resulta que A. Cruz decidiu auferir rendimentos provenientes da prática de actos sexuais por parte de terceiros, principalmente mulheres, tendo para o efeito contactado e incumbido EA__ e SS__  da prestação de serviços de massagem e, simultaneamente, de relações sexuais traduzidas em coito vaginal, oral, e masturbação a terceiros, mediante o pagamento de um preço do qual recebia metade.
A arguida, de forma a angariar mulheres para prestarem tais serviços, colocou anúncios em jornais editados e publicados em Portugal, indicando contacto telefónico, entrevistou as mulheres em causa e fixou as regras de funcionamento do local bem como as condições de trabalho, designadamente o horário e retribuição, fixando os preços das sessões consoante o tempo de duração das mesmas e determinando que as aludidas pessoas, depois de prestarem tais serviços e receberem o preço do cliente, lhes entregasse metade deste, o que sucedia
No caso, da análise da factualidade dada por provada, dúvidas não existem de que a arguida facilitou, favoreceu e fomentou – incluindo determinando o respectivo preço - com intenção lucrativa (mediante a acordada contrapartida monetária), o exercício da prostituição por EA__ e SS__.
Com efeito, a arguida não se limitou a disponibilizar um espaço a pessoas que sabia dedicarem-se à prostituição. Procurava activamente pessoas que se dedicavam a essa actividade (através da colocação de anúncios em sites e de contactos com pessoas da mesma actividade); publicitava-a e estabelecia regras específicas quanto ao exercício da mesma, inclusivamente de horário e de preços.
O papel da arguida na organização da actividade, seu intuito lucrativo e até empresarial, encontra-se evidenciado pelos moldes em que a actividade era desenvolvida, nos moldes provados. A circunstância de, com os actos sexuais já enunciados, serem também realizadas massagens em nada afasta as conclusões extraídas já que, inclusivamente, a prestação concomitante de tais serviços mais se demonstrava de molde a melhor encobrir a actividade ilícita exercida.
Assim, dúvidas não restam, em nosso entender, de que se encontra preenchido o tipo objectivo do crime de lenocínio simples.
E preenchido está, igualmente, o tipo subjectivo quando se provou que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente. Quis e proporcionou no apartamento mencionado, que lhe pertencia e que dotou do mobiliário, decoração, água e electricidade, as condições necessárias para que as mulheres identificadas acima nele mantivessem, com terceiros, relações e actos sexuais a troco de dinheiro, com o propósito de obter para si os referidos proveitos económicos decorrentes da actividade de prostituição que era praticada, a qual era do seu conhecimento.
Resulta da materialidade provada que as pessoas que contactaram a arguida ou foram por si contactadas exerciam a actividade da prostituição de forma livre e voluntária, limitando-se a arguido a obter proveitos económicos da mesma nos exactos termos dados por provados.
Inexistem, no caso, causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
a.2) Do crime de auxílio à imigração ilegal
Foi a arguida pronunciada, igualmente, pela prática de factos integrantes de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Estabelece o artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4/7 que “1 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos. 2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos. 3 - Se os factos forem praticados mediante transporte ou manutenção do cidadão estrangeiro em condições desumanas ou degradantes ou pondo em perigo a sua vida ou causando-lhe ofensa grave à integridade física ou a morte, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. 4 - A tentativa é punível. 5 - As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da actividade de um a cinco anos”.
Conforme se verifica dos normativos citados, a verificação da prática do crime de auxílio à imigração ilegal carece da demonstração de requisitos subjectivos e objectivos.
A acção material criminosa reside no "favorecimento" e na "facilitação". O modo da acção não é definido: qualquer um serve ("por qualquer forma": n.ºs 1 e 2; podemos incluir aqui, por exemplo, obtenção de documento fraudulento; protecção ao esconderijo ou acolhimento em casa do agente, etc.). O objecto da acção é a "entrada", o "trânsito" (n.º 1) e a "permanência" (n.º 2) ilegais, consoante os casos, noções cuja verificação casuística concreta há-de buscar-se no disposto no artigo 135.º; O sujeito activo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é um cidadão estrangeiro. O elemento subjectivo consiste na consciência de prestar ilicitamente ajuda a cidadão estrangeiro entrar, permanecer e transitar ilegalmente no nosso país.
O preenchimento típico não exige a obtenção de um ganho ou benefício económico, embora como resulta do n.º 2, também possa concorrer uma intenção lucrativa, que funcionará como circunstância agravante do ilícito.
Transpondo tais noções para o caso em apreço, não se provou que a arguida tivesse praticado qualquer acto susceptível de consubstanciar o favorecimento ou a facilitação da entrada ou permanência de estrangeiro ilegal em território ilegal, certo que não se apurou que tivesse intervindo de modo relevante na obtenção da autorização de permanência em território nacional de EA__ .
Não se verificando os elementos objectivos do tipo imputado à arguida, impõe-se, sem necessidade de ulteriores considerandos, nesta parte, a sua absolvição.
b) Da unidade ou pluralidade de infracções
Definida que está a responsabilidade penal da arguida cumpre apreciar se deverá ser condenada pela prática de cinco crimes de lenocínio, conforme vem pronunciada, ou s pela prática de um único.
