Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
683/14.4TVLSB-A.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: IMUNIDADE JURISDICIONAL
ARRESTO
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O Decreto-Lei n.º 48 295, de 27/03/1968, que aprovou para adesão a Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18/04/1961, regula a imunidade de jurisdição que o agente diplomático goza no Estado acreditador, abrangendo a jurisdição penal, civil e administrativa.
II. No âmbito da jurisdição civil, a imunidade de jurisdição que o agente diplomático goza encontra-se prevista no artigo 31.º, alíneas a), b) e c) do Decreto-Lei n.º 48 295, de 27/03/1968, dependendo alguma dessas situações do seu enquadramento na causa de pedir invocada na concreta situação.
III. Na providência cautelar de arresto, por ser decretada sem contraditório, se o requerido arrolou prova testemunhal e apresentou prova documental, impõe-se que o tribunal a quo proceda à respetiva produção e valoração, a fim de emitir uma decisão fundamentada nos factos indiciariamente provados, conhecendo, então, das questões suscitadas na oposição, completando e integrando a decisão inicialmente proferida (artigo 372.º, n.º 3 do CPC).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
CF, requerente na providência cautelar de arresto que intentou contra SA, Embaixador de ..., inconformado com o despacho proferido em 12/09/2014, no âmbito da oposição que o requerido veio deduzir após ter sido decretado o arresto, que considerou procedente a exceção dilatória inominada consistente na imunidade diplomática de que gozará o requerido, absolvendo-o da instância, com as legais consequências legais, designadamente o levantamento do arresto da conta bancária do requerido, veio interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Resulta da certidão junta neste apenso, que o requerente, ora apelante, intentou providência cautelar de arresto contra o requerido, ora apelado, pedindo o arresto de uma determinada conta bancária, invocando, em suma, que entregou ao apelado, e a pedido deste, um cheque de €100.000,00, destinando-se tal quantia à aquisição de tapetes, em condições muito favoráveis, à margem dos valores orçamentados relativos a uma empreitada que a sociedade (...), de que é administrador o apelante, celebrou com a Embaixada de ... para construção do edifício onde a mesma iria funcionar.
Apesar do cheque ter sido descontado e depositado numa conta bancária do requerido, de que é titular em termos particulares, e instado a devolver a quantia em causa, nunca o fez, tendo o requerente sido informado que o requerido vai abandonar o nosso país, por termo da sua comissão em Portugal.
Por decisão proferida em 08/05/2014, o tribunal a quo considerou, na parte em que apreciou os pressupostos processuais, o seguinte:
“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Sempre se consigna que, fundamentando-se a pretensão do requerente nas relações pessoais entre requerente e requerido, não é aplicável o disposto no artº 31º, do Dec. Lei n.º 48295, Convenção sobre as Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de abril de 1961.”
No mais, decretou o arresto por ter considerado verificados os respetivos pressupostos.
Na oposição, o requerido veio alegar que goza de imunidade de jurisdição atenta a sua qualidade de Chefe de Missão e Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de ... em Portugal, invocando o artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49295, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de Abril de 1961, da qual são partes quer os Emirados ÁraBAnco ... Unidos, quer Portugal.
Quanto ao negócio propriamente dito, no que ora releva, o requerido alega nos artigos 6.º, 73.º e seguintes da oposição, que não estabeleceu quaisquer relações ou negócios particulares com o requerente e que “o cheque em causa foi emitido em cumprimento de uma Cláusula contratual que assim o previa – canalização de €100.000,00, dos €1.800.000,00 previstos para a empreitada, para artigos de decoração objecto de escolha específica do Requerido -, tendo-o sido à ordem do Requerido por uma questão pragmática: (i) foi o mesmo que se deslocou a ... e adquiriu os tapetes (ii) em obediência a uma determinação contratual – Cláusula 4.ª do Contrato – pois era a este que competia escolher quais os artigos de decoração a adquirir com a verba contratualmente destinada para o efeito.” (artigo 82.º)
Defende, assim, que não existe qualquer direito de crédito de que o requerente seja titular, nem qualquer periculum in mora (o negócio foi celebrado com a Embaixada de ...e esta mantêm-se em Portugal).
Concluiu,pedindo que se julgue procedente a exceção inominada de imunidade diplomática, que, consequentemente, seja absolvido da instância e ordenado o imediato levantamento do arresto, ou, então, que se considere improcedente o pedido de arresto e ordenado o imediato levantamento da providência decretada.
Para comprovação do alegado, arrolou testemunhas e juntou documentos.
Embora não se encontre junto ao processo físico cópia do articulado, consta do despacho recorrido que o requerente respondeu à exceção, pugnando pela improcedência da mesma “fundamentalmente por estarem em causa relações do foro privado e não poder afirmar-se estarmos perante actos praticados no âmbito das prerrogativas de um estado soberano.”
Findos os articulados, o tribunal a quo, em despacho autónomo, previamente à produção da prova requerida na oposição, e sem apreciar de fundo a matéria de oposição, conheceu da exceção dilatória de imunidade diplomática, julgando-a procedente.
Justificando assim o seu conhecimento: “Quanto à alusão que se fez a esta matéria em sede de decisão que decretou o arresto: não se nos afigura que tal traduza o conhecimento da excepção invocada, aliás, à data nem sequer formalmente invocada, e daí o seu conhecimento neste momento.”
Consta, ainda, dos autos que por despacho datado de 18/11/2014, foi ordenado o levantamento do arresto.
O apelante apresentou as alegações, cujas conclusões abaixo se transcrevem, pugnando pela revogação do despacho recorrido, e pela prolação de decisão que declare a inexistência da imunidade diplomática alegada, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais.
O requerido apresentou contra-alegações defendo o inverso.

