Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4108/17.5T8VFX-A.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: PLANO DE PAGAMENTOS
RECUSA
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
SUPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não recai sobre os credores o dever de fazer observações acerca das razões da recusa do plano de pagamentos, podendo, todavia, o juiz, em face das observações eventualmente feitas por aqueles, conceder ao devedor a oportunidade para, no prazo de 5 dias, modificar o plano de pagamentos, nos termos do n.º 4 do art. 256º do CIRE.
2. Sendo a finalidade do processo de insolvência a satisfação dos credores (artigo 1.º do CIRE), a solução legal de suprimento da aprovação dos credores pressupor a aprovação de credores que representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor não se apresenta como arbitrária, desrazoável ou desproporcionada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Os devedores AJ… e FM… apresentaram, nos termos do art. 251º e segs. do CIRE, um plano de pagamentos aos credores, em sede de oposição deduzida na acção principal instaurada pelo Banco CP…, S.A., em que é requerida a sua declaração de insolvência.
Determinada a suspensão do processo de insolvência, procedeu-se à notificação do credor requerente da insolvência Banco CP…, S.A. e à citação dos credores constantes do anexo ao plano – Autoridade Tributária e Aduaneira e N… Banco, S.A., nos termos e para os efeitos mencionados no artigo 256.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O credor N… Banco, S.A. rejeitou o plano em 27/03/2018 e impugnou o valor do seu crédito, sustentando ser do montante de €107.623,91 (capital, juros, impostos e despesas).
A credora Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público, rejeitou o plano em 29/03/2018.
O credor Banco CP…, S.A., requerente da acção principal de insolvência, rejeitou o plano em 04/04/2018 e impugnou o valor do seu crédito, sustentando ser de €229.836,74 de capital, €51.644,30 de juros, €140,50 de um descoberto e €30,90 juros de mora deste descoberto.
Os devedores foram notificados das pronúncias dos credores para, querendo, modificarem o plano de pagamentos, ao abrigo do disposto no art.º 256.º, nºs 3 e 4, do CIRE.
Os devedores juntaram novo plano de pagamentos em 02/07/2018, conforme doc. de fls. 101/106.
Consta desse plano, além do mais:
1. Quanto ao crédito do BCP:
- Aceitam apenas como dívida o capital reclamado de €229.836,74 (os juros estão totalmente pagos pela cobrança de 1/6 do vencimento da devedora),não reconhecendo o saldo da conta à ordem no montante de €171,40, porquanto nada foi sacado com a intervenção dos devedores;
- Propõem a dação em cumprimento do imóvel sito na Quinta …, concelho de Sobral de Monte Agraço, descrito na respectiva CRP sob o n.º … (esse imóvel tem o valor de €480.000,00, devendo ser retornado para outros créditos a diferença de €250.163,26).
2. Quanto ao crédito do N… Banco:
- Apenas aceitam que os créditos ascendem a €100.000,00, não reconhecendo o saldo da conta à ordem, porquanto nada foi sacado com a intervenção dos devedores, os montantes de imposto de selo e despesas judiciais, por constituir valor a reclamar em sede de custas de parte, nem os invocados juros;
- Propõem a dação em cumprimento da fracção autónoma designada pela letra … do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, correspondente ao …º D, concelho de Sobral de Monte Sgraço, descrito na respectiva CRP sob o n.º …-L (esse imóvel tem o valor de €1500.000,00, devendo ser retornado para outros créditos a diferença de €50.000,00).
3. Quanto à Fazenda Nacional:
Uma vez que se considera que os créditos são litigiosos, tendo sido impugnados judicialmente junto do Tribunal Tributário de Lisboa, não os inclui nos créditos reconhecidos, mas aceitam garantir a dívida tributária na sua plenitude, como montante de €300.163,25, resultante dos excessos das dações em cumprimento propostas.
Procedeu-se à notificação dos credores constantes do anexo ao plano, nos termos e para os efeitos mencionados no artigo 256.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O credor Banco CP…, S.A., manteve a sua posição de rejeição do plano de pagamentos modificado (requerimento de 16/07/2018).
O credor N… Banco, S.A., manteve a sua posição de rejeição do plano de pagamentos modificado (requerimento de 18/07/2018).
Os devedores vieram juntar aos autos a lista de credores, conforme doc. de fls. 115/117.
O credor Autoridade Tributária, representado pelo Ministério Público, votou favoravelmente o plano de pagamentos modificado.
Após foi proferida decisão de rejeição do plano de pagamentos modificado apresentado pelos devedores e declaro findo o incidente.
Essa decisão funda-se nas seguintes considerações:
“Se todos os credores mencionados na relação em anexo ao plano de pagamentos, depois de citados, deduzirem oposição ao plano de pagamentos, nos termos referidos, a solução só pode ser a de rejeição do plano (artigos 257.º, n.º 1 e 258.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Na hipótese de os credores se dividirem quanto à aprovação ou recusa do plano, passa a relevar a percentagem dos que o aprovem.
Assim, se houver aceitação do plano por credores que representem mais de dois terços dos créditos a considerar, o tribunal pode suprir a aprovação dos demais credores e, havendo suprimento, o plano é tido como aprovado (artigos 257.º, n.º 1 e 258.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Caso contrário, isto é, não representando os aceitantes mais de dois terços daqueles créditos, o plano tem de ser recusado, o mesmo sucedendo se não houver suprimento daquela aprovação (artigos 257.º, n.º 1 e 258.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a contrario).
A maioria que para o efeito releva refere-se, não ao número de credores, mas ao valor dos créditos em causa.
O suprimento judicial tem, contudo, que ser requerido pelo devedor ou por algum dos credores aceitantes do plano, pelo que o tribunal não pode, oficiosamente, promover o suprimento.
No caso vertente, temos que os credores Banco CP…, S.A. e N… Banco, S.A., indicados no anexo ao plano de pagamentos apresentado pelos devedores, opuseram-se expressamente ao plano de pagamentos modificado.
Por seu turno, o único credor que votou favoravelmente o plano de pagamentos – Autoridade Tributária - não representa mais de dois terços dos créditos a considerar, conforme se extrai da relação de credores junta como anexo, e os outros dois credores – Banco CP…, S.A., e N… Banco, S.A. - recusaram expressamente o plano, pelo que impõe-se rejeitar o plano de pagamentos apresentado (art.ºs 256.º, n.ºs 4 e 5 e 257.º, n.º 2, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Com a referida rejeição, o processo de insolvência retoma os seus trâmites, incluindo com a abertura do incidente de exoneração do passivo restante, cessando, pois, a suspensão anteriormente determinada (art.ºs 254.º e 262.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.
Inconformados com essa decisão, os devedores vieram interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1 - Prevê o artigo 252.º, n.º 1 do CIRE que “o plano de pagamentos deve conter uma proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautele devidamente os interesses destes, de forma a obter a respectiva aprovação, tendo em conta situação do devedor.”;
2 - “Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o incidente do plano “abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com a apreensão de bens, liquidação, etc.), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa.”;
3 - Por outro lado, a satisfação razoável dos interesses dos credores, que os determine a aprovar o plano, implicará, em regra, vantagens quanto ao tempo e ao modo de realização dos seus créditos (neste sentido Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, pág. 812.)”;
4 - A doutrina e a jurisprudência consideram que o plano de pagamentos reveste a natureza de transacção judicial. Nesse sentido vejam-se as palavras do professor Doutor Menezes Leitão: “Nos termos do artigo 252.º, n.º 1 [do C.I.R.E], o plano de pagamentos reveste a natureza de uma proposta contratual escrita, devendo ser formulada pelo devedor em termos que permitam obter o consenso com os seus credores, tomando em consideração o grau de satisfação dos seus direitos perante a situação patrimonial do devedor”. (Direito da Insolvência, Almedina, 2011, página 340);
5 - Com a apresentação do plano de pagamentos verifica-se assim por parte dos devedores uma confissão de dívida, a indicação do património disponível e a formulação de uma proposta de negócio jurídica que incide sobre créditos;
6 - Deverá prevalecer a liberdade de estipulação, sendo que aprovação do plano corresponderá ao encontro de vontade das partes, vindo o mesmo homologado judicialmente. Todavia, o Tribunal deverá assumir uma posição que assegure o equilíbrio das relações jurídicas em presença;
7 - Os devedores, num pedido de insolvência apresentado por credores, encontram-se numa situação mais fragilizada. Uma sentença que declara a insolvência de um devedor com a natureza de pessoa singular acarreta-lhe um enorme prejuízo pessoal, nomeadamente, para o seu bom nome ou reputação, uma vez que a insolvência pode ser qualificada como culposa. Em termos patrimoniais, o requerido vê-se confrontado com uma situação em que é privado de todos os seus bens para as quais trabalhou toda a vida, como é o exemplo dos devedores, ora Recorrentes;
8 - Prevê-se nos termos do artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa:
“Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”;
9 - Prevê o 257.º, n.º 2 alínea a) do CIRE que existe oposição ao plano de pagamentos por parte dos credores que o tenham recusado expressamente. Todavia, a mesma não deverá ser interpretada no sentido de se encontrar cumprida com uma mera rejeição formal e desprovida de qualquer fundamentação;
10 - Relativamente à situação concreta dos autos verifica-se que o credor BCP, S.A. apenas se refere à discordância dos créditos reconhecidos pelos Requerentes e não quanto à forma de pagamento desses créditos. Quanto ao N… Banco, S.A, o mesmo veio simplesmente corroborar a sua rejeição comunicada em 27/03/2018, sem sequer se pronunciar quanto ao teor do novo plano de pagamentos;
11 - Verificando-se uma modificação substancial no plano de pagamentos reformulado, os credores teriam a obrigação de apresentar, de forma expressa, os seus fundamentos de discordância, nomeadamente, quantos aos montantes e créditos reconhecidos, mas também quanto à forma de pagamento dos mesmos;
12 - A proposta apresentada pelos Requerentes, no plano de pagamentos reformulado, tinha natureza séria, salvaguardando os interesses dos credores, não obstante o enorme prejuízo pessoal e patrimonial que daí resultava para os primeiros. Os devedores, ora Recorrentes, estavam dispostos a abrir mão de todo o seu património imobiliário, onde se incluía a casa de morada de família, para qual trabalharam uma vida inteira, só para ter a possibilidade de começar de novo;
13 - O douto Tribunal a quo, que deferiu liminarmente a primeira proposta de plano de pagamentos a credores, por lhe reconhecer viabilidade, confrontado com esta nova proposta que assegurava na sua plenitude os interesses dos credores, e ao abrigo dos seus deveres constitucionais de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não deverá interpretar o 257.º, n.º 2 alínea a) do CIRE de forma meramente literal e formalista;
14 - Confrontado com as pronúncias dos credores hipotecários ao plano de pagamentos reformulado, de mera rejeição sem apresentação de qualquer fundamentação ou pronúncia sobre o meio de pagamento apresentado, o douto Tribunal a quo não deveria ter proferido sentença de rejeição do plano de pagamentos. Tendo em conta a situação mais fragilizada dos devedores deveria sim, ter ordenado que os credores viessem reformular as suas pronúncias, onde deveriam identificar, de forma fundamentada, os motivos de não aceitação, pronunciando-se sobre os créditos reconhecidos pelos devedores e os meios de pagamento apresentados;
15 - A aplicação da norma prevista no artigo 257.º, n.º 2, alínea a) do CIRE, nos moldes em que foi realizada pelo douto Tribunal a quo, é salvo o devido respeito, manifestamente inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 13.º e 20.º n.º 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, não podendo assim ser aplicada nos termos artigo 204.º da Lei Fundamental;
16 - Nessa medida, a sentença de rejeição do plano de pagamentos, sustentada na mera recusa formal dos credores hipotecários é inconstitucional. Para uma correcta aplicação da norma prevista no artigo 257.º, n.º 2, alínea a) do CIRE não deveria ter sido proferida sentença de rejeição do plano de pagamentos modificado, sem uma insistência judicial para que os credores se pronunciassem, de forma fundamentada, sobre a não aceitação do plano de pagamentos modificado, nomeadamente, quanto à nova proposta de pagamentos dos créditos;
Em rigor,
17 - Ainda que enquadrado no âmbito da autonomia privada, quanto às negociações encetadas como forma de solver as obrigações contraídas, a fundamentação do voto dos credores constitui o único mecanismo viável de determinação do conteúdo normativo conforme a direitos constitucionalmente protegidos, elevados à categoria de direitos fundamentais, mesmo que de pendor económico e social, como seja o direito à habitação, imposto pelo artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, ou a defesa dos consumidores e seus “interesses económicos”, utilizando a expressão exacta do n.º 1 do artigo 60º da Lei Fundamental;
18 - Os Tribunais, enquanto executores de uma função essencial do Estado de Direito, a função jurisdicional, estão igualmente obrigados pela previsão das alíneas b) e d) do artigo 9.º da C.R.P.;
19 - Razão pela qual, e compreendendo a gravidade das consequências processuais da não homologação de um plano de pagamentos, designadamente, os seus reflexos na esfera pessoal e patrimonial dos Devedores, deverão impor a necessidade de controlo jurisdicional da decisão de voto das partes, sendo a única forma de o fazer, determinando-se a fundamentação circunstanciada do exercício do direito de voto, por ser a única interpretação normativa conforme a unidade do sistema legal vigente;
20 - Tanto mais se atentarmos no disposto no n.º 2 do artigo 335º do Código Civil, norma que rege, precisamente, a colisão de direitos, ordenando a prevalência dos direitos superiores, uma vez que, in caso, estamos perante a colisão de direitos fundamentais – incluindo os interesses do Estado, no caso concreto – e direitos de carácter meramente obrigacional;
21 – Pelo que, da prolação de uma sentença meramente formal decorre uma incorrecta aplicação das normas jurídicas, com especial enfoque no instituto da tramitação do plano de pagamentos, devendo a douta sentença judicial do Tribunal a quo ser revogada, ordenando-se nova notificação dos credores nos moldes supra descritos.
A terminar pede-se a procedência da presente Apelação e em consequência:
a) - Ser revogada a douta sentença com a referência n.º 138478074 que rejeitou o plano de pagamentos modificado apresentado pelos devedores, e,
b) - Ordenando-se o regresso dos autos à primeira instância, ser repetida a notificação aos credores para que se pronunciem, de forma fundamentada, sobre o plano de pagamentos modificado, onde deverão indicar os motivos de não aceitação do mesmo, pronunciando-se sobre os créditos reconhecidos pelos devedores e os novos meios de pagamento apresentados, devendo os autos prosseguir os seus regulares trâmites até final.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. As questões a decidir resumem-se essencialmente em saber:
- se os credores que recusaram o plano de pagamentos devem ser notificados para fundamentarem a sua recusa;
- se a interpretação do art. 257º, n.º 2, al. a) efectuada pelo tribunal a quo viola a Constituição.
*
III. A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.

*
IV. Da questão de mérito:
O plano de pagamentos constitui um instituto exclusivo dos não empresários e titulares de pequenas empresas, na definição plasmada no art. 249º do CIRE, onde se estatui que:
1 - O disposto neste capítulo é aplicável se o devedor for uma pessoa singular, e, em alternativa:
a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) À data do início do processo:
i) Não tiver dívidas laborais;
ii) O número dos seus credores não for superior a 20;
iii) O seu passivo global não exceder (euro) 300000.
2 - Apresentando-se ambos os cônjuges à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges.
A aplicabilidade do plano de pagamentos pressupõe, portanto, em 1º lugar, que o devedor seja uma pessoa singular e pressupõe, em segundo lugar, que o devedor não tenha sido titular de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ou que, não obstante ter sido titular de empresa nesse período, tal empresa possa ser qualificada como uma pequena empresa, qualificação esta que, nos termos da norma citada, pressupõe que, à data do início do processo de insolvência, o devedor não tenha dívidas laborais, o número dos seus credores não seja superior a 20 e o seu passivo global não exceda 300.000,00€.
É esse o caso dos devedores/apelantes.
O plano de pagamento, tal como deriva dos arts. 251º e 253º do CIRE, tem de ser apresentado pelo devedor, ou no momento em que se apresenta à insolvência, ou, não tendo sido dele a iniciativa desse processo, no prazo da contestação, em alternativa a esta.
O oferecimento do plano de pagamentos determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão do respectivo incidente (art. 255 do C.I.R.E.), sendo necessariamente anterior à declaração de insolvência.
Só após a respectiva homologação por sentença com trânsito em julgado é declarada a insolvência do devedor no processo principal, apenas com as menções referidas nas als. a) e b) do art. 36 e as demais especificidades do art. 259 do C.I.R.E., não ficando o devedor privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzindo os efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência.
Por outro lado:
Dispõe o artigo 256º do CIRE que:
1 - Havendo lugar à suspensão do processo de insolvência, a secretaria extrai ou notifica o devedor para juntar, no prazo de cinco dias, o número de cópias do plano de pagamentos e do resumo do activo necessários para entrega aos credores mencionados em anexo ao plano, consoante tais documentos tenham sido ou não apresentados em suporte digital.