Dispõe o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
Acrescenta-se, no n.º 2, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode, portanto, constituir:
a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este tiver sido interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração de condutas; e
c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores. Neste sentido pode ver-se o acórdão STJ de 25/6/86, BMJ 358/267.
Nos casos de crime continuado existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuadamente diminuída, que só é possível formular um único juízo de censura e não vários. A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior, que o arrastam para o crime e não em razões de carácter endógeno.
Naquele normativo, procura encontrar-se a solução ajustada à situação em que uma série de actividades que deveriam constituir uma pluralidade de infracções, porque a elas presidiu a reiteração de uma resolução, deva ser tratada como um só crime. A existência de crime continuado está dependente da verificação da violação do mesmo bem jurídico e da execução por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior.
Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal).
Quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos (v. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, II vol., 202).
Porém o crime continuado pressupõe, precisamente, a existência de diversas resoluções, só que todas elas tomadas dentro de um quadro exterior que facilita, de forma considerável, o renovar das sucessivas resoluções.
Verificar-se-á, assim, uma unidade jurídica de acção que pressupõe que as condutas parcelares respondam a um só desígnio criminoso (unidade subjectiva) e realizem um único tipo legal de crime (unidade objectiva) (Santiago Mir Puig, Derecho Penal, Parte General, 657, apud Ac. do S.T.J., de 09.05.2002, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, “o que a lei pretende, portanto, é dar a razão da diminuição da culpa, indo buscar o seu fundamento substancial na motivação da decisão voluntária, motivação que se figura objectivamente na “situação de facto” que a provoca” (Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, I, 1992, p. 552), sendo que “aquilo que na continuação criminosa arrasta o agente para a reiteração é precisamente o facto de, com a primeira conduta, se amolecerem e relaxarem as reacções morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam” (Eduardo Correia, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção Teses, Almedina, p. 207).
Caracterizando, ainda, esta figura dir-se-á: “ (...) uma pessoa, durante um certo período de tempo, comete uma série de crimes seguidos que têm entre si uma certa relação de homogeneidade em termos de actuação e em termos de sucessão temporal; e, por outro lado, o traço essencial dessa situação é que a própria continuação ou repetição criminosa deriva não tanto de a pessoa ser especialmente persistente ou ter especiais tendências criminosas, mas do facto de que, de alguma forma, a prática do primeiro acto favoreceu a decisão sucessiva em relação à continuação, porque há um certo circunstancialismo externo que facilitou essa sucessiva reiteração de uma acção idêntica. Esse circunstancialismo externo, na medida em que facilita o sucessivo "cair em tentação", se quiserem, do agente dos crimes, significa que na medida em que há essa facilitação, a pessoa é menos censurável por ter ido sucessivamente sucumbindo à tentação.” (Teresa Beleza, Direito Penal, II, 613).
Postas estas breves considerações vejamos se, no caso que nos ocupa estão reunidos os pressupostos atrás mencionados, de que depende a verificação ou ocorrência do crime continuado.
Quanto à realização plúrima do mesmo tipo de crime: no caso verifica-se este elemento, traduzido na facilitação da actividade de prostituição por banda de diversos indivíduos com o intuito lucrativo.
Em causa tem que estar o mesmo bem jurídico: em todas as acções foi violado o mesmo bem jurídico.
No concernente à homogeneidade da forma de execução: no caso concreto verifica-se também esta homogeneidade de execução, representada pela forma como a arguida obtinha proveitos económicos à custa da actividade da prostituição desenvolvida pelas pessoas por si angariadas.
Persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que acaba por diminuir a culpa do arguido: entendemos que este requisito não se verifica no presente caso, uma vez que a actuação da arguida foi motivada não por qualquer solicitação exterior que tenha facilitado as sucessivas reiterações, mas antes por ter um especial intuito lucrativo, ciente que se encontrava a facilitar a prática da prostituição.
Não obstante, a circunstância de o crime tutelar bem jurídico de natureza não pessoal, facilita a compreensão da conduta criminosa como um único crime.
O que resulta da factualidade provada é uma resolução criminosa da arguida quanto ao seu propósito de lucrar com a prostituição, até porque cedeu a EA__ e SS__ o espaço em períodos temporais coincidentes – pelo menos em parte - e por isso com continuidade de acção.
Ou seja, a factualidade provada reflecte um dolo inicial persistente e único do desenvolvimento de uma actividade criminosa, cobrindo todo o período em que foram ocorrendo as cedências dos espaços a EA__ e SS__. Resultou provado que a arguida actuou em execução de um único plano previamente delineado, com uma execução plúrima de actos no desenvolvimento do desígnio formulado. Tal verifica-se, ainda, relativamente a ambas as pessoas que quase diariamente ali renovavam a prática da prostituição, por conta da arguida. A esta continuidade corresponde, à face de um juízo baseado nas normas de experiência de vida, uma unidade de resolução volitiva, ou seja, numa compreensão global do ilícito praticado, um único crime.
Nesses casos, ao contrário do crime continuado, não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta (ou, em caso de eventual diminuição da culpa pelo facto, um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável).
O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo, será como que uma “unidade resolutiva”, realidade que se não deve confundir com “uma única resolução», pois que, “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, apud “Código Penal anotado” de Paulo Pinto de Albuquerque).
Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante.
No caso, entendemos que a factualidade provada reflecte um dolo inicial persistente e único no desenvolvimento de uma actividade criminosa, cobrindo todo o período em que se foram sucedendo a contratação de serviços a cada uma das pessoas que se prostituía por conta da arguida.
Resulta, portanto, da conduta da arguida que a mesma actuou em execução de um único plano previamente delineado, ainda que posteriormente com uma execução plúrima de actos no desenvolvimento do desígnio formulado.
Assim, será a mesma condenada pela prática de um único crime de lenocínio.
c) Determinação e medida da pena
Importa agora determinar a pena concreta a aplicar atendendo a que o crime é punido apenas com pena de prisão, a qual é de seis meses a cinco anos (cf. 169.º, n.º 1, do Código Penal).
A determinação da medida da pena será efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade.
Atender-se-á igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Em caso algum a pena ultrapassará a medida da culpa do agente, esta vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da acção praticada (artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal).
Serão tidas em conta as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.
A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.
Deverá ponderar-se os factores que influem na dosimetria penal, onde se incluem as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal e ainda todas as outras que deponham a favor ou contra a arguida.
No caso, importa considerar a intensidade do dolo, algo acentuada, considerando o lapso temporal em que perdurou a actuação – final de 2016 a Julho de 2017 - o desvalor da sua conduta, que envolveu duas pessoas, tudo a que acresce o facto de ter agido movido por interesses de carácter económico.
Analisando a factualidade dada por provada considerar-se a culpa da arguida, também reflectida na organização do sistema prestativo e remuneratório envolvido na actuação.
As prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste domínio e todas as demais circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra ele ou a seu favor (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal) nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, também se afigura elevado dada a estrutura organizada pela arguida para desenvolvimento da actividade, havendo, por outro lado, que considerar a sua dimensão e o envolvimento de duas pessoas.
A arguida assumiu o papel de “empresária”, explorando a actividade de prostituição que decorria sob a sua orientação e direcção, havendo a considerar as vantagens patrimoniais por si obtidas, no montante global de € 12.780,00 (doze mil, setecentos e oitenta euros).
A favor da arguida ponderar-se-á a circunstância de não ter antecedentes criminais, e bem assim de, ao longo do seu percurso existencial sempre ter mantido uma vida laboralmente activa, encontrando-se social, profissional e familiarmente inserida.
Importa ponderar, atento o preceituado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicabilidade do instituto de suspensão da execução da pena.
A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
Porém, será decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao condenado, a expectativa de que o mesmo sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
Neste sentido, tem entendido o STJ que “o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade” (v., neste sentido, o Ac. de 11¬01-2001, Proc. n.º 3095/00-5).
Pese embora a gravidade e censurabilidade da conduta empreendida pela arguida e o desvalor social e jurídico que a mesma assume, certo é que a não tem quaisquer antecedentes criminais, é reputada como pessoa trabalhadora e empreendedora, beneficia de apoio familiar e tem a seu cargo um filho menor, o qual padece de problemas de saúde, pelo que entendemos ser possível formular um juízo de prognose favorável de que daqui para a frente e após este primeiro contacto com o sistema de justiça conformará a sua vontade de acordo com o direito e os valores jurídicos vigentes e que a situação apreciada nos presentes autos se trata de um episódio isolado no seu percurso existencial.
Assim sendo e, atendendo a todas estas circunstâncias, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime em causa, logrando-se obter o efeito dissuasor e reintegrador que se pretende com a aplicação de uma sanção penal, motivo pelo qual, se decide suspender a pena de prisão aplicada por período igual ao da respectiva pena.
d) Da perda de vantagens do crime
O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1, al. b), e n.º 4 do Código Penal, requereu seja declarada a perda das vantagens obtidas pela Arguida que computa em € 58.680,00 (cinquenta e oito mil, seiscentos e oitenta euros) equivalente à parte do valor que recebeu das quantias entregues pelos clientes como pagamento das relações e actos sexuais mantidas pelas mulheres identificadas na acusação e que representaram um incremento patrimonial directo, no mesmo montante, e que não lhe era devido uma vez que provinham da actividade de prostituição de outras pessoas por si promovida e dirigida, montantes esses que a arguida integrou no seu património, em benefício próprio.
Dispõe o artigo 110.º do Código Penal, norma que interessa ao caso considerando-se que os factos praticados o foram após a entrada em vigor da Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, que:
1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
A perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção.
Como bem ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao, então, artigo 111.º, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia¬-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que) em caso de prática de um facto ilícito típico) é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto" (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação ao artigo 111º, considerando que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstracto" e visa a "prevenção da criminalidade em geral", Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação ao então artigo 111.º
No caso, está dado como provado que no âmbito da actividade por si desenvolvida, a arguida A. , no período em causa, recebeu, do pagamento das relações sexuais mantidas por EA__ com diversos homens, no seu apartamento, pelo menos a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros – 15 meses x €650,00) e recebeu, do pagamento das relações e actos sexuais mantidos por SS__  com diversos clientes, no seu apartamento, a quantia de €5.280,00 (cinco mil, duzentos e oitenta euros – € 60x22 diasx4meses).
