Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10413/15.8T8LSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
FACTOS INSTRUMENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: “I–O princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º, do Código de Processo Civil, apenas opera relativamente aos factos que ao juiz é lícito conhecer.
II–Tal não é o caso relativamente a factos instrumentais que não tendo sido alegados pelas partes, também não são apontados como tendo resultado da discussão da causa.
III–Nem quando se trate de factos instrumentais, de que o juiz possa conhecer, isso autoriza que fique por explicar o próprio meio que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental, a indicação precisa dos termos em que o julgador acedeu ao facto instrumental.”.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

I– MM intentou ação declarativa com processo comum, contra Z, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia de € 97.708,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que:

No ano de 2006 a A. intentou contra a Ré acção declarativa de condenação pedindo a condenação desta, sua senhoria, a efetuar obras de conservação ordinária no locado sito na loja n.º… da Calçada da…, em Lisboa, por forma a que possa utilizar o mesmo para a sua atividade comercial.

Por Sentença de 2 de Março de 2009 a Ré foi condenada «(…) a proceder às obras de conservação ordinária que ainda se encontrem em falta para o pleno e integral gozo por parte da Ré no local arrendado.»,

Decisão essa que transitou em julgado no dia 4 de Janeiro de 2011,

Acontece, contudo, que ainda no decurso da referida acção judicial, a A. viu-se obrigada a efetuar obras de reparação, porquanto o estado de imóvel, dada a sua elevada degradação, além de comportar risco elevado de incêndio não lhe permitia desenvolver a sua atividade profissional, que é o seu único meio de subsistência.

Em consequência das graves infiltrações no imóvel a A. ficou com o seu equipamento estragado e os móveis e mercadoria de venda apodrecidos,

Em 17 de Abril de 2002, a Autora requerera já a notificação judicial avulsa da Ré, com o objetivo de, no prazo de 30 dias após a sua notificação, esta "proceder às obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim contrato e existentes à data da sua celebração, na loja sita na Calçada da …, n.º …, em Lisboa".

Insistindo com a Ré, por carta de 28-03-2004.

Sem resultado, continuando o locado a degradar-se.

Assim, viu-se a A. obrigada a realizar a expensas suas, as obras que discrimina, da maior urgência atento estado em que o imóvel se encontrava, e que impedia a A. de exercer a sua atividade profissional, que é o seu único sustento.

Tendo pago por aquelas o montante de € 79.073,50.

Não obstante ter sido diversas vezes interpelada para realização de obras, a Ré nada fez, continuando a nada fazer, mesmo depois de condenada à realização de obras.

Posto o que assiste à A. o direito ao reembolso por parte da Ré, nos termos do artigo 1036.º do Código Civil.

Contestou a Ré, por impugnação, sustentando nunca ter a A. procedido a quaisquer obras de vulto no locado, tendo somente procedido a pequenos arranjos quer no interior quer no exterior, nunca comunicados à Ré, e de natureza voluptuária.

Sendo que a A. foi despejada do locado, “por Acórdão (…) do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado”, de 16-04-2015.

Remata com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido e a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

O processo seguiu seus termos, com tabelar saneamento, indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido, e considerando não se verificar situação determinante da condenação da A. como litigante de má-fé.

Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1.-O Tribunal de Primeira Instância julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu a Ré do pedido, porquanto considerou não ter a ora Recorrente logrado provar que realizou, a expensas suas, obras no espaço arrendado.

2.-Ora, salvo o devido respeito o Tribunal «a quo» não valorou devidamente a prova testemunhal apresentada pela Recorrente.

3.-Tendo também feito «tábua rasa» da prova documental apresentada pela Recorrente nos autos.

4.-Assim, nos termos e para os efeitos constantes no Artigo 640º Nº1 alínea a) b) e c) do CPC a Recorrente indica como o ponto de facto que considera incorrectamente julgado o seguinte facto que foi dado como não provado:

A A realizou a expensas suas, obras no espaço arrendado.

5.-Foram juntos aos autos, como Documentos 2, 3, 4,5 e 6 juntos com a PI, orçamentos elaborados pela sociedade «…» e respectivos recibos emitidos pela mesma.

