Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
108/08.4SFLSB-A.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: CONCURSO SUPERVENIENTE
CONDENAÇÃO EM PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena única não deve englobar as penas parcelares cuja execução ficou suspensa na sua execução, porquanto estas são penas de substituição e, portanto, têm diferente natureza das penas de prisão. Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível.
II-A inclusão no cúmulo de uma pena de prisão declarada suspensa só pode ocorrer se tiver havido decisão de revogação nos termos do art.ºº 56º do CPP, em que a pena substituída é afastada, retornando à pena base.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência do Tribunal da Relação de Lisboa

         *

I – relatório

            1. O arguido JG... foi condenado, por acórdão proferido nestes autos, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 2 meses de prisão.

Tal cúmulo englobou as penas parcelares aplicadas nos processos com os nºs 934/07.1PCOER, 3º Juízo Criminal de Oeiras, 594/08.2SFLSB e 640/08.0SELSB, ambos da 5ª Vara Criminal de Lisboa, 876/07.0SELSB, da 8ª Vara Criminal de Lisboa e dos presentes autos (108/08).

2. Realizada a liquidação da pena, foi proferido despacho, em 10-05-2013, que entendeu não haver lugar a cúmulo jurídico de penas, com uma outra, suspensa na sua execução.

3. Inconformado, veio o Mº Pº interpor recurso, pedindo a revogação de tal despacho e a sua substituição por outro que determine a designação de dia para a realização de cúmulo jurídico

4. O condenado não apresentou resposta.

6. O recurso foi admitido.

7. Neste tribunal, o Exº PGA apôs o seu visto.

 

II – fundamentação.

1. O despacho ora alvo de censura tem o seguinte conteúdo:

Fls. 624 a 635: Informe que, por ora, não será efectuado cúmulo jurídico de penas, uma vez que, estando suspensa a execução da pena de prisão aplicada no âmbito do Proc. n.° 349/13.8TCLSB, entende este Tribunal não estarem reunidos os pressupostos legais para sua realização - cf., neste sentido, Acs. do STJ de 02-06-2004, Proc. n.° 1391/04, 20-04-2005, Proc. n.°4742/04, e 14-03-2013, Proc. n.° 287/1 2.6TCLSB.L1 .S1, todos da 3ª Secção.

Caso seja revogada a suspensão da execução da pena, e seja este processo informado, será realizado o cúmulo jurídico, se à data este Tribunal ainda for o competente. Notifique.

 

2. Em sede conclusiva, o recorrente insurge-se quanto a tal decisão, pelas seguintes razões:

1 - O arguido JG... foi condenado nos presentes autos numa pena de 3 anos de prisão, por Acórdão proferido em 26-2-2010 e transitado em 6-4-2010, pela prática em 29-1-2008 de um crime de furto qualificado.

          2 - Posteriormente, por Acórdão cumulatório proferido em 18-2-2013 e transitado em 11-3-2013, viria a ser aplicada ao arguido uma pena única de 8 anos e 2 meses de prisão, englobando a pena anteriormente aplicada nos presentes autos e as resultantes de condenações proferidas em diversos outros processos, pela prática de crimes em relação de concurso superveniente com aquele que foi objecto dos autos.

3 - Entretanto, houve conhecimento nos autos de que o arguido fora igualmente condenado no Proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 15-11-2012 e transitado em 17-12-2012, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, pela prática de um outro crime de furto qualificado, em 8-4-2007.

4 - Porém, muito embora fosse evidente a existência de concurso superveniente entre o crime pelo qual o arguido foi condenado neste último processo e aqueles a que respeitaram as condenações englobadas no cúmulo jurídico efectuado nos presentes autos (todas elas transitadas após a prática dos factos objecto daquele processo), o douto despacho recorrido recusou realizar novo cúmulo jurídico, englobando a pena cuja aplicação ao arguido foi agora conhecida, por entender “não estarem reunidos os pressupostos legais” para o efeito, devido à suspensão da execução da pena em causa.

5 - Pese embora o teor da jurisprudência invocada no douto despacho recorrido, não pode o Ministério Público concordar com tal decisão.

6 - Entende com efeito o Ministério Público que, numa situação como aquela que está em causa nos presentes autos, nada poderá obstar a que se seja efectuado cúmulo jurídico que englobe todas as penas de prisão aplicadas ao arguido por crimes que estejam em concurso entre si, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 77º, nº 1 e 78º, nº 1, do C. Penal, ainda quando algumas dessas penas tenham tido a respectiva execução suspensa, nos termos do art. 50º do C. Penal.

7 - Tal entendimento, sufragado pela jurisprudência largamente maioritária dos Tribunais Superiores, decorre desde logo da letra das disposições legais aplicáveis à punição do concurso (de conhecimento) superveniente entre crimes, que em lado algum excluem tal possibilidade

8 - Sendo relevantes não apenas as disposições legais já citadas mas também a constante do nº 3 do art. 77º, interpretada a contrario, na medida em que da mesma decorre que a lei penal apenas julgou necessário proibir a eventual modificação da natureza das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso quando estejam em confronto penas de prisão e de multa.

9 - Não se vêem, por outro lado, quaisquer razões atendíveis, nomeadamente de índole político-criminal, para afastar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico nestes casos, com base na alegação de que uma eventual derrogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, decorrente da superveniente aplicação duma pena única de prisão efectiva, porá em causa as finalidades legalmente conferidas a tal suspensão, desde logo em termos de prevenção especial de ressocialização (por admitir uma “revogação” da mesma fora dos casos legalmente previstos).

10 - Com efeito, a realização de cúmulo jurídico, desde logo em casos de concurso superveniente, é também ela inegavelmente baseada em considerações de prevenção especial de ressocialização (para além de outras ligadas ao respeito do princípio da limitação da pena pela culpa), sendo manifesto o interesse do condenado em que todos os crimes por si praticados sejam punidos de forma unitária, com respeito pelos limites fixados no nº 1 do art. 77º do C. Penal.

11 - Devendo por isso considerar-se que o desvalor eventualmente decorrente da possibilidade de derrogação da suspensão da execução de algumas das penas de prisão aplicadas, fora dos casos previstos no art. 56º do C. Penal, por força da realização superveniente de cúmulo jurídico, será superado pelo valor inerente à própria aplicação duma pena única, para efeitos de prevenção especial de ressocialização.

12 - Só assim não sendo quando a execução da pena suspensa a cumular já não deva considerar-se em curso, por ter terminado o respectivo prazo sem que tenha ocorrido qualquer prorrogação do mesmo ou sido ainda proferida a devida decisão quanto a eventual revogação da suspensão, nos termos dos arts. 56º e 57º do C. Penal.

13 - Nestes casos, tal como tem entendido jurisprudência recente do STJ, poderá efectivamente concluir-se não se justificar, em termos de prevenção geral de ressocialização, a inclusão num cúmulo jurídico duma pena que em rigor poderá já estar cumprida (por dever vir a ser considerada extinta), sem que tal cumprimento possa vir a ser objecto de desconto na execução da pena única a aplicar ao arguido.

14 - Porém, é manifesto não ser este o caso dos autos, por a execução da pena suspensa aplicada ao arguido no Proc. nº 349/07.1 SELSB estar ainda no seu início.

15 - Deverá assim concluir-se que, salvo em casos nos quais não se inclui o dos autos, deverão as penas de prisão suspensas aplicadas pela prática de crimes em concurso superveniente ser cumuladas com as aplicadas aos demais crimes integradores desse concurso, quer tais penas sejam efectivas ou suspensas na sua execução, desde que se verifiquem os demais pressupostos legais da aplicação duma pena única.

16 - Daí que, sendo inequívoca a ocorrência de concurso (de conhecimento) superveniente entre os crimes a que respeita o cúmulo jurídico já efectuado nos presentes autos e o crime pelo qual o arguido JG... foi condenado no Proc. nº 349/07.1 SELSB, deva considerar-se ter o douto despacho recorrido violado as disposições legais aplicáveis à realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente do concurso, constantes dos arts. 77º, nºs 1 e 3 e 78º, nº 1, do C. Penal, ao recusar a realização de novo cúmulo, englobando a pena aplicada no referido processo.

3. Apreciando.

i. Como se constata pela leitura do que se deixa transcrito, a única questão aqui em debate resume-se a saber se há ou não lugar a cúmulo jurídico entre uma pena de prisão efectiva e uma pena de prisão suspensa na sua execução.

          A Mª Juiz “a quo” entendeu que a resposta a tal questão será negativa e o recorrente Mº Pº defende que deverá ser afirmativa.

Esclareçamos ainda que, apesar de no despacho ora alvo de recurso se fazer referência à pena proferida no Proc. n.° 349/13.8TCLSB e no recurso se mencionar que se trata do proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa que, por sentença proferida em 15-11-2012 e transitado em 17-12-2012, condenou o arguido numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, pela prática de um outro crime de furto qualificado, em 8-4-2007, o que se constata pela leitura da certidão que constitui este apenso, nomeadamente fls. 32 a 51, é que se trata, efectivamente, do proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa, em que o arguido foi condenado numa pena de 24 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período de tempo, por factos praticados em 8 de Abril de 2007, sendo a sentença datada de 15 de Novembro de 2012 e tendo transitado em julgado em 17 de Dezembro de 2012.

ii.  Prosseguindo.

A questão da cumulação jurídica entre estes dois tipos de penas tem vindo a ser suscitada há já longas décadas e a resposta, em termos jurisprudenciais e doutrinais, está longe de ser unânime; isto é, sempre existiram duas escolas de pensamento, defendendo cada uma das soluções acima apontadas e aqui em debate, independentemente de, ao longo dos tempos, em termos estatísticos, a adesão a cada tese ter maior ou menor número de “apoiantes”.

iii.  Para quem defende a possibilidade de cúmulo jurídico, assenta tal consideração, essencialmente, no entendimento de que “o princípio da pena conjunta, com imposição de uma pena única a cumprir, não se compadece com avaliações parcelares dos factos e da personalidade do agente. A exclusão das penas suspensas do concurso invalidaria a visão conjunta que a lei considera determinante para a imposição de uma pena única. Só a avaliação global dos factos e da personalidade do agente, nela incluindo todas as condenações, sejam as penas efectivas ou suspensas, permitirá ao tribunal pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta, podendo então decidir-se eventualmente pela suspensão dessa pena, caso se verifiquem os condicionalismos legais.”; “ Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do CP numa fórmula que suporta tais patologias. Assim, entende-se que as penas objecto de suspensão devem ser incluídas no cúmulo a efectuar. IV - A pena de prisão cuja execução foi suspensa, e incluída no cúmulo, não inscreve uma situação paralela à da revogação da suspensão. Bem pelo contrário, o que está aqui em causa é a visão global dos crimes cometidos em concurso em relação aos quais a questão da pena de substituição não pode ser equacionada parcelarmente, mas apenas em relação à pena conjunta. Não existe, assim, fundamento ao apelo à revogação da suspensão que inexiste, mas sim o respeito pelas normas de formulação de cúmulo.” – vide Ac. procs. 153/10.0PBVCT.S1, 3ª secção, STJ, 21-03-2013, 153/09.2PHSNT.S1, 3ª secção, STJ, 21-11-2012, entre outros.

 

iv. Daqui decorre que o fundamento em que radica esta opção pela possibilidade de cumulação de duas penas, se reconduz à necessidade de avaliação global da conduta e da personalidade do arguido que, neste entendimento, só é alcançável – para se impor uma pena única – por esta via.

 

v.  Sucede, todavia, que não só não cremos que este argumento, salvo todo o devido respeito, seja inteiramente válido (como, adiante, melhor explicitaremos), como deixa de fora a resolução de uma questão que é prévia ao próprio cúmulo e que se prende com a natureza das penas a cumular.

          Na verdade, para que se possa entender que pode haver lugar a cúmulo jurídico de uma ou mais penas, necessário se mostra que as mesmas tenham a mesma natureza. Ora, salvo o devido respeito, tal não sucede com uma pena de prisão efectiva e uma pena de prisão suspensa.

              vi. A pena de prisão suspensa não se reconduz, enquanto tal, a uma pena de prisão efectiva, não só porque tem requisitos específicos de imposição, como ainda porque tem, igualmente, regras próprias de cumprimento – que podem abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos (artºs 50 a 54 do C. Penal) - e de eventual revogação (arts. 55 a 57 do mesmo diploma legal).

            Distingue-se, assim, da pena efectiva, desde logo porque a sua imposição não priva o condenado da sua liberdade.

              Assim, a natureza deste instituto mostra-se equivalente ao de uma pena substitutiva, pois rege-se por normativos próprios, diversos das regras relativas à reclusão (em que a concessão de algum grau de liberdade pessoal ao condenado se mostra excepcional e muito condicionada, sendo apenas possível nos casos em que sejam autorizadas saídas precárias, regimes abertos ou liberdade condicional), algo similar, por exemplo, à pena de multa imposta em substituição de uma pena de prisão, prevista no artº 43 nºs. 1 e 2 do C. Penal ou ainda à pena de proibição de exercício da profissão, em substituição de pena de prisão (artº 43 nº3 a 8 do C. Penal).

               vii.  E se assim é, esta pena não se mostra passível de ser objecto de cúmulo jurídico com uma outra pena, que não tem a mesma natureza.

              Note-se, aliás, que tal é a regra nos casos das restantes penas substitutivas, em que apenas se mostrará viável tal cúmulo se, ocorrendo revogação, a pena substituída for afastada e se retornar à pena base.

               viii. De facto, cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível.

              E tanto assim é que, para quem defende a possibilidade de tal cúmulo, a forma de tornar tal operação viável reconduz-se a alterar a pena efectivamente imposta (pena suspensa), transformando-a numa ordem de reclusão, sem cuidar de atender aos preceitos que a lei impõe para que tal operação possa ser alcançada, que se mostram taxativamente previstos no artº 56 do C. Penal.

             ix. Assim, para que se pudesse subscrever a tese da cumulação sem revogação, teríamos que entender que, em todos os casos de penas de prisão substituídas por outras penas, caso se verificassem os requisitos previstos nos artºs 77 e 78 do C. Penal, isso determinaria uma alteração judicial discricionária da sua natureza, para possibilitar a sua cumulação, o que vai manifestamente contra a lei, que impõe critérios quer para a substituição quer para a revogação.[1]

            vi. A alteração da natureza de uma pena – em especial esta que tratamos – tem graves e severas repercussões na esfera jurídica do condenado, uma vez que este passa de uma condenação que lhe permite manter a sua liberdade, para uma situação de reclusão.

            E mais: a lei expressamente impõe que tal alteração só pode ocorrer por virtude de um comportamento culposo do próprio condenado (vide artºs 55 e 56 do C. Penal).

           Ora, ao afastar-se tal suspensão, sem que se tenha averiguado ou sequer ocorrido tal violação, imputável ao próprio arguido, está o julgador a agir derrogando lei expressa.

            E fazê-lo com fundamento na mera circunstância de que a apreciação da pena única implica a apreciação global da sua actuação – em termos de condenação penal – é justificação que se nos afigura incapaz de suprir o impedimento legal acima exposto, bem como contrário à lógica do nosso sistema penal, assim como argumento de parco relevo pois, como determina o artº71 nº2 al. e), do C. Penal, a conduta anterior ao facto (circunstância que engloba a apreciação do percurso criminal anterior, incluindo qualquer condenação), é matéria a ser obrigatoriamente ponderada, na determinação da medida da pena.

             vii. Finalmente, aditar-se-á ainda o seguinte:

             A lei define, no caso da realização de cúmulo jurídico – entre penas de igual natureza – a forma como a liquidação da pena única deve ser feita, bem como os descontos temporais que devem ser realizados, pela circunstância de o condenado ter já parcialmente cumprido uma pena ou ter estado sujeito a detenção ou a prisão preventiva (vide artºs 80 a 82 do C. Penal).

             De igual modo, no que se refere a uma série de outras penas substitutivas da pena de prisão, a lei também expressamente prevê que, caso venha a haver lugar à sua revogação, o tribunal terá de proceder a um desconto, proporcional ao tempo de cumprimento parcial da pena, fixando a forma como este será calculado. É o que ocorre, nos casos de revogação, por exemplo, de uma pena de prisão substituída por multa (artº 43 nº2 e 49 nº3, do C. Penal), de uma pena de proibição do exercício de profissão (artº 43 nºs 5, 7 e 8 do C. Penal), do regime de permanência na habitação (artº 44 nº4 do C. Penal), de prestação de trabalho a favor da comunidade (artº58 e 59 nº4 do C. Penal),

             viii. Não obstante, este princípio geral – de desconto na pena única a cumprir, do cumprimento parcial da pena substitutiva – mostra-se definitivamente arredado no que se reporta à pena de prisão suspensa na sua execução.

           Na verdade, a lei taxativamente impõe que, havendo lugar à sua revogação, tal “determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença” – artº 57 nº2 do C. Penal.

          O que daqui se retira é que o legislador entendeu que, neste tipo de pena, e ainda que o condenado até possa ter parcialmente cumprido (quer em termos temporais, quer no que se reporta a deveres impostos) o que lhe havia sido fixado, a revogação da suspensão implica que não terá direito a qualquer desconto em termos de dias de reclusão, por virtude dessa circunstância (nem sequer terá direito à restituição de qualquer prestação que haja efectuado – artº 56 nº2 do C. Penal).

           E se assim é, o que se tem de concluir é que, na óptica do legislador, uma pena de prisão suspensa na sua execução, não pode ser objecto de cúmulo jurídico, uma vez que a obrigatoriedade de cumprimento integral da pena de prisão inicialmente fixada, se mostra incompatível com aquele instituto jurídico, designadamente, com a fórmula legal prevista para a fixação da pena única (vide artº 77 nº2 do C. Penal).

           ix. Assim, pelas razões acima expostas, conclui-se que a decisão de não inclusão no cúmulo jurídico relativo ao condenado JG..., da pena suspensa imposta no proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa, se mostra correcta, pelo que a pretensão do recorrente não pode ser atendida.

                                                              *

iv – decisão.

           Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo Mº Pº, mantendo-se o despacho recorrido.

         Sem tributação.

  

        Lisboa, 11 de Setembro de 2013

        Margarida Ramos de Almeida - relatora

        Teresa Féria–presidente da 3ª secção, ao abrigo do disposto no artº 419 nº2 do C.P.P.

        Ana Paramés–vencida, nos termos da declaração que junta

              Votei vencida pelas razões que, de seguida, exponho:

        1–A única questão que se coloca no recurso em causa nos presentes autos, interposto pelo MºPº é a da saber se, havendo conhecimento superveniente do concurso de crimes, deve ser realizado o cúmulo, nos termos dos arts. 78º e 79º integrando o mesmo uma pena de prisão suspensa na sua execução com penas de prisão efectivas.

2. A questão que se coloca já não é nova e quanto à sua resolução duas teses se perfilam:

Uma, minoritária que obteve vencimento no presente acórdão e que entende que não é possível cumular penas de prisão efectivas com penas de prisão cuja execução esteja suspensa com o argumento que esta é uma pena de substituição e, portanto, tem diferente natureza da pena de prisão efectiva.

É a tese subscrita pelo Acórdão STJ de 02.06.2004 (Proc.º 4P1391, rel. Cons. Henriques Gaspar), na sua terceira proposição: “III - Se o acórdão recorrido (proferido na 1.ª instância) fez incluir na pena única do concurso de crimes penas de substituição, como seja a pena de prisão suspensa na sua execução (pela função que lhe está político-criminalmente adstrita, por ser de diferente natureza e ter regras distintas de execução), sem que tenha havido decisão nos termos dos arts. 56.º e 492.º do CPP relativamente às penas suspensas, não resultando dos factos que o tribunal a quo tivesse tomado em consideração que nos processos em que foram aplicadas foi decidida a revogação ou a extinção das penas suspensas, deixou de se pronunciar sobre questão que devia decidir, omissão que integra a nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal”.Tese que é igualmente seguida por Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-07-2003, mas com acréscimo de diferente fundamentação, designadamente, fazendo apelo à violação do “non bis in idem” e do caso julgado.

Outra tese, esta a maioritária e que é sufragada pela, ora, subscritora, defende que as situações não diferem e a lei as não distingue, pelo que o cúmulo superveniente de penas deve incluir as penas parcelares suspensas na sua execução, na medida em que estas não são de diferente natureza,  a avaliação global da conduta e da personalidade do arguido, só é alcançável – para se impor uma pena única – levando em consideração também estas condenações ao que acresce a  circunstância de não haver caso julgado da decisão que suspendeu a execução da pena- Neste último sentido, cfr. entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; e de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, sendo o  rel. Cons. Pereira Madeira), concluindo todos eles que “Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena unitária deve englobar todas as penas de prisão parcelares a que se foi condenado, incluindo aquelas cuja execução ficou suspensa na sua execução, nada obstando que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão”.

         3- Entende a subscritora que a pena de prisão suspensa na sua execução em que o arguido foi condenado no âmbito do proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa não assume intrinsecamente uma natureza diferente pelo facto da sua execução ter sido suspensa, residindo a única diferença, relativamente a uma pena de prisão efectiva, na diversa forma de execução; no caso de prisão efectiva esta é cumprida de imediato e no caso de prisão suspensa a sua execução é suspensa com ou sem condições (arts. 51º a 55º do Código Penal), mas pode, sempre, retomar a sua natureza inicial, de prisão efectiva, nomeadamente, no caso de tal suspensão vir a ser revogada, nos termos legais dos arts.56º do C.P.

Acresce que para a realização do cúmulo jurídico o legislador não deu qualquer tratamento diferenciado às situações de pena de substituição, como se aceita ser a pena de prisão suspensa na sua execução, concluindo-se, assim, que as penas de substituição perdem a sua autonomia para efeitos da realização do cúmulo jurídico.

           Na verdade quanto a este particular aspecto, o legislador limitou a ressalvar expressamente no nº 3 do art.º 77º, do CP, às situações de “penas de natureza distinta”, ou seja, às situações de prisão e multa, em que a diferente natureza se mantém, e só quanto a estas.

           No que respeita às penas de substituição afirma o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, a págs. 295 (§ 430) «Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeitos de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás (supra § 419), valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não retentiva».

            Para efeitos de cúmulo jurídico superveniente (art.78º, do C.P.) a lógica do sistema é sempre a mesma, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo, com a especificidade de que a decisão sobre a pena única resultante do cúmulo e a eventual substituição desta pena por outra de substituição deve atender à situação do arguido no momento da última decisão.

              Deste modo, só depois de determinada a medida da pena única resultante do cúmulo jurídico efectuado, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena única de prisão por uma pena não detentiva – neste sentido, o acórdão do STJ de 25-09-2008 (Proc. 08P2891, rel. Sr. Cons. Raul Borges e o acórdão desta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.12.2012, em que foi relator o Sr. Desembargador Vasco de Freitas).

           Acresce que, em nosso ver, a realização de cúmulo jurídico integrando uma pena suspensa na sua execução não põe em causa o principio da protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, não se podendo sequer falar em violação de caso julgado relativamente à decisão que declarou suspensa a execução de tal pena, porquanto, o caso julgado da decisão que decreta a suspensão da pena limita-se à natureza e medida desta e não já à decisão da sua não execução, que mantém característica rebus sic stantibus. Daí que a suspensão da execução da pena de prisão não possa ser vista como uma pena definitiva e imutável e nem se possa afirmar que o arguido é surpreendido com um sistema legal/jurisprudencial, arbitrário demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar. Pelo contrário o regime da suspensão da execução da pena de prisão com as suas especificidade próprias e com um regime já há muito enraizado no nosso sistema jurídico penal, é sempre uma decisão provisória pois que, ou é revogada, ou, na melhor das hipóteses, extingue-se decorrido o prazo da suspensão por força da extinção da pena de prisão imposta, nos termos dos artigos 56º e 57º do Código Penal.

           4-Em suma, e pelas razões supra expostas, no caso dos presentes autos, julgaria o recurso interposto pelo MºPº procedente e determinaria, em consequência, a revogação do despacho judicial recorrido e a sua substituição por outro que determinasse a designação de dia para a realização de cúmulo jurídico o qual passaria a integrar para além de outras condenações sofridas pelo arguido, igualmente, a pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão declarada suspensa na sua execução por igual período de tempo, em que o arguido foi condenado no proc. nº 349/07.1 SELSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 15-11-2012 e transitado em 17-12-2012, pela prática de um outro crime de furto qualificado, em 8-4-2007, por todas elas se encontrarem numa relação de concurso efectivo nos termos do art.77º, nº1, do Código Penal e nada na lei obstar à realização de tal cúmulo superveniente.

[1] No sentido da inadmissibilidade deste tipo de cúmulo jurídico, veja-se Ac STJ,. Proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª secção, 14-03-2013:

A aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes supõe que estejam em causa penas da mesma natureza. Nesta perspectiva, poder-se-á discutir se a pena suspensa, prevista no artigo 50º do Código Penal, enquanto pena de substituição, constitui para efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza do que a pena de prisão. Com efeito, a pena suspensa não é comparável, conceptual, político-criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão. É uma pena de substituição cuja matriz de origem e base está condicionada, e que pode vir a ser declarada extinta através do procedimento adequado; enquanto não puder decorrer o procedimento de execução da pena suspensa, com a decisão de extinção da pena ou revogação da suspensão, não é susceptível de execução como pena de prisão.

Como resulta do artigo 56º do Código Penal, a revogação não é automática; mesmo verificados os pressupostos de que depende, é sempre necessária uma decisão que aprecie e avalie se a quebra dos deveres de que depende a suspensão assume gravidade que determine a revogação, e mesmo em caso de prática de crime, é necessário que uma decisão verifique que, concretamente, não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão. Só a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença - artigo 56º, nº 2, do Código Penal. A pena suspensa é declarada extinta se, como dispõe o artigo 57º, nº 1, do Código Penal, durante o período da suspensão não houver motivos que possam conduzir à revogação. A pena de substituição é, pois, uma pena de natureza diferente da pena de prisão, pela natureza e função que lhe está politico-criminalmente adstrita