Para demonstração de que o crime não compensa, e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, como é a manutenção da vantagem no património da arguida, entendemos que, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código Penal, deve proceder-se à perda da vantagem obtida.
No caso, não sendo possível a transferência directa para o Estado da mesma, a perda ocorrerá pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, de € 12.780,00 (doze mil, setecentos e oitenta euros).
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3. – É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, afigura-se-nos que as questões a analisar dizem respeito:
- Vício de contradição dos factos provados;
- Impugnação da matéria de facto – saber se a matéria de facto deve ser alterada, por se verificar manifesta contradição entre os factos dados como provados, sendo incompatíveis entre si e insanáveis alguns dos factos aí vertidos e haver errónea valoração da prova testemunhal e da prova documental;
- Inconstitucionalidade do crime de lenocínio simples p. e p. pelo art.º 169º nº 1 do Código Penal, pelo qual foi julgada e condenada a arguida;
- Medida da pena - Por discordar da medida concreta da pena aplicada (de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período).
Avancemos na apreciação das questões suscitadas, a começar pela de ordem processual, na medida em que a procedência dela prejudica o conhecimento das restantes.
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4. – A questão de natureza processual com que nos confrontamos, é a do invocado vício de contradição dos factos provados.

O vício apontado no art.º 410º, n.º 2, alínea b) do CPP, que serve de fundamento ao recurso, deve decorrer do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum (não sendo assim permitida a consulta a outros elementos do processo). 
Ou seja:
O Tribunal superior deve verificar se existe contradição insanável da fundamentação da matéria de facto ou na respectiva fundamentação e ainda se foi cometido erro notório, isto é, erro de tal modo patente e de tal modo evidente que não escapa à observação de um homem de formação média.
As contradições insanáveis, para efeito de renovação de prova são somente as intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma.
Apreciemos em concreto a pretensão da recorrente.
Com efeito, a sentença recorrida apurou que:
1º - "Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018, a arguida A. com o propósito de obter proventos económicos, decidiu oferecer a terceiros e a troco de remuneração em dinheiro, serviços sexuais prestados por outras pessoas, em especial mulheres."
Seguidamente, o art.º 7º dos factos provados refere "entre final de 2016 e Julho de 2017".
Depois o art.º 13º refere:
13.º Na execução do contrato celebrado EA__ prestou serviços de massagem com relações sexuais vaginais e orais a diversos clientes entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018;
E o art.º 17º, que:
17.º SS__ aí prestou serviços sexuais a diversos clientes (relações sexuais de cópula, sexo oral e masturbação), entre os meses de Dezembro de 2017 e, pelo menos, Março de 2018;
E, ainda, na fundamentação do acórdão que diz respeito à medida da pena, refere-se na página 39, que o lapso temporal em que perdurou a actuação foi "final de 2016 a Julho de 2017".
Ora, se se dá como provado que EA__ terá prestado serviços "entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018" (art.º 13º dos factos provados), e que SS__  prestou serviços sexuais "entre os meses de Dezembro de 2017 e, pelo menos, Março de 2018" ( art.º 17º dos factos provados), e que só ficou provado que terão trabalhado no apartamento em liça nos autos EA__ e SS__ , o prazo temporal em que a actividade terá durado, teria obrigatoriamente que equivaler ao período em que as mesmas ali terão permanecido, pelo que qualquer outro período temporal para além destes nunca poderia ser dado como provado.
Daqui decorre existir uma clara contradição entre a fundamentação da matéria de facto e, também entre a fundamentação e a decisão, uma vez que, como resulta do próprio texto da decisão, o ano de 2016 nunca poderia ser referenciado e dado como provado, no que concerne ao período em que terão sido praticados os factos, como igualmente, o período entre Abril e Julho de 2018 não o poderia.
Impõe-se assim reformular a sentença, reparando o vício invocado, contendo os autos todos os elementos para a ela se proceder, sem necessidade de realização de novo julgamento – neste sentido, cfr. por todos, Ac. do STJ de 98.10.21, proc. 414/98 e Ac. da RC de 94.09.29, CJ. 94, Tomo IV, 53 – corrigindo-se em consonância com o exposto, os art.º 1º e 7º dos factos provados, que só poderão afiançar a esse período temporal, ou seja, entre o início do mês de Janeiro de 2017 e Março de 2018, como igualmente, a fundamentação sobre a determinação da medida da pena, ser corrigida, no que concerne ao período aí referido, no 6º parágrafo da página 39 do douto acórdão.

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5. Quanto à impugnação da matéria de facto:

 
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.Penal.
A Relação, porém, não fará um segundo julgamento de facto, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 1.ª instância, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas sugiram ou permitam outra decisão) decisão diversa; é uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às razões de discordância.
No caso em apreço, a recorrente, nas conclusões do recurso, pretende impugnar a decisão de facto em conformidade com o que a lei lhe possibilita, alegando, em síntese, não concordar com a apreciação da prova, mormente a testemunhal, tal como concebida pelo Tribunal, pois entre os testemunhos que sustentaram o acórdão houve manifestas contradições que foram ignoradas pelo Tribunal – contradições entre o declarado entre si, bem como, contradições no que afirmavam e a matéria dada como provada – pondo em causa duas questões aqui a valorar - o atendimento das chamadas e a presença física na casa para receber os clientes e apresentar as "meninas", alegando, ainda, uma errónea valoração da prova documental, na qual o Tribunal a quo se sustenta para complementar a deficiente prova testemunhal, que existia em sede de inquérito e ainda assim foi considerada por quem conduzia a investigação, como prova insuficiente. 
E, dando cumprimento ao disposto no art.º 412º nº 3 do CPP, a recorrente indicou os pontos de facto incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, concluindo que a prova produzida em audiência, conjugada com a restante prova constante dos autos, impunha que se desse como não provados, os factos aludidos em 1º a 26º.
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De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do CPP, o tribunal forma a sua convicção valorando os diferentes meios de prova sem obediência a critérios legais pré-fixados, mas de acordo com as regras da experiência. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – art.ºs 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).
A lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, devendo ser valorada, por si e em conjugação dos vários elementos de prova e sempre de acordo com as regras da experiência.
Com efeito, o art.º 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
Todavia, como lembra o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Está assim em causa, apenas, a impugnação da matéria de facto, pretendendo a recorrente demonstrar que a decisão do tribunal quanto à matéria de facto provada, tendo em conta o conjunto das provas produzidas e concretamente os depoimentos das testemunhas, cujos excertos em parte transcrevem, deveria ser outra.
Como se escreve no acórdão deste tribunal da Relação de Lisboa, de 20/05/2009, proferido no processo 594/04.1PYLSSB.L1-3, “ao contrário do que se passa no processo civil, em que basta a existência de uma «probabilidade prevalecente», em processo penal deve adoptar-se um padrão mais exigente, nomeadamente o de origem anglo-saxónica, da «prova para além de qualquer dúvida razoável». O standard de prova exigido em processo penal é muito mais elevado do que o utilizado no processo civil”.
Conforme resulta da motivação de facto, o tribunal recorrido considerou, para dar como provados os factos provados impugnados, os depoimentos de EA__ , SS__  e PC__   – as duas primeiras que terão trabalhado no imóvel, prestando serviços sexuais – e o terceiro que teria sido cliente do estabelecimento referido nos autos e, de forma complementar aproveita os depoimentos dos inspectores do SEF, BR e FO  para, da conjugação de todos os elementos – especialmente os depoimentos aludidos - concluir que os serviços prestados por conta da arguida eram não só de massagem, mas também de masturbação, sexo oral e vaginal, não se demonstrando minimamente plausível, atentos os depoimentos prestados e o modo como o foram, conclusão diversa, considerando, ainda, que as testemunhas apresentadas pela arguida, não revelaram conhecimento directo sobre os factos em apreço, particularmente a testemunha CR , a qual não mereceu credibilidade por causa da conjugação do que disse "com os demais elementos probatórios."
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Adiantamos desde já que não acompanhamos minimamente a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto impugnada nem subscrevemos a fundamentação para justificar essa decisão.
Como foi já referido, o Tribunal fundou a sua convicção nos depoimentos de EA__ , SS__  e PC__, que, no seu entender, assumiram particular acuidade, referindo, quanto à testemunha EA__, que também usa o nome “IM ”, que a mesma esclareceu, “de modo distanciado e credível, apesar de ter a arguida ter dispensado os seus serviços por razões que desconhece” e, quanto à testemunha SS__ , que a mesma "esclareceu serena e tranquilamente, não denotando qualquer animosidade ou inimizade com a arguida (...)". 
 Porém, quanto aos depoimentos das testemunhas referidas, os mesmos apresentam contradições entre si, que versam sobre o núcleo central do acervo fático imputado à arguida – sobretudo o modo de funcionamento da casa, atendimento das chamadas e a presença física na casa para receber os clientes e apresentar as "meninas" – contradições essas que se tornam ainda mais evidentes quando confrontadas com as da testemunha PC__.
Quanto ao depoimento da testemunha EA__, na sessão de 30 de Outubro de 2019, nas declarações que presta ao minuto 23 do seu depoimento, a propósito de explicar como supostamente funcionava a prestação de serviços na casa da arguida, referiu que "no acto que o cliente chegava, pedia o dinheiro e já dava para ela" (leia-se o "ela”, a arguida). Ou seja, assim que o cliente chegava, antes mesmo de entrar pagaria logo e por sua vez, a testemunha, dava de imediato o dinheiro à arguida.
Por sua vez, a testemunha SS__, a propósito da mesma questão de funcionamento e orgânica da casa, quando foi ouvida declarou que: "Pagavam a mim e eu levava, no fim de cada prestação de serviço" (gravação áudio do depoimento, de 2019.10.30 às 11h44m54s, minuto 7).
Daqui resulta que as duas testemunhas sobre a mesma questão declararam modos procedimentais diferentes, sendo certo que ambas terão trabalhado para a arguida ao mesmo tempo, sendo manifesta a contradição sobre o modo de funcionamento da casa.
Por outro lado, ambas as testemunhas (EA__ e SS__), afirmaram peremptoriamente que a arguida se encontrava presente na casa todos os dias, que era quem atendia os telefones, no interior da própria casa.