Foram colhidos os vistos.

Conclusões da apelação:
“I. O Tribunal a quo assumiu duas posições diametralmente opostas relativamente à mesma matéria jurídica;
II. A decisão sob recurso considera que não está em causa a imunidade de jurisdição de um Estado, mas apenas do seu Agente;
III.A decisão sob recurso considera, erradamente, que a interpretação que é dada à Convenção de Viena de 18 de Abril de 1961 transcrita para a nossa ordem jurídica pelo Dec- Lei n° 48295, é aplicável aos Estados soberanos, mas não aos seus agentes;
IV. A doutrina e a jurisprudência nacionais e internacionais têm vindo a acolher a teses da imunidade restrita, procedendo à distinção entre actos de jus imperii e actos de jus gestionis.
V. A tese confina a imunidade aos actos praticados com jus imperii não a aplicando aos restantes;
VI. O que aliás não faria qualquer sentido...
VII. No caso em apreço a questão põe-se relativamente à entrega de um cheque pessoal pelo ora Recorrente à pessoa do Sr. Embaixador, Requerido nos presentes autos, que lho solicitou para adquirir uns tapetes.
VIII. Este pedido surge no âmbito da execução de uma empreitada, na qual a Embaixada enquanto dona da Obra e não obstante tivesse contratado para prossecução de interesses do Estado Acreditado em Portugal, aceitou submeter-se à jurisdição dos Tribunais Portugueses;
IX. Como ensina Castro Mendes, " Mas pelos actos que o Estado estrangeiro pratique como pessoa colectiva, que não sejam próprios da sua qualidade de ente soberano, praticados "jure gestionis" (a compra sde mercadorias no estrangeiro, por exemplo), é (independentemente da renúncia à imunidade) sujeito à jurisdição como qualquer pessoa colectiva)";
X. Não existe qualquer razão para atribuir uma imunidade a um Agente quando a mesma não é atribuída ao Estado soberano que este representa;
XI. Ao estarmos no domínio das relações pessoais entre requerente e requerido, como refere o Tribunal a quo na sua primeira versão sobre a matéria, não estamos seguramente perante actos de jus imperii;
XII. Não lhe sendo, por consequência aplicável a imunidade diplomática que o requerido vem invocar em sede de excepção.
XIII. Aliás, a decisão proferida vem ao arrepio da jurisprudência já produzida e pacífica sobre este assunto, estando em contradição nomeadamente com os Acórdãos do STJ de 29.05.2012, e da RL de 18.02.2006, 06.05.2008 e 17.05.2011;
XIV. Estes arestos referem, e bem, que o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os actos por eles praticados como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania.
XV. Estando por consequência em causa o disposto no n° 1 do art.° 8° da Constituição da República Portuguesa XXVI - No caso vertente foram praticados por uma Agente Diplomático, mas precisamente enquanto particular, caso contrário não teria depositado o cheque na sua conta particular...
XVI. Aliás e como já se disse a própria Embaixada renunciou à Imunidade que lhe é conferida pela Convenção, embora, segundo Castro Mendes, nem precisasse de o fazer, ao aceitar como competente o foro da Comarca de Lisboa, como consta do contrato de empreitada.
XVII. A relação entre requerente e requerido apenas aconteceu no âmbito de tal contrato, não estando, por consequência, abrangida pela alegada imunidade.
XVIII. Encontram-se assim, violadas as disposições do Dec-Lei n°
48295 - Convenção de Viena de 18 de Abril de 1968, o n° 1 do art.° 8° da C.R.P., para além da nossa melhor doutrina e jurisprudência sobre o assunto.”

