Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
138557/14.0YIPRT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Em regra, não sendo admissível reconvenção na ação especial declarativa em que se tenha convolado injunção, o réu não pode invocar a compensação do crédito nela reclamado com contracrédito que não esteja já reconhecido.
II. Porém, tendo o tribunal a quo concedido à autora a possibilidade de responder, em articulado próprio, à arguição da compensação e, apesar de na resposta a autora ter mencionado, sucintamente embora, a inadmissibilidade de reconvenção nesta espécie processual, o tribunal a quo permitiu que a discussão se alargasse à matéria da compensação, sem reação de qualquer das partes, não deve a Relação, em sede de apelação, excluir a compensação de créditos do objeto do processo, enquanto exceção.
III. A consagração convencional da carta registada com aviso de receção como meio de resolução de contrato de assistência técnica não obsta a que as partes deem o contrato como eficazmente resolvido mediante mera comunicação via e-mail, sem prejuízo de discussão acerca dos danos alegadamente resultantes da invocada falta de fundamento da resolução.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO:



Em 04.9.2014 L, S.A. apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra T, Lda, pedindo que a requerida fosse notificada para lhe pagar a quantia de € 16 365,45, sendo € 13 861,60 a título de capital, € 2 350,85 a título de juros e € 153,00 a título de taxa de justiça.

Para o efeito a requerente alegou que no exercício da sua atividade comercial havia fornecido à requerida diversa mercadoria eletrónica, no âmbito de contrato celebrado em 09.12.2011, daí resultando o valor em dívida, conforme as faturas cujo teor indicou, cujo pagamento a requerente reclamou da requerida, tendo a requerida procedido ao pagamento parcial de € 11 822,81, permanecendo por pagar o montante de € 13 861,60, acrescido de juros de mora e de taxa de justiça.

Citada, a requerida deduziu oposição, na qual alegou que as partes haviam celebrado entre si um contrato de assistência técnica e um contrato comercial, tendo a requerente efetivamente fornecido mercadorias à requerida no âmbito do contrato comercial. Porém, acrescentou a requerida, se é certo que a requerente tinha um crédito sobre a requerida, embora num valor abaixo do que reclamava, também a requerida tinha e tem um crédito sobre a requerente, emergente de publicidade feita pela requerida à marca da requerente e também de contribuições à segurança social que a requerida teve de pagar em virtude da cessação dos contratos de dois trabalhadores a que a requerida se viu forçada por causa da cessação abusiva, operada pela requerente, do contrato de assistência técnica. Assim, afirmou a requerida, é titular de um crédito de € 18 600,00 sobre a requerente, cuja compensação com o crédito da requerente a requerida propôs quando foi por esta interpelada para pagar, a que a requerente não anuiu.

A requerida terminou concluindo que a injunção se mostrava falsa, abusiva e destituída de fundamento, pelo que não deveria ter prosseguimento.

Os autos foram convolados para ação declarativa especial para cumprimento de obrigação nos termos do Dec.-Lei n.º 269/98, tendo sido distribuídos à Comarca de Lisboa Oeste, Instância Local de Oeiras, Secção Cível, J4.

Em 14.11.2014 foi proferido o seguinte despacho: “Por economia processual, notifique a oposição à A. – para, querendo, se pronunciar, em dez dias, quanto à excepção de “compensação” (CPC 3º/3).

A A. respondeu, afirmando que fornecera mercadoria à R. no âmbito dos dois contratos e que estes haviam cessado face ao reiterado incumprimento dos mesmos por parte da R. quanto ao seu pagamento. Negou dever algo à R., que tivesse causado prejuízos à R., que a R. tivesse invocado extrajudicialmente a compensação de créditos e alegou que “nos presentes autos não é admissível a reconvenção tal como prevista nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 274.º do CPC, daí que fique prejudicada a invocação da compensação como forma de diminuir o valor em dívida reclamado pela autora” (art.º 15.º da resposta). Terminou pugnando pela improcedência da “excepção da compensação, por não provada, na medida em que a ré nenhum crédito detém sobre a autora, concluindo-se em tudo o mais como no requerimento inicial.”

Dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se saneador tabelar, relegando-se para a sentença, por carecer de prova, a “apreciação da excepção de “compensação”” (sic) e enunciando-se os temas da prova.

Em 09.02.2015 realizou-se audiência final e em 13.02.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente, tendo-se condenado a R. a pagar à A. a quantia de dezasseis mil duzentos e doze euros e quarenta e cinco cêntimos - acrescida de juros de mora, à taxa supletiva comercial, sobre 13.861,60€ desde 05.9.13 até integral pagamento.

A R. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

1. Salvo o devido e muito respeito, a douta Sentença recorrida procedeu a uma apreciação errada relativamente à matéria de facto, na medida em que considerou que a aqui recorrente não impugnou as faturas apresentadas pela recorrida, o que não se mostra de acordo com o exposto em sede de oposição - nomeadamente quanto ao ponto VI dessa peça – e ainda quanto à prova testemunhal e documental produzida, o que acabou por ser determinante para a condenação que se impugna.
2. A parte recorrida apenas juntou as faturas que sustentam o seu alegado crédito um dia após a douta Sentença ter sido carregada na plataforma CITIUS, de onde decorre que o Tribunal a quo não observou o disposto no Artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que deu por certa a existência das faturas em questão – genericamente impugnadas pela ora recorrente em sede de oposição – e acabou por se estribar nas mesmas para obter a decisão em crise.
3. Ao ignorar a impugnação da recorrente e considerar a relação documental subjacente ao crédito da recorrida, a douta Sentença de que aqui se apela deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado e conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento, pelo que, ao abrigo do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea d), a douta Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade.
4. O Tribunal a quo reconheceu que a parte recorrida não resolveu validamente o contrato de assistência técnica que obrigava ambas as partes, não retirando de tal facto, porém, todas as devidas consequências – nomeadamente no que respeita ao direito da aqui recorrente a ver ressarcidos os prejuízos que continua a suportar por conta do modo de agir abusivo da recorrida.
5. A douta Sentença recorrida considerou que a recorrente não alegou de forma expressa a exceção de não cumprimento, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à verdade dos factos considerada a oposição tempestivamente apresentada, a prova testemunhal produzida e ainda a prova documental junta aos autos – de onde decorre que outra decisão teria necessariamente de ser alcançada.
6. O Tribunal a quo deu como não provados dois factos (11 e 12) que se encontram, salvo melhor entendimento, amplamente provados quer na prova documental submetida, quer na prova testemunhal produzida, e que demonstram que a aqui recorrente sofreu danos e prejuízos por conta da forma como a recorrida resolveu abusivamente o contrato celebrado, uma vez que a recorrente foi forçada a dispensar funcionários que contratara expressamente para fazer face ao contrato entre as partes celebrado – encontrando-se, ainda hoje, a suportar pagamentos prestacionais à Segurança Social.
7. Decorre do exposto que, sem prejuízo de um melhor entendimento, a douta Sentença andou mal ao não considerar a existência de um crédito da recorrente sobre a recorrida - ainda que, apenas a título de indemnização pela resolução abusiva do contrato que ligava as partes -, pelo que deveria ter operado uma compensação no crédito a que condenou a recorrente.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse declarada nula ou, quando assim não se entendesse, a mesma fosse alterada de forma a ser considerada a compensação de créditos existente.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO:

As questões que se suscitam neste recurso, tal como emergem das conclusões (que definem o seu objeto, ressalvadas as que forem de conhecimento oficioso – art.º 635.º n.º 4 do CPC) são as seguintes: nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; crédito reclamado pela A.; crédito invocado pela R. e sua compensação com o crédito da A..

Primeira questão (nulidade da sentença):

A apelante alega que a sentença padece da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ou seja, omitiu-se pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada e conheceu-se de questão de que não se podia tomar conhecimento.

Essa norma compagina-se com aqueloutra contida no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que comina ao juiz o encargo de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e impõe-lhe “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Tem-se aqui em vista, quanto à obrigação de pronúncia, os pedidos deduzidos, as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de conhecimento oficioso que coubessem ao caso (vide José Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 334).

E, quanto à proibição de pronúncia, figura-se o conhecimento de causas de pedir não invocadas e exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (José Lebre de Freitas, obra citada, páginas 334 e 335).

Ora, aquilo que a apelante entende que carecia de apreciação e não o foi, ou seja, a alegada impugnação das faturas que suportariam o crédito da A. (vide conclusões 1 e 3 da apelação) não constitui “questão” a conhecer, nos termos e com as consequências supra expostos, mas atém-se às operações de apreciação da prova e da fixação da matéria de facto, prévias à prolação do juízo de mérito sobre o sucesso da ação ou da defesa e cuja censura caberá em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto. Igual juízo se aplica à alegadamente indevida apreciação das faturas (vide conclusões 1 e 2 da apelação), na fixação dos factos provados.

