Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3072/2008-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - A pendência de acção de divórcio litigioso proposto pelo cônjuge marido, com fundamento em violação culposa dos deveres conjugais do outro cônjuge, não implica a suspensão da instância de outra acção de divórcio litigioso proposto posteriormente pelo cônjuge mulher, com base em violação culposa dos deveres conjugais do marido.
II - Propostas duas acções de divórcio, em separado, uma por cada um dos cônjuges, nenhuma delas é prejudicial em relação à outra, pelo que se não justifica a suspensão da instância
(F. G.)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

            I – RELATÓRIO

            M veio intentar contra J, acção de divórcio litigioso, pedindo seja decretado o divórcio entre A. e Réu, declarando-se este o únicio cônjuge culpado.

            Junta cópia da sentença proferida em 17.10.2007 - no âmbito do processo de divórcio litigioso nº., que J intentou contra M, em que foi decretado o divórcio entre A. e Ré e da qual foi interposto recurso -, foi proferido despacho que decidiu suspender a presente acção, com base no art. 279°, n° 1 do CPC e com fundamento na existência dessa acção de divórcio litigioso intentada pelo ora Réu contra a ora Autora, que se encontra em fase de recurso.

Inconformada, a A. veio agravar da decisão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:

1 - Por despacho proferido a fls. dos autos foi decidido suspender a presente acção com base no art. 279°, n:° 1 do CPC e com fundamento na existência de uma acção de divórcio litigioso pendente que se encontra em fase de recurso, intentada pelo ora Réu contra a ora Autora.

2 - Salvo melhor opinião e com o devido respeito pelo douto despacho proferido, não se vislumbra no presente caso fundamento para a suspensão da instância com base no art. 279°, n.° 1 do CPC.

3 - Proposta por cada um dos cônjuges acção de divórcio em separado, nenhuma delas é prejudicial em relação à outra, não se justificando a suspensão da instância. Só o decretamento do divórcio por sentença transitada em julgado, proferida numa das acções, obsta a que a outra possa prosseguir.

4 - A suspensão da instância só pode ser decretada desde que haja uma causa de prejudicialidade ou motivo justificativo, o que não ocorre no caso sub judice.

5 - A presente suspensão da instância atenta contra os princípios da economia e da celeridade processuais previstos nos arts. 137° e 265° do CPC.

6 - Também não estamos presente um caso de litispendência por não se reunirem todos os requisitos para a aplicação de tal instituto dado que nas duas acções propostas as causas de pedir são distintas.

7 - A causa de pedir numa acção de divórcio são os factos concretos que se pretende ver reconhecidos como fundamento da dissolução do casamento.

8 - Ora, a acção intentada pelo cônjuge marido tem como fundamento a violação do dever conjugal de respeito enquanto que a presente acção intentada pelo cônjuge mulher tem como fundamento a violação dos deveres conjugais de fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.

9 - Assim, por não haver fundamento para a suspensão da instância nos termos do art. 279°, n.°1 CPC, por não estarem preenchidos todos os requisitos para a litispendência ao abrigo do art. 497°, n.° 1 do CPC, deve a decisão ora recorrida ser revogada.

Contra-alegou o Réu, tendo concluído:

1 – O caso em apreço consubstancia uma situação de litispendência, a qual determina a absolvição da instância, conforme determina o art. 493° do C.P.C.

2 - Se assim não se entender, deverá confirmar-se o despacho recorrido por aplicação do nº 1, do art. 279° do C.P.C, por motivo de causa prejudicial ou por motivo justificado, por forma a impedir a eventualidade de decisões contraditórias que visam igual efeito jurídico.

            Corridos os Vistos legais,
            Cumpre apreciar e decidir.
            Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela ora Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito a saber se a presente acção de divórcio litigioso, intentada pela A. contra seu marido, deve ou não ser suspensa até que definitivamente fique decidida a acção de divórcio litigioso que seu marido lhe moveu e em que já foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado.

            II - FACTOS PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:
1. Na presente acção de divórcio, cuja petição inicial deu entrada em juízo em 22.11.2007, a ora Agravante, M, veio intentar acção de divórcio litigioso contra seu marido, J, com fundamento na violação dos deveres de coabitação, cooperação e  assistência, de fidelidade e respeito, pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e Réu, declarando-se este único cônjuge culpado, mais devendo o Réu ser condenado no pagamento em indemnização a favor da A.
2. Corre termos no 2º Juízo de Família e Menores da Comarca de Cascais, proc. nº, acção de divórcio litigioso, intentada por J contra sua mulher M, com fundamento na violação dos deveres de respeito e cooperação.
3. Nesta acção foi proferida, em 17.10.2007, sentença que decretou o divórcio entre J e M, com a consequente dissolução do casamento celebrado entre ambos em 27.10.1998, declarando a Ré única culpada na dissolução do casamento, por violação dos deveres conjugais de respeito e de cooperação (cfr. sentença junta a fls. 64 e segs. dos autos).
4. Da referida sentença foi interposto recurso que foi admitido em 6.11.2007, recurso esse que já subiu a esta Relação e foi distribuído em , mas ainda não foi julgado.

III – O DIREITO
1. Sustentou o despacho recorrido que se justifica a suspensão da presente acção de divórcio litigioso, por estar dependente do trânsito em julgado da decisão proferida em processo de divórcio litigioso que foi intentado pelo aqui Réu contra a Autora. A este respeito, escreve-se no despacho de sustentação que “permitir o prosseguimento da presente acção podia levar a que viessem a ser proferidas decisões contraditórias nos dois processos, designadamente quanto à atribuição da culpa na ruptura do casamento, sendo certo que a apensação dos processos a fim de serem apreciados em conjunto também não se torna possível, considerando a diferente fase em que se encontram, uma vez que no divórcio litigioso n° 419/04 já foi proferida sentença, embora não transitada em julgado.”

Contra tal entendimento, vem a Agravante argumentar que não se vislumbra fundamento para a suspensão da instância com base no art. 279º, nº 1 do CPC, inexistindo uma relação de prejudicialidade ou uma dependência funcional entre os dois processos.

Vejamos.

Tendo presente o disposto no nº1 do art. 279º do C.P.C., o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta”, isto é, quando pender uma causa prejudicial.

Na doutrina, entende-se consensualmente por "causa prejudicial " aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada. Assim, no caso deste art. 279º, não é por uma razão de competência que o juiz suspende a instância, é por uma razão de conveniência. Uma vez que está pendente a causa prejudicial julga-se conveniente aguardar que ela seja decidida, já que pode destruir a razão de ser da outra causa, considerando-se razoável a suspensão da instância subordinada[1].

Quanto ao que seja uma "causa prejudicial", sustenta Alberto dos Reis que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta. Assim, por exemplo, a acção de nulidade de um contrato é prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes. A acção da anulação de testamento é prejudicial, da acção de entrega de legado ou, da acção de petição da herança, fundadas no mesmo testamento[2].

De acordo com Manuel Andrade “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental”. Porém, segundo este autor, nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade de maneira a abranger outros casos, podendo considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.

2. No caso dos autos, a alegada prejudicialidade intercede entre, de um lado, uma acção de divórcio interposta pelo cônjuge marido contra sua mulher, M, com fundamento na violação dos deveres de respeito e cooperação, pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e Ré, declarando-se esta único cônjuge culpado e, do outro, uma acção de divórcio litigioso intentada pelo cônjuge mulher contra seu marido J, com fundamento na violação dos deveres de coabitação, cooperação e assistência, de fidelidade e respeito, pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e Réu, declarando-se este único cônjuge culpado, mais devendo o Réu ser condenado no pagamento em indemnização a favor da A.

Convém lembrar que, a causa de pedir nas acções e divórcio são os factos concretos que se pretendem ver reconhecidos como fundamento da dissolução do casamento. A esta luz o pedido que a A. formulou nesta acção e o pedido que o aqui Réu formulou na primeira acção, são necessariamente diferentes, sendo certo que tais pedidos não estão numa relação de dependência, isto porque a procedência de qualquer deles não dependende da sorte que o outro tiver.

Ademais, a procedência dos pedidos, deduzidos em cada uma das acções, depende da apreciação de factos  diversos. Por isso, também se pode dizer, ao contrário do entendimento do aqui Agravado, que inexiste aqui uma situação de litispendência[3].

Ora, bem vistas as coisas, ainda que se entenda o sentido da decisão recorrida, afigura-se não estarem preenchidos os requisitos para se ordenar a suspensão da instância, uma vez que a decisão desta causa não está dependente do julgamento da outra já proposta, nem ocorre outro motivo justificado, embora se tenha presente que, se a sentença proferida na acção que o aqui Réu intentou contra a aqui A. - que decretou o divórcio entre ambos, declarando a Ré, M, única culpada na dissolução do casamento – for confirmada pelo tribunal de recurso, transitando em julgado, a acção intentada pela A./Agravante será extinta por inutilidade, ou mesmo por impossibilidade, superveniente da lide, isto porque, sendo a acção de divorcio constitutiva, operada a alteração no estado civil, fica definitivamente regulada a situação.

No entanto, este não é o único cenário. Com efeito, pode também suceder que a sentença que decretou o divórcio em 1ª instância seja revogada e a acção julgada improcedente, o que obviamente não afectaria a possibilidade de prosseguimento do processo e prolação da sentença neste processo, sendo certo que, como se referiu, estamos perante causas de pedir diversas. E, neste caso, o processo teria ficado inutilmente suspenso.

Conclui-se, portanto, que, a pendência de acção de divórcio litigioso proposto pelo cônjuge marido, com fundamento em violação culposa dos deveres conjugais do outro cônjuge, não implica a suspensão da instância de outra acção de divórcio litigioso proposto posteriormente pelo cônjuge mulher, com base em violação culposa dos deveres conjugais do marido.

Ou seja, propostas duas acções de divórcio, em separado, uma por cada um dos cônjuges, nenhuma delas é prejudicial em relação à outra, pelo que se não justifica a suspensão da instância[4]


IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, devendo a instância prosseguir os ulteriores termos normais, se outra razão a tal não obstar.
Custas pelo Agravado.
Lisboa, 15 de Maio de 2008.

(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

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[1] Alberto dos Reis, "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol.3º, pág.268.
[2]  Alberto dos Reis "Comentário…", Vol. 3º, p. 269.
[3] Acs. STJ de 4.5.1978, BMJ 277-184 (Rodrigues Bastos), e de 15.10.1980 (Daniel Ferreira), BMJ 300º-340.
[4] Neste sentido Acs. Do STJ de 5.7.2000 (Barros Caldeira) e da RP de 7.4.1997 (Azevedo Ramos), www.dgsi.pt.