 
II- FUNDAMENTAÇÃO

A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), a questão essencial a decidir reporta-se a saber se o requerido goza de imunidade diplomática no que concerne ao concreto litígio em causa, e se o despacho recorrido violou a Convenção de Viena de 18 de abril de 1961 e o artigo 8.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.

B- De Facto
As ocorrências processuais relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório, acrescentando-se que na providência cautelar foi dada como indiciariamente provada a seguinte factualidade:
“1. O requerente é administrador da sociedade (...)
2. A (...) celebrou um contrato de empreitada com a embaixada de ..., para remodelação do edifício onde iria e está a funcionar a referida embaixada.
3. A (...) e a Embaixada de ... acordaram que a empreitada incluía uma verba destinada à decoração, orçamentada em €100.000,00.
4. No decorrer das obras de remodelação da embaixada, o requerido, embaixador de ..., solicitou ao requerente que lhe entregasse, a título particular, um cheque no valor de €100.000,00, alegando que o mesmo serviria para comprar uns tapetes à margem dos valores orçamentados na empreitada em condições mais favoráveis.
5. Mais acordaram que o referido montante seria devolvido durante a execução da empreitada.
6. O requerente emitiu a favor do requerido um cheque no valor de €100.000,00.
7. O referido cheque foi depositado a 13.01.2011 na conta n.º 1169 14-398-52 11013142225420 do Banco ..., de que o requerido é titular em termos particulares.
8. O requerente solicitou ao requerido a devolução da referida quantia.
9. O requerido não procedeu ao pagamento da referida quantia ao requerente.
10. O requerido irá deixar Portugal no fim de maio, princípio de junho de 2014.”

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO

Como acima se enunciou a questão a decidir prende-se com a apreciação da exceção inominada de imunidade diplomática que o despacho recorrido considerou verificar-se no caso em discussão.
Porém, o apelante suscita uma outra questão que logicamente precede esta, já que invoca que o tribunal a quo assumiu duas posições diametralmente opostas relativamente à mesma matéria (cfr. conclusão I).
Reporta-se, assim, ao que consta da decisão que decretou o arresto quando se pronunciou sobre os pressupostos processuais (que supra reproduzimos) e à decisão recorrida, na qual se considerou que as exceções à imunidade diplomática dos agentes diplomáticos – que distinguiu da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros[1] – tem caráter absoluto, estando as exceções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 1.º da Convenção de Viena, e que “Nestes autos não se configura nenhuma das ditas exceções pois não resulta dos autos, nomeadamente, que o requerido exerça uma qualquer actividade comercial ou profissional fora das suas funções; não se nos afigura que comprar tapetes, se chegaram a ser adquiridos, configure uma destas actividades.
Manifestamente também não se trata de qualquer das outras situações.
Assim sendo, o caso dos autos não se encontra exceptuado da imunidade de jurisdição de que goza o requerido.”
Embora o apelante não retire consequências jurídicas da alegada contradição entre duas decisões sobre a mesma questão de natureza processual – apreciação de exceção dilatória inominada – cfr. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, proémio, do CPC 2013, aplicável aos autos -, a questão só teria relevância, em termos de afastamento do decisão proferida em segundo lugar, se a primeira pronúncia tivesse formado caso julgado formal quanto à apreciação da mencionada exceção dilatória (cfr. artigo 620, n.º 1, do CPC).
Porém, tal como decorre do artigo 595.º, n.º 3, do CPC, o caso julgado formal só se forma, nessas situações, quando a primeira decisão tenha transitado em julgado e tenha “concretamente” apreciado a exceção em causa.
No caso presente, nem a decisão transitou em julgado (na medida em que o arrestado opôs-se ao decretamento da providência através do incidente de oposição), nem a exceção dilatória foi concretamente apreciada, já que foi tão só mencionado conclusivamente que se estava no domínio das relações pessoais, afastando-se um determinado regime legal, sem qualquer fundamentação com recurso aos contornos fácticos do concreto caso em apreciação.
Assim sendo, nada obstava a que o tribunal a quo em sede de apreciação da oposição, emitisse pronúncia concreta sobre a dita exceção dilatória inominada de imunidade diplomática.

Em face do exposto, importa, agora, enfrentar a questão decidenda.
Conforme decorre da decisão recorrida, o que está em causa é a interpretação e aplicação ao caso em apreço do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48 295, de 27/03/1968, que aprovou para adesão a Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18/04/1961.[2]
Este preceito reporta-se em concreto à imunidade de jurisdição que o agente diplomático (definido, para efeitos de aplicação da Convenção, como “o chefe da missão como qualquer membro do pessoal diplomático da missão” – cfr. alínea e) do artigo 1.º e alínea a) do artigo 14.º da Convenção) goza no Estado acreditador, abrangendo a jurisdição penal, civil e administrativa, salvo se, e no que concerne à jurisdição civil, se ocorrer alguma das situações previstas nas alíneas a) a c) daquele preceito.
Estas alíneas reportam-se:
Alínea a) – a “real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão;”
Alínea b) – a “ação sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;”
Alínea c) a “ação referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.”
Conforme refere Maria Regina Mongiardim, a análise da imunidade de jurisdição dos agentes diplomáticos desdobra-se em três vertentes consoante o tipo de atos que estão em causa.
Uma primeira, reporta-se aos atos cometidos pelo agente diplomático, enquanto órgão de relações internacionais do Estado acreditante; uma segunda, reporta-se aos atos cometidos pelo agente diplomático e que relevam da ordem jurídica interna do Estado acreditante, e, uma terceira, reporta-se aos atos privados.[3]
É nesta terceira vertente – atos privados do diplomata – que a imunidade de jurisdição tem cabimento, e dentro dessa categoria, há que considerar, então, os três tipos de imunidade: a imunidade de jurisdição criminal, a imunidade de jurisdição administrativa e a imunidade de jurisdição cível.
No que concerne à imunidade de jurisdição cível – única que poderá estar em causa no caso em apreço, considerando a causa de pedir apresentada aquando o pedido de arresto – cfr. artigo 391.º do CPC -, e como refere a mesma autora, apesar de ter sido polémica ao longo dos tempos[4], foi “reconhecida pela Sociedade das Nações, em matéria de direito internacional, encontrando-se consagrada no artigo 31.º da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas…”, “sendo várias as exceções a este privilégio”, acrescentando que “um diplomata só pode renunciar aos privilégios e imunidades que lhe foram concedidos, com o consentimento prévio do Estado acreditador, como decorre do disposto da Convenção de Viena e do princípio de que esses privilégios e imunidades não são concedidos a título pessoal, mas para o exercício de funções oficiais determinadas.” [5]
Resulta, pois, do acima referido que a existência ou não de imunidade diplomática, estando em causa uma ação de natureza cível, depende de saber se a causa de pedir da mesma se enquadra ou não nas exceções previstas nas referidas alíneas a) a c) do artigo 31.º da Convenção de Viena já aludida (cfr., ainda, artigo 38.º da mesma Convenção).
No caso em apreço, o requerente defende que a emissão do cheque a favor do requerido não tem relação com o negócio celebrado com a Embaixada de ... (empreitada), enquanto o requerido, na oposição, questiona esse entendimento, tendo alegado de forma pormenorizada todas as circunstâncias que rodearam o referido contrato, bem como as relacionadas com a emissão e levantamento do cheque, relacionando sempre aqueles atos com as suas funções de Embaixador e com a empreitada levada a cabo pela sociedade da qual o requerente é administrador.
Assim, o requerido na oposição veio colocar em causa os factos indiciariamente dados como provados aquando do decretamento do arresto, que, como se sabe, por imposição legal, é decretado sem contraditório prévio (cfr. artigo 393.º, n.º 1 do CPC).
Exatamente por faltar o contraditório, a oposição é o meio adequado para o requerido colocar em crise os factos indiciariamente dados como provados, questionando a veracidade dos mesmos, ou mesmo questionando os meios de prova que serviram de base à afirmação dos pressupostos do decretamento da providência (artigos 366.º, n.º 6, 372.º, n.º 1, alínea b) e 376.º, n.º 1 do CPC).
Donde resulta que quando no despacho recorrido se considera que a situação descrita nos autos não se enquadra nas exceções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 31.º, mormente na alínea c), não existe qualquer base fáctica onde assente tal conclusão.
Não basta referir de forma enfaticamente conclusiva que não se afigura que “o requerido exerça qualquer atividade comercial ou profissional fora das suas funções” relacionadas com a compra de tapetes e que estes, se chegaram a ser adquiridos, se “configure uma dessas atividades”, já que se impõe apurar, em face dos meios probatórios que em sede de oposição foram arrolados, em que termos e quais as circunstâncias que determinaram a emissão do cheque referido nos autos, a sua entrega ao requerido e a não devolução do respetivo valor ao requerente, de modo, então, de forma fundamentada, se analisar se estão preenchidos os pressupostos da imunidade diplomática e, eventualmente, as exceções à mesma previstas na lei.
Tendo o requerido arrolado prova testemunhal e apresentado prova documental, impõe-se que o tribunal a quo proceda à respetiva produção e valoração, a fim de emitir uma decisão fundamentada nos factos indiciariamente provados, conhecendo, então, das questões suscitadas na oposição, completando e integrando a decisão inicialmente proferida (artigo 372.º, n.º 3 do CPC).

