Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
82/10.7TTSTB.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DE PENSÃO
CÁLCULO DA PENSÃO REVISTA
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO REVISTA
DATA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1.O incidente de revisão não dá lugar a uma nova pensão, mas apenas à alteração do montante anteriormente fixado, em consequência da revisão da incapacidade.
Assim, no cálculo da pensão revista deve usar-se a mesma fórmula usada para o cálculo da pensão inicial.
2.A alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado e a actualização da pensão têm fundamentos distintos. Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente.
3.As actualizações que incidem sobre a pensão revista devem reportar à data inicialmente fixada ou à data em que se verifiquem os requisitos para a actualização, como se ela tivesse sido fixada numa dessas datas, embora só deva ser paga a partir da data da entrada em juízo do requerimento de revisão da incapacidade.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é Sinistrado AA e entidade responsável BB, SA, por sentença datada de 15.7.2011, foi considerado que aquele se encontrava afectado de uma IPP de 0,0591 e, em consequência, foi a Seguradora condenada a pagar-lhe o capital de remição correspondente à pensão anual de €1.375,29, com efeitos a partir de 24.11.10.

Em 17.5.13 veio a Seguradora requerer a realização de exame médico de revisão, alegando agravamento das lesões de que o Sinistrado é portador.

Realizado exame médico singular, a que se seguiu exame por junta médica, foi proferido despacho, em 25.3.13, em que foi decidido o seguinte:

Por todo o exposto, altero o coeficiente de incapacidade de que padece o sinistrado AA em consequência do acidente de trabalho, de IPP de 5,91% para IPP de 20,1558% (vinte vírgula mil quinhentos e cinquenta e oito por cento) com IPATH de marinheiro e, em consequência, condeno a Seguradora a pagar ao Sinistrado:
a)uma pensão anual e vitalícia de € 17.894,31 (dezassete mil, oitocentos e noventa e quatro euros e trinta e um cêntimos), devida desde 17/05/2013, actualizada para €17.965,88 (dezassete mil novecentos e sessenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2014, pagável no domicílio do Sinistrado, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Maio e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título de, respectivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal;
b)um subsídio por elevada incapacidade, de prestação única, no valor de €4.208,20 (quatro mil duzentos e oito euros e vinte cêntimos);
c)juros de mora, calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações referidas em a) e desde 17/05/2013 quanto ao subsídio referido em b).
Registe e notifique.

Inconformada, interpôs a Seguradora recurso para esta Relação, no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES:

1–No âmbito do incidente de revisão de incapacidade, foi atribuída ao recorrido uma IPP de 20,1558% com IPATH, por agravamento das lesões.
2–Considerando o agravamento da incapacidade, o Mm.º Juiz a quo alterou o montante da pensão anual para 17.961,96€ com efeitos a partir de 17/05/2013, deduzindo a pensão anteriormente fixada e já remida de 1.375,29€.
3–Entendeu ainda o Tribunal a quo que a aludida pensão deverá ser atualizável desde o momento da sua fixação inicial, nos termos das Portarias n.ºs 115/2011 (1,2%), 122/2012 (3,6%), 338/2013 (2,9%) e 378-C/2013 (0,4%), pelo que o atual valor da pensão é de 17.965,88€.
4–Porém, a recorrente discorda deste entendimento, no tocante à data de efeito das atualizações determinadas, por não ser consentâneo com a prática seguida pelos Tribunais nesta matéria e por ser desconforme ao regime legal aplicável previsto no D.L. 668/75 de 24/11 nas sucessivas redações e do art.º 6º do D.L. 142/99 de 30/04.
5–Advindo a pensão dos presentes autos de uma incapacidade permanente de 5,91%, não era a mesma suscetível de atualização, tendo aliás sido remida.
6–Por força da remição obrigatória a pensão inicialmente devida extinguiu-se, renascendo em virtude da revisão da incapacidade e porque esta pensão revista integra os pressupostos legais para efeitos de atualização, a mesma será atualizável tendo em consideração o coeficiente estabelecido para a futura atualização a que houver lugar após 17/05/2013; doutra forma estaríamos a pôr em causa os efeitos jurídicos da extinção da pensão que ocorreu com a remição inicial.
7–A situação pretendida pelo Tribunal a quo teria sentido nos casos em que a pensão anterior ao incidente de revisão já era atualizável e aqui sim, a pensão ora revista que se mantivesse dentro dos pressupostos legais para efeitos de atualização, deveria ter em conta os coeficientes anteriormente aplicáveis desde o seu início.
8–Assim, pelas invocadas e justificadas razões, a douta decisão recorrida não fez a melhor interpretação e aplicação do D.L. 668/75 de 24/11 e do art.º 6º do D.L. 142/99 de 30/04.
Termos em que se requer seja revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que condene a recorrente a pagar ao recorrido a pensão anual e vitalícia de 16.586,67€, atualizável nos termos legais, e com efeitos a partir de 17/05/2013, tendo em consideração os coeficientes estabelecidos para as futuras atualizações a que houver lugar após aquela data. Com isso farão V. Ex.ªs como é habitual apanágio A MAIS SÃ JUSTIÇA.

Contra-alegou o MP pugnando pela manutenção do julgado.

Subidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão a decidir é a de saber se a actualização da pensão devida ao sinistrado, revista em 2013, deve reportar-se à data da fixação inicial da pensão – 24.11.2010 - ou à data da entrada do requerimento de revisão da incapacidade – 17.5.13.