6.-Se dúvidas existissem sobre a genuidade dos mesmos, deveria o Tribunal «a quo» ter diligenciado a junção de mais prova, referente à participação destes montantes à Autoridade Tributária, de acordo com o Artigo 602º n1 do CPC, o qual estatui que «o Juiz goza de todos os poderes necessários para assegurar a justa decisão da causa».

7.-Nunca podia era fazer tábua rasa da existência destes documentos e por isso não valorá-los.

8.-Assim, existindo recibos e não tendo ficado provado a falsidade dos mesmos, necessariamente teria que se ter decidido de forma contrária, ou seja, teria que ser tido dado como provado que a Autora pagou à empresa «…» as quantias devidamente discriminadas nos recibos juntos aos autos.

9.-Por outro lado os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrente, nomeadamente as testemunha MM, (gravação de 29/04/2016 às 9,36h), S. A. (gravação de 29/04/2016 às 10,21h), DA (gravação de 29/04/2016), também não foram devidamente valorados.

10.-Pois se tal tivesse acontecido, em conformidade com todas as passagens referidas no presente articulado, o Tribunal a quo teria necessariamente que ter dado como provado que as obras foram efectivamente feitas naquele local e que as mesmas foram liquidadas pela Recorrente, nos montantes exactos constantes dos orçamentos e correspondentes recibos.

11.-Nestes termos, requer-se a este Tribunal Superior que corrija os pontos da decisão de Primeira Instância erradamente julgados e por isso considerados não provados e que em consequência seja julgado como provado que a Recorrente realizou a expensas suas, obras no espaço arrendado, julgando a acção totalmente procedente e em consequência condenando a Recorrida no pedido.”.

Contra-alegou a Ré, pugnando pela manutenção do julgado, exceto no tocante à condenação da ora apelante, enquanto litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ora apelada.

II–Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Recorrente.

Retirando, na positiva, as consequências que se impuserem em sede de mérito da ação.

*

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

“1-Em 1976, a R. cedeu à A. o gozo do rés-do-chão do prédio sito na Calçada da …, nºs …, Lisboa, para pronto-a-vestir, mediante a renda mensal de Esc. 5.000,00.

2-No processo …, foi a ora R. condenada, por sentença proferida a 2 de março de 2009, transitada em julgado a 4 de janeiro de 2011, “a proceder às obras de conservação ordinárias que ainda se encontrem em falta para o pleno e integral gozo… do local arrendado” pela ora A.

3-A 24 de abril de 2002, aquando de vistoria efetuada pela Câmara Municipal de Lisboa ao imóvel, esta edilidade constatou a existência, no espaço referido no ponto 1, de teto falso com zonas abauladas e vestígios de escorrências de águas de origem pluvial; paredes acima do teto falso com repasses de humidade e reboco em desagregação; risco de curto-circuito nas caixas de derivação de eletricidade; paredes com repasses de humidade e afloramentos salitrosos junto do rodapé, na loja nº 1; teto com tinta empolada, manchas de humidade, afloramentos salitrosos e vestígios de escorrências de águas de origem pluvial, na loja nº …; e intradorso da porta na parede de paramento da fachada principal com parcela de reboco aluída e restante empolada e em vias de aluir.

4-Devido ao estado de degradação do prédio identificado no ponto 1, não era possível o exercício de qualquer atividade comercial no espaço referido no ponto 1.”.

*

Tendo-se julgado não provado que:

“1-Durante a pendência da ação …, a A. realizou, a expensas suas, obras no espaço referido no ponto 1 pelas quais pagou a quantia de € 97.708,00.”.

***

Vejamos.

1.-Propugna a Recorrente, como visto, o provado de ter realizado, a expensas suas, as alegadas obras no locado.

Convocando, em sustentação do assim correspondentemente invocado erro de julgamento, na 1ª instância, e por um lado, os documentos n.ºs 2, 3, 4, 5 e 6, juntos com a PI, a folhas 53 a 60, que refere como sendo “orçamentos elaborados pela sociedade «…» e respectivos recibos emitidos pela mesma”.  

E, por outro, os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrente, “nomeadamente as testemunhas MM, (…), S A (…), DA”.

Sendo que se consignou na decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, e no que agora interessa:

“A R. impugnou a genuinidade dos documentos de fls. 53 a 60.

De tais documentos consta assinatura atribuída à testemunha DA.

Do reconhecimento pela testemunha DA das assinaturas não se pode extrair, sem mais, que a sociedade «…» realizou as obras descritas nos orçamentos a pedido da A. pelo preço global de € 97.708,00 e que a A. pagou tal quantia.

A testemunha DA declarou que a sociedade «…» realizou as obras e a A. pagou.

Contudo, o tribunal tem dúvidas sobre a isenção do depoimento de tal testemunha.

A mesma, reconhecendo que vive em união de facto com SA, filha da A., declarou que conheceu a S. A. quase no final da obra.

No entanto, resulta do documento de fls. 103 a 108 que, a 23 de março de 2007, foi registada a designação de S. A. como gerente da sociedade «…»; que, a 7 de novembro de 2008, foi registada a cessação de funções da SA; e que, a 24 de março de 2009, foi registada a alteração do contrato de sociedade, passando a testemunha DA a ser sócio da sociedade «…» com uma quota de € 100,00, e foi registada a designação da testemunha DA como gerente.

A testemunha DA explicou que, à data da celebração do alegado contrato de empreitada com a A., já tinha celebrado acordo de cessão das quotas com o sócio da sociedade «…» JP, mas não tem explicação para o facto de, naquela data, a gerente da sociedade «…» ser a filha da A.

Confrontado com o facto de constar da fatura de fls. 55 a taxa do IVA de 21%, mas só aplicada a taxa do IVA de 23% se apura o montante indicado como total do IVA, a testemunha DA não conseguiu explicar.

Importa não esquecer que a taxa de IVA foi alterada de 21% para 23% em 2011.

Da informação de fls. 226 e 227 resulta que SN foi técnica oficial de contas da sociedade «…» até 9 de outubro de 2009 enquanto trabalhadora da “T, Lda”, sociedade para a qual a testemunha DA trabalhou, conforme resulta da informação de fls. 129.

Daqui não se pode extrair que a testemunha DA “fabricou” - usando a expressão usada pelo ilustre mandatário da R. - os documentos de fls. 54, 55 e 58 a 60, mas pode-se extrair que os podia ter “fabricado”.

O tribunal tem também dúvidas sobre a isenção do depoimento da testemunha SA, filha da A.

Tal testemunha afirmou que a obra foi adjudicada à sociedade «…» por esta ter sido a sociedade que ofereceu melhores condições de pagamento.

Confrontada com o facto de resultar do documento de fls. 103 a 108 que, a 23 de março de 2007, foi registada a sua designação como gerente da sociedade «…» a testemunha S. A. afirmou que a sociedade precisava de um arquiteto para assinar projetos.

Apesar de ter admitido que viveu com a testemunha DA, não reconheceu viver atualmente com ele, caindo em contradição com o depoimento desta testemunha.

A testemunha S. A. reconheceu que a R. fez obras no prédio, mas não sabia se tinham sido feitas antes ou depois das obras realizadas pela A. É estranho este desconhecimento, sobretudo porque a testemunha é da área da arquitetura e reabilitação, pois não faz sentido avançar com as obras no arrendado sem a R. ter reparado o que causava as infiltrações.

A testemunha MM, amiga da A., declarou que a A. realizou obras em 2000/2001.

As testemunhas HF e MS, marido e amigo da sócia gerente da R., declararam que foram ao arrendado no Natal de 2007 e que a loja estava a precisar de obras.

Inspecionar o local não permite esclarecer se o arrendado foi ou não objeto de obras, pois a testemunha S. A. e a A. declararam que as infiltrações continuam.

A A., em declarações de parte, afirmou que requereu procedimento cautelar com vista a fazer as obras e que deu início às obras depois da decisão no procedimento cautelar.

Contudo, não juntou certidão judicial comprovativa do afirmado.

Declarou ainda que pagou o preço da empreitada com dinheiro que o banco emprestou. Contudo, não juntou documento comprovativo do empréstimo bancário.

Declarou que pagou o preço em “dinheiro vivo”. Tal justifica a falta de junção de documentos comprovativos do pagamento do preço, mas não convence, atentos os montantes em causa.

Do documento de fls. 15 a 52 resulta que, na sentença referida no ponto 2 da matéria de facto provada, foi considerado provado que a loja reabriu “no segundo trimestre de 2008, após a realização de obras no exterior do prédio e parcialmente no interior”. Só as obras não realizadas no interior do arrendado parecem justificar a condenação da R. “a proceder às obras de conservação ordinárias que ainda se encontrem em falta para o pleno e integral gozo… do local arrendado” pela ora A.

Se as obras, a expensas da A. foram realizadas em 2007, porque razão o tribunal onde correu a ação identificada no ponto 2 da matéria de facto provada, em data não anterior a 2 de dezembro de 2008 (cf. fls. 96), atendeu às obras realizadas pela R. na pendência da ação e não atendeu às obras realizadas pela A.?

Daí a matéria de facto não provada.”.

2.-No que aos documentos concerne temos que efetivamente foi a “genuinidade” daqueles impugnada, “porque os mesmos não correspondem a quaisquer obras feitas no locado que foi da Autora (…) nos termos do artigo 444 do Código de Processo Civil”, cfr. artigo 15º da contestação.

Posto o que – e certo ainda não se tratar de documentos cuja autoria fosse atribuída à Ré – sempre aqueles, e no que respeita à prova da realização e custeio das obras, estariam sujeitos à livre apreciação do tribunal, cfr. artigo 607º, n.º 5, 1ª parte, do Código de Processo Civil.

Sem prejuízo de sobre a A. recair o ónus da prova dos factos cuja demonstração visou, com a junção dos mesmos documentos, cfr. artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.

Logo sendo de frisar o que na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto se assinalou, relativamente à “compatibilidade” do montante do IVA – € 3.484,50 – na fatura de folhas 55, datada de 23-11-2007, com a taxa de 23%...que não já com a taxa de 21%, ali referida como aplicada…sendo certo que o aumento da taxa normal de 21% para 23%, se verificou por força da Lei do Orçamento do Estado para 2011, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011.

O que, só por si, e nada tendo a testemunha DA sabido esclarecer a propósito, logo afeta significativamente a valoração do conteúdo de tais documentos.

Recorde-se ter aquela testemunha referido, no seu depoimento, que “eventualmente não lhe sei explicar porquê” tal “conformidade” do montante do IVA, naquela fatura, com a taxa, que então não vigorava, de 23%.

E “Eu também gostaria de saber” (sic).

Quando certo é ter a mesma testemunha assumido que “não sei se nessa altura (2006/2007) já seria sócio gerente (da «…») mas eu tinha um contrato desde 2004 com o antigo dono que era o Sr. JP da cedência e compra de uma parte da empresa eu trabalhava nessa empresa eu era o contabilista da empresa na altura por questões financeiras eu tive que financiar esta empresa e daí houve uma cedência de quotas eu era o dono da empresa de contabilidade e depois comprei uma parte da empresa.”.

E mais adiante: “Eu não era o contabilista eu era o dono da empresa de contabilidade.

Tendo respondido, a instância do Mandatário da Ré, sobre se “era o responsável pela faturação pela emissão dessas faturas da sua empresa de contabilidade?”, que: Sim, era o responsável, quem autorizava ou não.”.

Anuindo – “Sim” – quanto a serem as faturas “feitas” com um programa informático, que “Na altura era uns programas da S…”, e que se introduzia um número, o valor da taxa do IVA era aquela (que vigorava) e saía com o valor certo…

3.-Tratando agora estritamente dos convocados depoimentos – e em quanto não se antecipou já relativamente ao de DA, temos que da reprodução do registo áudio respetivo decorre a justeza da apreciação feita na 1ª instância.

Assim, e, na circunstância, apenas respigando, constata-se que:

MM, amiga da A., foi absolutamente inconsequente no que respeita ao período em que as obras alegadamente feitas pela A. no locado, teriam tido lugar, situando-as, reiteradamente, ao longo do seu depoimento, em 2000/2001, sendo assertiva quanto a não ter havido mais obras depois disso: Não houve mais obras.

Quando certo é que as obras cujo pagamento a A. reclama, teriam sido, alegadamente, realizadas “ainda no decurso” da ação que intentada foi pela A. No ano de 2006”

S. A. – arquiteta, filha da A. – e DA - caíram, nos seus depoimentos, em inúmeras incongruências e inverosimilhanças, que abalaram definitivamente a credibilidade daqueles.

Assim, a primeira, pretendeu ter conhecido o segundo por isso que “na altura esse senhor era dono desta empresa («…») nós contactámo-lo para fazer esta obra eu acabei por o conhecer no decurso da obra (…)”.

E terem sido contactadas várias empresas acabando por ser a obra adjudicada à «…», por ser a que havia apresentado a melhor proposta a ela e a sua mãe.

Quando certo é que em 23 de Março de 2007 já a testemunha constava no registo comercial como gerente daquela empresa...

Tendo dito que “Começámos a pedir orçamentos em 2006”, mas como tiveram que pedir empréstimos, “estas obras, quando elas foram feitas foi no verão seguinte, Agosto de 2007.

Ou seja, quando as alegadas obras foram “adjudicadas” à United Family…já a testemunha, filha da A., era gerente daquela empresa… desconhecendo porém o “dono” daquela que só veio a conhecer no decurso da obra…

…E com o qual estabeleceu um relacionamento, que refere ter terminado, embora ressalvando que “continuamos a dar-nos bem”, mas quanto a viverem em união de facto “neste momento não”… “agora não”, sendo mesmo que, “Provavelmente desde 2010” que não vive com DA…

…Contra o que é afirmado pelo dito DA, que se assumiu “atualmente”, como “genro” da A., vivendo com a SA: “Vivemos sim”.

Referindo-se a testemunha MM, a DA, como sendo o “marido” da filha da A.

Sendo que confrontado aquele último, pela Senhora Juíza, com o facto de ter a filha da A. afirmado que de momento já não viviam juntos, referiu, nestes “lapidares” termos:

“Nós temos moradas em locais diferentes se for ser visto do ponto de vista legal vivemos separados se formos ver do ponto de vista objetivo 90% das vezes estamos juntos.”

E “eu posso ver do ponto de vista legal se eu estou no tribunal se formos ver do ponto de vista legal nós vivemos separados temos moradas separadas”

Para além de que “Peço desculpa mas não vou discutir a minha vida pessoal” (sic).

Manifestando, a SA, quando inquirida pela Senhora Juíza, desconhecer que sua mãe tinha sido, entretanto, despejada do locado: “Isso eu não tenho conhecimento e nem sabia isso é uma novidade para mim”…?!.

Justificando que a sua mãe era muito orgulhosa e muito ciosa das suas coisas relacionadas com a loja, pelo que as não partilhava…

Como também que aquela “é muito específica nas coisas dela, em termos de pagamentos”, posto o que não lhe referiu como é que ela “entregou o dinheiro”.

Embora, em desarmonia – de acordo com o senso comum – já assuma que os alegados empréstimos para realizar as obras no locado foram tratados com toda a colaboração da sua parte, à sua mãe: “eu ajudei no que pude, a fazer as hipotecas, incluindo (?) o meu nome, créditos pessoais e tudo, que depois foram incorporados na nossa hipoteca de casa, própria”. Garantindo que o dinheiro dos empréstimos foi “direto” para os “empreiteiros”…sem saber porém concretizar como foram feitos tais pagamentos, se em cheque, por transferência ou “em numerário”… sendo gerente da empresa emissora das faturas em causa.

Também a testemunha da não sabendo por que meio esses alegados pagamentos à «…» foram efetuados, justificando que “na altura deveria estar preocupado com outro tipo de situações” (sic).

Não podendo deixar de se assinalar a postura evasiva, se não hostil, de ambas as testemunhas, designadamente quando a instâncias do Mandatário da Ré, ou a interrogatório da Senhora Juíza, e perante pedidos de esclarecimento relativos ao seu relacionamento recíproco – absolutamente justificados atentas as contradições constatadas, e sendo tal importante para o contextualizar da “emissão” das faturas em causa – responderam – a primeira – “o que é que isso é relevante para o processo em questão?”, ou – a segunda – “peço desculpa mas não vou discutir a minha vida pessoal”.

*

Em suma, e como antecipado, também nesta vertente dos convocados depoimentos de testemunhas, não logra a Recorrente encontrar sustentáculo para o provado da realização, a expensas suas, de obras no locado.

E nem se diga, como o faz a Recorrente, que “Se dúvidas existissem sobre a genuidade” das faturas e recibos juntos com a petição inicial, “deveria o Tribunal «a quo» ter diligenciado a junção de mais prova, referente à participação destes montantes à Autoridade Tributária, de acordo com o Artigo 602º nº1 do CPC, o qual estatui que «o Juiz goza de todos os poderes necessários para assegurar a justa decisão da causa»”.

Por um lado, a participação do recebimento dos correspondentes montantes à Autoridade Tributária, não seria prova definitiva da entrega daqueles – para pagamento das obras alegadamente realizadas no locado – pela A., à empresa de que sua filha era, já à data daquelas, gerente…vivendo, ainda hoje, ou tendo vivido pelo menos até 2010 – consoante as versões – em “união de facto” com o “dono” , da mesma empresa…que à data das alegadas obras já era sócio “de facto”.

Ademais quando se considere o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, que contrariam a efetividade de tais obras.

Por outro – e para lá de o concitado artigo 602º, do Código de Processo Civil, interessar apenas à gestão da audiência final – conquanto o princípio do inquisitório se mostre consagrado no artigo 411º, do mesmo Código, estabelecendo incumbir “ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” – aflorando ainda em várias outras disposições do mesmo Código do Processo Civil, v.g., 436º - “Requisição de documentos” - 477º - “Perícia oficiosamente determinada” - 526º - “Inquirição por iniciativa do tribunal” – ponto é que, como refere Paulo Pimenta,[1] “É evidente que as partes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendem fazer uso nos autos, sendo previsível que a omissão de tal indicação lhes seja desfavorável. De resto, não seria próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que fosse o juiz a determinar toda e qualquer diligência de prova, o que redundaria, as mais das vezes, num exercício errático e infrutífero, por falta de um critério mínimo para tal. Na verdade, o inquisitório deve orientar-se por um mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória. Para isso, muito contribuirá o zelo probatório das partes. De todo o modo, uma vez verificados os pressupostos que lhe impõem exercer as incumbências previstas no art 411º, é vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes.”.

Pois bem, a participação à Autoridade Tributária, dos alegados pagamentos, sendo um facto meramente instrumental – posto que, em tese, servindo de base a presunções judiciais no sentido da efetividade de tal pagamento – não tendo sido alegado pela A., também não emergiu da discussão da causa, nem, de resto, foi apontado como tal.

Sendo assim que se não tratava, tal “participação”, de facto de que ao juiz fosse lícito conhecer oficiosamente, cfr. artigo 5º, n 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Nem, logo, se lhe impunha, “diligenciar” pela “junção de mais prova, referente à participação destes montantes à autoridade tributária.”.

Certo, em qualquer caso, que nem quando se trate de factos instrumentais, de que o juiz possa conhecer, isso “autoriza que fique por explicar o próprio meio
que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental (que é o
facto conhecido
que suporta a ilação que conduzirá ao
facto desconhecido, isto é ao facto essencial). É que faz necessariamente parte da motivação da convicção subjacente ao julgamento de facto baseado em factos instrumentais a indicação precisa dos termos em que julgador acedeu ao facto instrumental. Caso contrário, por muito esclarecida que fosse a dedução feita a partir do facto instrumental, sempre ficaria por explicitar o quadro subjacente à
 dedução e, com isso, por fundamentar devidamente o juízo relativo ao próprio facto essencial.”.
[2]

*

Improcedendo destarte, e sem necessidade de maiores considerações, as conclusões da Recorrente.

Sendo que na subsistência do quadro fáctico respetivo, sempre teria a ação que improceder.

*

Não há elementos para, em segurança, tendo em atenção o acervo fáctico disponível, concluir pela litigância de má-fé, de banda da Recorrente.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

***

Lisboa, 2017-04-06

(EzagüyMartins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


[1]In “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 342.
[2]Idem, págs. 328-329.