Conclui-se, assim, que não se verificam as nulidades imputadas.

Segunda questão (impugnação da matéria de facto):

O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto:

1. Em 1 de janeiro de 2010 A. e R. assinaram o “Contrato de Assistência Técnica” junto a fls 30v a 32v e 45 a 53 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) Cláusula 19ª
(…) 2 A resolução do contrato estipulada no número anterior torna-se eficaz mediante notificação da outra parte, por carta registada com aviso de recepção que contenha a indicação do motivo que causou a resolução do contrato. (…).
2. Em 6 de fevereiro de 2011 A. e R. assinaram as “Condições Gerais de Fornecimento” juntas a fls 54 a 67 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) Cláusula Décima Terceira
(…) 7. (…) a LGE poderá a todo o tempo e com a apresentação de uma notificação por escrito com um mês de antecedência, colocar termo ao presente contrato sem necessidade de apresentação de qualquer tipo de justificação ou pagamento seja a que título for (…).
8. (…) à LGE assistirá o direito de (…) colocar termo ao presente contrato, através de uma notificação por escrito, sempre que: (…) d) O Cliente cair no incumprimento de alguma das suas obrigações contratualmente previstas; (…).
3. Entre 8.3.2012 e 13.7.2012 a A. vendeu à R. “mercadoria electrónica” no valor total de 25 684,41 € - tendo a R. pago 11 822,81 €.
4. Em 9.5.2012 a A. enviou à R. a “mensagem” junta a fls 68 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
5. Em 15.5.2012 a R. enviou à A. a “mensagem” junta a fls 69 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
6. A. e R. acordaram na fixação de diverso material de publicidade à marca da A. – e a A. nunca pagou à R. qualquer valor a título de “publicidade”.
7. Para fazer face ao contrato 1, a R. contratou mais dois trabalhadores, e adquiriu viaturas.
8. A R. encontra-se a fazer pagamentos mensais, de 1 178,01 €, à Segurança Social (fls 75 a 78).

O tribunal a quo considerou expressamente os seguintes
FACTOS NÃO PROVADOS:

9. Sem motivo ou justificação para tal, a A. deu por terminados os dois contratos.
10. A. e R. acordaram que a A. pagaria uma quantia à R. pela publicidade.
11. Após 4, a R. cessou os contratos de trabalho que mantinha com os trabalhadores referidos em 7.
12. Consequentemente, a R. teve que pagar à Segurança Social todas as contribuições ao abrigo dos incentivos à contratação.

O Direito:

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A apelante questiona o dado como provado sob o n.º 3 e entende que deveria ter-se dado como provado o assim não considerado sob os n.ºs 11 e 12.

Para tal estriba-se no teor da oposição, no depoimento da testemunha NG... e nos documentos juntos aos autos.

Vejamos.

No n.º 3 dá-se como provado que a A. forneceu à R. mercadorias no valor aí referido, tendo a R. pago o montante aí constante.

Ora, tal asserção mostra-se confirmada pelo depoimento da testemunha C..., trabalhador da A. responsável pela área do controlo de crédito, que acompanhou o seu depoimento da análise das faturas a que a A. fez referência na petição inicial, faturas que a R. não impugnou na sua oposição, não impugnação essa que o seu mandatário reiterou no início da audiência final, aquando do início do depoimento da aludida testemunha, isto apesar de as faturas não constarem nos autos. A referida testemunha acrescentou ainda que a entrega das mercadorias estava confirmada pelas respetivas guias de transporte, com entrega no “domicílio” da R.. Ora, a R. não produziu qualquer prova que contrariasse o aludido fornecimento de mercadorias. Assim, o facto de as faturas não se encontrarem nos autos à data da prolação da sentença (e, juntas posteriormente, foram rejeitadas, por serem extemporâneas – cfr. despacho de fls 111) em nada obsta a tal juízo de facto, que se mantém.

No que concerne aos factos dados como não provados sob os n.ºs 11 e 12,também não vemos razões para dissentir do tribunal a quo.

Os documentos emanados da segurança social (fls 75 a 78) não identificam as causas das dívidas contributivas aí mencionadas, em termos de as mesmas poderem ser imputadas à rutura contratual operada pela A., e a única testemunha da R. (Nuno), ouvida na audiência, admitiu não ter conhecimento pessoal dessa matéria, na medida em que entrou ao serviço da R. em abril de 2013, ou seja, cerca de um ano após a aludida cessação da relação comercial entre a A. e a R..

Mantém-se, assim, a matéria de facto fixada.

Terceira questão (crédito reclamado pela A.)

Ficou provado que a A., entre 08.3.2012 e 13.7.2012 vendeu à R. mercadoria no valor total de € 25 684,41, tendo esta pago apenas € 11 822,81.

Ora, do contrato de compra e venda emerge para o comprador a obrigação de pagar o respetivo preço (artigos 874.º e 879.º alínea c) do Código Civil, diploma a que nos referiremos caso nada seja dito em contrário), cabendo ao comprador provar que procedeu ao seu cumprimento (art.º 342.º n.º 2).

Assim, a A. é titular do crédito de € 13 861,60, mais juros moratórios, sem prejuízo da análise da compensação de créditos invocada pela R..

Quarta questão (crédito invocado pela R. e sua compensação com o crédito da A.)

Na oposição a R., embora tenha reconhecido que a A. lhe fornecera mercadorias e tinha um crédito sobre ela, alegou ser também titular de um crédito sobre a A., de montante superior ao reclamado pela A., que pretende ver compensado com o da A..

Vejamos.

A compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo-se a existência de um crédito opõe-se um contracrédito que libera o devedor na sua exata medida (art.º 847.º).

A compensação depende da verificação dos seguintes requisitos: a) reciprocidade dos créditos; b) que o crédito seja exigível judicialmente (e não proceda contra ele exceção perentória ou dilatória de direito material); c) que as duas obrigações tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade.

Conforme expende Vaz Serra (“Compensação”, estudo publicado em 1952 como separata do n.º 31 do Boletim do Ministério da Justiça, páginas 5 e 6), “a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.”

A compensação opera mediante manifestação de vontade (art.º 848.º, n.º 1) e os seus efeitos, feita a declaração de compensação, produzem-se retroativamente, considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art.º 854.º).

O Código Civil de 1867 não admitia a compensação de dívidas ilíquidas (art.º 765.º n.º 1). A compensação de dívidas ilíquidas tinha de ser antecedida de uma intervenção judicial (a chamada compensação judiciária): por via de reconvenção o crédito era liquidado e só depois dessa liquidação se produzia a compensação (cfr., v.g., Castro Mendes, Direito Processual Civil, II volume, AAFDL, 1978/1979, páginas 297 a 300).

O Código Civil de 1966 inverteu tal doutrina, passando a admitir a compensação de dívidas ilíquidas (art.º 847.º, n.º 3).

Segundo Vaz Serra, “embora a liquidação seja demorada, a verdade é que o credor não deve ser prejudicado com esse facto, quando, se o montante do crédito estivesse determinado, poderia socorrer-se das vantagens que a compensação lhe assegurava”. E acrescenta: “Mal se compreende que um credor, porque o seu crédito é líquido, possa prevalecer-se dessas vantagens, dispensando-se, por exemplo, de pagar ao seu credor insolvente o que lhe deve, e que outro credor, só porque teve a infelicidade de o seu crédito não estar liquidado, não possa aproveitar-se de idênticas vantagens” (“Compensação”, separata do n.º 31 do Boletim do Ministério da Justiça, 1952, pág. 65).

A declaração de compensação é uma declaração recetícia (art.º 224.º), que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicialmente. No primeiro caso, pode ser efetuada por meio de notificação judicial avulsa ou por via de ação judicial, seja através da petição inicial, seja através da contestação.

À luz do CPC de 1961 entendia-se, maioritariamente, que a compensação constituía uma exceção perentória, conducente à absolvição do pedido, que só teria de ser deduzida em reconvenção quando o contracrédito excedesse o crédito a compensar, formulando-se então o pedido de condenação na parte excedente (artigos 487.º n.º 2, 493.º n.º 3, 274.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil de 1961; v.g., STJ, 02.7.1974, BMJ 239, pág. 120; STJ, 24.5.2006, internet, dgsi-itij, processo nº 05S369; para uma análise sintética desta controvérsia, cfr., v.g., Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, Almedina, páginas 1106 a 1109; Lebre de Freitas, “A acção declarativa comum, À Luz do Código Revisto”, Wolters Kluver – Coimbra Editora, 2010, reimpressão, páginas 108 a 113).

No atual CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6) optou-se por, inovatoriamente, alocar à compensação a forma processual da reconvenção: nos termos do art.º 266.º n.º 2, alínea c), a reconvenção é admissível “quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

Poderá dizer-se que o legislador interveio assim na polémica anterior, optando pela consagração da posição minoritária, que era sensível às particularidades da compensação, enquanto meio de invocação de uma relação jurídica ou de um crédito, distinto do que constituía o objeto inicial da ação, pelo que mais adequadamente processável nos quadros da reconvenção (vide Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, páginas 183 a 187). Além disso, harmoniza-se a obtenção da compensação, cujo contracrédito ainda careça de ser reconhecido, com o novo figurino do processo comum de declaração, que só admite réplica nos casos de reconvenção (art.º 584.º do CPC) - bem como nas ações de simples apreciação negativa – considerando-se que o momento previsto no art.º 3.º n.º 4 do CPC não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza (estes os termos em que Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro analisam preferencialmente a questão, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, volume I, 2014, 2.ª edição, Almedina, com a aquiescência, aparentemente, de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, páginas 519 a 522).

Mas, se assim é, põe-se o problema da admissibilidade da arguição da compensação de créditos não reconhecidos em ações em que não seja possível a reconvenção.

A presente ação iniciou-se como requerimento de injunção, estando sujeita ao Regime Jurídico dos Procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos e injunção, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9, com as alterações publicitadas.

No caso de o requerido deduzir oposição ou no caso de não ter sido possível notificá-lo e de o requerente ter solicitado que, nessa situação, o processo vá à distribuição (alínea j) do n.º 2 do art.º 10.º e art.º 16.º n.º 1 do Regime Jurídico da Injunção), o processo é remetido à distribuição a fim de ser atribuído a tribunal que seja competente para julgar a ação declarativa que lhe suceder. Esta será a ação declarativa especial prevista nos artigos 1.º e seguintes do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98 – cfr. art.º 17.º n.º 1 do Regime da Injunção – ou ação declarativa comum, no caso de injunção que tenha por fundamento transação comercial de valor superior a metade da alçada da Relação, se estiver em causa contrato celebrado após 30.6.2013 -art.º 10.º n.º 4 do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5, diploma que revogou o Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17.02 e é aplicável a contratos celebrados após a sua entrada em vigor – artigos 14.º e 15.º do Dec.-Lei n.º 62/2013, sendo certo que se se tratar de dívidas emergentes de transações comerciais nascidas de relações contratuais anteriores a 01.7.2013, como é o caso destes autos, seguir-se-á a referida ação declarativa especial se o valor em dívida for inferior à alçada da Relação (art.º 7.º n.º 4 do Dec.-Lei n.º 32/2003, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7).

Ora, a referida ação especial apenas admite dois articulados (petição e contestação – art.º 1.º do Regime da Injunção), pelo que nela não é admissível a reconvenção.

E, não sendo nela admissível a reconvenção, não será admissível a invocação de compensação do crédito nela reclamado com contracrédito que não esteja já reconhecido (neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 12.5.2015, processo n.º 143043/14.5YIPRT.P1, na internet, dgsi.pt).

Porém, a verdade é que no caso destes autos o tribunal a quo concedeu à autora a possibilidade de responder, em articulado próprio, à arguição da compensação. E, apesar de na resposta a A. ter suscitado, muito sucintamente embora (veja-se a transcrição da resposta constante no Relatório supra), a inadmissibilidade de reconvenção nesta espécie processual, o tribunal a quo veio a permitir que a discussão se alargasse à matéria da compensação, sem reação de qualquer das partes.

Porventura terá o tribunal a quo considerado, à semelhança da doutrina vertida no acórdão da Relação do Porto, de 23.02.2015, processo n.º 95961/13.8YIPRT.P1, que nas ações em que não é admissível reconvenção, como as ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.9, não deve ser coartado um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma exceção perentória.

Ora, se assim é, e não tendo as partes impugnado tal entendimento, antes tendo, em virtude da adequação ou gestão processual efetuada pelo tribunal a quo (art.º 547.º do CPC), discutido amplamente a matéria da compensação, não vê esta Relação fundamento para agora a excluir do objeto do processo, enquanto exceção.

Haverá, pois, que averiguar se procedem os fundamentos da alegada compensação.

Em abono da sua tese a R. alegou, na contestação, que entre ela e a A. haviam sido celebrados dois contratos: um contrato dito “comercial” e um contrato de assistência técnica. A A. teria fornecido mercadorias à R. à luz do contrato “comercial”, não do de assistência técnica. Porém a A., apesar de ter um crédito sobre a R. no que respeita ao contrato comercial, pôs termo não só a este mas também ao contrato de assistência técnica, dando assim por finda, de forma unilateral e abusiva, a totalidade da relação comercial existente entre as partes. Ora, acrescenta a R., esta tem sobre a A. um crédito, emergente do contrato de assistência técnica: pagamentos referentes à publicidade à marca da A., proporcionada pela R., e pagamentos à segurança social, de contribuições ao abrigo dos incentivos à contratação laboral, que a R. teve de suportar em virtude de ter tido de dispensar trabalhadores que contratara para fazer face ao dito contrato de assistência técnica.

Efetuado o julgamento, não se provou que os fornecimentos em causa respeitavam apenas ao contrato “comercial”. Respeitavam aos dois contratos, como se deu conta na sentença.

Ora, nos termos da cláusula 19.ª do contrato de assistência técnica, o mesmo poderia ser resolvido imediatamente por qualquer das partes, com fundamento na ocorrência, nomeadamente, de “incumprimento de qualquer das obrigações estipuladas no presente contrato” (alínea a) do n.º 1). Nos termos do n.º 2 da mesma cláusula, “A resolução do contrato estipulada no número anterior torna-se eficaz mediante notificação da outra parte, por carta registada com aviso de recepção que contenha a indicação do motivo que causou a resolução do contrato.”

Constata-se que a A. operou a resolução do contrato de assistência técnica através da mensagem de e-mail referida no n.º 4 da matéria de facto. Ou seja, não foi adotada a forma (carta registada com aviso de receção) que havia sido convencionada para essa declaração. Terá sido por isso que na sentença recorrida se exarou que “é também certo que a A. não resolveu validamente, na forma estabelecida no contrato (pontos 1 e 9), o contrato de assistência técnica”, daí retirando a conclusão que o contrato, assim, se mantinha em vigor.

Vejamos.

As partes podem estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada” – n.º 1 do art.º 223.º. Trata-se de presunção ilidível, podendo até demonstrar-se que posteriormente as partes acordaram de forma diversa. Releva, aqui, a autonomia da vontade das partes. Aliás, quanto à utilização de carta registada com aviso de receção, pressupõe, em regra, o intuito de facilitar a prova da respetiva declaração e não propriamente feição constitutiva da declaração (neste sentido, vide acórdão da Relação de Lisboa, de 10.9.2015, processo 2431-10.9YXLSB.L1-8). Assim, nesta ação não foi levantada qualquer objeção quanto à forma em concreto utilizada pela A. para a resolução do contrato de assistência técnica. Ambas as partes deram esse contrato, bem como o contrato “comercial”, como findos. A controvérsia surgiu tão só acerca da existência de fundamento para a resolução do contrato de assistência técnica.

Ora, provou-se que a R. não pagou à A. parte da mercadoria que esta lhe vendera ao abrigo do contrato de assistência técnica, assim como ao abrigo do contrato “comercial”. Assim, a A. tinha fundamento para pôr termo a ambos os contratos (vide, quanto ao contrato “comercial”, o n.º 8 da cláusula 13.ª desse contrato, supra transcrito no n.º 2 da matéria de facto). Por isso, cremos, se incluiu na matéria de facto não provada a afirmação de que “Sem motivo ou justificação para tal, a A. deu por terminados os dois contratos” (n.º 9).

Ainda que assim não fora, e aqui também se discorda da sentença recorrida, a resolução seria ilícita mas não ineficaz. Na falta de específica disposição legal em contrário, a declaração de resolução teria produzido os seus efeitos de destruição da relação jurídica, embora originando a obrigação de indemnização por parte do contraente resolvente, nos termos do art.º 798.º do Código Civil (vide, v.g., acórdão do STJ, de 12.10.2010, processo 133/2002.L1.S1).

De todo o modo, como decorre do supra exposto, não se provaram os danos invocados pela R. para sustentar o contracrédito por si alegado.

De tudo o exposto decorre a improcedência da apelação.

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a sentença recorrida, embora com alterações na fundamentação.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu.


Lisboa, 12.11.2015


Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Olindo dos Santos Geraldes