Assim, em qualquer uma das versões das testemunhas, o dinheiro dos clientes era dado logo à arguida antes de entrarem para o quarto (versão de EA__) ou à saída do cliente (versão de SS__), pelo que, para tal, tinha que a arguida estar na casa e, só excepcionalmente, quando a mesma não se encontrava em casa, é que as pessoas que aí trabalhavam falavam directamente com o cliente, referindo a decisão recorrida, na fundamentação da matéria de facto, no que respeita à análise do depoimento de EA__ , que: “Quanto ao modo como eram acordados os serviços com os clientes, esclareceu que os mesmos contactavam a arguida para os números colocados nos anúncios, sendo apenas excepcionalmente, quando a mesma não se encontrava em casa, é que as pessoas que aí trabalhavam falavam directamente com o cliente”.
Mais, declararam que, cada uma delas atendia em média dois a três clientes por dia, o que obrigava a que a arguida permanecesse na casa, tanto para atender os telefonemas, como para receber o dinheiro por uma das duas formas que as testemunhas declararam.
 Porém, a testemunha PC__, único suposto cliente dos serviços da casa da arguida, ouvido em Tribunal, afirmou nunca ter visto a arguida e, a primeira vez que a viu foi ali em Tribunal. No seu depoimento, ao minuto seis da sua inquirição a testemunha, perguntado se conhece a arguida afirma: “Não senhor. Primeira vez que vi esta senhora, foi a primeira vez que vim a Tribunal”, referindo ter a certeza que frequentou o espaço pelo menos três vezes, admitindo que possa ter ido mais vezes (minuto 5.30s das declarações prestadas), mas nunca se cruzou ou viu a arguida.
Aliás, na motivação da decisão de facto, refere a decisão recorrida a este propósito que a testemunha “Frequentou o espaço pelo menos três vezes, e aquando da chegada foram-lhe apresentadas mulheres – por pessoa que não a arguida, que não reconheceu - que se encontravam no local, aí procedendo à escolha daquela de quem pretendia manter relações sexuais, e pagando à mesma directamente”.
Afirmaram ainda as testemunhas (EA__ e SS__), que cada uma tinha um telemóvel e número próprios, mas que os mesmos ficavam na casa, e eram atendidos pela arguida.
Porém, quanto ao atendimento das chamadas, há duas cotas nos autos, assinadas pelos inspectores do SEF MB e IC, a fls 129 e 130, resultantes de chamadas que ambos fizeram para os anúncios do site e, em nenhum dos casos foi a arguida que atendeu as chamadas.
Por sua vez, a testemunha PC__, suposto cliente da casa da arguida, afirmou ter ligado muitas vezes para os números de contacto do site, e quem o atendia ao telefone era uma voz portuguesa (declarações da testemunha de 2019.10.30, às 11h20m24s, com referência à questão do atendimento das chamadas, ao minuto 2.50s do seu depoimento e reforçado e reiterado ao minuto 11), sendo relevante assinalar, quanto a este ponto, que a arguida é natural do Brasil, veio para Portugal com 12 anos, na sua voz e pronúncia percebe-se perfeitamente que não é portuguesa.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos parece ser clara a forma como o tribunal compaginou a sua convicção quanto a estes factos, atentos os referidos depoimentos contraditórios.
Como a propósito observa a recorrente: “Como é possível dar como provados factos que as próprias bases de sustentação dos factos, as desmentem?
Chamadas feitas e constantes dos autos; documentos do próprio SEF demonstram que a arguida não atendia as chamadas; o suposto cliente do prostíbulo nunca viu a arguida. No entanto, as testemunhas EA__ e SS__, afirmam que era a arguida que recebia os clientes, a matéria de facto dada como provada sustenta isso como verdade. No entanto, como se explica à luz da "experiência comum e lógica do homem médio", com que o Tribunal sustentou a sua decisão, que o cliente nas diversas ocasiões que foi à casa, nunca tenha visto a arguida?”.
A debilidade da prova não permite, pois, as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido quanto a ter sido a pessoa da arguida quem estava na casa para receber os clientes e o próprio dinheiro, nem que foi a arguida que atendeu as chamadas, nem tal prova é contrariada pela depoimento das testemunhas EA__ e SS__ , que afirmam que era a arguida que recebia os clientes e atendia os telefonemas, visto que tais depoimentos, como foi já referido, se encontram em manifesta contradição entre si, sobre o modo de funcionamento da casa, contradição essa que se torna ainda mais evidente quando confrontadas as declarações de ambas com as da testemunha PC__, único suposto cliente dos serviços da casa da arguida.
Nem tal prova é contrariada pelos depoimentos dos inspectores do SEF, que também são contraditórios entre si e pouco congruentes.
Com efeito, a testemunha BR , afirma que nas vigilâncias que fez ao prédio onde funcionaria o prostíbulo, lhe chamou à atenção o facto de haver a entrar e sair no prédio "um número anormal de homens" (depoimento prestado na sessão de 2019.10.02 às 16 h11m5 6 e cuja citação ora mencionada se encontra ao minuto 8.56 s da mesma), afirmando que esteve diversas vezes em vigilância no local, por períodos nunca superiores a duas/três horas (minuto 13 do depoimento prestado). Perguntado o que era para si um número anormal de homens a entrar num prédio com sete andares, o mesmo respondeu que o máximo que terão visto "terá sido três" (minuto 13.30s do depoimento prestado).