2 - A notificação ao credor requerente da insolvência, se for o caso, e a citação dos demais credores são feitas por carta registada, acompanhada dos documentos referidos no n.º 1, devendo do acto constar a indicação de que:
a) Dispõem de 10 dias para se pronunciarem, sob pena de se ter por conferida a sua adesão ao plano;
b) Devem, no mesmo prazo, corrigir as informações relativas aos seus créditos constantes da relação apresentada pelo devedor, sob pena de, em caso de aprovação do plano, se haverem como aceites tais informações e perdoadas quaisquer outras dívidas cuja omissão não seja por esse credor devidamente reportada;
c) Os demais anexos ao plano estão disponíveis para consulta na secretaria do tribunal.
3 - Quando haja sido contestada por algum credor a natureza, montante ou outros elementos do seu crédito tal como configurados pelo devedor, ou invocada a existência de outros créditos de que seja titular, é o devedor notificado para, no prazo máximo de 10 dias, declarar se modifica ou não a relação dos créditos, só ficando abrangidos pelo plano de pagamentos os créditos cuja existência seja reconhecida pelo devedor, e apenas:
a) Na parte aceite pelo devedor, caso subsista divergência quanto ao montante;
b) Se for exacta a indicação feita pelo devedor, caso subsista divergência quanto a outros elementos.
4 - Pode ainda ser dada oportunidade ao devedor para modificar o plano de pagamentos, no prazo de cinco dias, quando tal for tido por conveniente em face das observações dos credores ou com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas.
5 - As eventuais modificações ou acrescentos a que o devedor proceda nos termos dos n.ºs 3 e 4 serão notificadas, quando necessário, aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano, entendendo-se que mantêm a sua posição os credores que nada disserem no prazo de 10 dias
Dos n.ºs 2, 3 e 4 da citada disposição deriva que os credores citados podem pronunciar-se sobre a aceitação ou recusa do plano de pagamentos ou ainda corrigir as informações relativas aos seus créditos constantes da relação apresentada pelo devedor (quanto à natureza, montante ou outros elementos do seu crédito tal como configurados pelo devedor, ou invocada a existência de outros créditos de que seja titular).
O tribunal pode ainda conceder ao devedor a oportunidade para, no prazo de 5 dias, modificar o plano de pagamentos, e não apenas a relação de créditos, quando tal for conveniente em face das observações dos credores ou com vista à obtenção de acordo quanto ao pagamento das dívidas.
Daqui não decorre, porém, que sobre os credores recaia o dever de fazer observações acerca das razões da recusa do plano de pagamentos, como se infere do art. 257º, n.º 2, al. a) do CIRE.
Não obstante, sustentam os apelantes que, pese embora deva prevalecer no plano de pagamentos a liberdade de estipulação, o tribunal deverá assumir uma posição que assegure o equilíbrio das relações jurídicas em presença, dado que os devedores, num pedido de insolvência apresentado por credores, encontram-se numa situação mais fragilizada, sendo que uma sentença que declara a insolvência de um devedor com a natureza de pessoa singular acarreta-lhe um enorme prejuízo pessoal e patrimonial.
Acrescentam que não deverá interpretar-se o disposto no art. 257º, n,º 2, al. a) do CIRE no sentido de existir oposição dos credores com uma mera rejeição formal, como ocorreu in casu, desprovida de qualquer fundamentação, impondo-se a necessidade de controlo jurisdicional da decisão de voto das partes, determinando-se a fundamentação circunstanciada do exercício do direito de voto, por ser a única interpretação normativa conforme a unidade do sistema legal vigente e o estabelecido no art. 335º, n.º 2, do C. Civil (colisão de direitos) e nos arts. 2.º, 13.º e 20.º n.º 4 e 5, 202º, n.º 2, da Constituição
Que dizer do assim sustentado pelos apelantes?
Como se assinala no Acórdão do TC n.º 258/2014 de 25 de Março de 2014.relatado pelo Cons. José da Cunha Barbosa:
 “(…) é inegável a mitigação dos efeitos da declaração da insolvência na sequência de aprovação do plano de pagamentos, quando comparada com a insolvência declarada sem a aprovação de um tal plano. Tenha-se em consideração, em especial, que no caso de aprovação do plano de pagamentos por si apresentado, o devedor não é inibido da administração e disposição dos seus bens, não é aberto o incidente de qualificação da insolvência, nem a sentença é objecto de qualquer publicidade. Estes efeitos não constituem, porém, direitos do devedor, antes configuram consequências da apresentação pelo mesmo de um plano de pagamentos que reuniu a aprovação dos credores, seguramente, por satisfazer os interesses destes.
De todo o modo, as consequências para o devedor da não aprovação do plano que apresentou não integram o conteúdo da decisão de não suprimento da vontade de qualquer credor. Elas surgem apenas como resultado dos actos processuais subsequentes no encadeado lógico que compõe o processo de insolvência e, como tal, não podem deixar de ser avaliadas na ponderação dos equilíbrios que ali se jogam”.
Por outra via, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais – cfr. Ac. TC n.º 462/2016, de 14 de julho de 2016, relatado pelo Cons. João Cura Mariano, acessível, assim como o adiante citado, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
Certo é que, no caso em apreço, não se está perante uma situação de negação de acesso aos tribunais, mas sim de restrição da intervenção do juiz no suprimento da oposição de alguns credores ao plano de pagamentos apresentado pelos devedores.
Efectivamente, a oposição de alguns credores pode ser suprida por decisão do juiz. Mas, este suprimento está limitado pela verificação de determinados requisitos previstos na lei, designadamente no artigo 258.º, n.º 1, do CIRE. Desde logo, se o plano não for aceite pela maioria qualificada de dois terços do valor total dos créditos, o juiz não pode suprir a aprovação dos credores oponentes e superar uma fonte de frequentes frustrações de procedimentos extrajudiciais de conciliação, que é a da necessidade do acordo de todos os credores.
E, como o Tribunal Constitucional (vide acórdão citado) tem assinalado, a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe apenas que, no seu núcleo essencial, os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
Ora, o plano de pagamento “reveste a natureza de uma proposta contratual escrita, devendo ser formulada pelo devedor em termos que permitam obter o consenso com os seus credores, tomando em consideração o grau de satisfação dos seus direitos perante a efectiva situação patrimonial do devedor” (Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2009, pp. 323).
Assim, o incidente de aprovação de plano de pagamentos não pressupõe nem prevê um litígio, entendido o mesmo como conflito de interesses a ser dirimido jurisdicionalmente, já que assume a estrutura de uma troca de declarações de vontade tendentes à obtenção de um acordo – Ac RL de 20 de Setembro de 2018, António Moreira, acessível em www.dgsi.pt.
E, no caso, o plano de pagamentos não obteve a aprovação de dois terços do valor total dos créditos, pelo que nos encontramos fora dos casos em que a lei admite a possibilidade de o juiz substituir a rejeição do plano por parte de um ou de vários credores por uma aprovação.
Sendo a finalidade do processo de insolvência a satisfação dos credores (artigo 1.º do CIRE), a solução legal de suprimento da aprovação dos credores pressupor a aprovação de credores que representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor não se apresenta como arbitrária, desrazoável ou desproporcionada.
Consequentemente, as razões da recusa de aprovação do plano por parte dos credores BCP e NB são perfeitamente irrelevantes para a decisão a proferir pelo tribunal.
Ademais, apesar “(…) de poder ser requerido pelo devedor (como por qualquer dos credores que aprovam o plano) o deferimento do suprimento da vontade dos credores, tal como a aprovação do plano de pagamentos, não configuram direitos subjectivos (de tipo potestativo) deste. Apenas se estiverem reunidos os pressupostos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 258.º do CIRE, o tribunal poderá suprir a aprovação dos demais credores, o que exige do juiz uma complexa avaliação dos dados disponíveis, necessariamente caracterizados ainda por uma forte incerteza em função da fase em que o processo se encontra (desde logo, perante a suspensão do processo de insolvência, os elementos disponíveis quanto à situação do devedor são apenas os fornecidos por este nos anexos ao plano apresentado)” – cfr. Acórdão n.º 69/2014 de 21/01/2014, relatado pela Cons. Maria de Fátima Mata-Mouros.
Acresce que os devedores, ora apelantes, não aceitaram alguns dos créditos invocados pelos credores BCP e N… Banco, o que implica, por si só, oposição ao plano, nos termos do art. 257º, n.º 2, al. b) do CIRE.
Não estava, pois, o tribunal vinculado a notificar os credores para fundamentarem a razão da sua discordância.
Deste modo, a interpretação das normas legais adoptada na decisão recorrida não viola qualquer princípio ou normativo constitucional.
De acrescentar, apenas, que as contribuições doutrinárias e jurisprudenciais que os apelantes referem nas suas alegações de recurso nada têm a ver com a necessidade dos credores fundamentarem as razões da sua discordância quanto à sua recusa ao plano de pagamentos proposto pelos devedores.
Improcede, assim, a apelação.
***
IV. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2019

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta