Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
710/11.7TCFUN.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: ADEQUAÇÃO FORMAL
CONTRADITÓRIO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PROVA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O código de processo civil contém mecanismos de agilização processual mas cuja adopção está dependente de prévio contraditório.
II) Este resulta, expressamente, do disposto no artº 6º que prescreve: «cumpre ao juiz (…)providenciar pelo andamento célere (…)ouvidas as partes (…) e da conjugação do artº 547º com o nº2 do artº 630º ambos do CPC, enquanto este ultimo dispõe que «não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual (…)nos termos previstos no nº 1 do artº 6º (…) das decisões de adequação formal proferidas nos termos do artº 547 salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório(…)”
III) A simples não existência dos documentos tituladores do arrendamento, sujeito à forma escrita, não conduz à manifesta improcedência, só por si, desde logo, porque os mesmos podem ser juntos aos autos, posteriormente, até, ao encerramento da discussão em primeira instancia, artº 423º nº 2 e 3 do CPC, e mesmo, posteriormente, verificados os requisitos do artº 425º do mesmo diploma
IV) O tribunal em questões de insuficiência de alegação de matéria de facto, hoje em dia, está vinculado face à nova redação do nº 2 do artº 590º do CPC ao convite às partes, não podendo avançar no processo sem previamente ter cumprido este comando.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

           A Autora  intentou a presente acção declarativa contra “M…, Lda”, com sede na Rua … e com o NIPC …, peticionando a sua condenação a reconhecer a cessação dos contratos de arrendamento consigo celebrados e tendo por objecto as lojas 3 e 4, do prédio sito na avenida do ….

            Findos os articulados veio a ser proferido saneador sentença que (ao que interessa ao recurso) decretou:

«Ponderados os articulados e o teor dos documentos apresentados em juízo – de modo algum impugnados – constatamos a existência de questão prévia que, pelo seu alcance, urge desde já conhecer.

Consideramos… ao abrigo do disposto nos artigos  6º e 547º, do Código de Processo Civil, existir necessidade de agilização processual e consequente adequação formal

Destarte ao abrigo do disposto pelo artigo 590º, n.º1, do Código de Processo Civil (aplicável in casu ex vi do disposto pelo artigo 5º, n.º1, da Lei 41/2013), passo a proferir despacho sobre a causa, considerando que, em face da existência de manifesta improcedência do pedido a realização de audiência prévia apenas consubstanciaria a realização de acto inútil.

(…)resulta também, à evidência, que os contratos em causa (seja o de arrendamento, propriamente dito, seja o de trespasse), foram celebrados com M…, (…) contribuinte fiscal n.º ….

Significa o que vem de dizer-se que os contratos de arrendamento, cuja denúncia se pretende seja reconhecida, foram celebrados não com a Ré, mas com pessoa diversa. (…)

Não sendo a aqui Ré parte nos contratos de arrendamento cuja denúncia aqui se pretende, temos, necessariamente, que os pedidos apresentados pela Autora não podem deixar de ser considerados como manifestamente improcedentes.

Temos assim que o pedido apresentado pela Autora não pode proceder, pois que a acção se mostra instaurada contra pessoa que, atento o pedido e a causa de pedir, não pode ser condenada a reconhecer a pretensão da Autora (a tal não obstando a circunstância de a Ré disso não se ter apercebido, pois que a distinção jurídica persiste, para além da simples vontade individual das partes.

 O contrato de arrendamento nulo, por falta de forma.

Cumpre, igualmente, referir que nenhum convite ao aperfeiçoamento da alegação factual, afastaria essa conclusão

(…)Na verdade, o aperfeiçoamento da petição apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo (artigo 5º, do Código de Processo Civil) (…)

Tudo ponderado, temos assim que, independentemente de qualquer produção de prova – e mesmo que se comprovassem todos os factos alegados pela Autora – sempre o seu pedido teria que improceder pois que apenas ao arrendatário se pode exigir que reconheça a cessação do contrato de arrendamento com ele celebrado.

(…)Por tudo quanto se deixa exposto e ponderando o previsto pelas disposições conjugadas dos artigos 590º, 6º e 547º, do Código de Processo Civil, considero manifestamente improcedente o pedido apresentado pela Autora e, consequentemente, determino a extinção dos presentes autos».

Desta sentença apelou a Autora que lavrou as conclusões ao adiante:

A) Peticionou a Autora a condenação da Ré M…, Lda., a reconhecer a cessação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais em vigor relativamente às lojas n.º 3 e 4 do prédio sito na Avenida do … de que a mesma é proprietária, por oposição à renovação dos mesmos.

O Tribunal a quo não só errou ao julgar manifestamente improcedente a pretensão da Autora, interpretando e aplicando erradamente a lei e violando, expressamente, os artigos 1059.º, 424.º a 427.º, todos do Código Civil (doravante apenas designado por «C.C.»), e do art. 7.º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, como também decidiu mal a questão de saber se cabia convite a aperfeiçoamento, porquanto o actual n.º 4 e a al. b) do n.º 2 do art. 590.º do Código de Processo Civil (doravante designado apenas por C.P.C.) lhe impunham decisão diversa, convidando a Autora a regularizar a sua petição, o que não fez

Pouco tempo após a constituição da Recorrida, em 13.09.2001, a Recorrida comunicou à Recorrente que se tinha substituído à anterior arrendatária, passando os contratos de arrendamento a vigorar entre si e a Recorrente, ao que a Recorrente acedeu, passando, inclusivamente, a emitir os respectivos recibos de renda em nome da Recorrida.

Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 590.º do NCPC, convidando a Recorrente a corrigir a irregularidade do seu articulado, designadamente na parte em que dizia encontrarem-se em vigor 2 (dois)  contratos de arrendamento com a Recorrida M…, Lda., quando dos contratos de arrendamento que juntara à Petição Inicial constava arrendatária distinta.

Permitindo-lhe, assim, concretizar os termos da respectiva vigência que alegou e que, de resto, não foi impugnada pela Recorrida, ao invés de proferir despacho liminar julgando a acção improcedente com base nessa pretensa inexactidão.

Mais, uma das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho reside, precisamente, no facto de ter passado a ser vinculado o despacho a convidar ao aperfeiçoamento da alegação da matéria de facto.

Omissão que passou a consubstanciar, ipso facto, uma nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, por ser susceptível de influir no exame ou decisão da causa.

Além disso, também o princípio do inquisitório e da cooperação consagrados nos arts. 6.º, 411.º e 7.º, n.º 2, do C.P.C. impunham igual conduta ao Tribunal a quo.

Deveria a Mma. Juiz do Tribunal a quo ter convidado a Recorrente a complementar os factos por si alegados na petição inicial ou, em alternativa, proferido despacho pré-saneador a determinar a junção os documentos que entendesse necessários à análise da invocada discrepância entre a identificação da parte constante dos contratos e a demandada nos autos, conforme previsto na al. c) do n.º 2 do art. 590.º do C.P.C. ou, ainda, convocado audiência prévia.

Sem prescindir, também não corresponde à verdade a ilação retirada pelo Tribunal a quo de que, tendo sido celebrados verbalmente novos contratos de arrendamento,  sempre seriam os mesmos nulos, uma vez que, sendo aplicável a legislação em vigor à data da celebração do contrato e, in casu, da cessão, a prova da respectiva existência poderia ser feita através dos recibos de renda, suprindo-se, assim, a falta de contrato escrito, nos termos do n.º 2 do art. 7.º, n.º 1, do RAU, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 64-A/2000, de 22 de Abril.

O mesmo se aplicando à transmissão da respectiva posição contratual por parte da anterior arrendatária a favor da Recorrida, por força do disposto no art. 425.º do C.C..

Pelo que, também por este motivo, deveria o Tribunal a quo ter convidado a Recorrente a juntar aos autos cópia dos mencionados recibos ou dos documentos considerados necessários ao conhecimento oficioso da suposta nulidade dos contratos avocados pelas partes, declarando-a sendo o caso, em conformidade com a orientação expressa no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.1995.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, por conseguinte, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por despacho que convide a Autora ao aperfeiçoamento do seu articulado.

E, caso assim não se entenda, por despacho présaneador que determine a junção aos autos dos  documentos considerados necessários à correcta análise da diferença existente entre a identificação da parte constante dos contratos juntos aos autos e a demandada nos autos ou que determine a realização de audiência prévia, para os efeitos da al. c) do n.º 1 do art. 591.º do C.P.C., com vista ao conhecimento da eventual nulidade da relação contratual em vigor quanto à Recorrida e, sendo caso disso, do mérito da causa, assim se fazendo V. Exas., Senhores

Objecto do processo

São as conclusões que delimitam a matéria a conhecer por este Tribunal, sem prejuízo das questões  de conhecimento oficioso que cumpra apreciar. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B358  e art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º nº 2, do mesmo diploma legal e 639 e 640 do NCPC (lei 41/2013).

O recurso coloca como questões a decidir:

Saber se deveria ter sido a autora convidada a suprir as deficiências encontradas no articulado incial.

Saber se  o Tribunal deveria ter ordenado a junção de documentos, validativos dos contratos de arrendamento alegadamente celebrados com a ré/recorrida (recibos de renda ).

A Saber se se verificou a nulidade processual consistente no facto de ter sido omitido despacho a convidar ao aperfeiçoamento da alegação da matéria de facto, ou a juntar os referidos documentos, por se tratar este de despacho vinculado.

Conhecendo:

            Fundamentação de facto:

            Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

            Fundamentação de direito:

           O código de processo civil contém mecanismos de agilização processual mas cuja adopção está dependente de prévio contraditório.

           Este resulta expressamente do disposto no artº 6º que prescreve: «cumpre ao juiz …providenciar pelo andamento célere (…)ouvidas as partes (…) e da conjugação do artº 547º com o nº2 do artº 630º ambos do CPC, enquanto este ultimo dispõe que «não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual (…)nos termos previstos  no nº 1 do artº 6º (…) das decisões de adequação formal proferidas nos termos do artº 547 salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório(…)”

           O princípio do contraditório sendo um dos princípios basilares do estado de direito, é imposto ao longo de todo o processo civil, salvo as excepções que a lei consagra  em ordem a proteger interesses concretos, que no caso, são ponderados primeiramente.

Ora, o tribunal «à quo» julgou manifestamente «improcedente a pretensão da autora», apoiando-se, no facto de os documentos juntos, pela mesma, para substanciar a relação de arrendamento alegada na petição inicial, cuja cessação é a causa de pedir nos autos, não se referirem a esta,  mas sim a outra relação de arrendamento.

          A  questão nesta sede (a da decisão) não parece ser exactamente de insuficiência de alegação mas antes de prova, já que os documentos mais não são que meios de prova destinados a atestar factos. ( artº 341º e 362º do CC).

           Daí também que, a simples não existência dos documentos tituladores do arrendamento não conduz à manifesta improcedência, só por si, desde logo, porque os mesmos podem ser juntos aos autos posteriormente até, ao encerramento da discussão em primeira instância, (artº 423º nº 2 e 3 do CPC) e mesmo, posteriormente, verificados os requisitos do artº 425º do mesmo diploma.    Efectivamente, a autora juntou com a p.i. documentos que respeitam a uma relação jurídica que tendo por objecto os mesmos imóveis, é titulada por sujeitos diversos, das partes processuais, só que, nada nos diz que não seja possível ao mesmo vir aos autos juntar os documentos que respeitem à relação jurídica invocada e às partes deste processo, sejam eles contrato de arrendamento, cessão deste ou mesmo recibos de renda.

          Donde que, não poderia ter sido esta questão decidida antes do momento processualmente adequado, que é o do julgamento, dando-se deste modo possibilidade à mesma de vir a juntar aos autos documentos susceptíveis de demonstrar a sua alegação.

          Ao que acresce, que com os recibos de renda conforme  a disposição do art. 7.º, n,º 3 do RAU  dl 321-B/90, aplicável aos arrendamentos dos autos que são respectivamente de 1997 e 2000,  pode ser suprida a falta do contrato. Não é, pois, exacto o que a tal respeito vem decidido no saneador sentença, o que e também por esta razão impede que a decisão final seja desde já  proferida;  a qual, de resto, também aqui está ferida de  grosseira violação do direito ao contraditório,  constituindo decisão surpresa.

           Na verdade e resumindo, terminologia de «pedido manifestamente improcedente» tem a significância de «evidente, patente, notória, pública» ou, como afirma a jurisprudência, de «ostensiva, indiscutível, irrefutável, unânime, incontroversa, isenta de dúvidas», ou, noutra formulação, quando seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais, o que pela sua própria natureza nunca se pode referir a ausência de meios de prova, já que esses podem vir aos autos seja pela mão das partes, seja até oficiosamente, até momento muito posterior (encerramento da discussão em primeira instância).

Aliás (e só por razões de dialéctica jurídica, porque não é o caso),   assinala-se,  que a ser como se sustenta no despacho apelado (que o autor invoca uma relação jurídica que não é a relação material controvertida dos autos), estaríamos isso sim na presença de ilegitimidade processual (artº 30º do CPC), que é uma excepção dilatória susceptível de ser suprida, conforme o artº 279º do CPC).

Isto posto, entendemos que o saneador sentença não deve manter-se.

A questão não é de manifesta improcedência, pois.

A apelante requer que seja dado  cumprimento ao disposto no artº 590º nº 2 b) do CPC, a fim de lhe possibilitar a alegação de factos que precisem o título invocado contra a ré.

Não  estando alegada a causa dos contratos juntos aos autos com a causa  de pedir relacionada com a ré, importa esclarecer este ponto.

O tribunal nesta matéria,  hoje em dia, está vinculado face à nova redação do nº  2 do artº 590º do CPC ao convite às partes não podendo avançar no processo  sem previamente ter cumprido este comando.

Pelo que procede  a apelação.

Em face do exposto segue deliberação:

Vai revogado o saneador sentença, que deve ser substituído por outro que em cumprimento do disposto no art 590º nº 2 b) do CPC ordene o suprimento das alegações  factuais constantes da petição inicial.

Sumário:

O código de processo civil contém mecanismos de agilização processual mas cuja adopção está dependente de prévio contraditório.

Este resulta, expressamente, do disposto no artº 6º que prescreve: «cumpre ao juiz (…)providenciar pelo andamento célere (…)ouvidas as partes (…) e da conjugação do artº 547º com o nº2 do artº 630º ambos do CPC, enquanto este ultimo dispõe que «não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual (…)nos termos previstos  no nº 1 do artº 6º (…) das decisões de adequação formal proferidas nos termos do artº 547 salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório(…)”

A simples não existência dos documentos tituladores do arrendamento, sujeito à forma escrita,  não conduz à manifesta improcedência, só por si, desde logo, porque os mesmos podem ser juntos aos autos, posteriormente, até, ao encerramento da discussão em primeira instancia, artº 423º nº 2 e 3 do CPC, e mesmo, posteriormente, verificados os requisitos do artº 425º do mesmo diploma

O tribunal em questões de insuficiência de alegação de matéria de facto,  hoje em dia, está vinculado face à nova redação do nº  2 do artº 590º do CPC ao convite às partes, não podendo avançar no processo  sem previamente ter cumprido este comando.

Lisboa, 20 de Março de 2014

Isoleta Almeida Costa

Carla Mendes

Octavia Viegas.