Em face do exposto, procede a apelação, revogando-se o despacho recorrido, com todas as consequências legais que decorrem desta revogação, ordenando-se, outrossim, o prosseguimento da normal tramitação da oposição deduzida contra a decisão que decretou o aresto, emitindo-se, após, decisão que com base nos factos indiciariamente provados, que aprecie a alegada exceção dilatória inominada de imunidade diplomática.

IV- DECISÃO

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida com todas as consequências legais que decorrem desta revogação, ordenando o prosseguimento dos autos, nos termos supra referidos.
Custas pelo vencido a final.
Lisboa, 24 de fevereiro de 2014.

 (Maria Adelaide Domingos - Relatora)

(Eurico José Marques dos Reis - 1.º Adjunto)

  (Ana Grácio - 2.ª Adjunta)

[1] Conforme decorre do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, aos órgãos de soberania ”tribunais” cabe, no seu conjunto, o exercício da função jurisdicional ou jurisdição em sentido abstrato, ou seja, ao que normalmente se designa por poder de julgar.
A imunidade de jurisdição significa um tratamento excecional, mediante o qual certas entidades (mormente Estados estrangeiros, por via do princípio “par in parem non habet jurisdictionem”, e os diplomatas, por via das regras de direito internacional) são subtraídas à possibilidade de serem demandados nos tribunais nacionais.
[2] O instrumento de adesão foi depositado na sede da ONU em 11/09/1968 e, nos termos do artigo 51.º, parágrafo 2.º da Convenção, a mesma entrou em vigor em Portugal em 11/10/1968.
[3] “Diplomacia”, Almedina, 2007, p. 203.
[4] No que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, veja-se o Ac. STJ, de 13.11.2002, p. 01S2172, em www.ddsi.pt, onde se analisam as tendências jurisprudenciais dos tribunais de vários Estados sobre esta questão.
[5]Ob.-cit.,-p.-204-e-205.