II–FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos e ocorrências processuais relevantes para a decisão são os que constam do precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.

III–APRECIAÇÃO.

A revisão da pensão, prevista no art. 25 da Lei 100/97, de 13.9 (que é a aplicável, uma vez que o acidente ocorreu em 9.1.09) é processada nos termos do art. 145 e sgs. do CPT, ou seja, em incidente processual próprio, iniciado através de requerimento a pedir a revisão da incapacidade com fundamento na modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação.

E se do(s) exame(s) médico(s) resultar alteração na capacidade de ganho do sinistrado, o juiz decide por despacho, aumentando ou reduzindo a pensão, conforme o caso.

No incidente de revisão em apreço, uma vez avaliada a situação clínica do sinistrado, a Srª Juiz considerou-o afectado com uma IPP de 20,1558% com IPATH e aumentou-lhe a pensão anual para o montante de €17.961,96.

Porém, considerando que a pensão inicial fora já objecto de remição, considerou que é apenas devida ao Sinistrado a diferença entre o montante da pensão revista e o valor da pensão remida, fixando esse valor em €16.586,67, com início em 17.5.2013.

Mais considerou que sobre este valor devem recair actualizações desde o momento da sua fixação inicial, nos termos das Portarias nºs 115/2011 (1,2%), 122/2012 (3,6%), 338/2013 (2,9%), 378 –C/2013 (0,4%), fixando o valor da pensão actualizada em €17.965,88.

A discordância da Apelante prende-se com a data inicial da actualização da pensão revista que pretende ser, ao invés do decidido, a da entrada do requerimento da revisão da incapacidade.

O regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional – foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via do DL 668/75, de 24.11 motivado pela “desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida”, como se lê no seu preâmbulo.

Essa actualização estava condicionada a determinados critérios legais – valor anual da retribuição que, sendo indexado ao valor da retribuição mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exercesse a sua actividade e para o território onde a exercesse, não poderia ser superior àquela remuneração mínima mensal e o grau de incapacidade permanente, necessariamente igual ou superior a 30%.

Com a entrada em vigor da Lei 100/97, de 13.9, as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização apenas para os casos de incapacidade permanente (fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse absoluta para o trabalho habitual), ou por morte – art. 39, nº2 -, mas agora nos termos em que o forem as pensões do regime geral de segurança social, como dispõe o art. 6º do DL 142/99, de 30.4.

Entretanto, a Lei 99/2009, de 4.9 – que regula o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – veio revogar a Lei 100/97 e o respectivo regulamento (DL 143/99), mas não afectou o DL 142/99, de 30.4, que não foi revogado (expressa ou tacitamente), nem tão pouco alterado para se adequar ao novo regime de pensões actualizáveis, pelo que é este diploma que continua a reger as actualizações das pensões devidas por acidentes de trabalho.

É pois com base no regime previsto no art. 6º do DL 142/99 que deve ser actualizada a pensão revista de €16.586,67, correspondendo ao valor que resulta da diferença entre a pensão fixada, em consequência do incidente de revisão e a inicialmente fixada, uma vez que o sinistrado se encontra afectado com uma IPATH.

Aqui chegados importa saber se a actualização da pensão revista reporta à data do seu início  - 24.11.10 – como foi decidido no despacho sob censura e que chamou à colação o entendimento perfilhado no Ac do STJ de3.3.2010 ou antes à data da entrada do requerimento de revisão.

Antes de mais há que referir que uma coisa é a alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado e outra é a actualização da pensão. Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente.

A LAT (Lei 100/97) não nos diz como se deve proceder à actualização da pensão que foi objecto de revisão e cujo cálculo - resultante do incidente de revisão – deve obedecer ao efectuado na data da sua fixação inicial.

E, na falta de elementos, tendo em conta o princípio da unidade do sistema jurídico (art. 9º do CC), se a pensão revista deve ser calculada do mesmo modo que o foi a pensão inicial, então a sua actualização deve ser feita como se a nova pensão estivesse a ser fixada desde o início ou desde a data em que preencha os requisitos legais, não obstante essa nova pensão só ser devida desde a data da sua alteração, sob pena do montante da pensão revista poder ser inferior ao valor da pensão anterior actualizada.
No caso vertente, porém, verifica-se que o sinistrado só passou a estar afectado de uma incapacidade (IPATH) que lhe permite beneficiar de actualização da pensão, a partir do momento em que foi fixada a pensão revista, ou seja, em 17.5.2013, pelo que só a partir desta data está sujeita a actualizações.

E este entendimento não colide com o que foi seguido no Ac. do STJ de 3.3.2010 citado na decisão recorrida, já que neste a pensão inicial foi fixada com referência a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), que lhe permitia desde então beneficiar da sua actualização (neste sentido vd. ainda os Acs. RP de 7.3.05, 12.12.05 e da RL de 1.3.2016).

Tal não sucede no caso vertente, já que anteriormente o sinistrado estava afectado de uma IPP de 5,91%, inferior pois a 30%.

Assim, sobre o montante da pensão revista de €16.586,67 (correspondente à diferença entre o valor da pensão fixada em consequência da revisão da incapacidade e o valor da pensão remida) devem incidir as actualizações posteriores a 17.5.2013, procedendo o recurso.

IV–DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, pelo que se altera a decisão recorrida, determinando-se que sobre a pensão revista devem apenas incidir as actualizações devidas a partir de 17.5.2013.

Sem custas por delas estar isento o sinistrado


Lisboa, 18 de Maio de 2016


Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira