Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3075/07.8TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: ESTADO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Embora no âmbito de contrato denominado de “Contrato de Avença (Em substituição de um outro que foi rescindido)”, consubstancia a execução de um verdadeiro contrato de trabalho a actividade de inspecção sanitária desenvolvida pelo Autor – Médico Veterinário na qualidade de Inspector Sanitário – de forma ininterrupta entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Junho de 2007, ao serviço do Réu “ESTADO PORTUGUÊS – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS – DIRECÇÃO GERAL DE VETERINÁRIA” aquele em que, para além da existência de um horário de prestação de trabalho fixo, embora por turnos – ainda que o Autor e os seus colegas pudessem organizar entre si as escalas desses turnos – o Autor dispunha de períodos de gozo de férias pagas e, no desempenho das suas funções, estava sujeito às ordens, instruções e à autoridade do Réu no que respeitava a procedimentos a cumprir na inspecção do pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar quanto à hora e local das mesmas, fazendo uso de espaços atribuídos ao Réu, bem como de meios materiais que eram propriedade deste e que o mesmo colocava à disposição do Autor para o desempenho das suas funções.
II. Estabelecendo o n.º 3 do art. 17º do DL n.º 41/84 de 03-02, na redacção dada pelo DL n.º 299/85 de 29-07 (diploma ao abrigo do qual foi outorgado o contrato estabelecido entre as partes) que “O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença” (realce nosso), cabia ao Réu, através da Direcção-Geral de Veterinária, demonstrar a não existência nos seus serviços e à data da celebração do contrato, de funcionários ou agentes com qualificações adequadas ao exercício de funções objecto de avença, se era esse o contrato que, efectivamente, pretendia estabelecer com o aqui Autor.
III. Nos termos dos artigos 5º e 7º do DL n.º 23/2004 de 22-06, a contratação por tempo indeterminado pela Administração Pública, para além de ter de ser precedida de um processo de selecção que obedece a determinados princípios que devem ser respeitados, só pode ocorrer se existir um quadro de pessoal para aquele efeito e com obediência aos limites desse quadro.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa – 3º Juízo, 2º Secção – a presente acção declarativa, emergente de contrato de trabalho e com processo comum, contra o “ESTADO PORTUGUÊS (() Cfr. despacho de fls. 46.) – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS – DIRECÇÃO GERAL DE VETERINÁRIA”, alegando, em síntese e com interesse que foi admitido, em 1 de Dezembro de 2003, ao serviço do Réu por um denominado “contrato de avença” para exercer funções correspondentes à categoria profissional de “inspector sanitário” por conta e sob a autoridade e direcção do Réu.
As suas funções consistiam em inspeccionar o pescado e as suas condições sanitárias, bem como efectuar toda a tramitação da atribuição do número de controlo veterinário aos estabelecimentos que laboram produtos da pesca, entre outras inerentes à sua categoria, podendo exercer estas funções nas lotas existentes no território nacional.
Fê-lo na lota de Nazaré.
Auferia mensalmente um valor de € 1.721,40, a título de remuneração base, acrescida de ajudas de custo quando houvesse lugar a deslocações para fora do local destinado como domicílio profissional.
Esta remuneração foi sempre actualizada em cada ano de acordo com os aumentos da função pública e não estava dependente de qualquer objectivo.
Tinha horário de prestação de trabalho fixo, por turnos, podendo laborar no período entre as 15h e as 22h ou entre as 19h e as 3h.
A indicação da organização das escalas nos turnos, bem como a indicação de dias de férias, tinha de ser feita pelo Autor e seus colegas para o Réu na pessoa do respectivo chefe de divisão, a pedido deste.
No desempenho das suas funções estava sujeito às ordens, instruções e autoridade da Ré no que respeita a procedimentos a cumprir na inspecção do pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar, hora e local das mesmas.
Em caso de dúvida era frequente ter de pedir esclarecimentos sobre a forma de actuar para que as instruções do Réu fossem integralmente cumpridas.
Para entrar no local de trabalho sempre teve cartão de identidade que funcionava como cartão livre-trânsito o qual permitia que fosse identificado como trabalhador do Réu.
Em cada lota a Direcção-Geral de Veterinária tem uma sala da sua responsabilidade, com material de trabalho, mesas, cadeiras, computadores, telefone e fax propriedade do Réu, dos quais o Autor se servia para desempenhar as suas funções.
Por carta datada de 26 de Abril de 2007, o Réu na pessoa do Director-Geral da Direcção-Geral de Veterinária, comunicou ao Autor que considerava o contrato rescindido a partir de 30 de Junho de 2007, justificando essa notificação pelo facto do posto por ele ocupado ir ser extinto, além de que considerava ter um vínculo de prestação de serviços com o Autor e, como tal, apenas ter de lhe dar um pré-aviso de 60 dias.
Esta comunicação, todavia, encerra um despedimento ilícito uma vez que considera ter com o Réu um vínculo laboral e não um vínculo de prestação de serviços, face às razões anteriormente expostas e tendo em consideração o art. 1º da LCT e art. 1152º do Código Civil.
Não obstante estar a isso obrigado o Réu nunca lhe pagou quaisquer quantias a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou férias não gozadas, não tendo o Réu feito os descontos obrigatórios para a Segurança Social em nome do Autor durante todo o tempo em que para ele trabalhou.
Concluiu pedindo que a presente acção seja julgada procedente e que, em consequência seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 21.517,50 (vinte e um mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos), relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação e indemnização legal, acrescida de juros legais desde a data de citação até integral pagamento, com as legais consequências.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes e notificado o Réu para contestar a presente acção, veio fazê-lo, alegando, em síntese e com interesse, por excepção a incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho uma vez que o contrato celebrado entre o Autor e o Réu – sujeito ao regime do Decreto Lei n.º 41/84 de 03.02, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 299/85 de 29-07 e no Dec. Lei n.º 55/95 de 29-03 – é um típico contrato de natureza administrativa, quer na sua elaboração, quer no modo de cumprimento e não um contrato de trabalho subordinado com ou sem termo.
É um contrato de avença ou prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública, nos termos do artigo 178.º do CPA e al.s b), e) e f) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31-12, sujeitos a IVA, que o Autor livre e conscientemente outorgou e cumpriu.
Nunca houve qualquer subordinação jurídica ou hierárquica ou vinculação a qualquer horário, controlo hierárquico ou poder disciplinar e muito menos na forma de “funcionário público”.
O Autor foi contratado para proporcionar ao Estado o resultado referido na Cláusula 1ª do contrato.
O Estado actuou e actua sempre como organismo da administração pública na prossecução de fins públicos e, ao celebrar os contratos com o Autor, interveio investido no seu poder de jus imperi.
Nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de «questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público».
Por sua vez a al. f) do n.º 1 do mesmo preceito dispõe que cabem na jurisdição administrativa e fiscal as «questões relativas à interpretação validade e execução (…) de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública (…)».
Através do contrato que vinculou o Autor e o Estado constituiu-se uma relação jurídico-administrativa, competindo aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação, a interpretação, validade e execução do mesmo, havendo, pois, manifesta incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho de Lisboa em razão da matéria, o que importa a absolvição do Réu da presente instância.
Caso assim se não entenda, estar-se-á perante um contrato de prestação de serviços (avença), razão pela qual, mesmo nesta hipótese, o tribunal competente, em razão da matéria, é o Tribunal Cível.
Resulta inquestionável do teor do clausulado do contrato que as partes quiseram afastar todos os pressupostos do contrato de trabalho subordinado.
Por impugnação, alegou que em 1999, por imposição das políticas da comunidade europeia para o sector de inspecção higio-sanitária de pescado fresco nas lotas e estabelecimentos de transformação de pescado, foi decidido externalizar as funções, razão pela qual, para desempenho daquelas tarefas, foram celebrados cerca de 90 contratos de prestação de serviços com licenciados em medicina veterinária e indivíduos com formação até ao 12º ano de escolaridade, os primeiros para procederem à inspecção higio-sanitária do pescado e auditoria dos estabelecimentos de transformação de pescado.
Para o exercício de tais funções, eram-lhes transmitidas orientações técnicas genéricas, a fim de se uniformizarem os critérios de inspecção e auditoria, tal como seriam transmitidas a qualquer empresa que tivesse sido contratada para o desempenho dessas tarefas.
Tais controlos não necessitam de ser desempenhados directamente pela Direcção-Geral de Veterinária, que tem apenas que contratar pessoas ou empresas dotadas de recursos com habilitações e formação necessária para o efeito.
Não era estabelecido qualquer horário aos inspectores e auxiliares, embora a mesma tivesse de ser realizada nos horários de funcionamento das lotas.
O cartão entregue ao Autor e demais contratados, servia apenas para que os mesmos pudessem ter acesso aos estabelecimentos a auditar e para que pudessem permanecer nas lotas devidamente identificados, para que quem necessitasse saber que a inspecção sanitária de pescado era por si realizada, não lhe conferindo, tal cartão, a qualidade de funcionários, nem sequer os identificava como tal.
No elenco dos índices ou critérios acessórios, reveladores da existência de subordinação jurídica ou, pelo menos, de forte presunção nesse sentido, assumem especial relevância os que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
O contrato em causa nos presentes autos configura, na sua execução, uma verdadeira prestação de serviços exercida em total autonomia técnica e sem determinação de horário, tendo o Autor perfeita consciência disso mesmo já que, como licenciado, tinha especial sensibilidade e dever de perceber os conceitos apostos no contrato, tendo-o assinado livremente.
A Direcção Geral de Veterinária não impediu o Autor do gozo de férias.
Atendendo à natureza do contrato, não foi efectuado qualquer pagamento relativo a subsídios de férias e de Natal por não serem devidos.
Não houve qualquer despedimento e menos ainda ilícito, não devendo o Réu ao Autor seja o que for.
Concluiu que:
I- Deve a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal ser jugada procedente por provada e, consequentemente, o Réu ser absolvido da instância.
Caso assim se não entende:
II- Deve a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada e o Réu Estado absolvido dos pedidos.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, invocada pelo Réu, a qual foi julgada improcedente.
Foi dispensada a organização de base instrutória.
Procedeu-se à audiência final de discussão e julgamento, após o que foi proferida a decisão de fls. 126 a 130 sobre matéria de facto provada e não provada.
Não houve reclamações.
Antes da prolação de sentença foi dada a oportunidade de as partes se pronunciarem sobre a eventual nulidade do contrato entre ambas estabelecido, ao abrigo do art. 3º n.º 3 do C.P.C, face à caracterização desse contrato que cada uma delas trouxe ao processo e à circunstância de, nenhuma delas, ter suscitado a questão da respectiva nulidade.
Em consequência, o Réu Estado, por requerimento junto aos autos em 16 de Março de 2009, embora continue a defender a existência entre as partes de um contrato de prestação de serviços, requereu que, se assim não fosse entendido, o mesmo fosse declarado nulo, por ofensa e por ser contrário às regras de admissão na função pública.
Também o Autor se pronunciou por requerimento deduzido em 26 de Março de 2009, no sentido de se não poder negar o direito ao pedido por si formulado mesmo que o contrato que entende ter sido de trabalho, venha a ser declarado nulo.
Seguidamente foi proferida sentença nos seguintes termos:
Nesta conformidade e decidindo, julga-se a acção procedente e, consequentemente, declara-se ilícito o despedimento efectuado e condena-se a ré no pagamento ao autor:
- de uma indemnização por antiguidade, que se fixa em 30 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade;
- dos subsídios de Natal no valor de € 5.164,20;
- das retribuições de férias, no valor de e 5.164,20;
- dos subsídios de férias, no valor de € 5.164,20;
- dos juros moratórios, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento

Inconformado com esta sentença, dela veio o Réu interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)

Contra-alegou o Autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos.
Cumpridos os vistos, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO

Face às conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:
Questões:
§ Natureza do contrato celebrado entre as partes;
§ Licitude da respectiva cessação;
§ Nulidade do contrato – se de contrato de trabalho se tratar – e consequências daí decorrentes face ao pedido formulado nos autos.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O autor foi admitido ao serviço da Direcção Geral de Veterinária, em 1 de Dezembro de 2003, por acordo escrito denominado de “Contrato de Avença”;
2. O autor foi exercer as funções de Inspector Sanitário;
3. As funções do autor consistiam em inspeccionar o pescado e as suas condições sanitárias, bem como efectuar toda a tramitação da atribuição do número de controlo veterinário aos estabelecimentos que laborem produtos de pesca;
4. O autor exerceu as suas funções na Lota da Nazaré;
5. Como contrapartida da sua actividade profissional, auferia mensalmente um valor de € 1,721,40 (mil setecentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos), a título de retribuição base, acrescida de ajudas de custo quando houvesse lugar a deslocações para fora da Lota da Nazaré;
6. A sua remuneração foi sempre actualizada, em cada ano, de acordo com os aumentos do regime geral da função pública;
7. O autor tinha um horário de prestação de trabalho fixo, por turnos, podendo laborar no período entre as 15h e as 22h ou entre as 19h e as 3h, na Lota da Nazaré;
8. A indicação da organização das escalas nos respectivos turnos, bem como a indicação de dias de férias, tinha que ser feita pelo autor e seus colegas de trabalho para a ré, na pessoa do respectivo Chefe de Divisão, a pedido deste;
9. No desempenho das suas funções, o autor estava sujeito às ordens, instruções e autoridade da ré, no que respeitava a procedimentos a cumprir na inspecção do pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar, hora e local das mesmas;
10. Em caso de dúvida por parte do autor, era frequente ter de pedir esclarecimentos sobre a forma de actuar, para que as instruções da ré fossem integralmente cumpridas;
11. O autor para entrar no local onde desempenhava as suas funções, sempre teve um cartão de identidade, que funcionava para ter livre trânsito na lota onde era colocado;
12. Esse cartão de identidade permitia ao autor ser identificado como trabalhador da ré, dando-lhe acesso aos espaços em cada lota, controlados por aquela;
13. Uma vez em cada lota, a Direcção Geral de Veterinária tem uma sala da sua responsabilidade, com material de trabalho, mesas, cadeiras, computadores, telefone e fax, propriedade da ré, dos quais o autor se servia para desempenhar as suas funções;
14. Qualquer comunicação, relatório ou tramitação necessária realizar pelo autor, dentro do seu horário de trabalho, era feita com uso dessa sala e do material nela constante;
15. O autor desempenhou ininterruptamente, as suas funções, desde Dezembro de 2003;
16. Por carta datada de 26 de Abril de 2007, a ré, na pessoa do Director Geral da Direcção Geral de Veterinária, comunicou ao autor que considerava o contrato rescindido a partir de 30 de Junho de 2007;
17. E, após ter sido interpelada para tal, pelo autor e outros colegas de trabalho, a ré justifica esta notificação pelo facto de o posto ocupado pelo autor ir ser extinto, além de que considera ter um vínculo de prestação de serviços com este e como tal apenas tem de dar um pré-aviso de 60 dias para que o contrato termine;
18. A ré nunca pagou ao autor quaisquer quantias a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou férias não gozadas;
19. Nem fez descontos ou contribuições para a Segurança Social, em nome do autor, durante o tempo em que este exerceu as suas funções para a ré;
20. Em 1999, por imposição das políticas da Comunidade Europeia para o Sector, foi necessário implementar a inspecção higio-sanitária do pescado fresco nas lotas existentes, bem como as auditorias aos estabelecimentos de transformação do pescado;
21. Para o efeito, foram-se celebrando acordos escritos denominados por “contratos de avença”, como sucedeu em 1 de Dezembro de 2003, com o autor.

Mantemos aqui a matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal a quo, dado que não foi objecto de qualquer impugnação, nem se vêem motivos para se proceder à respectiva alteração.

Antes de entrarmos na apreciação das suscitadas questões de recurso, importa que se precise qual o regime legal a considerar no caso vertente.
Da matéria de facto provada resulta que o contrato estabelecido entre as partes envolvidas no presente litígio e por elas denominado de “Contrato de Avença”, foi celebrado em 1 de Dezembro de 2003, para ter início nessa mesma data, constando desse contrato que o mesmo era celebrado ao abrigo do art. 17º do Decreto-Lei n.º 41/84 de 03-02, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 299/85 de 29-07.
Este contrato foi rescindido, unilateralmente, pelo Réu, através do Director-Geral da sua Direcção-Geral de Veterinária, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2007.
Por outro lado, também se não pode deixar de considerar que naquela precisa data (1-12-2003) entrou em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, revogando o regime jurídico do contrato de trabalho até então vigente.
É certo que através da Lei n.º 7/2009 de 12-02 foi aprovado, praticamente, um novo Código do Trabalho, todavia estabelece o art. 7º n.º 1 dessa mesma Lei que, «sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho… celebrados… antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
Verificamos, deste modo, que na apreciação do objecto do presente litígio, mormente as questões suscitadas em sede de recurso para esta Relação, deveremos levar em consideração não só os diplomas mencionados no contrato estabelecido entre as partes e a que, anteriormente, fizemos alusão, como também o referido Código do Trabalho de 2003.
Chegados a esta conclusão, importa, pois, apreciar qual a natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes em 1 de Dezembro de 2003 e que se mostra junto aos autos a fls. 89 a 92, com uma denominada “apostila” junta a fls. 93.
Nos articulados, bem como nas alegações de recurso e em síntese, defende o Apelante tratar-se de “Contrato de Avença” em termos de prestação de serviços, enquanto que o Apelado propugna que, não obstante o “nomen júris” atribuído ao referido contrato, bem como o teor das correspondentes cláusulas, a relação contratual estabelecida na vigência do mesmo se traduziu na existência de um verdadeiro contrato de trabalho, qualificação que mereceu acolhimento na sentença recorrida.
Vejamos de que lado estará a razão!
Diremos, antes de mais, que, em matéria de considerações gerais sobre os aspectos ou elementos diferenciadores dos mencionados tipos de contrato e que permitem concluir se, perante os factos provados, ponderados na sua globalidade face à relação jurídica concreta Cfr. neste sentido e entre outros o Acórdão do STJ de 17-10-2007 em www.dgsi.pt , Proc. 07S2187. , se está perante um contrato de prestação de serviços – “in casu” em regime de avença – ou se perante um contrato de trabalho, verificamos que o Mmº. Juiz do Tribunal a quo desenvolveu, na sentença recorrida, exaustiva e correcta explanação do entendimento que, quer ao nível da doutrina, quer ao nível da jurisprudência, se vem firmando sobre essa matéria e é já comummente aceite, razão pela qual, nessa parte, nos dispensamos de desenvolver, aqui, quaisquer outras considerações remetendo para o teor da aludida sentença.
Posto isto, ficou demonstrado que o Autor foi admitido ao serviço da Direcção-Geral de Veterinária, em 1 de Dezembro de 2003, por acordo escrito denominado “Contrato de Avença” e foi exercer as funções de Inspector Sanitário, as quais consistiam em inspeccionar o pescado e suas condições sanitárias, bem como efectuar toda a tramitação da atribuição do número de controlo veterinário aos estabelecimentos que laborem produtos de pesca (pontos 1. a 3.).
Provou-se também que, como contrapartida da sua actividade profissional, o Autor auferia mensalmente o valor de € 1.721,40, a título de retribuição base, acrescida de ajudas de custo quando houvesse lugar a deslocações para fora da Lota da Nazaré onde prestava funções, provando-se ainda que a sua remuneração foi actualizada em cada ano de acordo com os aumentos do regime geral da função pública (pontos 4. a 6.).
Para além disso, demonstrou-se que o Autor tinha um horário fixo de prestação de trabalho, por turnos, podendo laborar no período entre as 15h00 e as 22h00, ou entre as 19h00 e as 03h00 na Lota da Nazaré, sendo que a organização das escalas nos respectivos turnos, bem como a indicação de dias de férias, tinha de ser feita pelo Autor e seus colegas de trabalho para a Ré, na pessoa do respectivo Chefe de Divisão, a pedido deste (pontos 7. e 8.).
Também se demonstrou que no desempenho das suas funções, o Autor estava sujeito a ordens, instruções e à autoridade da Ré, no que respeitava a procedimentos a cumprir na inspecção do pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar, hora e local das mesmas e que, em caso de dúvida, era frequente ter de pedir esclarecimentos sobre a forma de actuar, para que as instruções da Ré fossem integralmente cumpridas (pontos 9. e 10.).
Ainda com interesse, demonstrou-se que o Autor sempre teve um cartão de identidade que lhe permitia ser identificado como trabalhador da Ré para entrar no local onde desempenhava as suas funções, dando-lhe acesso aos espaços da Lota controlados por aquela e que, em cada Lota, a Ré dispõe de uma sala da sua responsabilidade, com material de trabalho, mesas, cadeiras, computadores, telefone, fax que eram sua propriedade e de que o Autor se servia para desempenhar as suas funções, sendo que qualquer comunicação, relatório ou tramitação que tivesse necessidade de realizar dentro do seu horário de trabalho, era feita com uso dessa sala e do material nela constante (pontos 11. a 14.).
Importa, ainda, considerar haver-se demonstrado que o Autor desempenhou ininterruptamente as suas funções desde Dezembro de 2003 e que, por carta datada de 26 de Abril de 2007, a Ré, na pessoa do Director-Geral da Direcção-Geral de Veterinária, comunicou ao Autor que considerava o contrato rescindido a partir de 30 de Junho de 2007 (pontos 15. e 16.).
Finalmente também se demonstrou que o réu nunca pagou ao Autor quaisquer quantias a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou férias não gozadas, nem fez descontos ou contribuições para a Segurança Social em nome daquele (pontos 18. e 19.).
Para além desta matéria de facto tida como assente, verificamos resultar do contrato outorgado pelas partes em 1 de Dezembro de 2003 e que foi junto pelo Réu/Apelante a fls. 89 a 92 dos autos como doc. n.º 2, que o mesmo foi outorgado sob a denominação de “Contrato de Avença (Em substituição de um outro que foi rescindido)”, foi celebrado para vigorar, no máximo, até 13 de Agosto de 2004 e foi celebrado com base em diversos despachos governamentais nele mencionados, bem como ao abrigo do disposto no art. 17º do Decreto-Lei n.º 41/84 de 03-02, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 299/85 de 29-07, em substituição do que vigorou com o inspector sanitário do pescado AM… e que fora rescindido em 08-11-2003.
Este contrato sofreu, depois, uma alteração em 9 de Setembro de 2004, que as partes denominaram de “Apostila a Contrato de Avença” mediante a qual o Autor passaria prestar serviço na Lota da Nazaré – nos termos do contrato inicial a prestação de serviços deveria ser efectuada na Lota de Vila Real de Santo António – estipulando-se nessa “apostila” que a mesma reportava os seus efeitos a 1 de Agosto de 2004.
Ora, perante todos os mencionados aspectos de matéria de facto provada, quando considerados na sua globalidade, somos levados a concluir que a actividade de inspecção sanitária desenvolvida pelo Autor – Médico Veterinário na qualidade de Inspector Sanitário – de forma ininterrupta entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Junho de 2007, no âmbito de contrato denominado de “Contrato de Avença (Em substituição de um outro que foi rescindido)” outorgado entre as partes naquela primeira data, consubstanciava a execução de um verdadeiro contrato de trabalho, já que as circunstâncias, de facto, em que a mesma foi sendo desenvolvida durante esse período de tempo, patenteiam aquilo que melhor caracteriza este tipo de contrato ou seja a existência de uma efectiva subordinação jurídica do Autor face ao Réu, este na pessoa do Director-Geral da Direcção-Geral de Veterinária. Bastará atentar que, para além da existência de um horário de prestação de trabalho fixo, embora por turnos – ainda que o Autor e os seus colegas pudessem organizar entre si as escalas desses turnos – o Autor dispunha de períodos de gozo de férias pagas e, no desempenho das suas funções, estava sujeito às ordens, instruções e à autoridade do Réu no que respeitava a procedimentos a cumprir na inspecção do pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar quanto à hora e local das mesmas, fazendo uso de espaços atribuídos ao Réu, bem como de meios materiais que eram propriedade deste e que o mesmo colocava à disposição do Autor para o desempenho das suas funções.
Acresce, por outro lado, considerar que, estabelecendo o n.º 3 do mencionado art. 17º do DL n.º 41/84 de 03-02, na redacção dada pelo DL n.º 299/85 de 29-07 (diploma ao abrigo do qual foi outorgado o contrato estabelecido entre as partes) que “O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença(realce nosso), o que é certo é que o Réu, através da Direcção-Geral de Veterinária, nada demonstrou quanto à não existência nos seus serviços, de funcionários ou agentes com qualificações adequadas ao exercício de funções objecto de avença, se era esse o contrato que, efectivamente, pretendia estabelecer com o aqui Autor, sendo certo que lhe competia esse ónus de prova, enquanto facto que, de algum modo, poderia impedir o direito invocado por este na presente acção (art. 342.º n.º 2 do Cod. Civil).
Por outro lado, não se pondo em dúvida que o contrato objecto dos presentes autos foi outorgado por pessoas instruídas e que, sobretudo no que respeita ao Réu Estado, normalmente são assessoradas por serviços de apoio jurídico com uma noção exacta da natureza dos contratos que pretendem estabelecer e dos pressupostos que rodeiam a respectiva outorga, o que é certo é que não obstante algumas das cláusulas do contrato firmado entre as partes até poderem transmitir a ideia de que se configurara a celebração de um contrato de “prestação de serviços em regime de avença”, o que é certo é que, como vimos, ficou por demonstrar a verificação de, pelo menos, um dos necessários pressupostos para a outorga desse tipo de contrato com respeito pelos ditames da lei e, para além disso, a matéria de facto provada a que fizemos anterior referência apresenta-se assaz concludente quanto à efectiva existência de um verdadeiro contrato de trabalho celebrado entre as partes contratantes, já que a sua execução revela a verificação dos elementos integradores do conceito de contrato de trabalho, nos termos em que este surge definido no art. 10º do Código do Trabalho de 2003.
Todavia, como se afirma na sentença recorrida, sendo a entidade empregadora o Estado Português, existem normas imperativas em termos de contratação de pessoal.
Na verdade, desde logo o art. 6º da Lei n.º 99/2003 de 27-08 que aprovou o referido Código do Trabalho, estabelece que «Ao trabalhador de pessoa colectiva pública que não seja funcionário ou agente da Administração Pública aplica-se o disposto no Código do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial, sem prejuízo dos princípios gerais em matéria de emprego público» (realce nosso).
Sucede que à data da celebração do contrato entre as partes (01-12-2003), vigorava o Dec. Lei n.º 184/89 de 02-06, através do qual se estabeleceram princípios gerais em matéria de emprego público (art. 1º), estipulando-se no seu art. 5º que «a relação jurídica de emprego na Administração constitui-se com base em nomeação ou em contrato», contrato que, constituindo uma relação transitória de trabalho subordinado (art. 7º n.º 1 do mesmo diploma), de acordo com o n.º 2 deste preceito, apenas poderia assumir as formas de contrato administrativo de provimento ou de contrato de trabalho a termo certo.
Importa também referir que, nos termos do n.º 3 do art. 9º do mesmo diploma, a contratação de pessoal, mediante contrato de trabalho a termo certo na Administração Pública, obedecia aos seguintes princípios:
«a) Publicidade da oferta de emprego;
b) Selecção dos candidatos;
c) Fundamentação da decisão;
d) Publicação na 2ª série do Diário da República, por extracto, dos dados fundamentais da contratação efectuada».
Também à data da celebração do contrato entre as partes, vigorava o Dec. Lei n.º 427/89 de 07-12, diploma que, desenvolvendo e regulamentando os princípios a que obedecia a relação jurídica de emprego na Administração Pública estabelecidos por aquele outro diploma, previa, também ele, no seu art. 3º que «a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal», estipulando, depois, no n.º 1 do seu art. 14º que «O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de: a) Contrato administrativo de provimento; b)Contrato de trabalho a termo certo», sendo que, nos termos do respectivo art. 18º, n.º 1 «O Contrato de trabalho a termo certo é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas nos termos do artigo 15º», enquanto que no respectivo n.º 2 se estipula que «O contrato de trabalho a termo certo pode ainda ser celebrado nos seguintes casos: a) Substituição temporária de um funcionário ou agente; b) Actividades sazonais; c) Desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços; d) Aumento excepcional e temporário da actividade do serviço».
Por seu turno, o n.º 3 do mencionado art. 14º estabelece que «O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma».
Finalmente, importa referir que no art. 43º n.º 1 do mencionado Dec. Lei 427/89, se determina que «A partir da data de entrada em vigor do presente diploma é vedada aos serviços e organismos referidos no artigo 2º a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no presente diploma».
Posto isto e revertendo, novamente, ao caso em apreço, verificamos que, decorrendo, claramente, dos referidos diplomas e disposições legais, mormente das deste último, não ser permitido o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e um qualquer trabalhador mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, verificamos que a contratação do Autor por parte do Réu em 1 de Dezembro de 2003, nos termos em que a mesma se verificou, bem como o desenvolvimento subsequente desse contrato nas circunstâncias anteriormente referidas, ocorreu em flagrante violação das mencionadas normas, porquanto da matéria de facto provada, embora resulte que o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes tivesse, inicialmente, sido celebrado a termo certo, não se demonstrou que tivesse sido celebrado para prover à satisfação de qualquer necessidade transitória de serviço que não pudesse ser assegurada com recurso ao disposto no art. 15º, ou para prover a qualquer das circunstâncias a que se alude no n.º 2 do respectivo art. 18º, ambos do Dec. Lei n.º 427/89 de 07-12, circunstância que fere de nulidade a celebração do contrato em causa, por força do mencionado art. 43º n.º 1 conjugado com o art. 294º do Código Civil.
É certo que na vigência da relação laboral estabelecida entre ambas as partes, entrou em vigor a Lei n.º 23/2004 de 22-06 que aprovou o regime jurídico de contrato individual de trabalho da Administração Pública, no qual – entre outras que aqui não relevam – se estabelece a possibilidade de celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado (cfr. designadamente o respectivo art. 5º n.º 1), contrariamente ao que sucedia na anterior legislação como tivemos a oportunidade de observar.
Ora, estipulando o art. 118º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 que «Cessando a causa de invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início», a questão que, agora, se nos suscita, é a de saber se, no caso vertente e por força da entrada em vigor do mencionado Dec. Lei n.º 23/2004 de 22-06, o contrato de trabalho estabelecido entre o Autor e o Réu em 1 de Dezembro de 2003 e que se desenvolveu até 30 de Junho de 2007, se deve considerar convalidado desde o seu início.
Sucede que este último diploma, tendo entrado em vigor em 22 de Julho de 2004, afasta, ele próprio, a respectiva aplicação ao contrato em análise ao estabelecer no seu art. 26º n.º 1 que «Ficam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho … celebrados … antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento» (realce nosso).
Todavia, ainda que assim não fosse, também se verifica que nos termos dos artigos 5º e 7º do referido Dec. Lei n.º 23/2004, a contratação por tempo indeterminado pela Administração Pública, para além de ter de ser precedida de um processo de selecção que obedece a determinados princípios que devem ser respeitados, só pode ocorrer se existir um quadro de pessoal para aquele efeito e com obediência aos limites desse quadro, sendo certo que no caso em apreço, não se alegou nem se demonstrou sequer a existência deste quadro e daí que se não possa ter por convalidado o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes.
Mantém-se, pois, a conclusão anteriormente extraída de estarmos em face de um contrato de trabalho ferido de nulidade na medida em que celebrado e mantido ao longo dos anos em manifesta violação de normas legais de natureza imperativa.
Ora, a nulidade do negócio jurídico é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do Cod. Civil) e, em termos gerais, tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º n.º 1 do mesmo diploma).
Sucede, porém, que o Código do Trabalho de 2003 – à semelhança do que se verificava já no anterior regime jurídico do contrato de trabalho – estabelece um regime especial em termos de efeitos da nulidade ou invalidade do contrato de trabalho que tenha tido efectiva execução entre as partes contratantes e que, nessa medida, prevalece sobre aquele regime geral (cfr. art. 7º n.º 3 do próprio Cod Civil).
Na verdade, estabelece o art. 115º, n.º 1 daquele diploma que «O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução».