Por sua vez, a testemunha FO , também inspector do SEF, que acompanhou o colega BR nas diligências de vigilância, referiu que se recordava "não sei se na mesma vigilância ou em duas distintas, ter-mos presenciado duas pessoas" (depoimento prestado em 2019/10/17 pelas 11h13m43s, e cujo facto em apreço referiu ao minuto 3.40s da referida gravação), que adiante identificou uma como civil e outro como militar.
Desde logo, salta à vista a contradição nos próprios depoimentos, já que dois investigadores que realizaram a vigilância vêem coisas diferentes: um vê número anormal de homens e o outro vê dois ao todo, no conjunto das vigilâncias que realizaram.
Por outro lado, de todas as vigilâncias, só foram tiradas fotografias a dois indivíduos e apresentado a juízo como testemunha e suposto cliente, apenas uma pessoa e, o mais curioso, como bem salienta a recorrente, foi que pese embora tivessem sido emitidos diversos mandados de busca, nenhum foi levado a cabo. E, a razão invocada pela testemunha e inspector do SEF foi: “nos dias em que nos deslocámos para cumprir os mandatos não havia um único cliente" (minuto 7.30s do depoimento prestado pela testemunha BR).
Assim, pese embora se tenham deslocado ao prédio em mais do que uma ocasião para cumprir o mandato, em nenhuma delas houve clientes; fotografias a indivíduos foram duas; clientes apresentados em Tribunal, apenas um.
Todas estas incongruências e contradições, resultantes de versões diferentes das testemunhas, entre os inspectores do SEF entre si, entre as supostas trabalhadoras da casa e entre as supostas trabalhadoras da casa e o suposto cliente, deveriam ter acautelado o Tribunal e conduzido a outra ponderação sobre a prova produzida.
Atendendo ao que foi já referido, nomeadamente que entre as testemunhas de acusação existiram diversas contradições, quando as supostas trabalhadoras da casa não são coerentes no seu relato, quando o cliente do suposto prostíbulo (PC  ), não conhece nem nunca viu ou falou com a arguida e as referidas testemunhas e a acusação afirmam que aquela estava sempre em casa, quando os inspectores do SEF, que são ouvidos e que fizeram parte da equipa de investigação, se contradizem, tanto dizem que havia um número anormal de homens, como igualmente, reiteram por diversas vezes que a casa parecia não ter movimento e estar fechada, quando as cotas dos inspectores, que relatam chamadas telefónicas para os números dos anúncios, que as testemunhas EA__ e SS__  afirmam ser sempre atendidas pela arguida, são atendidas por terceiros, quando há ordem para que se façam buscas e elas não se realizam, por não haver um único cliente, quando as escutas telefónicas constantes dos autos não revelam chamadas com teor sexual, não se entende a razão por que o Tribunal a quo considerou que o depoimento de CR  não pode merecer credibilidade quando conjugado com os demais elementos probatórios.
É certo que o depoimento desta testemunha não vai de encontro ao que anteriormente foi dito pelas testemunhas de acusação. Porém, o depoimento da testemunha CR , ocorrido em 2019/11/27, com a gravação áudio a ter lugar às 11h18m0 6 s, foi claro e assume particular relevo, quando não só por ter trabalhado na casa da arguida, refere que o modus operandi, era diferente do anteriormente relatado, tratando-se de uma casa de massagens normal, como igualmente, ao referir que o motivo pelo qual EA__ havia sido despedida, tinha a ver com o facto de ter pretendido ter envolvimento sexual com um cliente, sendo certo que a testemunha de acusação EA__ , reconheceu que havia sido despedida e que tinha sido esse o motivo para o fim da sua amizade com a arguida, dando assim, além do mais, a testemunha CR , uma clara causa para poder, pelo menos, questionar a isenção da testemunha EA__ .
Na verdade, esta testemunha, como bem sublinha a recorrente, de forma isenta e fluida, afirmou ter começado a trabalhar com a arguida em "Janeiro de 2017" (minuto 5.35 da gravação áudio do seu depoimento), que o trabalho de massagens que fazia tinha lugar "na casa dela", (leia-se arguida) (minuto 7 da gravação áudio do seu depoimento), que trabalhou na casa durante quatro a cinco meses, até fins de maio. E que, a casa em questão, para além de local de trabalho, era "morada de família da Ana", morando na habitação "A Ana, o filho e a minha sogra" (minuto 9 da gravação áudio do seu depoimento). Ora, esta afirmação final da testemunha CR, que desmente e contradiz as testemunhas EA__ e SS__, é também relevante, quando somado ao afirmado pelas demais testemunhas de defesa, quanto àquilo que era a casa da arguida.
 A decisão recorrida entendeu que o imóvel era um prostíbulo, não sendo casa de morada de família da arguida, pelo menos durante o período em que durou a actividade, tal como enquadrada na acusação e se deu como provada pelo acórdão ora recorrido.
Mas, como sustenta a recorrente, «Se pegarmos no primeiro dos factos dado como provados, teríamos que "em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016 e até final de Julho de 2018", seria este o período de funcionamento do prostíbulo. E como tal, em que o Tribunal e douto acórdão não consideram como verosímil que a habitação pudesse ser casa de morada de família da arguida. A questão é tão mais relevante, pelo facto de as testemunhas ouvidas e arroladas pela defesa, terem sido peremptórias na afirmação que se tratava de casa de morada de família da arguida. E que, a casa tinha apenas um quarto, onde a arguida dormia com o seu filho, trabalhando-se apenas na sala, onde estava um tatami e a marquesa. E sobre as demais testemunhas, onde estavam a mãe da arguida, uma amiga de casa e de longa data e outros amigos, com os quais para além de relação profissional tem também relação pessoal. Num total de seis testemunhas. Naturalmente que não é a quantidade que faz a prova e valora a prova. Mas daí à conclusão que o Tribunal tirou e o reparo que fez... Veja-se, a respeito das demais testemunhas de defesa o Tribunal a quo, considerou que as mesmas "não revelaram, porém, conhecimento directo sobre os factos em apreço (...)".E, "No que respeita a terem-se deslocado à fracção, referindo ser a casa da arguida e seu filho, dir-se-á que, atento o carácter episódico de tais visitas, e tendo a actividade da arguida, cessado em meados de 2018, é de admitir que tenham ocorrido em período não coincidente com o desenvolvimento de tal actividade."(acórdão recorrido, página 18, primeiro parágrafo). Ou seja, o douto acórdão recorrido, entende como de "experiência comum e lógica do homem médio" que durante um período de dois anos, nenhuma das testemunhas arroladas tivesse ido a casa da arguida. Se a actividade criminosa, chamemos-lhe assim se desenvolveu algures a partir de 2016 até Julho de 2018, de acordo com o primeiro dos factos provados, teria que durante este período, na convicção do Tribunal, nenhuma das testemunhas ali se ter deslocado. Ora, era possível ter esta convicção face ao depoimento das mesmas? Não! desde logo, diga-se que a testemunha EA__, afirmou ter passado o Natal do Ano de 2017 em casa da arguida, afirmação essa que consta do seu depoimento ao minuto 18. Há que convir, por regras de experiência comum, que o Natal é uma época passada em família, e que se passa em casa. Desde logo por aqui, se poderia concluir efectivamente o suposto prostíbulo ser de facto a casa de morada da arguida. Seguidamente, a testemunha CR, conforme se referiu supra, e que era também cunhada da arguida, afirmou ter trabalhado com esta entre Janeiro a Maio de 2017, e que era a casa de morada de família. Posteriormente, a Mãe da arguida, MCC, afirmou que a filha mora no imóvel desde há "três anos" (gravação de 2019/11/27 às 11h59m30s, com o respectivo registo ao minuto nove do depoimento). E que, quando está em Portugal, onde vem três a quatro vezes por ano, permanece na casa da arguida, ficando por períodos de um mês ou mais, como resulta da gravação atrás mencionada. A testemunha CS, que prestou o seu depoimento na mesma data de 2019/11/27 com registo da gravação das suas declarações às 10h14m21s afirmou que na casa para além da mãe e filho da arguida `às vezes via a tia". E perguntado expressamente se todos os anos ia a casa da arguida afirmou que sim. Perguntado expressamente se foi à casa em 2018 a resposta foi: - “Também lá fui!" Se foi à casa em 2017 a resposta foi:”Também lá fui!" Ou seja, mesmo que se admitisse, por hipótese de raciocínio que as demais testemunhas arroladas, FN , PA e LA, não tinham ido ao imóvel entre 2016 e Julho de 2018, face aos depoimentos acima referidos e que claramente suportavam idas à casa no referido período, não havia como o acórdão ora recorrido poder concluir que as mesmas tivessem “ocorrido em período não coincidente com o desenvolvimento de tal actividade." Mais, se supostamente a casa era um prostíbulo, a ida das pessoas/testemunhas arroladas teria que as fazer ter `conhecimento directo sobre os factos em apreço", não podendo conduzir a que o Tribunal a quo afirmasse exactamente o contrário. Pelo que, resulta claro que existiu uma errónea valoração da prova produzida, mormente no caso concreto na prova testemunhal».
A versão dos factos narrada na acusação não encontra, pois, suporte nas provas que foram produzidas em audiência e por mais “circunstanciado” e “sem hesitações” que tenham sido os depoimentos prestados, não permitem formular, dada a notoriedade da existência de erro na apreciação da prova, a conclusão que foi alcançada pelo tribunal recorrido, com base numa mais que diminuta exigência quanto ao standard de prova necessário para uma condenação penal, quanto à ocorrência dos factos e à sua autoria pela arguida.
Termos em que se impõe dar como não provados os factos impugnados, mesmo com a correcção efectuada e, em face desta alteração da matéria de facto, não se pode deixar de considerar procedente o recurso interposto pela arguida e de absolver esta da prática do crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual tinha sido condenada na 1.ª instância, sendo também, e em consequência, absolvida do pagamento ao Estado da quantia de € 12.780,00 (doze mil, setecentos e oitenta euros).
Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões subsidiariamente colocadas pela recorrente.

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6. – Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, decidindo absolver a arguida A. do crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual tinha sido condenada na 1.ª instância, sendo também, e em consequência, absolvida do pagamento ao Estado da quantia de € 12.780,00 (doze mil, setecentos e oitenta euros).
Sem custas.

Lisboa, 23 de Junho de 2020
Cid Geraldo
Ana Sebastião