Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1531/19.4YRLSB-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
UNIÃO ESTÁVEL
ESCRITURA DECLARATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Inexistindo na “escritura de união estável” outorgada pelos requerentes em 7/1/2011 qualquer decisão proferida por autoridade administrativa, ainda que de natureza homologatória, improcede a pretensão dos mesmos no sentido da revisão e confirmação desse acto notarial através do presente processo especial de revisão de sentença estrangeira.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Os requerentes propõem a presente acção especial, pedindo a revisão e confirmação da “escritura pública de união estável do Serviço Notarial do 30º Ofício de Notas da cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil, a qual declarou e reconheceu juridicamente a união dos requerentes”.
Juntam certidão da escritura pública que pretendem ver revista e confirmada.
O Exmo. Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer favorável ao pedido.
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 656º do Novo Código de Processo Civil foi proferida decisão singular, aí tendo sido julgada improcedente a pretensão dos requerentes.
Os requerentes vêm requerer que recaia acórdão sobre a matéria da decisão singular, apresentando para tanto as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem na íntegra:
19. Os recorrentes apresentaram Acção de Revisão para confirmação de Escritura Pública de União de Facto lavrada por Notário no Brasil;
20. O Exmo. Dr. Desembargador Relator indeferiu o pedido sob o argumento de que a Escritura Pública de União de Facto não carece de revisão ou confirmação para ter seus efeitos perante o ordenamento jurídico português;
21. Irresignados, os recorrentes, com fundamento no artigo 652º, nº 3, do CPC, reclamam para a conferência, afirmando ser necessária a confirmação/revisão, eis que o Ato Notarial estrangeiro, per se, não é hábil a projetar efeitos em Portugal, conforme jurisprudência do STJ; e afirmando a presença dos requisitos previstos no art.978º do CPC que autorizam a revisão/confirmação da Escritura Pública sob enfoque.
22. Sendo assim, em conferência, requer seja julgado procedente o pedido de Revisão de Sentença Estrangeira, eis que a Escritura Pública de União de Facto carece de prévia revisão/confirmação para ter eficácia perante o ordenamento jurídico Português.
Tendo presente o disposto no art.º 652º, nº 3, do Novo Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
***
Face ao teor da certidão que corresponde ao documento 2 junto com a P.I. (fls. 7) encontra‑se documentalmente provado nos autos que:
1. Com data de 7/1/2011, no cartório do 30º Tabelião de Notas da cidade e Comarca de São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil, os requerentes outorgaram “escritura de união estável” onde declararam, para além do mais, viverem em união estável desde 6/1/2010, tendo adoptado desde o início da convivência o regime da comunhão parcial de bens, que ratificaram, e mais declarando assumirem “total responsabilidade pela declaração ora feita”.
2. Consta ainda dessa escritura que “assim disseram, do que dou fé, a pedido das partes lavrei esta escritura, a qual feita e lhes sendo lida em voz alta, acharam em tudo conforme, aceitaram, outorgaram e assinam”.
Direito aplicável
Nos termos do art.º 980º do Novo Código de Processo Civil, para que uma decisão proferida no estrangeiro seja confirmada torna-se necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para acção nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Não está em causa que, não só uma decisão proferida por autoridade judicial estrangeira pode ser objecto de revisão e confirmação, mas também uma decisão proferida por autoridade administrativa estrangeira (ainda que sob a forma de escritura pública), desde que o ordenamento jurídico respectivo admita que a mesma produza os mesmos efeitos de uma decisão judicial stricto sensu (neste mesmo sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/7/2005, relatado por Moitinho de Almeida e disponível em www.dgsi.pt, e toda a jurisprudência aí mencionada, bem como a subsequente das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça que vem acompanhando tal entendimento).
O que está em causa, antes, é a consideração da existência de uma decisão que careça de ser revista e confirmada em Portugal, nos termos a que alude o art.º 978º do Novo Código de Processo Civil, e que esteja contida na “escritura de união estável” outorgada pelos requerentes em 7/1/2011.
A respeito desta questão afirmou já o Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu acórdão de 28/2/2019 (relatado por Nuno Pinto Oliveira e disponível em www.dgsi.pt), que “o teor do art. 978.º, n.º 2, do Código de Processo deixa claro que a confirmação/revisão da escritura declaratória de união estável não é necessária para que tenha eficácia em Portugal”.
E mais afirma que “independentemente de ser ou não confirmada/revista, a escritura declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro sempre será um simples meio de prova, sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre o reconhecimento de direitos constituídos pela união de facto”, tendo presente que, como decorre do art.º 2º-A, nº 1, da Lei 7/2011 (na redacção da Lei 23/2010), em princípio a prova da união de facto pode ser feita por qualquer meio legalmente admissível.
Sendo por isso que conclui que “nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o acto composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”, com a consequência de a escritura declaratória de união estável apresentada pelos requerentes não poder ser confirmada/revista”.
Tal entendimento foi seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/3/2019 (relatado por Ilídio Sacarrão Martins, disponível em www.dgsi.pt, e que confirmou o acórdão de 25/9/2018 deste Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a decisão sumária que negou a revisão e confirmação de escritura pública de união estável outorgada no Brasil), aí se afirmando que “os requerentes não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte do tabelião que possa servir de base à presente revisão. Apenas declararam que “vivem como se casados fossem desde 15.03.1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua”. Por conseguinte, estamos perante um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou sejam de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal, pelo que a mencionada escritura invocada pelos requerentes, fica excluída do processo de revisão de sentença estrangeira”.
Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 23/5/2019 (proferido no processo 247/19.6YRLSB, relatado por Arlindo Crua e onde o ora relator intervém como 1º adjunto) tal entendimento foi seguido, aí se concluindo que “inexistindo na escritura pública, cuja revisão/confirmação se pretende, qualquer emissão formal de vontade da entidade administrativa, ainda que de natureza ou carácter meramente homologatório, ou mesmo que as declarações dos Requerentes, ali Declarantes, tenham sido caucionadas administrativamente pela ordem jurídica em que foram produzidas, não se pode concluir pela existência de uma decisão susceptível de revisão e consequente confirmação, o que determina, necessariamente, juízo de total improcedência do presente processo especial”.
Por outro lado, e relativamente às decisões sumárias identificadas pelos requerentes (todas proferidas neste Tribunal da Relação de Lisboa), em alguma delas se justifica a necessidade de rever e confirmar o acto notarial estrangeiro em questão, nada se dizendo quanto à afirmação do (inexistente) carácter decisório emergente do teor do mesmo, e não sendo invocado em qualquer uma dessas decisões singulares qualquer argumento susceptível de contrariar a fundamentação constante dos acórdãos acima mencionados.
Ou seja, não existindo qualquer fundamento para divergir da jurisprudência acima referida em primeiro lugar, há que acolher o entendimento em questão, afirmando-se a inexistência de decisão que careça de revisão e confirmação através do presente processo especial, e assim se concluído pela improcedência da pretensão dos requerentes.

Decisão
Por todo o exposto julga-se improcedente a pretensão dos requerentes e, em consequência, não se concede a revisão da escritura melhor identificada nos factos provados.
Tendo presente o decidido quanto a custas, já constante da decisão singular, e mostrando-se paga a taxa de justiça devida pela reclamação para a conferência, nada mais há a determinar, relativamente à responsabilidade tributária dos requerentes.

Lisboa, 24 de Outubro de 2019

António Moreira
Carlos Castelo Branco
Lúcia Sousa