Há, pois, como que uma ficção legal de plena validade do contrato de trabalho efectivamente celebrado, durante o período em que o mesmo esteve em execução entre as partes contratantes, razão pela qual, ficcionando-se esta validade contratual, a licitude da respectiva cessação apenas se verificará se pudermos concluir ter sido efectuada com respeito pelas normas legais que a prevêem. É que de acordo com o disposto no art. 116º n.º 1 do mesmo Código do Trabalho, «Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato».
Ora, as modalidades de cessação do contrato de trabalho legalmente previstas eram a caducidade, a revogação a resolução e a denúncia (cfr. art. 384º do referido Código).
Na comunicação que dirigiu ao Autor por carta datada de 26 de Abril de 2007, o Réu, na pessoa do Director-Geral da sua Direcção-Geral de Veterinária, referiu-lhe apenas que considerava o contrato rescindido a partir de 30 de Junho de 2007.
Acontece que o contrato de trabalho que, efectivamente, existiu e esteve, ininterruptamente, em execução entre as partes desde 1 de Dezembro de 2003 – contrato celebrado inicialmente com um prazo limite até 13 de Agosto de 2004 e que, já depois de expirado esse prazo, sofreu uma alteração sem qualquer fixação de termo – cessou em 30 de Junho de 2007 sem que o Réu, até então, tivesse declarado a respectiva invalidade ou nulidade.
Na verdade, verifica-se que o Réu/Apelante apenas em 16 de Março de 2009 e na sequência de oportunidade que, pelo Tribunal a quo, foi conferida às partes para se pronunciarem quanto a esse aspecto, requereu a declaração de nulidade do contrato estabelecido entre si e o Autor/Apelado, na circunstância de o mesmo vir a ser considerado como contrato de trabalho subordinado (cfr. requerimento de fls. 135).
Assim, no âmbito da referida ficção legal de validade do contrato de trabalho que, efectivamente existiu entre as partes, a única forma lícita de que o Réu dispunha para, unilateralmente, ter posto fim a esse contrato, seria através de resolução mediante despedimento por facto imputável ao Autor e apurado em sede de processo disciplinar.
Não se tendo verificado esta forma lícita de cessação contratual de trabalho, não poderemos deixar de concluir que a “rescisão” unilateralmente assumida pelo Réu em 26 de Abril de 2007 e para produzir efeitos a partir de 30 de Junho do mesmo ano, mais não constituiu do que o despedimento ilícito, já que levado a efeito ao arrepio das circunstâncias em que o mesmo poderia ter lugar, constituindo, portanto, uma forma ilícita de cessação do mencionado contrato de trabalho, com as consequências extraídas na sentença recorrida.
É certo não desconhecermos alguma jurisprudência que, escudando-se no n.º 6 art. 10º do Decreto-Lei n.º 184/89 de 02-06 – na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 25/98 de 26-05 – ao dispor que «São nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução” propugna que «… hão-de ter-se como validamente produzidos os efeitos de direito que resultam do contrato tal como foi celebrado entre as partes, o que significa que o Autor, por referência ao período de execução do contrato, não poderá reclamar quaisquer diferenças salariais ou outros direitos estatutários que pudessem derivar da qualificação jurídica da relação contratual como contrato de trabalho subordinado» Cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 08-11-2006 em www.dgsi.pt Proc. 06S1544.. No entanto, tal como se referiu em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009 Publicado em www.dgsi.pt Proc. N.º 08S2583 «Temos para nós que a transcrita disposição legal – quando declara nulo o contrato de prestação de serviço mas ressalva os efeitos que dele decorrem durante o período da sua vigência – se estriba no necessário pressuposto de que outro não haja sido o contrato efectivamente celebrado», afirmando, logo a seguir, que «Nem poderia ser de outro modo. Se o tribunal não se acha adstrito, na tarefa de qualificação do vinculo, à designação que as partes lhe conferiram, mal se entenderia que, ao arrepio da qualificação operada, lhe fosse imposto, a final, que atendesse aos efeitos de um contrato ficcionado.
É por isso que não podemos deixar de subscrever por inteiro o entendimento expendido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 10/3/2005 (Revista n.º 3953/04): “Se um dado contrato celebrado entre a Administração e um particular, pelo seu conteúdo, apesar de lhe ter sido atribuído um outro nomen júris, é susceptível de ser qualificado como um contrato de trabalho, a consequência é esse contrato passar a reger-se pelas leis laborais de direito privado ou pelo regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego público, consignado no Decreto-Lei n.º 427/89, consoante o contrato em causa possa ser considerado como contrato de trabalho por tempo indeterminado ou contrato de trabalho a termo certo”».
Ora, acolhendo-se este entendimento jurisprudencial e pelas razões anteriormente expostas, não nos merece censura a sentença recorrida.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2010

José Feteira
Filomena Carvalho
Ramalho Pinto (vencido. Revogaria a sentença, pelos fundamentos expostos no acórdão citado nas conclusões do recurso, de que fui relator)